Se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo de previdência privada complementar para a subsistência do participante e de sua família, estará caracterizada a sua natureza alimentar e, portanto, a impenhorabilidade dos valores. Este foi o
entendimento majoritário da Segunda Seção do STJ, ao julgar o EREsp 1121719 em 24/02/2014, que pacificou tese
sobre o tema. A relatora, ministra Nancy Andrighi, considerou desproporcional a
indisponibilidade imposta ao ex-diretor do Banco Santos Ricardo Ancêde Gribel.
Com a decisão, foi determinado o desbloqueio do saldo existente em seu fundo de
previdência privada complementar. Gribel presidiu o Banco Santos por apenas 52
dias, a partir de 11 de junho de 2004. Com a intervenção decretada pelo Banco
Central em novembro de 2004 – sucedida pela liquidação e, depois, pela falência
–, Gribel e os demais ex-administradores tiveram todos os seus bens colocados
em indisponibilidade, conforme determina a Lei 6.024/74.
Em 2005, após ter o desbloqueio
negado na via administrativa, Gribel pediu ao juízo da 2ª Vara de Falências e
Recuperações Judiciais de São Paulo – onde tramita ação civil pública movida
pelo Ministério Público, sucedido pela Massa Falida do Banco Santos – o
levantamento dos valores mantidos sob indisponibilidade relativos a plano de
previdência privada complementar. O pedido foi negado. O ex-diretor recorreu ao
tribunal estadual, por meio de agravo, mas o pedido foi novamente negado. No
STJ, o recurso especial foi rejeitado pela Quarta Turma, por maioria, ao
fundamento de que o saldo de depósito em PGBL (Plano Gerador de Benefício
Livre) não ostenta caráter alimentar e, portanto, é suscetível de penhora. Gribel,
então, apresentou novo recurso no STJ, chamado embargos de divergência, para
que a questão fosse levada a julgamento na Segunda Seção, composta pelos
ministros da Terceira e da Quarta Turmas, órgãos que analisam matéria de
direito privado. Ele citou julgamento realizado na Terceira Turma (REsp
1.012.915), que, ao contrário da Quarta Turma, reconheceu a impenhorabilidade
dos fundos de previdência privada, “seja porque possuem natureza de pecúlio,
seja porque deles resultam os proventos de aposentadoria”.
Na aplicação em PGBL, o
participante faz depósitos periódicos, os quais são aplicados e transformam-se
em uma reserva financeira, que poderá ser por ele antecipadamente resgatada ou
recebida em data definida, seja em única parcela, seja por meio de depósitos
mensais. Ao analisar o caso na Segunda Seção, a ministra Nancy Andrighi
ressaltou que o participante adere a esse tipo de contrato com o intuito de
resguardar o próprio futuro ou o de seus beneficiários, garantindo o recebimento
de certa quantia, que julga suficiente para a manutenção futura do padrão de
vida. Assim, para a ministra, a faculdade de resgate das contribuições não
afasta a natureza essencialmente previdenciária – e, portanto, alimentar – do
saldo existente naquele fundo. “A mesma razão que protege os proventos advindos
da aposentadoria privada deve valer para a reserva financeira que visa
justamente assegurá-los, sob pena de se tornar inócua a própria garantia da
impenhorabilidade daqueles proventos”, afirmou a ministra.
No entanto, a ministra Andrighi
advertiu que a impenhorabilidade dos valores depositados em fundo de
previdência privada complementar deve ser avaliada pelo juiz caso a caso, de
modo que, se as provas dos autos revelarem a necessidade de utilização do saldo
para a subsistência do participante e de sua família, estará caracterizada a
natureza alimentar. “A menos que fique comprovado que, no caso concreto, o
participante resgatou as contribuições vertidas ao plano, sem consumi-las para
o suprimento de suas necessidades básicas, valendo-se, pois, do fundo de
previdência privada como verdadeira aplicação financeira”, o saldo existente
estará protegido pelo artigo 649, IV, do Código de Processo Civil (CPC).
O julgamento ficou empatado e foi
definido pelo presidente da Segunda Seção. Em voto-vista, o ministro Luis
Felipe Salomão afirmou que não concorda com a penhora dos valores sem qualquer
exame dos fatos pelo juiz, do mesmo modo que não defende a sua
impenhorabilidade absoluta. Ele considerou o caso julgado peculiar, a ponto de
ensejar a flexibilização da regra da indisponibilidade, reconhecidamente
rígida. Salomão observou que o ex-diretor do Banco Santos, aos 70 anos, está
impedido de exercer qualquer cargo em instituições financeiras. Observou também
que os recursos do fundo de previdência foram depositados ao longo de 20 anos,
antes de Gribel entrar na diretoria do banco. Isso, no entender do ministro,
demonstra a intenção de ter os recursos como alimentos futuros, não como mera
aplicação financeira. “A questão relativa à impenhorabilidade, obviamente
decorrente da natureza alimentar do capital acumulado no plano de previdência,
deve ser aferida pelo juízo mediante análise das provas trazidas aos autos,
tendentes a demonstrar a necessidade financeira para a subsistência da parte,
de acordo com as suas especificidades”, concluiu. A Seção, por maioria,
determinou o desbloqueio do saldo existente em fundo de previdência privada
complementar. Além do ministro Salomão, acompanharam a relatora os ministros
João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino e Antonio Carlos Ferreira.
Votaram vencidos os ministros Raul Araújo, Isabel Gallotti, Villas Bôas Cueva e
Marco Buzzi.
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