APELAÇÃO. AÇÃO REPARATÓRIA. INVIOLABILIDADE PROFISSIONAL DO ADVOGADO. IMUNIDADE RELATIVA. UTILIZAÇÃO DE EXPRESSÕES E FATOS QUE NÃO GUARDAM QUALQUER RELAÇÃO COM O MÉRITO DA CAUSA. DANO MORAL CONFIGURADO. LIMITES DA IMUNIDADE PROFISSIONAL EXTRAPOLADOS. O art.133, da Constituição da República é a base constitucional da origem de toda a importância conferida ao advogado pelo sistema normativo brasileiro. O advogado não deve nunca defender privilégios, não medindo esforços para que sejam respeitados os direitos e garantias fundamentais contemplados na Constituição da República. Para que o advogado cumpra seu papel o próprio texto constitucional dotou-lhe de certas prerrogativas, dentre as quais a indispensabilidade e a inviolabilidade. A inviolabilidade do advogado está atrelada ao exercício da sua profissão e aos limites da lei. Ela existe porque o advogado, sem sombra de dúvida, cumpre o papel de lutar pelos direitos e garantias, sobretudo constitucionais, contra o arbítrio, principalmente do Estado. Por isso, o advogado goza de uma situação jurídica de liberdade, necessária à sua função combativa contra quem quer que viole o ordenamento jurídico, inclusive quando agindo em detrimento das decisões e normas emanadas do próprio Estado, sem que seja legítima ou legal qualquer possibilidade de perseguição. A inviolabilidade, contudo, tem limites e deve ser ajustada à sua característica de prerrogativa necessária ao exercício da profissão. Os advogados prestam importante serviço e contribuição para o bom exercício da Justiça, sendo natural que, no exercício regular da atividade, o façam até com ardor e veemência. Contudo, nunca podem deixar de lado o essencial, que é a defesa da causa para uma luta contra o colega adverso, ofendendo-lhe a honra desnecessariamente, fora dos limites da causa ou da defesa de direitos e prerrogativas de que desfrutam. Sendo assim, a análise do excesso cometido pelo advogado no desempenho da atividade profissional deve ser avaliada casuisticamente, observando-se sempre os critérios da razoabilidade e proporcionalidade. Feitas tais considerações, entendo que a sentença não deu correta solução à lide. Com efeito, analisando os documentos acostados aos autos, precipuamente a peça de resposta, fica evidente que o advogado da parte ré excedeu os limites do direito de defesa, bem como a prerrogativa da imunidade profissional. A ação proposta atribuía a parte ré a prática indevida de envio de e-mails não autorizados para o autor (spammer), que alegou, em sua inicial, que, apesar de exigir o término dos envios, não teve seu pedido atendido, o que lhe causou enorme aborrecimento. O réu, por sua vez, iniciou a sua contestação narrando fatos pessoais do autor, que não guardavam qualquer relação com o mérito da causa. Após arguir uma preliminar de ilegitimidade, o réu inicia sua defesa atribuindo ao autor envolvimento em práticas nebulosas e envolvimento com jornais clandestinos. Não satisfeito, após tecer comentários sobre o jornal que o autor trabalha, a defesa passou a desferir ataques pessoais, aduzindo, que o réu é pessoa cheia de desafetos, polêmica e que responde a processos criminais. Com efeito, verifica-se que a narrativa perpetrada pela ré não guarda qualquer relação com a questão referente ao envio de spams para o autor, tratando-se de alegações de cunho pessoal e pejorativo. Ora, não possui qualquer relevância o fato de o autor responder a processo criminal ou ter relação com suposto jornal clandestino. O único desiderato da parte, portanto, ao tecer tais considerações, foi desqualificar a figura do autor, o que obviamente excede o limite da imunidade da advocacia. É evidente que, ainda que haja desavenças anteriores entre as partes, tal fato não autoriza o uso de expressões pejorativas e injuriosas, que afrontem a honra e dignidade pessoal do outro. Nesse passo, ainda que o réu alegue que teve a intenção de demonstrar que o autor estava agindo de má-fé no ajuizamento daquela ação, tal alegação deve se basear em fatos constantes dos autos e não em questões pessoais. Ademais, o fato de o réu ter retirado as informações de uma reportagem ou de sites públicos não o isenta de sua responsabilização, porquanto, conforme já mencionado, as questões narradas não guardam qualquer relação com o processo, de forma que se pode concluir que apenas foram utilizadas para ofender e desqualificar o autor. Ressalte-se, por oportuno, que, ainda que o autor efetivamente responda a processo criminal ou esteja envolvido nas supostas "práticas nebulosas", não é obrigado a ler tais reportagens no bojo de um processo cível, que em nada se relaciona com o mérito. Por fim, certo é que o argumento do sentenciante, no sentido de que as expressões ficaram restritas ao processo, não afasta o dano moral sofrido, porquanto a pessoa ofendida era o próprio autor, não sendo necessária para a configuração de ofensas que essas sejam públicas ou sejam difundidas. Dano moral configurado. Quantum reparatório fixado, em obediência aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Quantificação que considera a gravidade da lesão, sendo o valor arbitrado compatível com a expressão axiológica do interesse jurídico violado, na perspectiva de restaurar o interesse violado, obedecidas a razoabilidade, proporcionalidade, equidade e justiça, atendendo as funções punitiva, pedagógica e compensatória. Provimento parcial do recurso. |
0010377-36.2014.8.19.0066 - APELAÇÃO |
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL |
Des(a). RENATA MACHADO COTTA - Julg: 26/07/2017 |
Blog de direito civil dos professores Carlos Nelson Konder e Cintia Muniz de Souza Konder
terça-feira, 30 de janeiro de 2018
ADVOGADO IMUNIDADE PROFISSIONAL LIMITES DE ATUAÇÃO PROFISSIONAL DO ADVOGADO DANO MORAL
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