A Terceira Turma do STJ, ao
julgar o REsp 1209474 em 19/09/2013, reconheceu ao cônjuge sobrevivente o direito de pleitear indenização de danos morais pela cobrança de dívida inexistente contra o nome do falecido, mesmo que o suposto fato gerador da dívida tenha ocorrido após a morte. Com a decisão, a empresa American
Express Tempo e Cia. terá de pagar indenização por danos morais a uma viúva
cujo marido teve o nome incluído nos órgãos de proteção ao crédito dois anos
após seu falecimento. Acompanhando o voto do relator, ministro Paulo de Tarso
Sanseverino, a Turma proveu parcialmente o recurso da viúva e do espólio do
falecido contra a empresa. O recurso discutia a legitimidade da viúva e do
espólio para o pedido de indenização por danos morais, bem como a legitimidade
da viúva para o pedido de declaração de inexistência do contrato de cartão de
crédito. A Turma concluiu que o espólio não pode sofrer dano moral por
constituir apenas um conjunto de bens e direitos, representado pelo
inventariante para questões relativas ao patrimônio do falecido. Para os
ministros, no entanto, a viúva detém legitimidade para reclamar a indenização
pelos prejuízos decorrentes da ofensa à imagem (direito de personalidade) do
falecido marido.
Em 2006, a viúva e o espólio tomaram
conhecimento da cobrança extrajudicial feita pela empresa, de um débito em nome
do falecido no valor de mais de R$ 15 mil. O problema é que o contrato foi
feito após a morte do cidadão, ocorrida em 2004. Mesmo assim, o nome do morto
foi parar nos cadastros de maus pagadores. A viúva e o espólio ajuizaram ação
pedindo a declaração de inexistência do contrato e indenização de cunho moral. A
sentença considerou a viúva sem legitimidade para a pretensão declaratória, sob
o fundamento de que não há menção ao seu nome na falsa contratação. Também
reconheceu a ilegitimidade do espólio quanto à pretensão indenizatória. Mas
atendeu o pedido do espólio para declarar inexistente o contrato, e também o
pleito indenizatório da viúva, condenando a empresa ao pagamento de danos
morais no valor de R$ 5.700,00, com juros e correção monetária. No julgamento
das apelações, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso
da viúva e do espólio e deu parcial provimento ao da empresa, para afastar a
condenação por danos morais. Para o tribunal, a viúva não sofreu cobrança
vexatória. A viúva e o espólio recorreram ao STJ sustentando legitimidade ativa
de ambos para a ação indenizatória e pedindo a reparação pelos prejuízos
extrapatrimoniais.
Em seu voto, o ministro Paulo de
Tarso Sanseverino comentou que já é corriqueira a ação de pessoas
inescrupulosas especializadas na contratação de cartões de crédito com o CPF de
pessoas falecidas. Como a administradora do cartão de crédito, normalmente,
celebra seus contratos via telefone ou internet, sem exigir a presença física
do consumidor, ela só toma conhecimento da fraude quando deflagra os
procedimentos para cobrar as faturas não pagas. Segundo o ministro, a
jurisprudência do STJ é tranquila no sentido de que o apontamento indevido do
nome de consumidores em órgãos de proteção ao crédito produz danos morais,
gerando obrigação de indenizar por quem procede à inscrição. Porém, ele
observou que a peculiaridade no caso era a celebração do contrato de cartão de
crédito após o óbito do usuário.
De acordo com Paulo de Tarso
Sanseverino, os direitos de personalidade se encerram com a morte da pessoa
natural, como fixado no artigo 6º do Código Civil, mas na doutrina jurídica
restam dúvidas sobre a possibilidade de alguma eficácia post mortem de tais
direitos. Depois de enumerar as posições doutrinárias a respeito, o ministro
afirmou que na legislação brasileira, a exemplo do direito português, “há
previsão legal expressa de proteção post mortem desses direitos em alguns casos
específicos”. Ele citou os artigos 12 e 20 do Código Civil, que tratam de
direitos de personalidade e cujos parágrafos únicos preveem a legitimidade
ativa do cônjuge sobrevivente ou de parentes. Nas Jornadas de Direito Civil
promovidas pelo Conselho da Justiça Federal, foi aprovado o entendimento de que
essa legitimação se estende ao companheiro.
“O espólio não pode sofrer dano moral”, disse
o ministro, “mas o cônjuge e os herdeiros da pessoa falecida podem postular uma
reparação pelos prejuízos causados, após a sua morte, por um ato ilícito que
atinge sua imagem e memória.” Com isso, a Turma deu provimento ao recurso para
restabelecer a sentença em relação aos danos morais. Quanto à legitimidade da
viúva para pedir a declaração de inexistência da dívida, Sanseverino afirmou
que o contrato do cartão de crédito poderia repercutir em seu quinhão
hereditário. “Tanto o espólio quanto a viúva tinham interesse e legitimidade de
ver declarada inexistente a obrigação. Esta enquanto herdeira legítima, e
aquele como responsável pelas dívidas deixadas pelo falecido”, disse o relator.
No entanto, como a pretensão declaratória do espólio já havia sido acolhida
pelas instâncias ordinárias, a Turma considerou prejudicado o mesmo pedido
feito pela viúva.
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