Para a caracterização da fraude contra credores não é imprescindível a existência de consilium fraudis –
manifesta intenção de lesar o credor –, bastando, além dos demais requisitos previstos em lei, a comprovação
do conhecimento, pelo terceiro adquirente, da situação de insolvência do devedor (scientia fraudis).
Com base nesse entendimento, a Quarta Turma, por unanimidade, declarou ineficaz a alienação de um imóvel
rural para permitir que ele sirva de garantia de dívida de devedores insolventes.
Segundo o STJ, a fraude contra credores não gera a anulabilidade do negócio, mas sim a retirada parcial de
sua eficácia em relação a determinados credores, permitindo a execução judicial dos bens que foram
fraudulentamente alienados.
Na origem, a ação visava a anulação de alienações de um imóvel rural sob o argumento de que se configurou
fraude contra credores. Segundo o processo, a propriedade rural foi objeto de cerca de dez vendas em
sequência, em pouco mais de quatro meses, com grande disparidade de valores.
O Tribunal de Justiça de Goiás confirmou a sentença de primeiro grau e julgou improcedente o pedido de
declaração de fraude, por considerar ausente o requisito do consilium fraudis, exigindo dos credores a
comprovação de que tivesse havido conluio para lesar o credor nas sucessivas operações de compra e venda
do imóvel.
Requisitos
Ao reformar o acórdão do TJGO, o relator, desembargador convocado Lázaro Guimarães, acolheu as
considerações feitas pelo ministro Luis Felipe Salomão em seu voto-vista.
De acordo com o relator, a comprovação da ocorrência de fraude contra credores exige o preenchimento de
quatro requisitos legais: que haja anterioridade do crédito; que exista a comprovação de prejuízo ao credor
(eventus damni); que o ato jurídico praticado tenha levado o devedor à insolvência; e que o terceiro adquirente
conheça o estado de insolvência do devedor (scientia fraudis).
O ministro Salomão frisou que, se prevalecesse o entendimento do TJGO, tal interpretação dificultaria a
identificação da fraude contra credores, especificamente em relação ao propósito de causar dano.
“O que se exige, de fato, é o conhecimento, pelo terceiro, do estado de insolvência do devedor, sendo certo que
tal conhecimento é presumido quando essa situação financeira for notória ou houver motivos para ser
conhecida do outro contratante”, explicou o ministro.
Efetividade
Para Salomão, a jurisprudência mostra a necessidade de se garantir, na interpretação das regras atinentes à
fraude contra credores, a operabilidade do instituto, sob pena de sua inviabilização. Por isso, segundo o
ministro, é preciso evitar interpretações que conduzam à “imposição de ônus de prova dificílima ou diabólica”,
como aconteceria se fosse obrigatório ao credor provar a existência do liame subjetivo entre devedor e terceiro,
bem como do específico propósito de causar dano ao credor.
Salomão ressaltou ainda que a doutrina e a jurisprudência apresentam importantes precedentes para conferir
mais efetividade, utilidade prática e operabilidade ao instituto da fraude contra credores, entre eles o
entendimento de que, em ação pauliana (ação para desconstituir a alienação de bens do devedor insolvente),
cabe ao devedor o ônus de provar sua solvibilidade.
“Em matéria de fraude contra credores, possuem grande importância as provas circunstanciais, os indícios, as
presunções, sendo certo, ademais, que se deve ter, diante do caso concreto, uma visão global e de conjunto da
cadeia de acontecimentos, sobretudo naquelas hipóteses que envolvem a prática de uma miríade de atos
jurídicos encadeados”, afirmou o ministro.
Processo: REsp 1294462
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