Para a Quarta Turma, foi desproporcional a suspensão do passaporte de um devedor, determinada nos autos de
execução de título extrajudicial como forma de coagi-lo ao pagamento da dívida. Por unanimidade, o colegiado
deu parcial provimento ao recurso em habeas corpus para desconstituir a medida.
A turma entendeu que a suspensão do passaporte, no caso, violou o direito constitucional de ir e vir e o princípio
da legalidade.
O recurso foi apresentado ao STJ em razão de decisão da 3ª Vara Cível da Comarca de Sumaré (SP) que, nos
autos da execução de título extrajudicial proposta por uma instituição de ensino, deferiu os pedidos de suspensão
do passaporte e da Carteira Nacional de Habilitação do executado – até a liquidação da dívida no valor de R$
16.859,10.
Medida possível
Segundo o relator, ministro Luis Felipe Salomão, a retenção do passaporte é medida possível, mas deve ser
fundamentada e analisada caso a caso. O ministro afirmou que, no caso julgado, a coação à liberdade de
locomoção foi caracterizada pela decisão judicial de apreensão do passaporte como forma de coerção para
pagamento de dívida.
Para Salomão, as circunstâncias fáticas do caso mostraram que faltou proporcionalidade e razoabilidade entre o
direito submetido (liberdade de locomoção) e aquele que se pretendia favorecer (adimplemento de dívida civil).
“Tenho por necessária a concessão da ordem, com determinação de restituição do documento a seu titular, por
considerar a medida coercitiva ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir de forma
desproporcional e não razoável”, afirmou.
Medidas atípicas
Salomão afirmou ser necessária a fixação, por parte do STJ, de diretrizes a respeito da interpretação do artigo
139, IV, do Código de Processo Civil de 2015.
De acordo com o ministro, o fato de o legislador ter disposto no CPC que o juiz pode determinar todas as medidas
indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias, “não pode significar franquia à determinação de medidas
capazes de alcançar a liberdade pessoal do devedor, de forma desarrazoada, considerado o sistema jurídico em
sua totalidade”.
“Ainda que a sistemática do código de 2015 tenha admitido a imposição de medidas coercitivas atípicas, não se
pode perder de vista que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que resguarda de
maneira absoluta o direito de ir e vir, em seu artigo 5º, XV”, frisou o relator.
Mesmo assim, o ministro afirmou que a incorporação do artigo 139 ao CPC de 2015 foi recebida com entusiasmo
pelo mundo jurídico, pois representou “um instrumento importante para viabilizar a satisfação da obrigação
exequenda, homenageando o princípio do resultado na execução”.
CNH
Em relação à suspensão da CNH do devedor, o ministro disse que a jurisprudência do STJ já se posicionou no
sentido de que referida medida não ocasiona ofensa ao direito de ir e vir. Para Salomão, neste ponto, o recurso
não deve nem ser conhecido, já que o habeas corpus existe para proteger o direito de locomoção.
“Inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir,
para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo”, afirmou Salomão.
O ministro admitiu que a retenção da CNH poderia causar problemas graves para quem usasse o documento
profissionalmente, mas disse que, nesses casos, a possibilidade de impugnação da decisão seria certa, porém
por outra via diversa do habeas corpus, “porque sua razão não será a coação ilegal ou arbitrária ao direito de
locomoção”.
Outros casos
O relator destacou que o reconhecimento da ilegalidade da medida consistente na suspensão do passaporte do
paciente, na hipótese em análise, não significa afirmar a impossibilidade dessa providência coercitiva em outros
casos.
“A medida poderá eventualmente ser utilizada, desde que obedecido o contraditório e fundamentada e adequada
a decisão, verificada também a proporcionalidade da providência”, destacou.
Processo: RHC 97876
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