sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Cassada decisão que condicionava publicação de fotos em revista à autorização do Judiciário

A ministra Rosa Weber, cassou decisão da Justiça do Trabalho que submete à prévia autorização judicial a veiculação de imagens de crianças e adolescentes pela Edições Globo Condé Nast S/A nas revistas por ela publicadas (entre elas a revista Vogue Kids). A ministra, ao julgar parcialmente procedente a Reclamação (RCL) 19164, explicou que a contratação de modelos infantojuvenis para trabalhos artísticos está condicionada a autorização judicial, porém não cabe ao Judiciário realizar controle prévio sobre o conteúdo das publicações, uma vez que tal hipótese constitui censura prévia “inadmissível à luz da Constituição da República”.

A relatora manteve a parte da decisão que condiciona à Justiça do Trabalho a contratação de menores, em respeito à necessidade de impor condicionantes a um contrato de trabalho de caráter especial (de trabalho infantil artístico), sujeitando-o à supervisão estatal. Contudo, destacou que a exigência de autorização judicial para a veiculação das imagens afronta o decidido pelo STF na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130, na qual a Corte assentou a não recepção da Lei de Imprensa pela Constituição de 1988.

Na origem, o Ministério Público do Trabalho, considerando inadequadas as fotografias de crianças veiculadas no editorial de moda denominado “Sombra e Água Fresca” – publicado na edição nº 22 da revista Vogue Kids, que tem como público-alvo os pais de crianças e adolescentes –, ajuizou ação contra a editora. A antecipação de tutela foi deferida pelo juízo da 17ª Vara do Trabalho de São Paulo para determinar que a empresa se abstivesse de contratar e veicular imagens de crianças e adolescentes em suas matérias de moda sem prévia autorização emitida pela Justiça do Trabalho, sob pena de multa de R$ 50 mil por criança e adolescente contratado ou que tenha a imagem veiculada em desacordo com a decisão.

Na reclamação ao Supremo, a Edições Globo Condé Nast S/A afirmou que a decisão contrariava dois importantes precedentes da Corte com caráter vinculante. O primeiro era a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 869, na qual o STF declarou a inconstitucionalidade de sanção contida no artigo 247, parágrafo 2º, da Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que punia com a suspensão da programação da emissora por até dois dias ou da publicação do periódico até por dois números que expusesse imagem de criança ou adolescente sem a devida autorização. A segunda decisão desrespeitada era a ADPF 130.

Em dezembro de 2014, a ministra deferiu em parte liminar para suspender os efeitos da decisão questionada na parte em que submente à previa autorização judicial a veiculação de imagem de crianças e adolescentes.

A ministra Rosa Weber afastou a alegação de afronta à decisão do STF na ADI 869. Segundo ela, a decisão questionada não traz comando da mesma natureza do que foi objeto daquela ação, que tratou da suspensão peremptória de edição ou edições de periódico impresso. “A imposição de condicionantes a um contrato de trabalho de caráter especial e a sua sujeição à supervisão estatal em absoluto se confundem com a aplicação da sanção prevista no artigo 247, parágrafo 2º, da Lei 8.069/1990 e declarada inconstitucional no julgamento da ADI 869 – razão pela qual não há falar em afronta à autoridade do paradigma, que não tem aplicação ao caso”, explicou.

Já com relação à ADPF 130, a ministra afirmou que a tese jurídica fixada pelo Supremo naquele julgamento vai muito além da simples não recepção da antiga Lei de Imprensa, estabelecendo parâmetro amplo de orientação da atuação judicial relativamente às liberdades de expressão e de imprensa. “Na interpretação empreendida por esta Suprema Corte, a imposição de restrições ao exercício das liberdades de expressão, opinião, manifestação do pensamento e imprensa que não se contenham nos limites materiais – expressamente excepcionados – da própria Lei Fundamental não se harmoniza com o regime constitucional vigente no país”, ressaltou.

Conforme explicou a ministra, a autorização da autoridade competente tem como objeto o exercício da atividade de modelo fotográfico pela criança ou pelo adolescente, mas a tutela estatal não alcança o controle prévio sobre o conteúdo de publicação impressa. “A tutela judicial do trabalho infantil esgota-se na contratação e execução do trabalho”, afirmou.

Segundo a relatora, a decisão reclamada reintroduz na prática dos Tribunais modalidade de censura prévia que traduz o espírito autoritário da Lei de Imprensa, situação incompatível com a Carta de 1988 e dissonante das garantias nela albergadas, conforme decidido na ADPF 130. “Não cabe ao Poder Judiciário, ou a qualquer dos outros Poderes da República, o controle prévio da pauta, da linha editorial ou do conteúdo de publicação da imprensa”, concluiu.

Processo: RCL 19164

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