APELAÇÃO. DIREITO CONSTITUCIONAL E CIVIL. REJEIÇÃO DA PRELIMINAR DE INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL. OFENSAS VEICULADAS EM REDE SOCIAL. PONDERAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO E DA PROTEÇÃO À IMAGEM E HONRA DA PESSOA NATURAL. OFENDIDA QUE É PESSOA PÚBLICA. DANOS MORAIS NÃO CONFIGURADOS. IMPROCEDÊCIA QUE SE MANTÉM. 1. Preliminar de inobservância do princípio da dialeticidade rejeitada. As razões recursais apresentadas na apelação atacam diretamente os fundamentos da sentença proferida nestes autos, ainda que representem a reiteração daqueles arguidos por ocasião da petição inicial. 2. A controvérsia recursal reside na verificação da licitude ou não da conduta do réu, bem como na ocorrência de danos à esfera da personalidade da autora em decorrência das manifestações apresentadas no Twitter e vídeo postado no Facebook. 3. Revelam aparente conflito os valores decorrentes da personalidade, cuja dignidade humana é fundamento da República (art. 1º, inciso III, da CRFB), e da livre manifestação do pensamento, direito fundamental e corolário dos Estados Democráticos (art. 5º, inciso IV, da CRFB). Não existe solução apriorística para tais situações, sendo matéria bastante delicada e de difícil delimitação, sendo necessário do magistrado um juízo de ponderação entre os valores apresentados pelas partes, a qual será norteada pelo princípio da proporcionalidade, a fim de se verificar o limite do razoável na conduta do réu. 4. A autora é uma das mais bem conceituadas jornalistas no Brasil, conhecida por sua seriedade profissional e busca de informações com credibilidade, cujo trabalho contribui, e muito, para construção de uma sociedade mais transparente e bem informada. Não obstante tal constatação, a autora é pessoa pública em virtude de seu primoroso trabalho jornalístico, sendo certo que as manifestações públicas a ela relacionadas devem ser analisadas com maior cautela em virtude dos princípios republicanos. Conforme exemplar ensinamento do i. Min Celso de Mello "a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade." (AI 705.630 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 22-3-2011, 2ª T, DJE de 6-4-2011). 5. Verifica-se que os comentários postados pelo réu em sua conta no Twitter, por mais hiperbólicos que possam parecer, não demonstram uma violação direta e imediata à imagem da autora que é pessoa pública. As frases e expressões utilizadas, por mais que possam parecer a certas pessoas como inadequadas, encontram-se dentro dos limites toleráveis do debate político. Por sua vez, o vídeo no qual o réu coloca peruca e realizar trocadilho com o nome da autora, apresentando uma vassoura e uma melancia não revelam uma intenção direta de ofender a autora, mas sim promover debate jocoso em período eleitoral, já que, em sua opinião, todos os jornalistas seriam 'comunistas'. Nas palavras do do i. Min. Alexandre de Morais "o direito fundamental à liberdade de expressão não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional" (ADI 4.451, j. 21-6-2018, P, DJE de 6-3-2019). 6. Por mais inapropriada que seja a forma de comunicação do réu, este não pode ser punido por sua opinião manifestada em tom de humor e crítica, eis que objetivava claramente angariar adeptos para sua visão política e de seu candidato à Presidência da República. As hipérboles e eventuais palavras duras presentes naquelas manifestações não revelam violação à direito da personalidade da autora, tendo em vista que é inerente ao humor a utilização de piadas irônicas e ácidas em comentários críticos, em especial quando o aspecto eleitoral e as visões políticas são o pano de fundo. 7. Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, a veiculação de opiniões com tom de ironia à figura pública - investida, ou não, de autoridade governamental -, qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender. Isto porque o exercício do direito de crítica é prerrogativa essencial que "se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático". 8. Em que pese a excelência do trabalho jornalístico da autora, de inegável isenção e reconhecida imparcialidade, ela não pode estar imune a críticas diante da pluralidade das visões de mundo e discursos no atual estágio de nossa sociedade, ainda que este discurso seja considerado equivocado para grande maioria das pessoas. 9. Com relação a tese de que os comentários do réu incitaram o discurso de ódio em face da autora em suas redes sociais, igualmente não se vislumbra responsabilidade no evento. Evidente que, ao divulgar vídeo com críticas à autora, o réu deu ensejo a possibilidade de que seus seguidores pudessem comentar o conteúdo da mensagem. Entretanto, o réu não pode ser responsabilizado pelo conteúdo das mensagens de seus seguidores se não os incitou a adotar este tipo de comportamento abjeto. Recurso ao qual se nega provimento. |
0057088-27.2019.8.19.0001 - APELAÇÃO |
VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL |
Des(a). WILSON DO NASCIMENTO REIS - Julg: 30/06/2020 - Data de Publicação: 02/07/2020 |
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