A montadora pode responder solidariamente pela inadimplência da concessionária que deixa de entregar veículo vendido ao consumidor, decidiu a Quarta Turma do STJ, em 25/10/2013, ao julgar o
REsp 1309981 em que a Fiat tentava reverter sua
condenação pela Justiça paulista. O caso envolve o consórcio Top Fiat,
administrado pela concessionária Mirafiori, alvo de ação civil pública que
tramita na 40ª Vara Civil de São Paulo. Segundo o Ministério Público, 3.800
consumidores chegaram a aderir ao plano da concessionária, cujos primeiros
carros foram entregues em 1997. Com a insolvência da empresa, muitos compradores
ficaram sem ver o veículo pelo qual pagaram. Uma consumidora ajuizou ação de
rescisão contratual cumulada com indenização por danos morais e materiais
contra Mirafiori S/A – Distribuidora de Veículos e Fiat Automóveis S/A. No
processo – independente da ação civil pública –, a mulher alega ter firmado
contrato de compra e venda para entrega futura de um Palio 1.0, com valor, à
época, de R$ 13.360, em 36 parcelas. Mesmo depois de pagar integralmente o
valor, o carro não foi entregue. O juízo de primeiro grau extinguiu o processo
em relação à Fiat, por ilegitimidade passiva, e julgou parcialmente procedente
o pedido, para condenar a concessionária a devolver os valores pagos e
indenizar a consumidora. Em grau de apelação, o Tribunal de Justiça de São
Paulo (TJSP) reconheceu a responsabilidade solidária entre concessionária e
montadora.
A Fiat ingressou com recurso no
STJ, alegando não ser cabível a responsabilidade solidária, uma vez que a Lei
6.729/79 (que regula a relação entre concedente e concessionária no mercado de
veículos) impede a montadora de interferir nos negócios do revendedor. Sustentou
ainda que a criação do consórcio Top Fiat, no âmbito do qual foi assinado o
contrato de compra e venda, é de total responsabilidade da concessionária, por
isso a montadora não poderia ser condenada em ação de indenização. De acordo
com o relator no STJ, ministro Luis Felipe Salomão, a jurisprudência,
dependendo das circunstâncias do caso, tem admitido a responsabilização da
montadora. Ao analisar o processo, ele verificou que o TJSP concluiu que o uso
do nome Fiat no consórcio foi admitido pela fabricante.
Segundo o ministro, a
responsabilidade atribuída à montadora é objetiva, amparada fundamentalmente no
Código de Defesa do Consumidor (CDC), daí o cabimento de sua condenação. Na
responsabilidade objetiva, tem-se uma imputação legal do dever de indenizar,
independentemente da conduta do responsável e de seu agir culposo. O relator
entendeu que o caso se enquadra no artigo 34 do CDC, que dispõe: “O fornecedor
do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos
ou representantes autônomos.” A norma estabelece que a responsabilidade pelo
descumprimento dos deveres de boa-fé, transparência, informação e confiança
recai sobre qualquer dos integrantes da cadeia de fornecimento que dela se
beneficiou.
Segundo o ministro, a utilização
da marca pela concessionária é inerente ao próprio contrato de concessão. “Com
a assinatura do contrato de concessão, a fabricante assume o bônus e o ônus da
utilização de sua marca, e é exatamente por esta que o consumidor sente-se
atraído, sendo desimportante, na generalidade das vezes, dirigir-se a esta ou
àquela concessionária”, afirmou Salomão. O ministro destacou que, ao comprar o
veículo, o consumidor crê que faz negócio com a montadora, e apenas de forma
intermediária com a concessionária. Como as instâncias ordinárias reconheceram
que o consórcio Top Fiat foi objeto de ampla publicidade à época e que a Fiat
teve conhecimento dele, não é possível admitir – segundo o relator – que “a
concedente silencie quando as práticas comerciais da concessionária sejam-lhe
economicamente proveitosas e, futuramente, insurja-se contra estas mesmas
práticas, quando interpelada a ressarcir danos causados a terceiros”.
Sobre a alegação da montadora de
que a Lei 6.729 não permite ingerência nos negócios da concessionária, Salomão
disse que nada impede que a concedente fiscalize o cumprimento do contrato de
concessão. Isso ocorre, por exemplo, no que se refere às vendas exclusivas da
marca. Se houvesse práticas comerciais não admitidas, caberia à montadora
rescindir o contrato, se quisesse. O que é vedado pela lei é a ingerência
administrativa, econômica ou jurídica nos negócios celebrados pela
concessionária, acrescentou o relator. Ele rebateu ainda a ideia de que o caso
devesse ser resolvido exclusivamente com base na Lei 6.729, como pretendia a
Fiat, pois esta lei não aborda os direitos do consumidor, mas trata apenas da
relação entre as empresas envolvidas na concessão. O uso exclusivo da Lei 6.729
só é possível, disse Salomão, quando a ação é ajuizada por uma das partes do
contrato de concessão contra a outra.
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