A existência de vínculo socioafetivo com pai registral não pode impedir o reconhecimento da paternidade biológica, com suas consequências de cunho patrimonial. O entendimento é da
Terceira Turma do STJ, em julgamento de 17/10/2013. O colegiado, de forma
unânime, seguiu o entendimento da relatora do caso, ministra Nancy Andrighi,
para quem o reconhecimento do estado de filiação constitui direito
personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado,
portanto, sem nenhuma restrição, contra os pais ou seus herdeiros. “Se é o
próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem,
porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe
foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a
prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão”,
assinalou a ministra.
Na ação de investigação de
paternidade, a filha, que foi registrada pelo marido de sua mãe, pretendia o
reconhecimento da paternidade biológica, a alteração de seu nome e sua
inclusão, como herdeira universal, no inventário do pai biológico. A família do
pai biológico contestou o pedido, sustentando a inexistência de relacionamento
entre ele e a mãe da autora da ação; a falta de contribuição da autora na
construção do patrimônio familiar e a prevalência da paternidade socioafetiva
em relação à biológica. Em primeiro grau, o magistrado declarou a paternidade,
com fundamento no exame positivo de DNA, e determinou a retificação do registro
de nascimento. Além disso, declarou a autora legítima herdeira necessária do
pai biológico, fazendo jus, portanto, à sua parte na herança, no mesmo
percentual dos demais filhos. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina manteve a
sentença. No recurso especial ao STJ, a família do pai biológico voltou a
sustentar a prevalência do vínculo socioafetivo em relação ao biológico, para
declaração da paternidade com todas suas consequências registrais e
patrimoniais. Segundo a família, houve, na realidade, uma “adoção à brasileira”
pelo marido da mãe da autora, quando declarou no registro de nascimento da
criança que ela era sua filha.
Em seu voto, a ministra Andrighi
mencionou que a prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à
biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja,
visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade.
Entretanto, a ministra afirmou que a paternidade socioafetiva não pode ser
imposta contra a pretensão de um filho, quando é ele próprio quem busca o
reconhecimento do vínculo biológico. “É importante frisar que, conquanto tenha
a recorrida usufruído de uma relação socioafetiva com seu pai registrário, nada
lhe retira o direito, em havendo sua insurgência, ao tomar conhecimento de sua
real história, de ter acesso à verdade biológica que lhe foi usurpada, desde o
nascimento até a idade madura”, disse a relatora.
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