Ressalvadas situações específicas, como nos casos em que o consumidor demonstre hipossuficiência ou
dificuldade de acesso ao Judiciário, é possível a tramitação de ação no foro estabelecido em contrato de
consumo, mesmo que a localidade seja distinta do domicílio onde reside o consumidor.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao confirmar acórdão do
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que manteve na comarca de Avaré (SP) a tramitação de uma ação de
cobrança contra consumidor residente na cidade de São Paulo. O tribunal concluiu que, no caso em análise, a
propositura da ação em local diferente do domicílio do consumidor não lhe acarretaria prejuízo.
Para a Terceira Turma, o tribunal paulista preservou a proporcionalidade entre o artigo 111 do Código de
Processo Civil de 1973, que estabelece a possibilidade de as partes elegerem o foro para resolução de conflitos,
e o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece como direito básico do consumidor a
facilitação da defesa de seus interesses em juízo.
“Esta posição intermediária protege a parte vulnerável e hipossuficiente e, ao mesmo tempo, permite o
desenvolvimento equilibrado e harmônico da relação de consumo, sempre com vistas às concretas e particulares
realidades que envolvem as pessoas do consumidor e do fornecedor”, apontou a relatora do recurso especial,
ministra Nancy Andrighi.
Protocolo integrado
O recurso teve origem em ação de exceção de competência que discutia a propositura de processo de cobrança
por hospital contra particular devido ao não pagamento dos custos de internação de um familiar. O processo foi
ajuizado na comarca de Avaré (SP), mas o particular alegou que a cláusula de eleição de foro seria abusiva, já
que ele teria que viajar aproximadamente 260 quilômetros até o local onde tramitava o processo.
O TJSP rejeitou a alegação de prejuízo ao consumidor por entender, entre outros fundamentos, que ele tem à
sua disposição protocolo integrado do tribunal em São Paulo, possibilitando a prática de atos processuais sem o
deslocamento até a cidade de Avaré.
Ausência de prejuízo
Em análise do recurso especial, a ministra Nancy Andrighi destacou inicialmente que, nos casos de comprovação
da hipossuficiência ou de empecilhos para deslocamento até o local de tramitação do processo, o magistrado
está autorizado a declarar a nulidade da cláusula de eleição de foro e remeter o processo à comarca em que
reside o consumidor, conforme prevê o artigo 101 do CDC.
“Ocorre que o simples fato de se tratar de relação de consumo não é suficiente à declaração de nulidade da
cláusula de eleição de foro, sobretudo quando primeiro e segundo graus de jurisdição foram uníssonos ao
registrar que não há prejuízos à defesa do recorrente”, apontou a relatora.
No voto que foi acompanhado de forma unânime pelo colegiado, a ministra também destacou que o fato de o
consumidor figurar como devedor pelos serviços prestados pelo hospital está relacionado com o mérito da ação
de cobrança e, portanto, não influi na fixação da competência – que, neste caso específico, foi determinada com
base em cláusula do contrato de prestação de serviços hospitalares.
“Assim, diante dos contornos fáticos delineados de maneira soberana pelo tribunal de origem, não se configura
abusiva a cláusula de eleição de foro prevista no contrato celebrado entre as partes. Por consequência, na
espécie não há violação dos artigos 6º, VIII, e 101, I, do CDC”, concluiu a ministra ao rejeitar o recurso especial
do consumidor.
Processo: REsp 1707855
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