O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou parcialmente procedente a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 1931, que questiona a Lei 9.656/1998 (Lei dos Planos de Saúde). Por unanimidade
dos votos, a Corte considerou válida a maioria dos dispositivos, mas entendeu que os contratos celebrados antes
da vigência da norma não podem ser atingidos pela regulamentação dos planos de saúde.
Na sessão desta quarta-feira (7), o Tribunal confirmou liminar concedida em parte anteriormente pelo Plenário e
acompanhou integralmente o voto do relator, ministro Marco Aurélio. A ação, proposta pela Confederação
Nacional de Saúde - Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNS), questionava a constitucionalidade de vários
dispositivos da lei, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, e da medida provisória
(MP) que a alterou.
Direito adquirido
O artigo 10, parágrafo 2º e o artigo 35-E da Lei 9.656/1998; e o artigo 2º da MP 2.177-44/2001 foram os únicos
dispositivos declarados inconstitucionais. Eles preveem a incidência das novas regras relativas aos planos de
saúde em contratos celebrados anteriormente à vigência da Lei dos Planos de Saúde.
O ministro Marco Aurélio considerou que tais dispositivos criaram regras completamente distintas daquelas que
foram objeto da contratação e, com isso, violaram o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, estabelecidos no
artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. Para ele, o legislador, com o intuito de potencializar a proteção
do consumidor, “extrapolou as balizas da Carta Federal, pretendendo substituir-se à vontade dos contratantes”.
O relator observou que a vida democrática pressupõe a segurança jurídica, que não autoriza o afastamento de ato
jurídico perfeito mediante aplicação de lei nova. “É impróprio inserir nas relações contratuais avençadas em
regime legal específico novas disposições, sequer previstas pelas partes quando da manifestação de vontade”,
concluiu o ministro.
Improcedência
Outros dispositivos foram analisados pelo Plenário do STF e julgados constitucionais. Entre eles, os artigos 10, 11
e 12 da Lei 9.656/1998, que estabelecem parâmetros para a atuação do particular no mercado de planos de
saúde. De acordo com o ministro Marco Aurélio, o legislador interveio de forma necessária para assegurar a
prestação idônea dos serviços à população. Ele afirmou que foram excluídos da cobertura, entre outros,
medicamentos não nacionalizados, bem como tratamentos experimentais e aqueles com finalidade estética,
evitando a imposição de ônus excessivo aos prestadores de serviços. Porém, foram incluídos aspectos básicos
dos atendimentos ambulatorial, hospitalar, obstétrico e odontológico, sem os quais a prestação seria incompleta,
onerando demasiadamente o consumidor.
O relator explicou que o artigo 197 da Constituição Federal autoriza a execução de ações de saúde por entidades
privadas, mediante regulamentação, controle e fiscalização do Poder Público. E foi para atender a este comando
constitucional, segundo o ministro, que o legislador editou os dispositivos atacados, que passaram a estabelecer
parâmetros objetivos para a prestação dos serviços, inexistentes no modelo anterior.
O ministro Marco Aurélio ressaltou que entendimento em sentido contrário afasta a coerência do sistema, que
impõe a tutela estatal e o fornecimento de serviços privados de acordo com as finalidades da Constituição
Federal. “A promoção da saúde pelo particular não exclui o dever do Estado, mas deve ser realizada dentro das
balizas do interesse coletivo”, afirmou.
Saúde dos idosos
A ADI foi julgada improcedente também em relação ao artigo 15, parágrafo único, da lei, que inviabiliza a variação
da contraprestação pecuniária relativamente a consumidores com mais de 60 anos de idade. Para o ministro
Marco Aurélio, a regra não é despropositada, ao contrário, protege princípios constitucionais que asseguram
tratamento digno a parcela vulnerável da população. “O comando constitucional, inscrito no artigo 230, é linear e
impõe a todos o dever de auxiliar os idosos”, ressaltou.
Garantias
O Plenário considerou constitucional o artigo 19, parágrafo 5º, da Lei 9.656/1998. Os ministros entenderam que a
norma está de acordo com o princípio da razoabilidade ao estabelecer que os consumidores não podem ser
prejudicados, independentemente de impasses no registro administrativo das empresas de planos de saúde ou na
adequação à disciplina normativa, dos contratos celebrados após 2 de janeiro de 1999. Segundo esse dispositivo,
ficam garantidos aos usuários todos os benefícios de acesso e cobertura previstos na lei e em seus regulamentos.
Ressarcimento
Os ministros declararam ainda a constitucionalidade do artigo 32, caput e parágrafos, que prevê o ressarcimento,
por planos de saúde, de despesas relativas a serviços de atendimento aos consumidores, previstos nos contratos
prestados por entidades do Sistema Único de Saúde (SUS). Conforme o relator, a regra não implica a criação de
nova fonte de receitas para seguridade social, nos termos do artigo 195, parágrafo 4º, da Constituição Federal,
mas sim desdobramento da relação contratual firmada em ambiente regulado.
O ministro destacou que o tratamento em hospital público não deve ser negado a nenhuma pessoa, considerada
a universalidade do sistema. Porém, observou que, se o Poder Público atende a particular em virtude de situação
incluída na cobertura contratual, deve o SUS ser ressarcido tal como faria o plano de saúde em se tratando de
hospital privado. “A norma impede o enriquecimento ilícito das empresas e a perpetuação de modelo no qual o
mercado de serviços de saúde submeta-se unicamente à lógica do lucro, ainda que às custas do erário”, concluiu.
Repercussão geral
O Plenário julgou ainda na sessão de hoje o Recurso Extraordinário (RE) 597064, com repercussão geral
reconhecida, no qual se fixou tese sobre o tema do ressarcimento dos procedimentos prestados pelo SUS. A
Corte desproveu recurso interposto por uma operadora de plano de saúde (Irmandade do Hospital de Nossa
Senhora das Dores) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) que julgou válida
cobrança a título de ressarcimento do SUS por atendimentos prestados a beneficiários do plano.
A tese proposta pelo relator do RE, ministro Gilmar Mendes, e aprovada por unanimidade, reconhece a
constitucionalidade da regra e afirma o direito das partes ao contraditório e à ampla defesa na esfera
administrativa:
“É constitucional o ressarcimento previsto no artigo 32 da Lei 9.656/1998, o qual é aplicável aos procedimentos
médicos, hospitalares ou ambulatoriais custeados pelo SUS e posteriores a 04/06/1998, assegurados o
contraditório e a ampla defesa no âmbito administrativo em todos os marcos jurídicos”.
O julgamento também rejeitou argumento trazido no recurso no qual se tentava determinar como referência de
preços dos ressarcimentos a tabela do SUS para os procedimentos, e não a tabela fixada pela Agência Nacional
de Saúde (ANS) na Tabela Única Nacional de Equivalência de Procedimentos (TUNEP). Segundo o argumento
adotado pelo Plenário, trata-se de tema infraconstitucional.
Processo: ADI 1931 e RE 597064
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