terça-feira, 19 de maio de 2020

RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL INSTITUIÇÃO DE ENSINO MORTE DE ESTUDANTE BALA PERDIDA OMISSÃO DOS AGENTES PÚBLICOS NEXO DE CAUSALIDADE DANO MORAL REFLEXO


APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ENTE PÚBLICO. MORTE DE ESTUDANTE MENOR POR "BALA PERDIDA" EM ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. FUNÇÃO POSITIVA DA COISA JULGADA. PRESCRIÇÃO. ART. 198, INC. I, DO CÓDIGO CIVIL. AUTORES ABSOLUTAMENTE INCAPAZES. DANO MORAL REFLEXO OU POR RICOCHETE. 1) É pacífico o entendimento pretoriano no sentido de que os parentes ou pessoas que mantenham forte vínculo afetivo com a vítima postule em Juízo reparação por dano moral, não havendo que se cogitar de ilegitimidade ativa ad causam dos autores, enquanto irmãos da vítima de bala perdida em estabelecimento de ensino público do Município do Rio de Janeiro. 2) Embora as ações pessoais contra a Fazenda Pública se sujeitem ao prazo prescricional de cinco anos a que alude o art. 1º do Decreto 20.910/32, o Código Civil estabelece normas gerais em matéria de prescrição, dentre as quais merece destaque aquela estampada no art. 198, inc. I, do Código Civil, segundo a qual não corre a prescrição contra os absolutamente incapazes, constantes do art. 3º da codificação, atualmente apenas os menores de 16 anos. 3) A imutabilidade da coisa julgada é dotada também de função positiva, a qual, embora não impeça o magistrado de julgar o mérito da segunda demanda, o vincula àquilo que já foi decidido em demanda anterior com decisão protegida pela coisa julgada material. 4) Sob esse enfoque, já há manifestação do Poder Judiciário Fluminense(15ª Câmara Cível) acerca deste mesmo fato nos autos do processo nº 0009494-76.2003.8.19.0001 - 2004.001.37216, movido pelo pai da falecida, cuja fundamentação, em prestígio à função positiva da imutabilidade da coisa julgada, não pode ser ignorada por este julgador. 5) Assim, por questões de segurança jurídica e de coerência das manifestações do Poder Judiciário, de rigor que se entenda pela integral responsabilidade do Município demandado pelo evento danoso que vitimou a irmã dos autores, na medida em que, mesmo sabedor do risco ao qual estavam expostos os alunos do seu estabelecimento escolar em razão dos constantes conflitos entre traficantes na respectiva localidade, não tomou as providencias necessárias para garantir o cumprimento de seu dever de guarda e vigilância daqueles que estão sob os seus cuidados. 6) As circunstâncias do presente caso evidenciam o nexo de causalidade entre o óbito da aluna e a omissão dos agentes públicos que administram a unidade escolar do Município do Rio de Janeiro, os quais não exerceram de forma adequada à realidade local o dever de guarda e segurança da menor que se encontrava no interior do estabelecimento escolar. 7) Dano moral que, portanto, se faz caracterizado na hipótese, traduzido pela violação a um dos aspectos inerentes aos direitos da personalidade, qual seja, a integridade psíquica e emocional dos autores, a qual restou abalada pela experiência já na tenra idade de perder de um ente querido, no caso, sua irmã. 8) Em se tratando de irmãos, o E. STJ vem fixando valores menores do que os devidos aos pais(AgRg no AREsp 638.324/RJ, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 23/06/2015, DJe 03/08/2015 e o AgRg no AREsp 533.714/RJ, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2015, DJe 09/06/2015). 9) No caso das duas primeiras autoras, ainda que contassem à época do fato pouca idade - respectivamente 4 anos e 3 anos - dúvida não há que sofreram com a súbita perda de sua irmã, qualificando-se, portanto, como vítimas indireta do ato lesivo(dano moral por ricochete). 10) Considerando os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, impõe-se o acolhimento parcial do recurso adesivo para majorar o valor do quantum indenizatório devido a cada uma das duas primeiras autoras para o valor de R$ 50.000,00, o qual melhor atende aos parâmetros observados por este E. TJRJ. 11) O mesmo raciocínio, porém, não se aplica ao terceiro autor, o qual contava apenas 5(cinco) meses de vida quando do passamento de sua irmã, com a qual, portanto, não chegou a estabelecer estreito vínculo afetivo, e, além disso, não possuía o referido demandante capacidade para compreender a realidade dos fatos, embora se reconheça que tenha sofrido dano reflexo em decorrência do abalo familiar sofrido naquela época com a traumática perda da infante, em virtude do que se impõe a redução do valor da indenização por dano moral que lhe é devida para R$20.000,00, a qual se mostra razoável diante das peculiaridades acima aduzidas. 12) Recursos aos quais se dá parcial provimento recurso.


0025085-87.2017.8.19.0001 - APELAÇÃO
QUINTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). HELENO RIBEIRO PEREIRA NUNES - Julg: 03/03/2020 - Data de Publicação: 05/03/2020

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