A ocorrência de roubo durante a conferência dos valores dados ao credor não afasta a presunção de
adimplemento da obrigação, no caso de pagamento de prestação por quantia certa, já que, com a entrega do
dinheiro, o devedor transfere sua propriedade e materializa o negócio jurídico entre as partes. Na dúvida quanto
ao valor efetivamente entregue, o fiel da balança deve pender para a confirmação do pagamento.
Com esse entendimento, a Terceira Turma deu provimento ao recurso de um comprador de imóvel para declarar
quitada a última parcela do negócio e, assim, permitir a outorga da escritura.
As partes do processo haviam celebrado contrato de compra e venda de imóvel mediante pagamento parcelado.
No dia do acerto da última parcela, de R$ 150 mil, após a entrega do dinheiro em espécie na sede da imobiliária,
enquanto o valor era conferido, o comprador e o representante da empresa foram surpreendidos por um
assaltante.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, a entrega efetiva do montante configurou a tradição.
“Em se tratando de prestação de pagar quantia certa, configura-se a tradição, simplesmente, com a entrega do
dinheiro ao credor, ante a intenção de transferir-lhe a propriedade, a fim de concretizar, materialmente, o negócio
jurídico entabulado entre as partes”, disse a relatora.
Ela frisou que houve a entrega do dinheiro pelo comprador, no tempo e lugar acordado pelas partes,
consumando-se, pois, a tradição real da quantia. Dessa forma, foi transferida a responsabilidade sobre o
dinheiro.
“Perfectibilizada a entrega da quantia, com a inversão legítima da posse, configura-se a tradição, de modo que o
risco pela perda do numerário deixa de ser do devedor, porque cessada sua disponibilidade sobre o bem, e
passa a ser do credor que o detém”, acrescentou.
Risco assumido
Nancy Andrighi destacou que, ao optar por receber o dinheiro em espécie dentro da imobiliária, os dirigentes da
empresa assumiram o risco, e é possível presumir que houve a entrega da quantia estipulada em contrato.
“Se os recorridos aceitaram receber o pagamento de vultosa quantia em dinheiro, nas dependências de sua
imobiliária, apostaram na segurança da operação, de tal modo que, diante da incerteza do valor perdido, mas da
certeza de que houve a entrega de quantia para os recorridos, o fiel da balança deve pender para a confirmação
do pagamento e, portanto, para que se declare a quitação da referida parcela, nos termos do artigo 319 do
Código Civil”, afirmou a ministra.
De acordo com a relatora, a imobiliária não mencionou na petição inicial a ocorrência do roubo, tampouco
declarou a quantia efetivamente conferida até aquele momento, a fim de contradizer a afirmação do comprador
de que entregou os R$ 150 mil.
No julgamento, foi estabelecido que o comprador tem direito à outorga da escritura definitiva do imóvel, tendo em
vista a quitação da parcela final.
Processo: REsp 1705305
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