Com base nos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, a Terceira Turma decidiu que a
cessão de locação de imóvel pode ocorrer a partir da notificação extrajudicial ao locador, mesmo que não haja
manifestação de anuência. O entendimento é de que o prazo de 30 dias é decadencial, interpretando-se o
silêncio como consentimento.
Segundo os autos, dois sócios alugaram imóvel para a instalação de um bar em 2002. Três anos depois, um
deles, que havia colocado os pais como fiadores do aluguel, deixou a sociedade. O bar continuou em
funcionamento no mesmo local.
Em 2008, o locador ajuizou ação de despejo por falta de pagamento contra o que saiu da sociedade. A ação foi
extinta sem resolução do mérito, antes mesmo da citação, em virtude da purgação da mora efetuada por terceiro.
O locatário, então, promoveu a notificação extrajudicial do locador e do bar acerca de seu afastamento da relação
locatícia. Como não obteve resposta sobre a notificação, ajuizou ação pedindo a declaração de insubsistência da
relação locatícia e a inexistência das obrigações respectivas.
No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a sentença para manter a relação jurídica, por
considerar o contrato válido e eficaz. De acordo com o TJSP, o silêncio dos envolvidos não torna a relação
inexistente, assim como o pagamento do aluguel por terceiro não implica a formação de novo contrato.
Realidade diversa
Em recurso especial, o então locatário pediu o reconhecimento judicial da cessão de locação. A relatora do
recurso, ministra Nancy Andrighi, destacou que a boa-fé objetiva e a função social do contrato devem ser
consideradas no caso.
“É indiscutível que o contrato foi inicialmente celebrado com o recorrente, pessoa natural, com a finalidade de
viabilizar a instalação da pessoa jurídica por ele constituída. De outro lado, é do mesmo modo indiscutível que a
literalidade das cláusulas contratuais há muito não corresponde à realidade estabelecida entre os sujeitos do
processo”, explicou a ministra.
Segundo Nancy Andrighi, é possível inferir, dos autos, que o contrato de locação, embora existente e válido,
tornou-se ineficaz em relação ao ex-sócio a partir da notificação extrajudicial, quando a responsabilidade passou
para a pessoa jurídica. Além disso, o locador tinha o prazo de 30 dias após a notificação para manifestar sua
anuência ou oposição à mudança no contrato, o que não ocorreu.
“Não havendo manifestação do locador nos 30 dias seguintes à notificação, presume-se a sua autorização, a
afastar, pois, a eventual imputação de violação da lei ou do contrato pelo primitivo locatário, legitimando-se,
assim, a cessão da locação”, esclareceu a relatora.
Expectativa concreta
Em seu voto, a ministra afirmou que a cessão da locação é uma das formas de substituição subjetiva admitidas
pela Lei 8.245/91. Dessa forma, o caso em análise representaria uma hipótese de consentimento posterior à
efetiva cessão.
“A ausência de qualquer oposição à notificação extrajudicial promovida pelo locatário, aliada à permanência da
pessoa jurídica no imóvel, inclusive pagando os aluguéis, e à purgação da mora por terceiro estranho ao
contrato, tudo isso com o pleno conhecimento do locador, criaram no recorrente a expectativa concreta de ter-se
consolidado a cessão da locação em favor daquela, legitimando-se, assim, a situação de fato vigente”, concluiu
Nancy Andrighi.
Processo: REsp 1443135
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