quinta-feira, 5 de julho de 2018

TRATAMENTO MÉDICO INADEQUADO DEMORA NO DIAGNÓSTICO ÓBITO DO PACIENTE TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE APLICABILIDADE DANO MORAL CONFIGURADO

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. ATENDIMENTO MÉDICO REALIZADO EM UNIDADE PÚBLICA DE SAÚDE. EQUIPE MÉDICA QUE IGNOROU A SINTOMATOLOGIA DO PACIENTE. ÓBITO. PRETENSÃO COMPENSATÓRIA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA, CONDENANDO A MUNICIPALIDADE AO PAGAMENTO DE R$ 100.000,00, A TÍTULO DE REPARAÇÃO POR DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. RECUSO PRIVATIVO DO ENTE PÚBLICO. 1 - Aplicação da teoria do risco administrativo. Exegese do artigo 37, § 3º, da CR. E.STF que firmou entendimento de que o Estado responde objetivamente por danos causados por conduta omissiva de agente estatal, inclusive em hipóteses de atendimento médico. Da dinâmica dos fatos, verifica-se que restou comprovado que a equipe médica da Unidade de Pronto-Atendimento de Vila Kennedy ignorou a sintomatologia apresentada pelo paciente, a qual demandava uma investigação diagnóstica mais acurada. Laudo Crítico apresentado pela Procuradoria-Geral do Município que não se revelou hábil a infirmar as conclusões apresentadas pela perita do juízo, até mesmo porque reconhece que "não há dúvida de que poderiam ter sido aventadas outras hipóteses diagnósticas, como a própria leptospirose, que infelizmente só foi cogitada quatro dias depois do primeiro atendimento". Alegação de dubiedade do nexo causal apartada. A perícia indireta não se conduziu no sentido de asseverar que a municipalidade estava compelida a alcançar a certeza diagnóstica, e sim, assinalou que a equipe médica deixou de realizar anamnese e exames clínicos cotidianos simples, como, por exemplo, o "de palpação abdominal", assim como, de observar o resultado do hemograma realizado em 02/08/2012, data do primeiro atendimento prestado ao finado filho do autor, que indicava a existência de quadro de infecção bacteriana, e não meramente viral. Equivoca-se, igualmente, o ente municipal ao afirmar que lhe foi imputada a obrigação de "cura certa para todas as possíveis doenças", porquanto, em tempo algum, foi veiculado no laudo técnico tal dever, sendo certo que hipótese em apreciação não se insere na seara de cura e sim na de adoção da boa prática médica para a apuração diagnóstica. 2 - O Poder Público, ao receber um paciente em qualquer estabelecimento da rede pública de saúde, assume o compromisso de zelar pela preservação da sua integridade física, da sua saúde e da sua vida. Tem o dever de empregar todos os meios necessários ao integral desempenho desse encargo jurídico, sob pena de ser responsabilizado civilmente pelos danos ocorridos. O profissional não pode ser responsabilizado por resultados indesejados. O que se exige é que o médico esteja atento aos relatos dos pacientes, à anamnese e realize exames clínicos e laboratoriais complementares com vistas à elucidação diagnóstica, o que não ocorreu na hipótese em exame. Administração Pública que atua como garantidora e, por omissão, cria situação que tem como consequência a ocorrência do dano. Isto se dá em razão do fato de que os médicos, no exercício da função, assumem o dever de empregar todos os meios, técnicas e habilidades necessárias a fim de resguardar a integridade, saúde e a vida dos pacientes. Laudo pericial que constatou que, tendo em vista o quadro patológico apresentado pelo paciente, o serviço médico aplicável ao caso não foi aquele que foi efetivamente prestado pela unidade médica, que agiu de modo negligente e atraiu a responsabilidade objetiva pelos danos causados. Caracterização de omissão específica da Edilidade, porquanto houve o descumprimento do dever jurídico de realizar exames cotidianos, analisar os resultados dos exames laboratoriais (hemograma) e observar as evidências do quadro clínico do paciente, materializando-se como causa direta e imediata da privação da oportunidade de impedir a ocorrência do óbito do paciente. Aplicação da teoria importada do direito francês, conhecida como a "Teoria da Perda de Uma Chance". A perda de uma oportunidade ou chance constitui uma zona limítrofe entre o certo e o incerto, o hipotético e o seguro; tratando-se de uma situação na qual se mede o comportamento antijurídico que interfere no curso normal dos acontecimentos de tal forma que já não se poderá saber se o afetado por si mesmo obteria ou não obteria os ganhos, ou se evitaria ou não certa vantagem, mas um fato de terceiro o impede de ter a oportunidade de um benefício futuro provável. Deve-se realizar um balanço das perspectivas a favor e contra. No caso sub judice, inarredável a conclusão de que a procrastinação excessiva na apuração diagnóstica redundou na dispensação de tratamento médico inadequado ao paciente, o que reduziu drasticamente as possibilidades concretas e reais de sua cura, ressaltando, por oportuno, na hipótese dessa modalidade autônoma de indenização, o agente não responde pelo resultado para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas apenas pela chance de que ele privou o paciente. Precedentes do E.STJ. Assim, estabelecido o elo entre a conduta omissiva do Estado e os danos suportados pela vítima, tendo em vista que não há nos autos qualquer elemento que afaste o nexo de causal pelos danos causados e elida a responsabilidade estatal. Diante de tais dados, sendo o agente causador dos danos uma pessoa jurídica de direito público, a obrigação de indenizar resta latente. 3 - Verba compensatória arbitrada em R$ 100.000,00 (cem mil reais) que não merece reparo, posto que fixada em observância ao princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, sendo certo que tal valor não importa em enriquecimento ilícito, mas atende à específica finalidade de amenizar o sofrimento pelo qual o autor passou e ainda passa. Aplicação do verbete nº 343 da súmula da Jurisprudência desta Corte Estadual. Juros legais que deverão incidir a partir da data da prolação da sentença. Dano moral puro. Verba compensatória que somente passa a ter expressão em dinheiro a partir do decisum que determinou o respectivo valor. Inteligência do artigo 407 do CC. Somente após a declaração de existência do dano e seu arbitramento é que o devedor pode livrar-se da dívida, sendo a partir deste momento que se deve falar em mora do réu. Reforma da sentença, de ofício, no que tange aos consectários legais, fundada no recente julgado proferido pelo E.STF nos autos do RE nº 870947/SE (Tema 810), apreciado e decidido em Repercussão Geral. Juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança. Adoção do IPCA-E para a correção monetária. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

0428225-40.2012.8.19.0001 - APELACAO / REMESSA NECESSARIA
VIGÉSIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MURILO ANDRÉ KIELING CARDONA PEREIRA - Julg: 21/03/2018

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