Na
hipótese de casamento celebrado na vigência do CC/1916, é possível, com
fundamento no art. 1.639, § 2º, do CC/2002, a alteração do regime da
comunhão parcial para o regime da separação convencional de bens sob a
justificativa de que há divergência entre os cônjuges quanto à
constituição, por um deles e por terceiro, de sociedade limitada, o que
implicaria risco ao patrimônio do casal, ainda que não haja prova da
existência de patrimônio comum entre os cônjuges e desde que sejam
ressalvados os direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos. Muito
embora não houvesse previsão legal para a alteração do regime de bens
na vigência do CC/1916, e também a despeito do que preceitua o art.
2.039 do CC/2002, a jurisprudência tem se mantido uniforme no sentido de
ser possível a alteração do regime de bens, mesmo nos matrimônios
contraídos ainda sob a égide do diploma revogado. Nesse contexto,
admitida a possibilidade de aplicação do art. 1.639, § 2º, do CC/2002
aos matrimônios celebrados na vigência do CC/1916, é importante que se
interprete a sua parte final — referente ao "pedido motivado de ambos os
cônjuges" e à "procedência das razões invocadas" para a modificação do
regime de bens do casamento — sob a perspectiva de que o direito de
família deve ocupar, no ordenamento jurídico, papel coerente com as
possibilidades e limites estruturados pela própria CF, defensora de bens
como a intimidade e a vida privada. Nessa linha de raciocínio, o
casamento há de ser visto como uma manifestação de liberdade dos
consortes na escolha do modo pelo qual será conduzida a vida em comum,
liberdade que se harmoniza com o fato de que a intimidade e a vida
privada são invioláveis e exercidas, na generalidade das vezes, no
interior de espaço privado também erguido pelo ordenamento jurídico à
condição de "asilo inviolável". Sendo assim, deve-se observar uma
principiologia de "intervenção mínima", não podendo a legislação
infraconstitucional avançar em espaços tidos pela própria CF como
invioláveis. Deve-se disciplinar, portanto, tão somente o necessário e o
suficiente para a realização não de uma vontade estatal, mas dos
próprios integrantes da família. Desse modo, a melhor interpretação que
se deve conferir ao art. 1.639, § 2º, do CC/2002 é a que não exige dos
cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na
manutenção do regime de bens originário, sob pena de esquadrinhar
indevidamente a própria intimidade e a vida privada dos consortes. Nesse
sentido, a constituição de uma sociedade por um dos cônjuges poderá
impactar o patrimônio comum do casal. Assim, existindo divergência
conjugal quanto à condução da vida financeira da família, haveria
justificativa, em tese, plausível à alteração do regime de bens. Isso
porque se mostra razoável que um dos cônjuges prefira que os patrimônios
estejam bem delimitados, para que somente o do cônjuge empreendedor
possa vir a sofrer as consequências por eventual fracasso no
empreendimento. No ponto, aliás, pouco importa se não há prova da
existência de patrimônio comum, porquanto se protegem, com a alteração
do regime, os bens atuais e os bens futuros do cônjuge. Ademais, não se
pode presumir propósito fraudulento nesse tipo de pedido, já que o
ordenamento jurídico prevê mecanismos de contenção, como a própria
submissão do presente pedido ao Judiciário e a possibilidade de
desconsideração da personalidade jurídica. Contudo, é importante
destacar que a medida não pode deixar de ressalvar os “direitos de
terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de
inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade”,
nos termos do Enunciado n. 113 da I Jornada de Direito Civil CJF. REsp 1.119.462-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 26/2/2013.
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