domingo, 31 de janeiro de 2021

“É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da Lei nº 13.465/17, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis.”

O princípio da legalidade funciona como instrumento de contrapeso ao princípio da liberdade de associação. De um lado, assegurando que obrigação só é imposta por lei; e de outro – e por consequência – garantindo que, na ausência de lei, não há aos particulares impositividade obrigacional, regendo-se a associação somente pela livre disposição de vontades. A liberdade de associação consolida direito que, como a própria titulação indica, se situa na seara dos direitos de liberdade, ou dos direitos de primeira dimensão. Nesse campo, os meios de restrição são significativamente mais estreitos (1). Sobre o tema, emana diretamente dos dispositivos da Constituição Federal (CF) que, de um lado: (i) se assegura a plenitude da liberdade de associação (2), (ii) mantêm-se as entidades associativas distantes da interferência estatal (3) e (iii) lhes garante legitimidade judicial e extrajudicial (4); e, de outro lado, preserva-se a liberdade do indivíduo para não se associar ou para dela se desassociar a qualquer tempo (5). No entanto, princípio algum é dotado de caráter absoluto, sendo sempre inspirado pelo pressuposto da máxima extensão, sem se olvidar a coerência que o sistema impõe. Assim é que, mesmo os direitos fundamentais, como a liberdade de associação, são passíveis de limitação em seu alcance. A própria CF, seja por normas explícitas, seja por seu arcabouço principiológico, estabelece como e quando pode haver alguma limitação ao exercício dos direitos fundamentais. Toda restrição a um direito de liberdade configura, em essência, a imposição de uma obrigação (fazer, não fazer ou dar). E obrigações – em razão do princípio da legalidade (6) – só possuem validade quando expressamente consignadas em normas jurídicas: lei ou ajuste entre as partes. Nesse ponto, tem-se que, antes do advento da Lei 13.465/2017, as associações de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou empreendimentos assemelhados surgiam tão somente da vontade de suas partes integrantes e, nesse passo, obrigações dela decorrentes só poderiam vincular aqueles que a ela aderissem, e enquanto a ela estivessem vinculados. Logo, não há como impor, a integrante de loteamento, obrigação da qual se desincumbiu quando da manifestação negativa de sua vontade, seja para sua retirada da associação (se já a tenha integrado), seja para seu não ingresso (se dela nunca participou). Seria afronta direta a direito constitucional de liberdade. No entanto, desde a Lei 13.465/2017, é prevista a obrigatoriedade de cotização, entre os beneficiários, das atividades desenvolvidas por essas associações, desde que assim previsto no ato constitutivo das organizações respectivas. O caráter, em geral, prospectivo das leis materiais impede que se lhes atribua efeito retroativo sem que haja cláusula expressa nesse sentido e apenas por meio da Lei 13.465/2017 houve a clara intenção do legislador federal de editar um parâmetro normativo apto a favorecer a regularização fundiária dessa configuração de lotes, seja para lhe reconhecer a formatação que, na prática, já vinha sendo observada (controle de acesso ao loteamento), seja para permitir vincular os titulares de direitos sobre os lotes à cotização (art. 36-A, caput e parágrafo único). Assim, para que exsurja para os beneficiários o dever obrigacional de contraprestação pelas atividades desenvolvidas pelas associações (ou outra entidade civil organizada) em loteamentos, é necessário que a obrigação esteja disposta em ato constitutivo firmado após o advento da Lei 13.465 /2017 e que este esteja registrado na matrícula atinente ao loteamento no competente Registro de Imóveis, a fim de se assegurar a necessária publicidade ao ato. Uma vez atendidos os requisitos previstos no art. 36-A, parágrafo único, da Lei 6.766/1979 (7), com a redação dada pela Lei 13.465/2017, os atos constitutivos da administradora de imóveis vinculam tanto os já titulares de direitos sobre lotes que anuíram com a sua constituição quanto os novos adquirentes de imóveis em loteamentos como decorrência da publicidade conferida à obrigação averbada no registro do imóvel. Cabe ressaltar que a Lei 13.465/2017 representa marco temporal em âmbito nacional para a definição da responsabilidade de cotização pelos titulares de direitos sobre lotes. Todavia, importa considerar a possibilidade de que eventuais leis locais já definissem obrigação semelhante, dentro da normatização nelas traçadas, uma vez que os municípios possuem competência concorrente para legislar sobre uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (8). Desse modo, a par de se atender ao princípio da legalidade, já que a obrigação de contribuição encontrará embasamento na lei, se atende, em máxima amplitude, ao propósito de valorização dos esforços comuns para a promoção dos interesses da coletividade existente no loteamento regular. Com esses fundamentos, o Plenário, por maioria, apreciando o Tema 492 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário. Vencidos os Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Roberto Barroso e Gilmar Mendes, que negavam provimento ao recurso. O Ministro Marco Aurélio deu provimento ao recurso e fixou tese nos termos de seu voto. (1) Precedente: RE 414.426/SC, rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJE de 10.10.11. (2) CF: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;” (3) CF: “Art. 5º. (...) XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; (4) CF: “Art. 5º. (...) XXI – as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;”  (5) CF: “Art. 5º. (...) XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;” (6) CF: “Art. 5º. (...) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;” (7) Lei 6.766/1979: “Art. 36-A. As atividades desenvolvidas pelas associações de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou empreendimentos assemelhados, desde que não tenham fins lucrativos, bem como pelas entidades civis organizadas em função da solidariedade de interesses coletivos desse público com o objetivo de administração, conservação, manutenção, disciplina de utilização e convivência, visando à valorização dos imóveis que compõem o empreendimento, tendo em vista a sua natureza jurídica, vinculam-se, por critérios de afinidade, similitude e conexão, à atividade de administração de imóveis. Parágrafo único. A administração de imóveis na forma do caput deste artigo sujeita seus titulares à normatização e à disciplina constantes de seus atos constitutivos, cotizando-se na forma desses atos para suportar a consecução dos seus objetivos.” (8) Precedente: RE 607.940/DF, rel. Min. Teori Zavascki, Pleno, DJE de 4.4.2016. RE 695911/SP, relator Min. Dias Toffoli, julgamento virtual finalizado em 15.12.2020



Nenhum comentário: