A Quarta Turma manteve decisão
que reconheceu o direito real de habitação a companheira em ação de manutenção
de posse ajuizada antes mesmo do pedido expresso de reconhecimento de união
estável. Após a morte do companheiro, uma mulher moveu ação com fundamento no
direito real de habitação, pois recebera notificação para desocupar o imóvel
onde morava com o falecido. O juízo de primeiro grau acolheu o pedido de
manutenção de posse. Segundo o magistrado, a autora comprovou que ela e o
companheiro mantiveram relação duradoura, contínua e com objetivos voltados
para a constituição de família, satisfazendo os requisitos previstos no artigo
1.723 do Código Civil (CC). O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve
a sentença. Em seu entendimento, a posse da companheira é legítima e de boa-fé.
O espólio do falecido recorreu ao
STJ. Sustentou que não houve comprovação da união estável em ação própria e que
nem mesmo foi feito pedido de reconhecimento dessa união. Por isso, não haveria
direito real de habitação ou posse legítima sobre o imóvel. Afirmou ainda que
sempre houve impedimento para que o falecido se casasse com a autora, por causa
de casamento anterior que não foi dissolvido formalmente. Além disso, mencionou
que o reconhecimento do direito real de habitação à companheira “compromete a
legítima dos herdeiros” e cria vantagem para ela em relação à esposa, caso
exista mais de um imóvel residencial a inventariar.
O ministro Luis Felipe Salomão,
relator do recurso especial, explicou que, nos termos do artigo 1.784 do CC,
com a abertura da sucessão hereditária, há transmissão automática e imediata de
todas as relações patrimoniais aos herdeiros (droit de saisine), inclusive a
posse e a propriedade do patrimônio pertencente ao falecido. Com base em
entendimento pacificado no âmbito do STJ, ele disse que a companheira
sobrevivente “tem direito real de habitação sobre o imóvel de propriedade do de
cujus em que residia o casal, mesmo na vigência do atual Código Civil”. Segundo
o ministro, esse entendimento assegura a máxima efetividade do direito à
moradia do cônjuge ou companheiro sobrevivente, “garantindo-lhe um mínimo
existencial e, de alguma forma, acabando por mitigar os poderes inerentes à
propriedade do patrimônio herdado pelos sucessores”.
Salomão mencionou precedente da
Quarta Turma, segundo o qual a constituição do direito real de habitação do
cônjuge sobrevivente emana exclusivamente da lei, “sendo certo que seu
reconhecimento de forma alguma repercute na definição de propriedade dos bens
partilhados. Seu reconhecimento não precisa necessariamente dar-se por ocasião
da partilha dos bens deixados pelo de cujus” (REsp 1.125.901). “É por isso que
a sentença apenas veio a declarar a união estável na motivação do decisório,
sem repercussão na parte dispositiva e sem alcançar a coisa julgada, mantendo
aberta eventual discussão no tocante ao reconhecimento da união estável e seus
efeitos decorrentes”, ressaltou o relator. O ministro considerou que a posse da
ex-companheira deve ser mantida, “uma vez que o direito real de habitação está
sendo conferido exatamente para aquela pessoa que residia no imóvel, que
realmente exercia poder de fato sobre a coisa, isto é, a proteção possessória
da companheira foi outorgada à luz do fato jurídico posse”. A decisão foi acompanhada por todos os
ministros do colegiado.
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