O Ministério Público é parte
legítima para ajuizar ação de alimentos e pode fazê-lo independentemente do
exercício do poder familiar pelos pais, da existência de risco prevista no
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ou da capacidade da Defensoria
Pública de atuar em favor dos menores. A decisão é da Segunda Seção, ao julgar
recurso repetitivo em que se discutia a possibilidade de o MP ajuizar ações que
envolvem pensão alimentícia. O recurso foi afetado como repetitivo no STJ por
sua relevância. Milhares de ações discutem a legitimidade do órgão ministerial
para atuar em favor de menores em todo o país. No caso julgado, a ação foi
ajuizada em favor de duas crianças, uma de quatro, outra de nove anos, na
comarca de Livramento de Nossa Senhora (BA). O MP ingressou em juízo para que o
réu contribuísse para o sustento dos filhos com meio salário mínimo. No
julgamento em primeira instância, o juízo extinguiu o processo sem solução de
mérito por entender que o órgão carecia de legitimidade ativa para a
propositura da ação.
No próprio STJ não havia
uniformidade sobre o tema. Segundo o relator do recurso, ministro Luis Felipe
Salomão, alguns precedentes eram no sentido de haver legitimidade do MP sempre;
outros afastavam essa legitimidade quando a criança ou o adolescente se
encontrava em poder dos pais; e outros precedentes eram favoráveis à atuação do
MP desde que o menor se achasse em situação de risco. A divergência entre os
precedentes surgia da interpretação do artigo 201, inciso II, do ECA, segundo o
qual compete ao MP “promover e acompanhar as ações de alimentos e os
procedimentos de suspensão e destituição do pátrio poder familiar, nomeação e
remoção de tutores, curadores e guardiães, bem como oficiar em todos os demais
procedimentos da competência da Justiça da Infância e da Juventude”. Segundo o
ministro Salomão, os precedentes que negavam a legitimidade entendiam que esse
artigo só se aplicaria nas hipóteses do artigo 98, que dispõe que as medidas de
proteção são aplicáveis sempre que os direitos previstos no ECA forem violados
ou ameaçados por ação ou omissão da sociedade ou do estado; por falta, omissão
ou abuso dos pais ou responsáveis; ou em razão da conduta do menor.
Para o ministro, a solução da
matéria não pode se restringir à interpretação dos mencionados artigos porque
envolve as atribuições de ente que ocupa posição estrutural no estado e porque
se trata da tutela de interesses de “especialíssima grandeza”, com os quais se
preocupou a Constituição Federal. O artigo 127 da Constituição dispõe que o
Ministério Público é "instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis". A
opinião do ministro é que a legislação infraconstitucional que se propuser a
disciplinar as funções do MP poderá apenas aumentar seu campo de atuação, mas
nunca subtrair atribuições já existentes ou mesmo criar embaraços à realização
de suas incumbências centrais, como a defesa dos interesses sociais e
indisponíveis. É da própria Constituição que se extrai a competência do órgão
para atuar em favor dos menores, quando ela afirma que é dever da família, da
sociedade e do estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde e à alimentação. “Não há como diferenciar
os interesses dos envolvidos para que apenas alguns possam ser tutelados pela
atuação do Ministério Público, atribuindo-lhe legitimidade, por exemplo, em
ações que buscam tratamento médico de criança e subtraindo-lhe a legitimidade
para ações de alimentos”, disse o ministro. O entendimento da Seção é que a
jurisprudência deve seguir uma linha que favoreça o desenvolvimento físico,
mental, moral, espiritual e social da criança e do adolescente, em condições de
liberdade e de dignidade.
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