A autonomia patrimonial da pessoa
jurídica não pode ser utilizada como pano de fundo para o cometimento de
fraudes. “Nessas hipóteses, deve a regra da separação patrimonial ceder
episodicamente para coibir a fraude e a lesão ao interesse de credores.” Esse
entendimento foi adotado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) para preservar a desconsideração da personalidade jurídica de uma empresa
devedora. Em 2002, foi ajuizada ação de
cobrança no valor de R$ 18.075 contra Duomo Confecções, correspondente à compra
de uma máquina. O juízo de primeiro grau determinou a desconsideração da
personalidade jurídica da empresa para atingir o patrimônio pessoal dos seus
sócios. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) negou seguimento ao
recurso interposto contra a decisão do magistrado. Considerou que a alteração
de endereço sem a respectiva comunicação e, com isso, a não localização de bens
penhoráveis revelaram que a sociedade foi utilizada para “atingir credores”. No
STJ, a Duomo defendeu que a alteração de endereço não justifica a
desconsideração da personalidade jurídica.
“A desconsideração da personalidade jurídica
pode ser entendida como a superação temporária da autonomia patrimonial da
pessoa jurídica com o intuito de, mediante a constrição do patrimônio de seus
sócios ou administradores, possibilitar o adimplemento de dívidas assumidas
pela sociedade”, explicou a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso
especial.
Após longo debate doutrinário e
jurisprudencial, o STJ, a partir da interpretação do artigo 50 do Código Civil,
adotou a Teoria Maior da Desconsideração. Segundo a relatora, essa teoria exige
a demonstração do desvio de finalidade, caracterizado pelo ato intencional dos
sócios de fraudar terceiros, ou a demonstração de confusão patrimonial,
evidenciada pela inexistência de separação entre o patrimônio da pessoa
jurídica e o de seus sócios. “Assim, a mera demonstração de estar a pessoa
jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações, ou mesmo a alteração
de endereço, não constitui motivo suficiente para a desconsideração da
personalidade jurídica”, disse Andrighi.
Entretanto, no caso específico, o
TJRJ concluiu que houve abuso da personalidade jurídica por parte da Duomo Confecções,
o que, no entendimento da ministra, autoriza a perda da autonomia patrimonial
da empresa. Andrighi verificou que na ação de cobrança e mesmo na impugnação à
desconsideração da personalidade, mediante agravo de instrumento, a empresa
forneceu endereço que não correspondia à sua sede havia anos. Segundo ela, a
mudança de endereço deveria ter sido comunicada à Junta Comercial e ao juízo,
nos termos do artigo 238, parágrafo único, do Código de Processo Civil. “Não se
verifica qualquer indício de boa-fé ou regularidade da empresa, até mesmo
porque o credor se vê na impossibilidade de satisfazer o seu crédito”, disse
Andrighi. Para ela, o sócio utilizou-se da autonomia patrimonial de que goza a
pessoa jurídica para maquinar uma forma de não cumprir com obrigações
assumidas, ciente, provavelmente, de que as dívidas contraídas por sua empresa,
em princípio, não poderiam ser cobradas diretamente dos sócios. “O sócio da
empresa agiu com abuso da personalidade jurídica, imbuído do espírito de má-fé
negocial, desvirtuando a finalidade pela qual o instituto da pessoa jurídica
foi criado, enquadrando-se em um dos pressupostos previstos no artigo 50 do
Código Civil, ensejador da desconsideração da personalidade jurídica”, concluiu
a ministra.
Processo: REsp 1311857
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