APELAÇÃO CÍVEL. SENTENÇA (INDEX 164) QUE JULGOU IMPROCEDENTE O PEDIDO. RECURSO DO AUTOR A QUE SE NEGA PROVIMENTO. Narra o Reclamante que foi alvo de perseguição por João Carlos Saad, presidente da Rede Bandeirantes de Televisão. Afirmou que, ao longo de uma semana, no fim do mês de setembro de 2010, o "Jornal da Band" veiculou matérias de cunho ofensivo à sua pessoa, incorrendo nos crimes de injúria e difamação, os quais estão sendo julgados em sede própria. Relatou que as matérias exibidas pelo aludido telejornal imputaram ao Requerente a prática de irregularidades e atos ilícitos, tais como ter sucateado o setor naval, exterminado o desenvolvimento e os postos de trabalho, pondo fim aos estaleiros "VEROLME" e "ISHIBRÁS"; ter ocasionado a falência dos periódicos JB e Gazeta Mercantil após os ter comprado; ser o Autor mau pagador, citando como exemplo a dívida com o apresentador Augusto Liberato. Sustentou que a Ré disponibilizou, em seus domínios de internet, "mais.uol.com.br" e "tvuol.com.br", as matérias produzidas e veiculadas pela Rede Bandeirantes de Televisão ao acesso público. Inicialmente, cabe afastar a preliminar de cerceamento de defesa arguida pelo Requerente. Vigora no ordenamento jurídico o sistema do livre convencimento motivado, segundo o qual o juízo da causa está livre para valorar as provas apresentadas. Portanto, é possível ao órgão jurisdicional concluir pela desnecessidade da produção das provas pleiteadas sem que isto caracterize cerceamento de defesa. Com efeito, no caso em estudo, a produção de outras provas se afigura desnecessária, tendo em vista que as notícias acostadas pelo Demandante são suficientes para averiguação de possível excesso. Ultrapassada a preliminar, passa-se à análise do mérito. A controvérsia envolve o direito à livre manifestação do pensamento e o direito à imagem e à honra. O direito à liberdade de expressão, previsto no artigo 5º, inciso IV, da CRFB, deve ser compatibilizado com outros direitos, dentre os quais a imagem e honra objetiva. Acerca da liberdade de imprensa, vale destacar que o STF elevou tal direito à categoria de sobredireito, por ocasião do julgamento da ADPF 130, da lavra do Ministro Ayres Britto. Confira-se trechos do sobredito acórdão: "2. REGIME CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO DAS LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO EM SENTIDO GENÉRICO, DE MODO A ABARCAR OS DIREITOS À PRODUÇÃO INTELECTUAL, ARTÍSTICA, CIENTÍFICA E COMUNICACIONAL. [...] O corpo normativo da Constituição brasileira sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa humana, assim como do mais evoluído estado de civilização. [...] 7. RELAÇÃO DE INERÊNCIA ENTRE PENSAMENTO CRÍTICO E IMPRENSA LIVRE. A IMPRENSA COMO INSTÂNCIA NATURAL DE FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA E COMO ALTERNATIVA À VERSÃO OFICIAL DOS FATOS. O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra compensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor. O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as autoridades e os agentes do Estado. A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura, mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião pública, espaço natural do pensamento crítico e "real alternativa à versão oficial dos fatos" (Deputado Federal Miro Teixeira). [...] 9. AUTORREGULAÇÃO E REGULAÇÃO SOCIAL DA ATIVIDADE DE IMPRENSA. É da lógica encampada pela nossa Constituição de 1988 a autorregulação da imprensa como mecanismo de permanente ajuste de limites da sua liberdade ao sentir-pensar da sociedade civil. Os padrões de seletividade do próprio corpo social operam como antídoto que o tempo não cessa de aprimorar contra os abusos e desvios jornalísticos. Do dever de irrestrito apego à completude e fidedignidade das informações comunicadas ao público decorre a permanente conciliação entre liberdade e responsabilidade da imprensa. Repita-se: não é jamais pelo temor do abuso que se vai proibir o uso de uma liberdade de informação a que o próprio Texto Magno do País apôs o rótulo de "plena" (§ 1 do art. 220)". No caso em exame, vê-se que as críticas veiculadas em relação ao Demandante não extrapolaram o exercício regular do direito da livre manifestação do pensamento, constitucionalmente garantido. Note-se que a realização de reportagens sobre matérias de interesse público, como na espécie, se insere no "animus narrandi" próprio da imprensa livre, não se verificando qualquer abuso no atuar da Ré. No que tange à veracidade do conteúdo divulgado, cabe trazer a lume a abalizada doutrina de Cristiano Chaves de Farias ("in" Novo Tratado de Responsabilidade Civil, Cristiano Chaves de Farias et al, São Paulo, Atlas, 2015, p. 740): "Os veículos de comunicação não operam - nem poderiam -, na apuração e divulgação de notícias, com os mesmos graus de solidez e certeza exigíveis num processo judicial (sobretudo se penal). Isso é um fato incontestável, e ninguém razoavelmente exigiria que só se publicasse determinada notícia depois de anos debatendo internamente, à luz do contraditório e da ampla defesa, cada circunstância da notícia". [...] "Não se exige da imprensa certeza plena e "judicial" acerca das informações que publica. Há interesse público, ademais, na divulgação célere e transparente das notícias, é algo que conquistamos e não saberíamos - socialmente falando - ficar sem isso, é um passo democraticamente irreversível. " Precedente. |
0039662-12.2013.8.19.0001 - APELAÇÃO |
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Des(a). ARTHUR NARCISO DE OLIVEIRA NETO - Julg: 22/02/2018 |
Blog de direito civil dos professores Carlos Nelson Konder e Cintia Muniz de Souza Konder
sexta-feira, 25 de maio de 2018
PROGRAMA DE TELEVISÃO IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DE ATOS ILÍCITOS LIBERDADE DE IMPRENSA MATÉRIA DE INTERESSE PÚBLICO IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO
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