A Terceira Turma confirmou o entendimento já adotado pela Quarta Turma – e recentemente pelo Supremo
Tribunal Federal (ADI 4.275) – de que é possível alterar nome e sexo que constam no registro civil de transexual
que não passou por cirurgia de redesignação sexual. Com essa decisão, agora as duas turmas de direito privado
do STJ compartilham a mesma posição do STF sobre o tema.
A autora do recurso julgado na Terceira Turma alegou que a alteração do registro seria necessária para evitar os
constrangimentos e humilhações que sofria, além de facilitar sua inclusão social e profissional, já que possui
aparência feminina em razão dos hormônios que tomou.
Em primeira instância, a sentença permitiu a modificação. Ao apelar para o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
o Ministério Público sustentou que o registro civil deve refletir a identidade biológica da pessoa, “como homem ou
mulher”, admitindo-se a alteração apenas mediante a realização de cirurgia de transgenitalização.
O tribunal fluminense reformou a sentença e negou o pedido de alteração do sexo civil, entendendo que o registro
deveria espelhar a “sexualidade morfológica”.
Segundo o relator do recurso no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a Lei de Registros Públicos “não
contém norma que autorize a modificação do sexo civil, contendo apenas autorização para se modificar o
prenome, nos casos de substituição por ‘apelidos públicos notórios’, ou no caso de exposição ao ridículo”.
Todavia, de acordo com ele, a Terceira Turma firmou entendimento de que o transexual transgenitalizado tem
direito de alterar não só o prenome, como também o sexo civil no seu registro, entendimento que foi estabelecido
em julgamento de recurso especial relatado pela ministra Nancy Andrighi em outubro de 2009.
Avanço jurisprudencial
Sanseverino citou outro caso em que, segundo ele, houve um significativo avanço jurisprudencial: na Quarta
Turma, em recurso julgado em maio de 2017 sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, foi admitida a
alteração do sexo civil independentemente da cirurgia de mudança de sexo. O caso envolvia uma transexual não
transgenitalizada que pretendia alterar o sexo civil de masculino para feminino.
Naquele precedente, Salomão fez referência ao direito à identidade, que consiste no direito de a pessoa ser como
verdadeiramente é, e assim ser respeitada pelos outros, sem ter que se enquadrar em padrões de vida
predefinidos.
Ao julgar o recurso que relatou na Terceira Turma, Sanseverino considerou que o registro que expressa um
gênero com o qual a pessoa não se identifica é socialmente falho, “pois não cumpre seu papel de trazer
segurança às relações jurídicas”.
O ministro afirmou também que a discrepância entre o prenome de um determinado gênero e o sexo indicado no
documento expõe a pessoa ao ridículo, uma das situações em que a Lei dos Registros Públicos admite a
mudança de nome.
Sanseverino ainda ressaltou, mencionando o julgado de outubro de 2009, que essa divergência de identidade
sexual causa, segundo a literatura médica, intenso sofrimento psíquico, podendo levar a tentativas de
automutilação e até mesmo de autoextermínio.
Para Sanseverino, em respeito à dignidade da pessoa humana, não existe alternativa, do ponto de vista jurídico,
senão permitir a alteração do sexo civil no caso dos autos
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