É possível, no mundo dos fatos, a coexistência de relações com vínculo afetivo e duradouro, e até com objetivo de constituir família, mas a legislação ainda não confere ao concubinato proteção jurídica no âmbito do direito de família. A
observação foi feita pelo ministro Luis Felipe Salomão, da Quarta Turma
do STJ, ao votar em 29/03/2012 dando provimento a
recurso especial da esposa para restabelecer sentença que negou à
concubina o reconhecimento de união estável, para efeito de receber
pensão. Tudo começou quando o concubino morreu e a concubina foi
à Justiça, com ação declaratória de reconhecimento de união estável em
face da sucessão do falecido, representada pela esposa. Na ação, afirmou
que ela e o falecido assumiram publicamente a relação desde janeiro de
2000, como se casados fossem, e passaram a residir juntos em 2002. O
advogado disse que, apesar de formalmente casado com a esposa., o
falecido estava separado de fato desde 2000, sendo possível a
habilitação da autora da ação junto ao Instituto de Previdência do
Estado do Rio Grande do Sul (Ipergs), para o recebimento de pensão
relativa ao benefício previdenciário do companheiro. Afirmou também que
ele não deixou totalmente a esposa porque ela havia ficado doente, após
sofrer um acidente. Na contestação, a defesa da esposa afirmou
que ela permaneceu casada com o falecido por 36 anos, até a sua morte em
2005, sem que ele jamais tivesse abandonado o lar. Argumentou que a
própria concubina escrevera carta admitindo que ele continuava casado,
não podendo ser reconhecida a união estável paralela, mas mero
relacionamento extraconjugal. A ação foi julgada improcedente.
Segundo o juiz, não foi comprovado que, em algum momento, o falecido
tenha tentado terminar o casamento para formar uma entidade familiar com
a autora. A concubina apelou, e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul (TJRS) deu provimento ao recurso. “Se,
mesmo não estando separado de fato da esposa, vivia o falecido em união
estável com a autora/companheira, entidade familiar perfeitamente
caracterizada nos autos, deve ser reconhecida a sua existência, paralela
ao casamento, com a consequente partilha de bens”, justificou o
tribunal gaúcho. A esposa recorreu ao STJ, sustentando a mesma
alegação: é impossível o reconhecimento de união estável, na medida em
que o falecido continuou casado e convivendo com ela, não tendo sido
demonstrada pela outra parte a separação de fato. Em parecer, o
Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso. Em
decisão unânime, a Quarta Turma declarou a impossibilidade de
reconhecimento da união estável concomitante ao casamento. “Mesmo que
determinada relação não eventual reúna as características fáticas de uma
união estável, em havendo o óbice, para os casados, da ausência de
separação de fato, não há de ser reconhecida a união estável”, afirmou o
ministro Luis Felipe Salomão, relator do caso. Ele observou que
a manutenção de uma sociedade conjugal por finalidades outras que não
as tradicionalmente imaginadas pela doutrina ou pela sociedade não
descaracteriza como casamento a união voluntária entre duas pessoas.
“Descabe indagar com que propósito o falecido mantinha sua vida comum
com a esposa, se por razões humanitárias ou por qualquer outro motivo,
ou se entre eles havia vida íntima”, considerou. Ao dar
provimento ao recurso especial, o relator ressaltou que tal ingerência
agride a garantia de inviolabilidade da vida privada e, de resto, todos
os direitos conexos à dignidade da pessoa humana. “Não se mostra
conveniente, sob o ponto de vista da segurança jurídica, inviolabilidade
da intimidade, vida privada e da dignidade da pessoa humana, abrir as
portas para questionamento acerca da quebra da affectio familiae, com vistas ao reconhecimento de uniões estáveis paralelas a casamento válido”, concluiu o ministro.
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