O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou parcialmente procedente pedido feito na Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 750, contra dispositivos de lei fluminense sobre a obrigatoriedade de informações
nas embalagens dos produtos alimentícios comercializados no Estado do Rio de Janeiro e as respectivas
sanções por descumprimento. A maioria dos ministros entendeu que parte da lei (que trata da exigência das
informações) deve ser declarada inconstitucional, uma vez que ao estabelecer tal obrigatoriedade, o estado
dificulta a inserção de bens provenientes de outras localidades em seu mercado, bem como a livre circulação
de mercadorias.
Na ação, o procurador-geral da República questionava os artigos 2º, incisos II, III e IV (obrigatoriedade das
informações nos rótulos); e 3º, parágrafo único (sanções), da Lei 1.939, de 30 de dezembro de 1991, do Rio de
Janeiro. Essa norma obriga que os rótulos contenham informações tais como composição do produto, aditivos,
quantidade de calorias, proteínas, açúcares, gordura, presença de conservantes, corantes aromatizantes e
formas de esterilização, estabelecendo sanções sobre eventual descumprimento.
A ação sustentava que a exigência de novos dados nos rótulos, além dos previstos na legislação federal,
prejudicaria o comércio interestadual, já que muitas empresas teriam dificuldades no cumprimento das
condições legais e acabariam por prejudicar os próprios consumidores fluminenses. Afirmava ser de
competência privativa da União legislar sobre comércio interestadual (artigo 22, inciso VIII, Constituição
Federal).
Liminar concedida anteriormente pelo Supremo já havia suspendido os efeitos dos incisos II, III e IV do artigo
2º da lei questionada.
Voto do relator
Na sessão plenária desta quinta-feira (3), no julgamento de mérito do caso, o relator, ministro Gilmar Mendes,
votou pela procedência parcial da ação, com a confirmação da liminar deferida. Para ele, a questão apresenta
um claro conflito entre a lei estadual e a norma federal, portanto contraria a Constituição Federal. “A atuação
estadual em matéria de legislação concorrente seria válida na medida em que beneficia a sua unidade
federativa, mas que não cause restrições desproporcionais aos demais entes”, avaliou, ressaltando que,
conforme a Constituição Federal, o Brasil é um só mercado, regido exclusivamente pela legislação federal.
Ele considerou ser evidente que produtos alimentícios comercializados no Rio de Janeiro não são produzidos
apenas em seu território, mas também em outras regiões do Brasil e do exterior. Assim, ressaltou que uma
única embalagem não pode ter um rótulo contendo informações nacionais e outro rótulo com dados
específicos exigidos por um determinado ente da federação.
O relator observou que uma exigência desse tipo tem repercussões tanto no âmbito interestadual como no
âmbito internacional. “O Brasil está integrado ao Mercosul, em que é necessário que haja o compartilhamento
na área de alimentos. Há uma complementariedade entre os países, a exemplo do que acontece com a União
Europeia”, disse.
O ministro Gilmar Mendes destacou que a jurisprudência da Corte (ADI 2396) é firme no sentido de que, “em
sede de competência concorrente, o livre espaço para atividade legislativa estadual é autorizada na hipótese
de não existir legislação nacional a contemplar a matéria”. Assim, frisou que, ao existir norma geral – como no
caso o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)
– a legislação estadual poderá preencher eventuais lacunas. No entanto, segundo o relator, não existe
justificativa plausível que autorize restrições a embalagens de alimentos comercializados no Estado do Rio de
Janeiro, pois, na hipótese, há clara predominância de interesse nacional, visando evitar restrições que limitem
o comércio interestadual.
Por fim, o relator entendeu que não deve ser declarada a inconstitucionalidade do artigo 3º, da mesma norma,
considerando que o inciso I do artigo 2º não é alvo desta ação. “Faz-se conveniente a manutenção do artigo 3º
para assegurar a eficácia normativa do referido inciso ligado ao artigo 2º”, ressaltou. Dessa forma, o ministro
Gilmar votou pela procedência parcial do pedido, com a declaração da inconstitucionalidade dos incisos II, III, e
IV, do artigo 2º da Lei fluminense 1.939/1991, por violação ao artigo 22, inciso VIII, e ao artigo 24, inciso V,
ambos da Constituição Federal. Seguiram o relator os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso,
Luiz Fux e a ministra Rosa Weber.
Improcedência total
O ministro Edson Fachin manifestou-se pela improcedência total do pedido, abrindo, dessa forma, divergência
ao voto do relator. Ele votou de forma favorável à continuidade da vigência da lei questionada, considerando
que pode haver competência legislativa concorrente sobre a matéria. Segundo o ministro, a obrigatoriedade
das informações, bem como a previsão de sanções sobre eventual descumprimento, situam-se na seara de
proteção ao consumidor.
Para ele, a proteção ao consumidor também compreende comercialização e não apenas produção dos
produtos. “Nessa hipótese, a máxima efetividade da proteção constitucional ao consumidor derivada do seu
direito de informação sustenta essa lei estadual”, ressaltou. Acompanharam esse entendimento os ministros
Celso de Mello e Cármen Lúcia.
Procedência total
O ministro Dias Toffoli apresentou uma terceira vertente ao julgar a ação totalmente procedente. Segundo ele,
a produção posterior de uma legislação federal sobre o assunto (Código de Defesa do Consumidor) fez com
que a legislação estadual perdesse a eficácia no que diz respeito à proteção do consumidor. Assim, o ministro
Dias Toffoli considerou que, além do artigo 2º, o artigo 3º – que prevê as penalidades administrativas –
também é inconstitucional. Os ministros Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio votaram no mesmo sentido. Os
três ficaram parcialmente vencidos, pois acolheram a declaração de inconstitucionalidade de dispositivo não
abrangido pelo voto do relator.
Processos
ADI 750
Nenhum comentário:
Postar um comentário