É impossível declarar a nulidade do registro de nascimento, após o reconhecimento voluntário da paternidade, sob a simples alegação de dúvidas com relação ao vínculo biológico com o registrado, sem que existam provas robustas de erro ou falsidade do ato jurídico. O entendimento unânime foi da
Terceira Turma do STJ, em 28/11/2013, que considerou improcedente o pedido de
um pai que, após relacionamento afetivo efêmero e casual, decidiu registrar o
filho sem realizar exame de DNA. Após quatro anos de vida do menor, o pai
requereu a nulidade do registro, pedindo a produção de perícia sanguínea para
apurar a paternidade biológica, pois suspeitou que a genitora tivesse mantido
outros relacionamentos à época da concepção. Além disso, alegou não perceber
semelhanças físicas entre ele e o menor. No curso da ação, o pai faleceu. Em
razão do óbito, a primeira instância deferiu a habilitação dos pais do falecido
no caso e reconheceu, baseado na interpretação em sentido contrário da Súmula
301 do STJ, a presunção de que o menor não era filho do autor falecido, pois
não havia comparecido ao exame em duas ocasiões. A súmula diz que, em ação
investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz
presunção relativa de paternidade.
Inconformado com a decisão, o
filho apelou para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que manteve a
aplicação inversa da súmula e confirmou a possibilidade da sucessão processual.
Ao apresentar recurso especial, o filho sustentou que esse tipo de ação é de
cunho personalíssimo, de modo que seus avós não poderiam suceder o pai falecido
no polo ativo da demanda. Assegurou que as hipóteses de afastamento da
presunção de paternidade são restritas. Insurgiu-se também contra o indeferimento
da prova genética no cadáver e contra a aplicação da súmula. No STJ, o
entendimento do tribunal de origem com relação à interpretação da súmula foi
reformado, porém, mantida a tese da sucessão processual. De acordo com a
ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, ainda que se trate de direito
personalíssimo, “tendo o pai registral concretizado sua intenção de contestar a
paternidade ainda em vida, impõe-se admitir a sucessão processual de seus
ascendentes, a fim de dar prosseguimento à ação proposta”. Ao se referir ao
registro de nascimento, a ministra explicou que o ato possui valor absoluto,
independentemente de a filiação ter-se verificado no âmbito do casamento ou
fora dele, “não se permitindo negar a paternidade, salvo se consistentes as
provas do erro ou falsidade, não se admitindo para tal fim que o erro decorra
de simples negligência de quem registrou”.
A relatora ressaltou que o Poder
Judiciário não poderia prejudicar a criança por “mero capricho” de um adulto,
que decidiu livremente registrá-la, mesmo com todas as consequências jurídicas
e afetivas decorrentes desse ato, e que, após tantos anos, pretende “livrar-se
do peso da paternidade” por “mero arrependimento”. “Por essa razão, a presunção
de veracidade e autenticidade do registro de nascimento não pode ceder diante
da falta de provas evidentes do vício de consentimento, para a desconstituição
do reconhecimento voluntário da paternidade”, acrescentou. A ministra refletiu
que, diante de relacionamentos efêmeros, em que o envolvimento das partes
restringe-se à conotação sexual, “a ação negatória de paternidade não pode se
fundar em mera dúvida, desconfiança que já havia ou deveria haver quando do
reconhecimento voluntário”.
Nancy Andrighi reconheceu o exame
de DNA como um “instrumento valioso” na apuração da verdade biológica, que se
aproxima da certeza absoluta. Porém, afirmou que a prova genética não pode ser
considerada o único meio de prova da paternidade. Para ela, o entendimento do
tribunal de origem, que concluiu pela presunção de que o autor não era pai, em
prejuízo do menor, mostra-se “equivocado” e é contrário à proteção que o
ordenamento jurídico brasileiro confere à criança e ao adolescente, pelo
princípio do melhor interesse do menor. Segundo a ministra, em virtude desse
princípio, não se pode interpretar a súmula do STJ em desfavor dos interesses
da criança, “desconstituindo a paternidade reconhecida e maculando seu direito
à identidade e ao desenvolvimento de sua personalidade”. Por essas razões, a
Turma considerou insuficiente para a exclusão da paternidade o não
comparecimento do menor ao exame de DNA, desacompanhado de quaisquer outros
elementos probatórios.
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