A Terceira Turma STJ, ao julgar o
REsp 1393699 em 25/11/2013, decidiu que a Igreja Católica deve ser responsabilizada civilmente, de maneira solidária e objetiva,pelos danos advindos de delito cometido por algum de seus padres. No recurso
especial que envolveu a Mitra Diocesana de Umuarama (PR) e um padre que cometeu
crimes sexuais contra menor, o colegiado também discutiu o prazo prescricional
para ajuizamento de ação reparatória de danos morais pela vítima, quando a ação
penal é proposta pelo Ministério Público dentro do prazo de três anos. A vítima
ajuizou ação de compensação por danos morais contra a mitra e o padre, que
havia confessado o crime no processo penal. A sentença reconheceu o ato ilícito
do sacerdote, que ofendeu a integridade moral do menor, e condenou tanto ele
quanto a mitra a pagar indenização no valor de R$ 100 mil, metade para cada um,
de forma solidária. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) negou provimento às
apelações, reconhecendo a responsabilidade solidária da igreja, já que o padre
era subordinado a ela. Em recurso ao STJ, a mitra alegou ofensa a dispositivos
do Código Civil, do Código de Processo Civil e do Decreto 7.107/10, que
promulgou acordo entre o governo brasileiro e a Santa Sé para adoção do
Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. A entidade eclesiástica
sustentou que não haveria responsabilidade solidária e objetiva de sua parte,
visto que a autoria do delito era de terceiro. Alegou ainda que a pretensão da
vítima, de reparação na esfera civil por danos morais, estaria prescrita, pois a
ação teria sido ajuizada mais de três anos após os fatos.
A ministra Nancy Andrighi,
relatora do recurso, lembrou que a própria mitra afirmou que o padre acusado
desenvolvia trabalho voluntário e vocacional de ordem religiosa, vinculado à
entidade, cumprindo funções, horários e normas da administração da paróquia.
Esse fato é suficiente para configurar a relação de preposição, nos termos do
artigo 932 do Código Civil de 2002 (CC/02), pois, conforme prega a doutrina, “a
preposição tem por essência a subordinação” – afirmou a ministra. Segundo Nancy
Andrighi, o STJ ampliou o conceito de preposição há muito tempo, para além das
relações empregatícias, ao decidir que “não é preciso que exista um contrato
típico de trabalho, sendo suficiente a relação de dependência ou que alguém
preste serviço sob o interesse e o comando de outrem” (REsp 304.673). A regra,
conforme mencionou a ministra, é a responsabilidade civil individual, porém,
“existem situações em que o ordenamento jurídico atribui a alguém,
independentemente de culpa sua, a responsabilidade solidária por ato de outrem,
considerando, para tanto, determinada relação jurídica havida entre eles
(artigos 932 e 933 do CC/02)”. A relatora alertou que “mais do que uma simples
relação de subordinação, o ministro ordenado é para os fiéis a própria
personificação da Igreja Católica, no qual, em razão do desempenho de tão
importante papel, depositam justas expectativas de retidão moral e santidade”. Nesse
contexto, acrescentou, “mostra-se ainda mais reprovável o comportamento do réu,
que, sob o manto do sacerdócio e aproveitando-se dele, abusando, pois, da
lídima crença que lhe era devotada em razão de sua qualidade de padre,
convencia as vítimas menores a pernoitar na casa paroquial em sua companhia,
para praticar atos libidinosos”. Por isso, segundo a ministra, é necessário que
se lance um olhar “mais crítico e realista acerca da relação havida entre as
instituições eclesiásticas e seus servidores. A igreja não pode ser indiferente
– em especial no plano da responsabilidade civil, frise-se – aos atos
praticados por quem age em seu nome ou em proveito da função religiosa que se
lhe atribui, sob pena de trair a confiança que nela própria depositam os
fiéis”.
A relatora explicou que, no
âmbito civil, aquele que por ato ilícito causa dano a outrem tem o dever de
repará-lo (artigo 927 do CC/02). E no âmbito penal, um dos efeitos da
condenação é tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime
(artigo 91, I, do Código Penal). Dessa forma, “quem pretende ser ressarcido dos
danos sofridos com a prática do delito pode escolher, de duas, uma: ajuizar a
correspondente ação reparatória ou aguardar o desfecho da ação penal, para,
então, executar ou liquidar o título constituído, conforme o caso”. De acordo
com Nancy Andrighi, no momento em que toma conhecimento do autor do crime,
nasce para o ofendido a pretensão de exigir reparação, que se extingue no prazo
de três anos, em tese. Mas se, nesse período, for iniciado procedimento criminal
para apuração do mesmo fato, a prescrição fica suspensa até a sentença penal
definitiva. Nesse sentido, a relatora citou precedentes do STJ como o AgRg no
AREsp 268.847, de relatoria própria, e o REsp 665.783, do ministro Aldir
Passarinho Junior. Por isso, continuou a ministra, “se o procedimento criminal
não for iniciado no lapso temporal de três anos, não há falar em suspensão da
prescrição da pretensão reparatória no juízo cível, de modo que, nesse caso, a
inércia da parte em propor a ação de conhecimento naquele prazo será punida com
a extinção da pretensão, restando-lhe apenas a possibilidade de executar a
sentença definitivamente proferida pelo juízo criminal”. No caso julgado,
conforme ressaltou a ministra, não houve prescrição na área civil, porque o
crime havia sido cometido em 2002 e a denúncia oferecida pelo Ministério
Público ao juízo criminal foi recebida em 2004 – dentro, portanto, dos três
anos, o que levou à suspensão do prazo prescricional.
Nenhum comentário:
Postar um comentário