Não existe ilegalidade no cartão recarregável oferecido aos torcedores pelo programa de fidelização do Clube de Regatas do Flamengo, conhecido como passaporte rubro-negro. Esse foi o entendimento da Terceira Turma do STJ,
em 26/11/2013, ao analisar o REsp 1413192 do Ministério Público do Rio de
Janeiro (MPRJ) que questionou a validade do cartão, pois cria vantagens apenas
para alguns dos torcedores. O passaporte é um cartão pago, recarregável, que
possibilita aos torcedores que o adquirirem a compra de ingressos para os jogos
do time antes do início das vendas na bilheteria, e que pode ser usado
diretamente nas catracas dos estádios. O MPRJ ajuizou ação coletiva de consumo
com o objetivo de que o Flamengo fosse obrigado a disponibilizar o cartão, sem
custo prévio, a todos os torcedores, e a devolver os valores cobrados daqueles
que já o possuem. Segundo o MPRJ, o clube está oferecendo ao portador do
passaporte “aquilo que tem a obrigação legal de conceder a todos os torcedores:
a compra do seu ingresso com agilidade, segurança, racionalidade e conforto”.
O órgão não questionou a validade
do programa de relacionamento em si, mas apenas parte desse programa, chamado
de passaporte rubro-negro. O pedido do MPRJ foi julgado improcedente pela
primeira instância, o que foi confirmado pelo Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro, para o qual não houve comprovação de abuso por parte do clube. Inconformado
com a posição do tribunal, o MP recorreu ao STJ. Alegou que houve violação do
artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e dos artigos 13, 20 e 21 do
Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/03). No STJ, a ministra Nancy Andrighi,
relatora do recurso, explicou que, em regra, os programas de relacionamento que
surgem atualmente estabelecem uma determinada contribuição por parte do sócio
torcedor, o qual, além de obter vantagens como a compra de ingressos antecipada
e com descontos variados, ainda tem o “retorno imaterial de estar ajudando seu
clube”. Conforme define a Lei 10.671, torcedor é toda pessoa que aprecie, apoie
ou se associe a qualquer entidade desportiva do país e acompanhe a prática de
determinada modalidade esportiva. A relatora afirmou que, para cada faceta
admitida como forma de ser torcedor, existem expectativas legalmente protegidas
e outras não amparadas pelo CDC, pois dizem respeito às peculiaridades do
universo do esporte.
De acordo com a ministra, é
necessário analisar se houve abuso à luz do Estatuto do Torcedor e do CDC, de
maneira conjunta. Nancy Andrighi afirmou que seria possível resolver o caso
“não pela vedação de situações distintas – essas não impedidas por lei –, mas
pela verificação sobre a efetividade dos padrões legais mínimos de atendimento
para qualquer torcedor – circunstância que, fragilizada, daria ensejo à
declaração de abusividade ou de agressão à igualdade”. Segundo ela, o Estatuto
do Torcedor impõe exigências sobre segurança nos locais de competição,
disponibilização de ingressos com o mínimo de 72 horas, implementação de
sistemas de facilitação de compra de ingressos, pulverização dos pontos de
venda e outros requisitos. Entretanto, se esse serviço ofertado ao torcedor é
tão deficiente quanto diz o MPRJ, a solução – de acordo com a relatora – “passa
por pedido expresso de cumprimento das determinações do Estatuto do Torcedor,
notadamente dos próprios dispositivos citados, e não pela homogeneização de
tratamento entre os sócios torcedores e os demais torcedores, ou possíveis
expectadores de um determinado jogo de futebol”, ressaltou. A ministra concluiu
que “possível inadequação do clube em relação ao legal dever de qualidade no
fornecimento do serviço deve ser discutida judicialmente, de forma solteira,
sem o indevido atrelamento ao legítimo programa de relacionamento estabelecido
pelo clube”. Com esse entendimento, a ilegalidade do passaporte foi afastada
pelos ministros.
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