Blog de direito civil dos professores Carlos Nelson Konder e Cintia Muniz de Souza Konder
segunda-feira, 2 de abril de 2018
STF reconhece a transgêneros possibilidade de alteração de registro civil sem mudança de sexo
O STF entendeu ser possível a alteração de nome e gênero no assento de registro civil mesmo sem a realização
de procedimento cirúrgico de redesignação de sexo. A decisão ocorreu no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 4275, encerrado na sessão plenária realizada na tarde de quinta-feira (1º).
A ação foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República a fim de que fosse dada interpretação conforme a
Constituição Federal ao artigo 58 da Lei 6.015/1973, que dispõe sobre os registros públicos, no sentido de ser
possível a alteração de prenome e gênero no registro civil mediante averbação no registro original,
independentemente de cirurgia de transgenitalização.
Todos os ministros da Corte reconheceram o direito, e a maioria entendeu que, para a alteração, não é necessária
autorização judicial. Votaram nesse sentido os ministros Edson Fachin, Luiz Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz
Fux, Celso de Mello e a presidente da Corte, Cármen Lúcia. Ficaram vencidos, nesse ponto, o ministro Marco Aurélio (relator), que considerou necessário procedimento de jurisdição voluntária (em que não há litigio) e, em
menor extensão, os ministros Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, que exigiam
autorização judicial para a alteração.
Na sessão do dia 27, seis ministros apresentaram seus votos, entre eles o relator. Hoje, outros quatro ministros se
pronunciaram, estando impedido o ministro Dias Toffoli.
Votos
O ministro Ricardo Lewandowski concordou com o posicionamento do relator, ministro Marco Aurélio. Ele também
se ateve ao vocábulo “transexual”, contido na petição inicial, sem ampliar a decisão aos transgêneros.
Lewandowski considerou que deve ser exigida a manifestação do Poder Judiciário para fazer alteração nos
assentos cartorários. De acordo com ele, cabe ao julgador, “à luz do caso concreto e vedada qualquer forma de
abordagem patologizante da questão”, verificar se estão preenchidos os requisitos da mudança, valendo-se, por
exemplo, de depoimentos de testemunhas que conheçam a pessoa e possam falar sobre a autoidentificação ou,
ainda, declarações de psicólogos e médicos. No entanto, eliminou toda e qualquer exigência temporal ou
realização de perícias por profissionais. “A pessoa poderá se dirigir ao juízo e, mediante qualquer meio de prova,
pleitear a alteração do seu registro”.
No início de seu voto, o ministro Celso de Mello afirmou que, com este julgamento, o Brasil dá mais um passo
significativo contra a discriminação e o tratamento excludente que tem marginalizado grupos, como a comunidade
dos transgêneros. “É imperioso acolher novos valores e consagrar uma nova concepção de direito fundada em
uma nova visão de mundo, superando os desafios impostos pela necessidade de mudança de paradigmas em
ordem a viabilizar, até mesmo como política de Estado, a instauração e a consolidação de uma ordem jurídica
genuinamente inclusiva”, salientou, acrescentando que o regime democrático não admite opressão da minoria por
grupos majoritários.
O decano da Corte avaliou que a questão da prévia autorização judicial encontra solução na própria lei dos
registros públicos, uma vez que, se surgir situação objetiva que possa eventualmente caracterizar prática
fraudulenta ou abusiva, caberá ao oficial do registro civil das pessoas naturais a instauração do processo
administrativo de dúvida.
O ministro Gilmar Mendes se aliou ao voto do ministro Alexandre de Moraes para reconhecer os direitos dos
transgêneros de alterarem o registro civil desde que haja ordem judicial e que essa alteração seja averbada à
margem no seu assentamento de nascimento, resguardado o sigilo quanto à modificação. “Com base nos
princípios da igualdade, da liberdade, da não discriminação por razão de orientação sexual ou identificação de
gênero, esta Corte tem dever de proteção às minorias discriminadas”, destacou.
A presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, considerou que o julgamento “marca mais um passo na
caminhada pela efetivação material do princípio da igualdade, no sentido da não discriminação e do não
preconceito”. Ela baseou seu voto no direito à honra, à imagem, à vida privada, nos princípios constitucionais da
igualdade material, da liberdade, da dignidade e no direito de ser diferente, entre outros. “Cada ser humano é
único, mas os padrões se impõem”, afirmou. “O Estado há que registrar o que a pessoa é, e não o que acha que
cada um de nós deveria ser, segundo a sua conveniência”.
A ministra julgou procedente a ação para dar à lei dos registros interpretação conforme a Constituição Federal e
pactos internacionais que tratam dos direitos fundamentais, a fim de reconhecer aos transgêneros que desejarem
o direito à alteração de nome e gênero no assento de registro civil, independentemente da cirurgia. Para ela, são
desnecessários a autorização judicial e os requisitos propostos.
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