A emancipação da mulher pode ser considerada
uma das maiores conquistas sociais dos últimos tempos. A Constituição
de 1988 trouxe para a prestação de alimentos entre cônjuges e
companheiros o reflexo da nova sociedade, em que a mulher ganhou
isonomia de tratamento e maior espaço para sua independência financeira.
Antes confinada às tarefas domésticas, a mulher passou a exercer, com
liberdade e independência, papéis-chave na sociedade. O artigo
1.694 do Código Civil de 2002 estabelece a obrigação recíproca (podendo
recair tanto sobre homens quanto sobre mulheres), observando-se para sua
fixação a proporção das necessidades daquele que pede e dos recursos do
que é obrigado – o chamado binômio necessidade-possibilidade. A
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem dado atenção à
questão dos alimentos para ex-cônjuges, considerando a obrigação uma
exceção à regra, incidente apenas quando configurada a dependência do
outro ou a carência de assistência alheia. Quando ainda era
outra a sociedade brasileira, a legislação assegurava alimentos em
qualquer circunstância. A pensão alimentar aparecia obrigatoriamente nos
processos de desquite e, depois de 1977, nas separações e divórcios. No
processo, buscava-se até mesmo o responsável pelo fracasso do
casamento. E isso era determinante na fixação do valor dos alimentos. “A
mulher da atualidade não é mais preparada culturalmente apenas para
servir ao casamento e aos filhos, mas tem consciência de que precisa
concorrer no mercado de trabalho e contribuir para a manutenção material
da família.” A análise é do advogado e professor de direito de família
Rolf Madaleno. Diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de
Família (IBDFAM), ele afirma que doutrina e jurisprudência vêm
construindo entendimento de que os alimentos entre cônjuges são cada vez
mais raros. No STJ, muitos precedentes são claros ao definir
que os alimentos devidos entre ex-cônjuges serão fixados por tempo
certo, a depender das circunstâncias fáticas próprias da hipótese sob
discussão. Em 2008, a Terceira Turma consolidou a tese de que,
“detendo o ex-cônjuge alimentando plenas condições de inserção no
mercado de trabalho, como também já exercendo atividade laboral, quanto
mais se esse labor é potencialmente apto a mantê-lo com o mesmo
status
social que anteriormente gozava ou, ainda, alavancá-lo a patamares
superiores, deve ser o alimentante exonerado da obrigação” (
REsp 933355). O raciocínio dos
julgadores do STJ é o da efetiva necessidade e conspira contra aqueles
que, mesmo exercendo ou tendo condições de exercer atividade remunerada,
insistem em manter vínculo financeiro em relação ao ex-cônjuge, por
este ter condição econômica superior à sua. Ao julgar um recurso
oriundo do Rio de Janeiro, em 2011, a Terceira Turma reafirmou que o
prazo fixado para o pagamento dos alimentos deve assegurar ao cônjuge
alimentando tempo hábil para sua inserção, recolocação ou progressão no
mercado de trabalho, que lhe possibilite manter pelas próprias forças
status social similar ao período do relacionamento (
REsp 1205408). No
STJ, o recurso era do ex-marido. Ele queria a exoneração da obrigação
de pagar quatro salários mínimos à ex-mulher, que já se prolongava por
dez anos. Para tanto, argumentou que passou a viver nova união, em que
foi gerada uma filha com necessidade de cuidados especiais (síndrome de
Down), o que lhe exigia maior capacidade financeira. Disse, também, que a
ex-mulher era arquiteta autônoma e que não precisaria do recebimento de
pensão para sobreviver.
Ao
avaliar o caso, a ministra Nancy Andrighi reconheceu a possibilidade de
os valores dos alimentos serem alterados, ou a obrigação extinta, ainda
que não houvesse mudança na situação econômica dos ex-cônjuges. Não
sendo os alimentos fixados por determinado prazo, o pedido de
desoneração, total ou parcial, poderá dispensar a existência da variação
necessidade-possibilidade, quando demonstrado o pagamento de pensão por
período suficiente para que o alimentando reverta a condição
desfavorável que detinha, no momento da fixação desses alimentos. Trata-se,
portanto, de alimentos temporários. Para a ministra, o alimentando não
pode quedar-se inerte e deixar ao alimentante a obrigação eterna de
sustentá-lo. “Decorrido esse tempo razoável, fenece para o alimentando o
direito de continuar recebendo alimentos, pois lhe foram asseguradas as
condições materiais e o tempo necessário para o seu desenvolvimento
pessoal, não se podendo albergar, sob o manto da Justiça, a inércia
laboral de uns, em detrimento da sobrecarga de outros”, advertiu a
ministra. A Turma decidiu desonerar o ex-cônjuge da obrigação e condenou
a ex-mulher ao pagamento de custas e honorários.
No
mesmo julgamento, a ministra Andrighi, advertiu, no entanto, que a
obrigação é perene quando a incapacidade para o trabalho for permanente
ou quando se verificar a impossibilidade prática de inserção no mercado
de trabalho. Aí incluídas as hipótese de doença própria ou quando, em
decorrência de cuidados especiais que algum dependente comum sob sua
guarda apresente, a pessoa se veja impossibilitada de trabalhar.
Naquela
sessão, processo similar foi decidido com base no mesmo entendimento, a
fim de exonerar ex-marido de pensão paga por mais de dez anos. Ele
sustentava que tinha se casado novamente e que assumira a guarda do
filho em comum. Disse que a ex-mulher trabalhava como funcionária
pública, com renda média de R$ 3 mil. Na sentença, o pedido foi negado. A
segunda instância também entendeu que não houve variação negativa na
condição econômica do ex-marido e negou o recurso. “Não se
evidencia a existência de uma das exceções à regra da temporalidade dos
alimentos devidos a ex-cônjuge, que são a impossibilidade prática de
inserção no mercado de trabalho ou a incapacidade física ou mental para o
exercício de atividades laborais”, afirmou a ministra Andrighi. A Turma
concluiu que a ex-esposa teve “tempo hábil para que melhorasse sua
condição socioeconômica” e atendeu ao recurso do ex-marido (
REsp 1188399). Para o professor Rolf Madaleno, é difícil imaginar
que uma pessoa vá enriquecer recebendo apenas uma pequena percentagem
daquilo que o outro precisa na íntegra para sua subsistência (em geral,
de 15% a 20%). “No entanto, o enriquecimento sem causa está presente
quando efetivamente a pessoa que ganha pensão alimentícia já está
trabalhando ou formou novo relacionamento e ainda assim segue percebendo
os alimentos”, explica.
Nesses
casos, deve ser proposta ação de exoneração de alimentos. A Terceira
Turma também já enfrentou o tema e definiu que a sentença que extingue a
obrigação não retroage à data da citação. O caso, de Minas Gerais, foi
julgado em 2008. O relator, ministro Sidnei Beneti, entendeu que efeitos
da ação de exoneração de alimentos apenas têm incidência a partir do
trânsito em julgado da decisão (
REsp 886537). A decisão
favoreceu a ex-mulher, que pediu judicialmente o pagamento de alimentos
atrasados, no total de R$ 5 mil. O ex-marido opôs embargos à execução
alegando que, como ele estava desempregado e não recebia mais salário,
não poderia pagar a pensão. Além disso, argumentou que, em agosto de
1998, ingressou com ação de exoneração de alimentos e o pedido foi
julgado procedente, desobrigando-o do pagamento. O tribunal estadual deu
razão ao ex-marido, mas ela recorreu ao STJ. Segundo o relator,
no caso da ação de exoneração não houve notícia de liminar ou
antecipação de tutela que liberasse o ex-marido do dever de pagar as
prestações de pensão alimentícia. Em diversos precedentes, o STJ
também definiu que a desoneração da obrigação de alimentos não pode ser
pedida por meio de habeas corpus, mas em ação própria. “A obrigação
alimentar, sua redução ou desoneração não podem ser discutidas no âmbito
do habeas corpus; só no juízo cível, mediante ação própria, é possível
fazê-lo”, afirmou o ministro Ari Pargendler no julgamento do
RHC 21514,
em 2007. A falta de pagamentos de obrigação alimentar é causa de prisão
civil do devedor.
Em seu
Curso de Direito de Família,
o professor Rolf Madaleno explica que a falta do exercício da ação de
cobrança das prestações vencidas e não pagas não importa na automática
exoneração do direito alimentar. O professor admite, no entanto, que o
fato pode representar forte indicativo do desaparecimento da necessidade
alimentar do credor. “Não é crível que possa o credor deixar de cobrar
os alimentos essenciais à sua sobrevivência, devendo a discussão acerca
da manutenção dos alimentos ser aferida em demanda específica de revisão
ou de exoneração alimentar”, diz ele. Em 2011, ao julgar o
HC 187202, a Terceira Turma afastou a possibilidade de prisão de um homem
executado pela ex-mulher por dívidas de alimentos. A relatora, ministra
Andrighi, constatou que o direito não foi exercitado ao longo de mais de
30 anos. “A necessidade não se mostra tão premente assim”, concluiu. Em
1987, o casal havia firmado acordo de partilha pelo qual a ex-mulher
renunciaria aos alimentos com o pagamento de certa quantia, pelo
ex-marido. No período de mais de 20 anos, houve vários pagamentos que
alcançariam a quantia de R$ 1.660.900. Considerando que a obrigação do
acordo não havia sido integralmente cumprida, a mulher ajuizou ação de
cobrança de alimentos. A ministra destacou que “não se pode
deixar de considerar que a credora de alimentos, além de receber
substanciais valores a título de cumprimento de acordo de partilha de
bens e renúncia de alimentos”, fez a cobrança da pensão alimentícia após
mais de 30 anos de inércia. A relatora ainda ressaltou que a discussão
sobre a manutenção dos alimentos não poderia ser feita em habeas corpus.
O artigo 1.708 do
Código Civil de 2002 diz que “com o casamento, a união estável ou o
concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos”. Seguindo
essa norma, a Terceira Turma desobrigou um homem de pagar despesas de
IPTU, água, luz e telefone de imóvel habitado pelos seus filhos e pela
ex-mulher, que já vivia com novo companheiro (
REsp 1087164). Na
origem, o ex-marido pediu a exoneração do pagamento de alimentos à
ex-esposa. O Tribunal local atendeu ao pedido, mas manteve a obrigação
de pagamento das despesas da casa. No STJ, o recurso atacou esse ponto. A
ministra Andrighi ponderou que “a desoneração de alimentos prestados a
ex-cônjuge, por força da constituição de novo relacionamento familiar da
alimentada, abrange tanto os alimentos pagos em dinheiro como aqueles
prestados diretamente, por meio de utilidades ou gêneros alimentícios”. Os
ministros entenderam que a beneficiária principal dos pagamentos era a
proprietária do imóvel, sendo o benefício aos filhos apenas reflexo. “Os
benefícios reflexos que os filhos têm pelo pagamento dos referidos
débitos da ex-cônjuge são absorvidos pela obrigação materna em relação à
sua prole, que continua a existir, embora haja pagamento de alimentos
pelo pai”, afirmou a ministra, destacando que a obrigação de criar os
filhos é conjunta.
Apesar de
não constar expressamente em lei, está pacificado pela jurisprudência
que os alimentos entre adultos (ex-cônjuges e ex-conviventes) são
renunciáveis. O tema foi analisado em junho deste ano, quando a Terceira
Turma, por maioria, definiu que não há direito à pensão alimentícia por
parte de quem expressamente renunciou a ela em acordo de separação
caracterizado pelo equilíbrio e pela razoabilidade da divisão
patrimonial (
REsp 1143762). No caso, uma mulher que renunciou
formalmente aos alimentos teve rejeitado na Justiça paulista o direito
de produzir provas de que havia recebido do ex-marido R$ 50 mil por um
período de dez meses após a separação, até que ele cessou o pagamento.
Ela reivindicava a continuidade porque, a seu ver, ao assumir o encargo,
mesmo diante da renúncia, o ex-cônjuge teria desistido da liberação
acordada. Contudo, o processo foi extinto, sem resolução de
mérito, antes da fase de produção de provas. O juiz entendeu que, em
razão de a mulher ter dispensado os alimentos, a interrupção do
pagamento feito por liberalidade do ex-companheiro não lhe traria nenhum
prejuízo. No STJ, o entendimento que prevaleceu foi o do
ministro Massami Uyeda, que divergiu da relatora, ministra Andrighi.
Afora a força jurídica da renúncia, feita por escritura pública, os
fatos demonstrariam que a ex-companheira teve motivos suficientes para
renunciar, pelo que recebeu na divisão patrimonial. E esses fatos – a
renúncia e a razoabilidade do patrimônio recebido –, segundo Uyeda,
tornavam dispensável o prosseguimento do processo, pois não poderiam vir
a ser contestados.
Os
chamados alimentos transitórios são largamente aplicados pela
jurisprudência e recomendados pela doutrina, no sentido de assegurar a
subsistência material por certo tempo e não mais, como era no passado,
por tempo ilimitado. São cabíveis quando o alimentando for pessoa com
idade, condições e formação profissional que lhe possibilitem a provável
inserção (ou reinserção) no mercado de trabalho. A tese foi definida
pela Terceira Turma no julgamento de outro recurso especial, analisado
em 2010 (
REsp 1025769). De acordo com o professor Rolf
Madaleno, é prática jurisprudencial fixá-los por um ou dois anos ou até a
partilha dos bens. “Existem estudos ingleses comprovando que uma mulher
que deixa o mercado de trabalho em função do casamento precisa de dez
anos para voltar a receber aquilo que recebia ao deixar de trabalhar”,
conta. O ministro Marco Buzzi, integrante da Quarta Turma do STJ, em seu livro
Alimentos Transitórios: uma obrigação por tempo certo,
afirma que os alimentos são devidos apenas para que o alimentando tenha
tempo de providenciar sua independência financeira. “Atualmente, não
mais se justifica impor a uma das partes integrantes da comunhão
desfeita a obrigação de sustentar a outra, de modo vitalício, quando
aquela reúne condições para prover a sua própria manutenção”, pondera o
ministro Buzzi. A conclusão foi a mesma da ministra Andrighi. Ao
atingir a autonomia financeira, “o ex-cônjuge se emancipará da tutela
do alimentante – outrora provedor do lar –, que será então liberado da
obrigação, a qual se extinguirá automaticamente”. O processo
teve origem em Minas Gerais. O casamento durou cerca de 20 anos e, para
embasar o pedido de alimentos, a ex-esposa alegava ter deixado seu
emprego a pedido do marido, médico, que prometera proporcionar-lhe
elevado padrão de vida. Considerando que a ex-mulher tinha 51 anos e era
apta ao trabalho, a segunda instância definiu a pensão alimentícia pelo
prazo de dois anos, contados do trânsito em julgado, sem adotar índice
algum de atualização monetária. No STJ, ela pretendia afastar o prazo
predeterminado da pensão mensal e instituir o reajuste das parcelas pelo
salário mínimo.
A
ministra relatora refletiu sobre a dificuldade do julgador de avaliar a
real necessidade dos alimentos. Para ela, há um “fosso fático entre a
lei e o contexto social”, que exige do juiz a análise de todas as
circunstâncias e peculiaridades no processo, para concluir pela
capacidade ou não de autossustento daquele que pleiteia alimentos. “A
realidade social vivenciada pelo casal ao longo da união deve ser fator
determinante para a fixação dos alimentos”, afirmou. A decisão
estabeleceu também que, ao conceder alimentos, o julgador deve registrar
expressamente o índice de atualização monetária dos valores. Diante da
ausência dessa previsão no caso analisado, o STJ seguiu sua
jurisprudência para fixar o valor em número de salários mínimos,
convertidos pela data do acórdão. Fazendo menção à boa-fé
objetiva, a relatora afirmou que a fixação de alimentos conforme
especificada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais adota caráter
motivador para que o alimentando busque efetiva recolocação
profissional, e não permaneça indefinidamente à sombra do conforto
material propiciado pelos alimentos prestados pelo ex-cônjuge, antes
provedor do lar.
O
professor Madaleno destaca que a jurisprudência e a doutrina vêm
construindo a figura jurídica dos alimentos compensatórios, cuja
instituição é regulada em outros países e assegura alimentos para aquele
cônjuge que trabalhe ou não, mas cujo padrão de vida pode sofrer brusca
queda na comparação com o estilo de vida proporcionado durante o
casamento pela maior remuneração do outro cônjuge. De acordo com
o jurista, sua aplicação tem maior escala de incidência, em especial,
nos regime de separação de bens e notadamente quando a esposa se dedicou
exclusivamente à família, não tendo renda própria ou tendo renda que é
insuficiente para manter seu
status social. O STJ ainda não apreciou essa matéria.