sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Telejornal Matéria jornalística Ex-usuário de drogas em tratamento Vinculação à imagem do autor Ofensa à honra e à imagem Dano moral

 


Apelação cível. Sentença (index 341) que julgou procedente o pedido para condenar a primeira reclamada a pagar compensação por danos morais, no valor de r$ 20.000,00. Recurso da primeira ré ao qual se nega provimento. Narra o Autor que seria portador de doença maníaco-depressiva, razão pela qual realizava tratamento de saúde no CAPS, órgão vinculado à Prefeitura de Resende. Relata que, em 11/11/2015, ao chegar ao CAPS se deparou com a psicóloga responsável por seu tratamento, Cristina Camões, sendo entrevistada pela TV RIO SUL, ora primeira Ré. Afirma que, em 17/11/2015, a reportagem foi exibida no RJTV 1ª edição, bem como que sua imagem teria sido veiculada na chamada da matéria, fazendo referência a ex-drogados em tratamento. Sustenta que jamais teria sido usuário de drogas, e que a matéria teve repercussão negativa para sua imagem, perante sua família e aos integrantes do centro espírita que frequenta. Assevera que teria ficado "completamente desequilibrado emocionalmente e nervoso, quebrando 02 (duas) televisões de sua residência e o celular de sua esposa, já que a filmagem mal elaborada generalizava todos eles como ex-drogados". Salienta que seria "guia espiritual de um Centro Espírita, no qual prega valores pessoais e espirituais que não condizem com a conduta de um usuário de drogas". Sustenta que, após a exibição da reportagem, "muitos de seus fiéis" teriam deixado de segui-lo. Informa ter contatado a primeira Demandada, requerendo que sua imagem não fosse vinculada à aludida matéria, sendo informado que a reportagem não seria reprisada na segunda edição do RJTV, e que fariam uma retratação. A sentença reconheceu que a reportagem gerou dano extrapatrimonial, tendo o r. Juízo a quo fixado o quantum compensatório em R$ 20.000,00 (vinte mil reais). A controvérsia envolve o direito à livre manifestação do pensamento, à imagem e à honra. O direito à liberdade de expressão, previsto no artigo 5º, inciso IV, da CRFB, deve ser compatibilizado com outros direitos, dentre os quais a imagem e honra objetiva. Acerca da liberdade de imprensa, vale destacar que o Supremo Tribunal Federal elevou tal direito à categoria de sobredireito, por ocasião do julgamento da ADPF 130, da lavra do Ministro Ayres Britto. No caso em exame, vê-se, todavia, que a matéria jornalística em que a imagem do Demandante foi veiculada extrapolou o exercício regular do direito de livre manifestação do pensamento, haja vista a inexatidão das informações prestadas, por falta de cautela da Reclamada. Observa-se que o equívoco na chamada da matéria, associando a figura do Autor a de ex-usuário de drogas, implicou em desrespeito ao direito à honra e à imagem, constitucionalmente garantidos. Como ressaltado pelo r. Juízo a quo: "[...] o dano alegado pela parte autora fora causado por matéria veiculada pela Edição de Telejornal local de ampla veiculação, com quase 1.000.000 de expectadores simultâneos, em pleno horários nobre da parte ré, estando dessa forma, presente a relação de causa e efeito entre a conduta da parte ré e o resultado manifestado pela parte autora." Ademais, da análise da prova testemunhal produzida, como destacado na sentença, verifica-se que "as informações que constam na matéria objeto da lide são inverídicas, observo através dos depoimentos colhidos em AIJ, notadamente da testemunha A. P. P. G., Chefe de Reportagem da Ré TV RIO SUL, responsável pelo conteúdo da matéria, que não houve o cuidado de narrar e abordar o tratamento dos pacientes filmados e envolvidos na reportagem, eis que portadores de transtornos psiquiátricos e não ex-usuários de drogas". Assim, vê-se que a matéria jornalística se desvirtuou da realidade, caracterizando o abuso do direito de livre expressão. No tocante aos danos morais, os dissabores impostos ao Demandante, por certo configuram dano moral passível de compensação. Note-se que, no caso em análise, a matéria jornalística foi veiculada em programa da TV aberta, com grande audiência, e em horário nobre. A quantificação da verba compensatória é matéria delicada, ficando sujeita à ponderação do julgador, que deve sempre observar os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, haja vista que, embora o artigo 5º, inciso V, da Constituição da República tenha assegurado a indenização por dano moral, não estabeleceu os parâmetros para a fixação. No que diz respeito à estimativa do valor da verba compensatória, deve-se pautar em critérios de proporcionalidade e razoabilidade, atendendo-se às condições do ofensor, do ofendido e do bem jurídico lesado, sem gerar enriquecimento sem causa. Não se vislumbram, no caso concretamente analisado, elementos que justifiquem alteração do quantum (R$ 20.000,00), porquanto condizente com os parâmetros supramencionados. Inteligência da Súmula n.º 343 do TJRJ. Precedentes.



0006591-76.2016.8.19.0045 - APELAÇÃO

VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL

Des(a). ARTHUR NARCISO DE OLIVEIRA NETO - Julg: 10/09/2021 - Data de Publicação: 13/09/2021

 

 


quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Serviço de transporte coletivo de passageiros Agressão física sofrida por menor Deficiente físico Agressor não identificado Fortuito interno Omissão da concessionária de serviço público Dano moral

 


Apelação Cível. Ação de Responsabilidade Civil. Direito do Consumidor. Serviço de transporte coletivo. Agressão física sofrida por menor, acompanhado pela mãe, no interior do ônibus, motivada por disputa de assento previamente ocupado pela criança com deficiência. Passageiro adulto, não identificado, na condição de agressor. Coletivo com diversos passageiros de pé. Sentença de procedência. Condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Irresignação da parte Ré. Manutenção. Responsabilidade civil da apelante. Incidência da cláusula de incolumidade física. Nexo de causalidade entre a conduta do agressor e o dano experimentado pelo autor, bem como entre a conduta omissiva dos prepostos da apelante e o agravamento da referida lesão. Fortuito interno. Omissão da concessionária em equipar os coletivos com câmeras, atraindo a presunção da ocorrência dos fatos, tal como demonstrados pela autora. Impunidade do agressor facilitada pelos prepostos da ré. Concessionária que não logrou êxito em demonstrar a existência de excludente de responsabilidade. Descumprimento do ônus previsto no artigo 373, II, do CPC. Dano moral configurado. Vítima de dez anos de idade, ocupando o assento de passageiros prioritários. Impacto emocional agravado pela condição de saúde da criança agredida, com diagnóstico antecedente de distúrbios, atestados por Psiquiatra Infantil. Convenção Internacional de Defesa das Pessoas com Deficiência (Convenção de Nova Iorque), erigida à Emenda Constitucional, por meio do Decreto nº 6.949 de 22/08/09, nos termos do art. 5º, §3º, da Constituição Federal. Estatuto da Pessoa com Deficiência - Lei nº 13.146/2015, art. 9º. Artigos 4º, parágrafo único, a; 5º; 15; 16; I; 17; 18; 70 e 100, II, todos do ECA. Art. 227, caput e § 4º, da CF. Metaprincípios da Proteção Integral e da Absoluta Prioridade à Criança, principalmente com deficiência. Máxima Proteção à Criança como dever da Família, do Estado e de toda a sociedade. Conduta dos prepostos da ré, com reforço no sentimento de vulnerabilidade, acarretando medo de viagens em coletivos, necessárias na rotina do autor. Desdobramento emocional do evento lesivo protraído no tempo. Indenização fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), que não comporta redução. Arbitramento aquém dos parâmetros adotados nesta E. Corte, mas mantido, à míngua de recurso do autor. Incidência do Verbete nº 343 da Súmula do E.TJRJ. Majoração dos honorários advocatícios, na forma do art.85, §11, do CPC. Jurisprudência e precedentes citados: AgInt no AREsp 943.026/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 02/08/2017. DESPROVIMENTO DO RECURSO.


0016545-29.2015.8.19.0063 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Des(a). REGINA LUCIA PASSOS - Julg: 28/09/2021 - Data de Publicação: 27/10/2021

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Hospital público Troca de corpos de bebês natimortos Negligência Responsabilidade civil do poder público municipal Dano moral

 


Apelação. Ação indenizatória. Responsabilidade civil. Morte de feto, aliada à troca do corpo do natimorto, episódios que os autores atribuem à negligência no atendimento em hospital público. Sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão autoral para condenar o Município de Itaguaí ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 20.000,00 para cada autor. Recurso de ambas as partes. Autores pugnando pela majoração da verba indenizatória, bem assim dos honorários advocatícios de sucumbência. Réu que sustenta a excludente de sua responsabilidade pelo fato de terceiro quanto à troca dos fetos, pleiteando a redução da quantia indenizatória. Como assentado pelo Eg. STF, "a jurisprudência dos Tribunais em geral tem reconhecido a responsabilidade civil objetiva do Poder Público nas hipóteses em que o "eventus damni" ocorra em hospitais públicos (ou mantidos pelo Estado), ou derive de tratamento médico inadequado, ministrado por funcionário público, ou, então, resulte de conduta positiva (ação) ou negativa (omissão) imputável a servidor público com atuação na área médica. Eventual troca na identificação dos corpos, que teria sido feita pela avó do feto, bem assim pelo agente funerário contratado pelos autores, não afasta o dever de guarda do ente público. A correta identificação de cada corpo, assim como o dever de zelar para que terceiros não tomem a iniciativa de descumprir ou dificultar o cumprimento dessas regras de identificação é do Município, sendo descabida a tentativa de transferir tal obrigação para pessoas estranhas ao quadro funcional responsável pelo serviço. Dano moral incontroverso. Verba indenizatória que se mostra condizente com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Honorários advocatícios fixados conforme a complexidade fática e jurídica. Sentença mantida. RECURSOS DESPROVIDOS


0012831-23.2011.8.19.0024 - APELACAO / REMESSA NECESSARIA
VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MARIA LUIZA DE FREITAS CARVALHO - Julg: 30/09/2021 - Data de Publicação: 04/10/2021

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Estação de trem Assalto a passageiro Ameaça com arma de fogo Concessionária Ressarcimento dos danos

 


Apelação Cível. Indenizatória. Assalto ocorrido dentro de estação de trem. Supressão de bolsa e aparelho celular da agravada mediante ameaça com arma de fogo. Sentença de improcedência do pedido. Autora que se encontrava sozinha, não tendo testemunhas do fato, se dirigiu à autoridade policial para registrar o ocorrido e requereu, em sua inicial, a produção da prova consistente na apresentação da filmagem obtida pelas câmeras de segurança. Pedido deferido em sede de agravo de instrumento. Silêncio da ré. Prova considerada produzida em seu desfavor. Obrigação da Concessionária de garantir a segurança dos usuários do serviço. Fato ocorrido dentro da plataforma de embarque, em local fechado, condição que afasta a responsabilidade do Estado e demonstra a possibilidade de a Concessionária impedir a evasão dos assaltantes mediante o acionamento da polícia. Ressarcimento dos danos materiais, consistentes no preço do aparelho celular, conforme nota fiscal apresentada com a inicial. Danos Morais configurados, pelo temor sofrido pela autora por sua própria vida, além da sensação de insegurança e desamparo, haja vista a falta de atendimento por qualquer preposto da Concessionária. Provimento parcial do recurso.


0160989-16.2016.8.19.0001 - APELAÇÃO
QUARTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MARCO ANTONIO IBRAHIM - Julg: 16/06/2021 - Data de Publicação: 25/06/2021

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Co-titular de conta bancária conjunta Empréstimo consignado Óbito do co-titular Descontos efetuados na conta bancária Descabimento Ausência de solidariedade

 


Apelações Cíveis. Ação de obrigação de fazer cumulada com tutela de urgência e ressarcimento por danos morais e materiais. Descontos efetuados na conta corrente da autora relativos ao empréstimo consignado contratado por seu pai e após o óbito deste último. Conta corrente conjunta. Sentença de parcial procedência. Manutenção. Relação de consumo. É assente o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal no sentido de que inexiste solidariedade do correntista em relação às dívidas contraídas pelo cotitular da conta conjunta. Precedentes. Danos morais não configurados, uma vez que não há comprovação de que a autora comunicou ao Banco réu o falecimento do seu genitor. Honorários recursais. Recursos a que se nega provimento.



0017902-44.2017.8.19.0202 - APELAÇÃO

DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL

Des(a). JOSE ROBERTO PORTUGAL COMPASSO - Julg: 19/10/2021 - Data de Publicação: 22/10/2021

 


domingo, 26 de dezembro de 2021

Indicação de livro: "O erro e seus requisitos", de Augusto Passamani Bufulin

 


"O objetivo principal a que nos propusemos foi o estudo dos requisitos do erro no Código Civil de 2002. A preocupação com o estudo da matéria decorre da circunstância de que tanto a doutrina, quanto a jurisprudência, ainda não encontraram resultados satisfatórios de harmonização ao estudarem o instituto. Analisamos os requisitos do erro previstos pelo Código Civil de 2002, iniciando-se pela substancialidade do erro. Em seguida, passamos ao estudo do segundo requisito previsto pelo Código Civil que, para nós, salvo algumas exceções, é a recognoscibilidade do erro pelo declaratário, de acordo com a teoria da confiança. Nesse ponto, demos especial atenção ao histórico da matéria no projeto do Código Civil de 2002 e a todas as particularidades existentes sobre o tema, como as situações que afastam esse segundo requisito, que ocorrem em matéria de testamento, de contratos gratuitos e no matrimônio. Defendemos que a escusabilidade do erro não é mais requisito para a invalidação do negócio. Buscando sustentar essa posição, iniciamos o estudo do tema em face do direito comparado, depois passamos pela análise do Código Civil de 1916, do Código Civil de 2002 e do Enunciado 12, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovido pelo Conselho da Justiça Federal, que, apesar de seu acerto, ainda suscita discussões acaloradas na doutrina e na jurisprudência. Procuramos responder uma questão não abordada pela doutrina nacional que diz respeito à possibilidade do pagamento de perdas e danos entre as partes, tanto a devida pelo declarante ao declaratário, como a hipótese contrária, denominada por nós de indenização reversa, que consistiria na possibilidade do pagamento de perdas e danos pelo declaratário ao declarante em razão da anulação do negócio. Optamos por deixar nossas conclusões no decorrer de todo o trabalho, de forma que, ao final de cada tema, condensamos as posições adotadas, sem prejuízo de um capítulo separado ao final para as conclusões, o que nos pareceu necessário e útil para uma melhor análise do tema. "

sábado, 25 de dezembro de 2021

Fifa Spray de barreira Patente de invenção Negócio jurídico pré-contratual Má-fé Pessoa jurídica Dano moral in re ipsa

 


Apelação cível. Direito civil. Direito intelectual. Pretensão de condenação da ré ao pagamento de indenização por danos materiais, morais e obrigação de fazer. Distintas causas de pedir. A primeira relativa ao direito de patente. A segunda atinente a negócio jurídico em fase pré-contratual. Sentença de improcedência. Apelo da parte autora. Análise das preliminares suscitadas pela ré em sede de contrarrazões ao recurso. Preliminar de incompetência da justiça brasileira. Delimitação da competência que já foi objeto de julgamento pelo colendo stj no resp. N° 1.888.053/rj. Tribunal superior que reconheceu a prevalência da jurisdição brasileira. Preliminar que não se conhece. Preliminares de nulidade da citação e da existência de cláusula compromissória. Matérias que não foram objeto de argumentação própria em sede de contrarrazões. Inobservância do princípio da dialeticidade. Não conhecimento que se impõe. Prejudicial suscitada em contrarrazões sobre eventual a ocorrência do fenômeno da prescrição trienal, com fundamento no artigo 206, § 3°, v do código civil. Hipótese dos autos que cuida de negócio jurídico de grande monta. Necessária maturação e desenvolvimento da negociação que se protrai no tempo. Natureza continuada das tratativas negociais que alcança todo o período de negociação. Dano continuado. Prejudicial rejeitada. Mérito. Ré/apelada (fifa) sustenta a natureza de consumidora e pugna pela incidência do cdc. Recorrida que não se enquadra no conceito de consumidora previsto no artigo 2° do diploma consumerista. Vulnerabilidade não caracterizada. Ré que ostenta caráter privilegiado na relação jurídica. Evidente assimetria material. Apelada que detém o controle de todo o cenário futebolístico mundial. Empresa autora que necessita do relacionamento com a fifa para firmar a tecnologia no esporte. Relação de dependência. Estrutura do futebol hierarquicamente vinculada e subordinada à ré. Litígio entre particulares em condições desiguais. Análise fático-probatória. Fato notório que nas partidas havia grande dificuldade de os árbitros em fazer respeitar a distância regulamentar das barreiras, notadamente no momento da cobrança de faltas. Impossibilidade de realizar marcações permanentes no campo de jogo. Novidade desenvolvida pela empresa autora cuja demarcação é temporária e auxilia o árbitro a manter a disciplina durante os eventos. Invento patenteado a partir do ano 2000 em diversos países. Tecnologia que ao longo dos anos (2000-2009) foi se consolidando no mercado nacional, sul-americano e, posteriormente, recebendo maior notoriedade mundial. Invenção aprovada pela international football association board - ifab. Ré fifa que nos anos de 2012 e 2013 solicita a inovação da parte autora para realização de novos testes em campeonatos das categorias "sub-17" e "sub-20". Desnecessidade de novas testagens do produto, ante a consolidação mercadológica anterior. Exigência da ré/apelada com a finalidade de transferência de expertise. Reuniões presenciais com preposto da ré/apelada. Início das tratativas negociais. E-mail enviado pela fifa que comprova o início da relação pré-contratual, com a verificação das patentes. Documento revela que a própria ré seria capaz de negociar as patentes com outras empresas multinacionais e afirma que as relações negociais são uma "prática comum". Vantajosa posição negocial da fifa que lhe permitiu maiores poderes de negociação sobre o equipamento da empresa brasileira. Copa do mundo de futebol realizada no brasil de 2014. Elementos de convicção demonstram que em janeiro de 2014 foi encaminhada proposta da fifa à autora para compra da patente no montante de us$ 500.000,00. Parte autora que classificou a proposta como "humilhante". Valor que não se mostra condizente com a tecnologia a ser aplicada em mercado global com todas as despesas a ela inerentes. Prosseguimento das tratativas. Parte autora cedeu gratuitamente as "latas de spray de barreira" para treinamento da arbitragem e para todos os jogos da copa do mundo realizada no brasil. Contrato de cessão gratuita do material. Negócio jurídico que se insere em uma esfera comercial maior. Necessária interpretação do negócio jurídico à luz da boa-fé negocial. Ré/apelada que em conduta não condizente com a prática consuetudinária, encobriu o rótulo das latas de modo a impedir que a marca da autora fosse demonstrada no cenário da competição. Prática comercial de obliteração. Findada a copa do mundo com a utilização gratuita do material, a ré fifa não prossegue nas tratativas negociais. Envio de comunicado da autora/apelante em julho de 2014. Resposta da ré em setembro do respectivo ano colocando fim às tratativas. Conjunto probatório indica que após promessa de aquisição e negociação da patente, utilização do material ao longo de anos, transferência de expertise e ocultação da marca da autora, a apelada pôs fim às negociações. Pretensão afeta ao direito de patente. Análise que se limita ao invento e a prejuízos ocorridos em território nacional. Causa de pedir relativa à ulterior negociação entre a fifa e a comex que se encontra prejudicada. Pretensão afeta às relações negociais. Má-fé configurada. Ofensa ao artigo 422 do código civil. Incidência do enunciado n° 170 da iii jornada de direito civil. Precedentes do colendo stj. Contribuição do direito germânico. Lealdade (treu ou treue) e crença (glauben ou glaube). Exame dos pedidos. Danos materiais. (i) gastos com passagens, hospedagem e alimentação. Despesas ordinárias e próprias da negociação contratual. Requerimento que se revela contraditório com a pretensão indenizatória pelo uso das "latas de spray de barreira". Vedação ao enriquecimento sem causa. Indeferimento que se impõe. Manutenção da sentença nesse ponto. (ii) reparação pelo uso do invento. Produto aplicado em todos os torneios e eventos. Constatação da responsabilidade civil por má-fé nas tratativas pré-contratuais que torna a condenação da ré inarredável. Quantum a ser arbitrado em liquidação de sentença. Limitação a eventos ocorridos em território nacional a contar de 23/05/2012, até o término da exclusividade da patente em território nacional. Cálculo que abrange todos os eventos organizados pela fifa e/ou pelas organizações hierarquicamente subordinadas. Juros a contar da citação. Correção monetária a partir do efetivo prejuízo. Precedentes. (iii) contratos de patrocínio, associação de imagem e corolários. Reparação que se impõe, ante o caráter indissociável da conduta imputada à ré. Quantum a ser arbitrado em liquidação de sentença com aprofundamento probatório. Danos morais. Pessoa jurídica. Honra objetiva. Inteligência do artigo 52 do código civil. Incidência da súmula n° 227 do colendo stj. Conduta da ré que fere a legítima expectativa e avilta o nome da autora ao ocultar a marca durante o maior evento esportivo ocorrido no país. Tarja preta no produto que desonra o nome e a história da empresa na construção do invento. Dano in re ipsa. Montante que se fixa em r$ 50.000,00. Juros a contar da citação. Correção monetária a partir do arbitramento. Sucumbência mínima da parte autora. Inteligência do artigo 86 do cpc. Recurso parcialmente provido.



0314313-89.2017.8.19.0001 - APELAÇÃO

DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL

Des(a). FRANCISCO DE ASSIS PESSANHA FILHO - Julg: 27/10/2021 - Data de Publicação: 29/10/2021

 


sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

O provedor de internet deve manter armazenados os registros relativos a patrocínio de links em serviços de busca pelo período de 6 (seis) meses contados do fim do patrocínio e não da data da contratação

 


Processo

REsp 1.961.480-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DIGITAL


Tema

Marco Civil da Internet. Ação de requisição judicial de registros. Expressões isoladas ou em conjunto. Patrocínio de links em serviço de busca na internet. Prazo. Termo inicial. Fim do patrocínio.

DESTAQUE

O provedor de internet deve manter armazenados os registros relativos a patrocínio de links em serviços de busca pelo período de 6 (seis) meses contados do fim do patrocínio e não da data da contratação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente cumpre salientar que o art. 22 do Marco Civil da Internet autoriza, com o propósito de formar conjunto probatório em processo judicial cível ou penal, em caráter incidental ou autônomo, a requisição judicial de registros de conexão ou de acesso daquele responsável pela guarda dos referidos dados.

Assim, qualquer indivíduo que tenha sido lesado por ato praticado via internet poderá demandar o provedor respectivo para obter os referidos dados.

Nessa esteira de intelecção, importa consignar que o fornecimento dos registros pleiteados deverá respeitar os prazos previstos nos arts. 13 e 15 do Marco Civil da Internet para a guarda dos referidos dados pelos provedores, isto é, 1 (um) ano para os registros de conexão e 6 (seis) meses para os registros de acesso a aplicações de internet contados da data do fato ou evento a que se refere o registro.

Assim, é seguro afirmar que, nas hipóteses em que se pleiteia a obtenção de registros relativos à determinado período de tempo, não se revela razoável, tampouco lícito, que os provedores, após o ajuizamento da ação, se desfaçam dos referidos dados, sejam estes anteriores ou posteriores à demanda.

Em se tratando, especificamente de patrocínio de links em serviços de busca na internet relacionados à determinada expressão, deve-se ter presente que tal funcionalidade opera em lógica substancialmente diversa daquela referente às tradicionais postagens em redes sociais.

De fato, observa-se que, na hipótese de patrocínio de links, a contratação do serviço ocorre por determinado lapso temporal, motivo pelo qual o fato que dá origem ao registro respectivo protrai-se no tempo.

Em outras palavras, dúvida não há de que, em se tratando de publicações em redes sociais, o prazo de 6 (seis) meses de guarda do registro é contado da data do fato, isto é, da data da própria publicação. No entanto, na hipótese de patrocínio de links em serviços de busca, a contratação da ferramenta ocorre em momento certo e determinado, mas o serviço disponibilizado pelo provedor estende-se por todo o período contratado, isto é, por dias, meses ou anos.

Dessa forma, para resguardar a privacidade dos usuários e, ao mesmo tempo, garantir a responsabilização por eventuais danos causados a terceiros, os registros relativos ao patrocínio de links em serviços de busca deverão permanecer armazenados pelo período de 6 (seis) meses contados do fim do patrocínio - e não da data da contratação -, período em que os que se sentirem prejudicados poderão pleitear o recebimento dos registros relativos ao serviço para instruir possíveis demandas em face de eventuais responsáveis.

De fato, se o referido prazo fosse contado da data da contratação, naquelas hipóteses em que o patrocínio perdurasse por período superior ao prazo de 6 (seis) meses, estaria criada situação ilógica e desarrazoada em que o patrocínio do link estaria em pleno vigor sem a possibilidade de se obter os registros a ele relativos por já haver transcorrido o referido prazo de guarda.

Assim, diante da obrigação legal de guarda de registros de conexão e de acesso a aplicações de internet , não há como afastar, desde que preenchidos os requisitos legais, a possibilidade jurídica de obrigar os provedores ao fornecimento dos nomes ou domínios das sociedades empresárias que patrocinam links na ferramenta "Google AdWords" relacionados à determinada expressão utilizada de forma isolada ou conjunta, pois tal medida representa mero desdobramento daquelas obrigações.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Não se aplica o art. 21 do Marco Civil da Internet para os casos de divulgação não autorizada de imagens de nudez produzidas para fins comerciais

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 1.930.256-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Rel. Acd. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 07/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DIGITAL


Tema

Marco Civil da Internet. Imagens de nudez. Fins comerciais. Divulgação não autorizada. Art. 21 da Lei n. 12.965/2014. Inaplicabilidade.

DESTAQUE

Não se aplica o art. 21 do Marco Civil da Internet para os casos de divulgação não autorizada de imagens de nudez produzidas para fins comerciais.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente cumpre salientar que que o caso analisado não retrata a hipótese de divulgação não autorizada de imagens ou vídeos com cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, a atrair a exceção à reserva de jurisdição estabelecida no art. 21 do Marco Civil da Internet.

Tampouco o objeto da demanda, consiste, primordialmente, na proteção de direito personalíssimo, mas sim, diretamente, no ressarcimento pelos alegados prejuízos decorrentes da divulgação, por terceiros, sem a sua autorização, das imagens com conteúdo íntimo licenciadas comercialmente.

De plano, registre-se que o art. 21 do Marco Civil da internet traz exceção à regra de reserva da jurisdição estabelecida no art. 19 do mesmo diploma legal, a fim de impor ao provedor, de imediato, a exclusão, em sua plataforma, da chamada "pornografia de vingança" - que, por definição, ostenta conteúdo produzido em caráter particular -, bem como de toda reprodução de nudez ou de ato sexual privado, divulgado sem o consentimento da pessoa reproduzida.

Há, dado o caráter absolutamente privado em que este material foi confeccionado (independentemente do conhecimento ou do consentimento da pessoa ali reproduzida quando de sua produção), uma exposição profundamente invasiva e lesiva, de modo indelével, à intimidade da pessoa retratada, o que justifica sua pronta exclusão da plataforma, a requerimento da pessoa prejudicada, independentemente de determinação judicial para tanto.

Como se constata, o art. 21 do Marco Civil da Internet refere-se especificamente à divulgação não autorizada de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado.

Ademais, o dispositivo legal exige, de modo expresso e objetivo, que o conteúdo íntimo, divulgado sem autorização, seja produzido em "caráter privado", ou seja, de modo absolutamente reservado, íntimo e privativo, advindo, daí sua natureza particular. É dizer, o preceito legal tem por propósito proteger/impedir a disponibilização, na rede mundial de computadores, de conteúdo íntimo produzido em caráter privado, sem autorização da pessoa reproduzida, independentemente da motivação do agente infrator.

Não é, portanto, a divulgação não autorizada de todo e qualquer material de nudez ou de conteúdo sexual que atrai a regra do art. 21, mas apenas e necessariamente aquele que apresenta, intrinsecamente, uma natureza privada, cabendo ao intérprete, nas mais variadas hipóteses que a vida moderna apresenta, determinar o seu exato alcance.

É indiscutível que a nudez e os atos de conteúdo sexuais são inerentes à intimidade das pessoas e, justamente por isso, dão-se, em regra e na maioria dos casos, de modo reservado, particular e privativo. Todavia - e a exceção existe justamente para confirmar a regra - nem sempre o conteúdo íntimo, reproduzido em fotos, vídeos e outro material, apresenta a referida natureza privada.

Deste modo, as imagens de nudez, produzidas e cedidas para fins comerciais - absolutamente lícitos -, não ostentam natureza privada, objeto de resguardo do art. 21 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet).

Registra-se que a proteção a essas imagens de nudez, cujo conteúdo íntimo não foi produzido em caráter privado, deve se dar segundo os ditames do art. 19, que estabelece a responsabilização do provedor, caso, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, nos limites técnicos do seu serviço, tornar indisponível o conteúdo apontando.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

É cabível a pactuação da verba honorária contratual no bojo do próprio instrumento de mandato

 


Processo

REsp 1.818.107-RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL


Tema

Honorários advocatícios contratuais. Pactuação no instrumento de mandato. Possibilidade. Pedido de destaque de honorários. Art. 22, § 4º, da Lei n. 8.906/1994. Expressa autorização do outorgante do mandato. Desnecessidade.

DESTAQUE

É cabível a pactuação da verba honorária contratual no bojo do próprio instrumento de mandato.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

É possível a retenção dos valores devidos a título de honorários contratuais com a oportuna apresentação do contrato celebrado entre o exequente e o seu patrono, nos termos do art. 22, § 4º, da Lei n. 8.906/1994.

No caso, a petição inicial de execução de título judicial veio instruída com os respectivos instrumentos de procuração, também sendo inconteste a existência, em cada um deles, de cláusula reveladora dos honorários contratuais ajustados entre os exequentes e os seus patronos.

A legislação brasileira admite qualquer forma de expressão consensual que torne o conteúdo do contrato juridicamente aceito, como, aliás, deixa ver o art. 107 do Código Civil ("A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir").

Logo, ante a ausência de regra legal a fixar uma forma especial para a celebração dos contratos de prestação de serviços jurídicos, não se pode recusar valor jurídico aos pactos celebrados entre os mandates e os seus patronos, inclusive quanto à remuneração prometida a estes últimos, ainda que essa cláusula econômica se encontre no bojo dos próprios instrumentos de mandato, é dizer, no corpo das respectivas procurações, sob pena de se ferir a autonomia da vontade por eles manifestada.

De outro giro, o art. 22, § 4º, da Lei n. 8.906/1994 não impõe a inclusão, nos contratos de honorários, de expressa autorização do outorgante do mandato para que o causídico possa efetuar o pedido de destaque dos honorários contratuais.

Com efeito, da leitura do referido dispositivo legal, e, ainda, de acordo com a jurisprudência, basta ao advogado juntar aos autos o seu contrato de honorários (inclusive, repita-se, no próprio instrumento de mandato), fazendo-o antes da expedição do mandado de levantamento ou precatório, devendo-se aplicar à espécie o antigo brocardo segundo o qual onde o legislador não distingue não cabe ao intérprete fazê-lo.

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

O atraso, por parte de instituição financeira, na baixa de gravame de alienação fiduciária no registro de veículo não caracteriza, por si só, dano moral in re ipsa



RECURSOS REPETITIVOS
Processo

REsp 1.881.453-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 30/11/2021, DJe 07/12/2021. (Tema 1078)

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR


Tema

Alienação fiduciária. Baixa de gravame do veículo. Atraso por parte da instituição financeira. Dano moral in re ipsa. Não configuração. Tema 1078.

DESTAQUE

O atraso, por parte de instituição financeira, na baixa de gravame de alienação fiduciária no registro de veículo não caracteriza, por si só, dano moral in re ipsa.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Para a jurisprudência desta Corte Superior, o dano moral pode ser definido como lesões a atributos da pessoa, enquanto ente ético e social que participa da vida em sociedade, estabelecendo relações intersubjetivas em uma ou mais comunidades, ou, em outras palavras, são atentados à parte afetiva e à parte social da personalidade (REsp n. 1.426.710/RS, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 09/11/2016).

Por outro lado, segundo o ordenamento jurídico, para haver a reparação por danos morais, devem estar preenchidos os três pressupostos de responsabilidade civil em geral, quais sejam: a ação, o dano e o nexo de causalidade entre eles. Apenas nessa hipótese, surgirá a obrigação de indenizar.

Assim, a regra é de que o ofendido que pretende a reparação por danos morais deve provar o prejuízo que sofreu. Em algumas situações, todavia, o dano moral pode ser presumido (ou in re ipsa).

O dano moral, nesses casos, deriva necessariamente do próprio fato ofensivo, de maneira que, comprovada a ofensa, ipso facto, surge a necessidade de reparação, dispensando a análise de elementos subjetivos do agente causador e a prova de prejuízo.

Quanto ao caso em análise (atraso na baixa do gravame registrado), o atual entendimento de ambas as Turmas da Segunda Seção desta Corte é no sentido de afastar o dano dano moral presumido, entendendo ser necessária a comprovação de situação fática que ultrapasse os aborrecimentos normais do descumprimento do prazo pactuado entre as partes.

Não se desconhece que o CONTRAN, por meio da Resolução n. 689, de 27/09/2017, estabeleceu o prazo de 10 (dez) dias para as instituições credoras informarem ao órgão de trânsito acerca da quitação do contrato.

Com efeito, é certo que a não observância do referido prazo, ou daquele pactuado entre as partes, configura descumprimento do ordenamento jurídico ou do contrato, todavia, não comprovado nenhum dano advindo em decorrência desse ato, inexiste direito à reparação por danos morais.

O possível aborrecimento suportado pelo proprietário que, mesmo após a quitação do contrato, precisa procurar a instituição credora para providenciar a baixa na alienação fiduciária no registro do veículo, não passa de mero contratempo, comum à moderna vida em sociedade, não podendo simples transtorno ser definido como dano moral, sob pena de banalização do instituto.

 

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Os provedores de conexão à internet devem fornecer os dados cadastrais (nome, endereço, RG e CPF) dos usuários responsáveis por publicação de vídeos no Youtube com ofensas à memória de pessoa falecida

 


QUARTA TURMA
Processo

REsp 1.914.596-RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Provedores de conexão à internet. Divulgação de ofensas a pessoa falecida. Responsabilização dos usuários. Pedido de fornecimento dos dados cadastrais. Cabimento. Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n. 13.790/2018). Quebra de sigilo. Possibilidade.

DESTAQUE

Os provedores de conexão à internet devem fornecer os dados cadastrais (nome, endereço, RG e CPF) dos usuários responsáveis por publicação de vídeos no Youtube com ofensas à memória de pessoa falecida.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A resolução da controvérsia passa pela análise primeira dos conceitos apresentados na Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet - MCI), notadamente quanto ao dever de guarda dos dados pelos provedores de internet - provedores de aplicação e de conexão ou acesso - e a responsabilidade pela guarda dos referidos dados.

Tendo em vista as distinções entres as modalidades de provedores de internet, ou seja, provedores de aplicação, e os provedores de conexão, cumpre analisar a responsabilidade atribuída a cada modalidade.

O STJ consagrou entendimento de que aos provedores de aplicação é exigida a guarda dos dados de conexão (nestes incluído o respectivo IP), enquanto aos provedores de conexão cumpre a guarda de dados pessoais do usuário.

No caso, os pedidos formulados traduzem a finalidade do provimento judicial, qual seja, a preservação da honra e memória da falecida, mediante a retirada de vídeos ou matérias ofensivas do ar, bem como a obtenção de dados para futura (e eventual) responsabilização pessoal dos usuários responsáveis pela divulgação dos fatos ofensivos e inverídicos, circunstâncias que se encontram demonstradas pelas razões apresentadas na petição inicial.

Estando presentes indícios de ilicitude na conduta dos usuários que inseriram os vídeos na rede mundial de computadores e, ainda, por ser o pedido específico, voltado tão apenas a obtenção dos dados dos referidos usuários - a partir dos IPs apresentados -, a privacidade do usuário, no caso concreto, não prevalece.

Nessa linha de intelecção, considerando o regramento aplicável à matéria, a natureza dos elementos pretendidos - restritos, frise-se, ao fornecimento dos dados cadastrais dos usuários (nome, endereço, identidade) -, assim como o entendimento recente desta Corte que reconhece a obrigação do provedor de acesso à internet de fornecer os dados cadastrais dos usuários de atos ilícitos, conclui-se pela possibilidade de que os provedores de conexão ou provedores de acesso forneçam os dados pleiteados, ainda que não tenham integrado a relação processual em que formulado o requerimento.

É oportuno ainda destacar que as medidas em debate não confrontam com as determinações visando à proteção do sigilo trazida pela Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD (Lei n. 13.790/2018).

A doutrina ressalta a inafastabilidade da apreciação pelo Poder Judiciário nas hipóteses em que os dados pessoais possam servir como elemento para o exercício de direitos em demandas em geral (judiciais, administrativos e arbitrais). Assim, a LGPD não exclui a possibilidade da quebra de sigilo.

Por fim, a prestação das informações pelas respectivas concessionárias de serviço público (provedores de conexão de internet) deverá observar estritamente ao regramento previsto pela lei referida, nos termos dos arts. 23 e seguintes.

domingo, 19 de dezembro de 2021

Indicação de livro: "Lei Geral de Proteção de Dados e suas Repercussões no Direito Brasileiro" (2º Edição), coordenado por Gustavo Tepedino, Ana Frazão e Milena Donato Oliva


 "Em sua 2° edição, a obra "Lei Geral de Proteção de Dados e suas Repercussões no Direito Brasileiro" apresenta um visão abrangente a respeito da LGPD e como ela será implementada no meio digital brasileiro ao longo dos ano. Por se tratar de um dos assuntos mais relevantes atualmente, a LGPD encontra nesse livro um manual completo."


https://www.livrariart.com.br/lei-geral-de-protecao-de-dados-e-suas-repercussoes-no-direito-brasileiro-2-edicao/p?idsku=19368&gclid=Cj0KCQiAzfuNBhCGARIsAD1nu-97bSq8af_IJ-udnfWbiS6NVi0068qDTeD4pOngL9va8k5hVwYqgnAaArQiEALw_wcB

sábado, 18 de dezembro de 2021

Não é possível usucapião de imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, ainda que em situação de abandono

 


Processo

REsp 1.874.632-AL, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/11/2021, DJe 29/11/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Usucapião. Bem público. Imóvel Abandonado. Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Prescrição aquisitiva. Impossibilidade.

DESTAQUE

Não é possível usucapião de imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, ainda que em situação de abandono.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A doutrina e a jurisprudência, seguindo o disposto no § 3º do art. 183 e no parágrafo único do art. 191 da Constituição Federal de 1988, bem como no art. 102 do Código Civil e no enunciado da Súmula n. 340 do Supremo Tribunal Federal, entendem pela absoluta impossibilidade de usucapião de bens públicos.

O imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, porque afetado à prestação de serviço público, deve ser tratado como bem público, sendo, pois, imprescritível.

Na eventual colisão de direitos fundamentais, como o de moradia e o da supremacia do interesse público, deve prevalecer, em regra, este último, norteador do sistema jurídico brasileiro, porquanto a prevalência dos direitos da coletividade sobre os interesses particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável.

Mesmo o eventual abandono de imóvel público não possui o condão de alterar a natureza jurídica que o permeia, pois não é possível confundir a usucapião de bem público com a responsabilidade da Administração pelo abandono de bem público. Com efeito, regra geral, o bem público é indisponível.

No caso, é possível depreender que o imóvel foi adquirido com recursos públicos pertencentes ao Sistema Financeiro Habitacional, com capital 100% (cem por cento) público, destinado à resolução do problema habitacional no país, não sendo admitida, portanto, a prescrição aquisitiva.

Eventual inércia dos gestores públicos, ao longo do tempo, não pode servir de justificativa para perpetuar a ocupação ilícita de área pública, sob pena de se chancelar ilegais situações de invasão de terras.

Por fim, não se pode olvidar, ainda, que os imóveis públicos, mesmo desocupados, possuem finalidade específica (atender a eventuais necessidades da Administração Pública) ou genérica (realizar o planejamento urbano ou a reforma agrária). Significa dizer que, aceitar a usucapião de imóveis públicos, com fundamento na dignidade humana do usucapiente, é esquecer-se da dignidade dos destinatários da reforma agrária, do planejamento urbano ou de eventuais beneficiários da utilização do imóvel, segundo as necessidades da Administração Pública.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

O condomínio que possui destinação exclusivamente residencial pode proibir a locação de unidade autônoma por curto período de tempo

 


Processo

REsp 1.884.483-PR, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/11/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Condomínio edilício residencial. Locações realizadas por intermédio de plataformas digitais. Uso diverso daquele previsto em convenção. Impossibilidade.

DESTAQUE

O condomínio que possui destinação exclusivamente residencial pode proibir a locação de unidade autônoma por curto período de tempo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente cumpre salientar que a disponibilização de imóveis para uso de terceiros por meio de plataformas digitais de hospedagem, a depender do caso concreto, pode ser enquadrada nas mais variadas hipóteses existentes no ordenamento jurídico, sobretudo em função da constante expansão das atividades desenvolvidas por empresas do gênero, sempre em busca de maiores lucros e maiores condições de sobrevivência no mercado mundial.

Nessa medida, somente a partir dos elementos fáticos delineados em cada hipótese submetida à apreciação judicial - considerados aspectos relativos ao tempo de hospedagem, ao grau de profissionalismo da atividade, à destinação exclusiva do imóvel ao ocupante ou o seu compartilhamento com o proprietário, à destinação da área em que ele está inserido (se residencial ou comercial), à prestação ou não de outros serviços periféricos, entre outros - é que se afigura possível enquadrar determinada atividade em alguma das hipóteses legais, se isso se mostrar relevante para a solução do litígio.

Diversa é a hipótese em que o conflito se verifica na relação entre o proprietário do imóvel que o disponibiliza para uso de terceiros e o próprio condomínio no qual o imóvel está inserido, atingindo diretamente os interesses dos demais condôminos. Nessa específica hipótese, impõe-se observar as regras relativas ao condomínio edilício, previstas no Código Civil.

O art. 19 da Lei n. 4.591/1964 assegura aos condôminos o direito de usar e fruir, com exclusividade, de sua unidade autônoma, segundo suas conveniências e interesses, condicionado às normas de boa vizinhança, podendo usar as partes e coisas comuns de maneira a não causar dano ou incômodo aos demais moradores, nem obstáculo ou embaraço ao bom uso das mesmas partes por todos.

O art. 1.336, IV, do CC/2002, por seu turno, prescreve ser dever do condômino dar à sua parte exclusiva a mesma destinação que tem a edificação, utilizando-a de maneira a preservar o sossego, a salubridade, a segurança e os bons costumes.

Assim, chega-se à conclusão de que a exploração econômica de unidades autônomas mediante locação por curto ou curtíssimo prazo, caracterizadas pela eventualidade e pela transitoriedade, não se compatibiliza com a destinação exclusivamente residencial atribuída ao condomínio.

Não há, portanto, nenhuma ilegalidade ou falta de razoabilidade na restrição imposta pelo condomínio, a quem cabe decidir acerca da conveniência ou não de permitir a locação das unidades autônomas por curto período, tendo como embasamento legal o art. 1.336, IV, do CC/2002, observada a destinação prevista na convenção condominial.