sexta-feira, 30 de setembro de 2022

"Não viola o texto constitucional a imposição legal de restrições à publicidade de produtos fumígenos e de inserção de advertências sanitárias em suas embalagens quando se revelarem adequadas, necessárias e proporcionais para alcançar a finalidade de reduzir o fumo e o consumo do tabaco, hábitos que constituem perigo à saúde pública."

 


Produtos fumígenos: restrições à publicidade e inserção de advertências sanitárias nas embalagens ADI 3311/DF 

 

ODS3

 

Resumo:

 

Não viola o texto constitucional a imposição legal de restrições à publicidade de produtos fumígenos e de inserção de advertências sanitárias em suas embalagens quando se revelarem adequadas, necessárias e proporcionais para alcançar a finalidade de reduzir o fumo e o consumo do tabaco, hábitos que constituem perigo à saúde pública.

A propaganda comercial, embora protegida enquanto direito fundamental — eis que abrangida pelas liberdades de expressão e comunicação (CF/1988, art. 5º, IV e IX) — sujeita-se a restrições, desde que proporcionais, no cotejo com a proteção de outros valores públicos (1).

Por sua vez, a atividade empresarial, inclusive a publicitária, submete-se aos princípios da ordem econômica, razão pela qual deve dialogar com a concretização dos demais valores públicos e a proteção dos direitos fundamentais potencialmente colidentes (2).

Nesse contexto, o próprio texto constitucional explicita a possibilidade e a importância das limitações publicitárias de produtos notadamente nocivos (3).

Na espécie, a imposição das referidas medidas visa conferir efetividade às políticas públicas de combate ao fumo e de controle do tabaco, desestimulando o seu consumo com o fim de proteger a saúde pública e concretizar a proteção do consumidor em sua dimensão informativa, possibilitando-o a refletir sobre a prática (CF/1988, art. 5º, XIV e XXXII, e art. 170, V).

Prevalece, portanto, a tutela da saúde (CF/1988, art. 6º), inclusive à luz da proteção prioritária da criança e do adolescente (CF/1988, art. 227), sendo certo que as medidas limitam a livre iniciativa, na dimensão expressiva e comunicativa, visando concretizar os objetivos fundamentais da República (CF/1988, art. 3º).

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por unanimidade, julgou improcedente a ação. Impedidos os Ministros Luis Roberto Barroso e Cármen Lúcia.

 

(1) Precedente citado: RE 511961.

(2) Precedente citado: ADI 4306.

(3) CF/1988: “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (...) § 4º A propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias estará sujeita a restrições legais, nos termos do inciso II do parágrafo anterior, e conterá, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso.”

 

ADI 3311/DF, relatora Min. Rosa Weber, julgamento virtual finalizado em 13.9.2022 (terça-feira) às 23:59

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

"É legítimo, desde que observados alguns parâmetros, o compartilhamento de dados pessoais entre órgãos e entidades da Administração Pública federal, sem qualquer prejuízo da irrestrita observância dos princípios gerais e mecanismos de proteção elencados na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018) e dos direitos constitucionais à privacidade e proteção de dado



 Compartilhamento de dados no âmbito da Administração Pública federal ADI 6649/DF e ADPF 695/DF  

ODS16 e 17

 

Resumo:

 

É legítimo, desde que observados alguns parâmetros, o compartilhamento de dados pessoais entre órgãos e entidades da Administração Pública federal, sem qualquer prejuízo da irrestrita observância dos princípios gerais e mecanismos de proteção elencados na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei 13.709/2018) e dos direitos constitucionais à privacidade e proteção de dados.

Consoante recente entendimento desta Corte, a proteção de dados pessoais e a autodeterminação informacional são direitos fundamentais autônomos, dos quais decorrem tutela jurídica específica e dimensão normativa própria. Assim, é necessária a instituição de controle efetivo e transparente da coleta, armazenamento, aproveitamento, transferência e compartilhamento desses dados, bem como o controle de políticas públicas que possam afetar substancialmente o direito fundamental à proteção de dados (1).

Na espécie, o Decreto 10.046/2019, da Presidência da República, dispõe sobre a governança no compartilhamento de dados no âmbito da Administração Pública federal e institui o Cadastro Base do Cidadão e o Comitê Central de Governança de Dados.

Para a sua plena validade, é necessário que seu conteúdo seja interpretado em conformidade com a Constituição Federal, subtraindo do campo semântico da norma, eventuais aplicações ou interpretações que conflitem com o direito fundamental à proteção de dados pessoais.

Com base nesse entendimento, o Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedentes as ações, para conferir interpretação conforme a Constituição Federal ao Decreto 10.046/2019, nos seguintes termos:

“1. O compartilhamento de dados pessoais entre órgãos e entidades da Administração Pública, pressupõe: a) eleição de propósitos legítimos, específicos e explícitos para o tratamento de dados (art. 6º, inciso I, da Lei 13.709/2018); b) compatibilidade do tratamento com as finalidades informadas (art. 6º, inciso II); c) limitação do compartilhamento ao mínimo necessário para o atendimento da finalidade informada (art. 6º, inciso III); bem como o cumprimento integral dos requisitos, garantias e procedimentos estabelecidos na Lei Geral de Proteção de Dados, no que for compatível com o setor público.

2. O compartilhamento de dados pessoais entre órgãos públicos pressupõe rigorosa observância do art. 23, inciso I, da Lei 13.709/2018, que determina seja dada a devida publicidade às hipóteses em que cada entidade governamental compartilha ou tem acesso a banco de dados pessoais, ‘fornecendo informações claras e atualizadas sobre a previsão legal, a finalidade, os procedimentos e as práticas utilizadas para a execução dessas atividades, em veículos de fácil acesso, preferencialmente em seus sítios eletrônicos’.

3. O acesso de órgãos e entidades governamentais ao Cadastro Base do Cidadão fica condicionado ao atendimento integral das diretrizes acima arroladas, cabendo ao Comitê Central de Governança de Dados, no exercício das competências aludidas nos arts. 21, incisos VI, VII e VIII do Decreto 10.046/2019: 3.1. prever mecanismos rigorosos de controle de acesso ao Cadastro Base do Cidadão, o qual será limitado a órgãos e entidades que comprovarem real necessidade de acesso aos dados pessoais nele reunidos. Nesse sentido, a permissão de acesso somente poderá ser concedida para o alcance de propósitos legítimos, específicos e explícitos, sendo limitada a informações que sejam indispensáveis ao atendimento do interesse público, nos termos do art. 7º, inciso III, e art. 23, caput e inciso I, da Lei 13.709/2018; 3.2. justificar formal, prévia e minudentemente, à luz dos postulados da proporcionalidade, da razoabilidade e dos princípios gerais de proteção da LGPD, tanto a necessidade de inclusão de novos dados pessoais na base integradora (art. 21, inciso VII) como a escolha das bases temáticas que comporão o Cadastro Base do Cidadão (art. 21, inciso VIII); 3.3. instituir medidas de segurança compatíveis com os princípios de proteção da LGPD, em especial a criação de sistema eletrônico de registro de acesso, para efeito de responsabilização em caso de abuso.

4. O compartilhamento de informações pessoais em atividades de inteligência observará o disposto em legislação específica e os parâmetros fixados no julgamento da ADI 6.529, Rel. Min. Cármen Lúcia, quais sejam: (i) adoção de medidas proporcionais e estritamente necessárias ao atendimento do interesse público; (ii) instauração de procedimento administrativo formal, acompanhado de prévia e exaustiva motivação, para permitir o controle de legalidade pelo Poder Judiciário; (iii) utilização de sistemas eletrônicos de segurança e de registro de acesso, inclusive para efeito de responsabilização em caso de abuso; e (iv) observância dos princípios gerais de proteção e dos direitos do titular previstos na LGPD, no que for compatível com o exercício dessa função estatal.

5. O tratamento de dados pessoais promovido por órgãos públicos ao arrepio dos parâmetros legais e constitucionais importará a responsabilidade civil do Estado pelos danos suportados pelos particulares, na forma dos arts. 42 e seguintes da Lei 13.709/2018, associada ao exercício do direito de regresso contra os servidores e agentes políticos responsáveis pelo ato ilícito, em caso de culpa ou dolo.

6. A transgressão dolosa ao dever de publicidade estabelecido no art. 23, inciso I, da LGPD, fora das hipóteses constitucionais de sigilo, importará a responsabilização do agente estatal por ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11, inciso IV, da Lei 8.429/1992, sem prejuízo da aplicação das sanções disciplinares previstas nos estatutos dos servidores públicos federais, municipais e estaduais.”

 

Por fim, o Tribunal declarou, com efeito pro futuro, a inconstitucionalidade do art. 22 do Decreto 10.046/2019, preservando a atual estrutura do Comitê Central de Governança de Dados pelo prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data de publicação da ata de julgamento, a fim de garantir ao Chefe do Poder Executivo prazo hábil para (i) atribuir ao órgão um perfil independente e plural, aberto à participação efetiva de representantes de outras instituições democráticas; e (ii) conferir aos seus integrantes garantias mínimas contra influências indevidas. Vencidos, parcialmente e nos termos de seus respectivos votos, os Ministros André Mendonça, Nunes Marques e Edson Fachin.

 

(1) Precedente citado: ADI 6.387 Ref-MC.

 

ADI 6649/DF, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento finalizado em 15.9.2022

ADPF 695/DF, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento finalizado em 15.9.2022

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

"Aquisição de aparelho celular Garantia contra furto e roubo qualificados Furto simples Negativa de pagamento Falta de informação adequada Direito à indenização securitária Dano moral"

 


Apelação cível. Direito do consumidor. Aquisição de aparelho celular novo com serviço de garantia contra furto e roubo qualificados. Produto que foi furtado no interior de ônibus. Negativa de pagamento sob a alegação de risco excluído da cobertura contratada. Sentença de improcedência. Inconformismo da autora. É direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os serviços contratados. O risco segurado limitado aos casos de furto/roubo qualificados exige conhecimento do contratante quanto às diferenças entre uma e outra espécie do tipo penal, o que, em razão da sua vulnerabilidade, presumidamente não possui. Falha no dever de informação configurada. Reforma do decisum para julgar procedente o pedido de indenização securitária, abatido o valor da franquia, além de verba compensatória por danos morais, que se fixa em R$ 2.000,00. Provimento do apelo.

0069244-76.2021.8.19.0001 – Apelação - Primeira câmara cível - Des(a). Sergio Ricardo de Arruda Fernandes - Julg: 24/05/2022 - Data de Publicação: 27/05/2022


terça-feira, 27 de setembro de 2022

"Sequestro relâmpago Gastos no cartão de crédito e débito Uso de senha pessoal Coação Movimentação atípica Dever de fiscalização Responsabilidade civil de banco"

 


Apelação cível. Relação de consumo. Insurgência quanto a gastos nos cartões de débito e crédito do autor, decorrentes de sequestro relâmpago. Sentença que acolheu parcialmente o pedido, declarando a nulidade das cobranças impugnadas e condenando o banco réu a devolver os valores pagos pelo autor. Recurso do banco réu, aduzindo inexistir falha na prestação do serviço, considerando que as operações contestadas foram realizadas com uso da senha e cartão original do cliente, sendo que as transações na função crédito foram realizadas presencialmente, possuindo os cartões a tecnologia de leitura do chip. Compras realizadas mediante coação da vítima e utilização de senha pessoal. Hipótese em análise que possui peculiaridades a atrair a responsabilidade civil do réu. Compras realizadas em franca dissonância com os padrões de consumo do autor. Repetição de estabelecimentos, com valores progressivos, em curso espaço de tempo. Falha de segurança da instituição bancária. Comprovação de movimentação irregular na conta do cliente ocorrida em curto espaço de tempo, que se relaciona à atividade desempenhada pelo banco réu. Autor que solicitou o bloqueio dos cartões ao réu no mesmo dia do ocorrido. Réu que somente no dia seguinte realizou o bloqueio solicitado. Sentença mantida. Desprovimento do recurso.

0023106-85.2020.8.19.0001 – Apelação - Vigésima sexta câmara cível - Des(a). Sandra Santarém Cardinali - Julg: 07/07/2022 - Data de Publicação: 08/07/2022


segunda-feira, 26 de setembro de 2022

"Inventário Disposição testamentária da metade disponível dos bens Viúva meeira Validade Herdeiro necessário Rompimento do testamento Descabimento"

 


Ementa - Recurso de agravo de instrumento. Ação de inventário. Decisão que indeferiu o pedido de rompimento do testamento deixado por Dario Francisco Leitão. Herdeiro necessário. Reconhecimento por sentença judicial posteriormente ao testamento após a morte do testador. Segundo o art. 1.973 do CC, "sobrevindo descendente sucessível ao testador, que não o tinha ou não o conhecia quando testou, rompe-se o testamento em todas as suas disposições, se esse descendente sobreviver ao testador." Contudo, não se invalida a disposição testamentária se esta versar somente sobre metade disponível dos bens de quem testa, não tendo contemplado nessa previsão seus herdeiros necessários. O testador Dario Francisco Leitão não contemplou os seus filhos conhecidos e nominados no testamento, apenas dispôs da sua parte disponível em favor da sua esposa, ora inventariante (index 34). Essa foi a vontade manifesta do testador, apto à demonstração de que procederia de idêntica forma se houvesse outro descendente conhecido. Como Rosimar, viúva do Sr. Dario, estava com ele casada pelo regime de comunhão universal de bens, segundo as regras do Código Civil de 1916, não pode a mesma ser considerada herdeira necessária. Nesse passo, não sendo ela herdeira necessária, ocorreu a hipótese prevista no citado art. 1975 do Código Civil, pelo qual se preserva o testamento, "se o testador dispuser da sua metade, não contemplando os herdeiros necessários de cuja existência saiba, ou quando os exclua dessa parte". Inteligência do art. 1.975 do Código Civil. Precedentes. Ademais, toda a discussão acerca do fato de ter, ou não, o Sr. Dario conhecimento da existência de Patrícia como sendo sua filha perde a razão de ser ante o fato de que o testamento não contemplou nenhum herdeiro necessário no tocante à metade disponível dos seus bens. Aliás, soa válido frisar, uma vez mais, que o testador apenas deliberou em favor de sua esposa a parte disponível de seus bens, ou seja, aquela da qual ele podia dispor, como bem lhe aprouvesse. Por fim, insta salientar que o rompimento de testamento é medida extrema, somente devendo vir à tona em casos excepcionais, cabendo sempre ao intérprete prestigiar, na medida do possível, a vontade última do testador. Recurso conhecido e negado provimento.

0028691-53.2022.8.19.0000 - Agravo de instrumento - Vigésima terceira câmara cível - Des(a). Murilo André Kieling Cardona Pereira - Julg: 05/07/2022 - Data de Publicação: 11/07/2022


domingo, 25 de setembro de 2022

Indicação de livro: "Dados Pessoais Sensíveis - Qualificação, Tratamento e Boas Práticas", de Chiara Spadaccini de Teffé

 


“O momento não poderia ser mais oportuno para a reflexão suscitada pela autora: identificam-se no Brasil e alhures numerosos conflitos relativos ao tratamento de dados sensíveis, não raro associados à discriminação informativa de seus titulares. Bastaria lembrar, dentre os casos palpitantes recentemente veiculados na mídia norte-americana, a negativa de concessão de crédito para determinadas pessoas em razão do bairro onde moram ou em razão de seus prenomes, estatisticamente mais recorrentes em específicas comunidades étnicas. Assim também na China e na Polônia, tornaram-se notórias coletas de dados altamente estigmatizantes no âmbito de programas de auxílio social e ao desemprego. Situações como essas vêm atraindo a atenção de estudiosos ao redor do mundo e os debates levados à cabo pela comunidade jurídica têm estimulado a edição de normas específicas a tratar do tema, que agora conclamam o diligente esforço de decomposição de seus diversos matizes. Nessa empreitada, o livro apresenta os vários contornos da matéria, buscando examinar de forma profunda os instrumentos disponíveis para a proteção dos dados sensíveis no sistema jurídico brasileiro.

(...)

A análise proposta nesta bela obra mostra-se instigante, desbravando um conjunto de matérias tormentosas atinentes à proteção de dados e especialmente aos dados sensíveis. Notável contributo é identificado em seu esforço de construção funcional dessas novas categorias analisadas, realizado ao longo de todos os capítulos, em consideração ao sistema instituído pela ordem jurídica. Busca-se com efeito obter a máxima realização dos valores constitucionais na seara da proteção de dados, rigorosamente dentro dos contornos dogmáticos do direito civil.

Dessa maneira, a autora oferece aos leitores livro de enorme interesse e utilidade prática, demonstrando que as novas tecnologias e seus desdobramentos, ao contrário de uma aparente – e falsamente alardeada – ruptura com o direito civil, provoca a sua oxigenação e rejuvenescimento, abeberando-se da dogmática mediante a qual se torna possível construir e reconstruir modelos interpretativos coerentes com a legalidade constitucional, destinados à compreensão jurídica dos novos fatos sociais que, em velocidade cada vez mais surpreendente, surgem no âmbito das relações privadas”.

Trecho do prefácio de Gustavo Tepedino

https://www.editorafoco.com.br/produto/dados-pessoais-sensiveis-qualificacao-tratamento-praticas-2022

sábado, 24 de setembro de 2022

"Internet Prestação de serviços Contrato celebrado por ex-cônjuge Nulidade do contrato Inexistência de dívida"

 


Apelação cível. Ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais. Contrato de prestação de serviço de internet. Cinge-se a controvérsia acerca da contratação do serviço pelo Autor. O Autor requereu a nulidade do contrato e respectivos débitos, bem como compensação moral, pedidos julgados improcedentes. Contrato celebrado com documentação da ex-cônjuge do Demandante, por ela assinado, mas emitido em nome do Autor. Mesmo a relação marital não autoriza a contratação em nome do cônjuge, eis que são pessoas físicas com capacidade civil distinta para os atos da vida civil. Contrato que deve ser declarado nulo e dívida inexistente em relação ao Autor, no que se reforma a sentença. Segundo o entendimento da Corte Superior "Para configurar a existência do dano extrapatrimonial, há de se demonstrar fatos que o caracterizem, como a reiteração da cobrança indevida, a despeito da reclamação do consumidor, inscrição em cadastro de inadimplentes, protesto, publicidade negativa do nome do suposto devedor ou cobrança que o exponha a ameaça, coação, constrangimento". Assim, a hipótese é de mera cobrança de multa pela rescisão contratual, sem quaisquer reflexos à personalidade do Autor, de modo que se encontra correta a sentença que julgou improcedente o pedido indenizatório. Sucumbência mínima do Autor, que impõe a inversão dos ônus sucumbenciais. Recurso parcialmente provido.

0001889-05.2019.8.19.0006 – Apelação - Vigésima quinta câmara cível - Des(a). Leila Maria Rodrigues Pinto de Carvalho e Albuquerque - Julg: 28/07/2022 - Data de Publicação: 29/07/2022


sexta-feira, 23 de setembro de 2022

"Uso de talidomida na gestação Malformação congênita Direito da personalidade Prescrição Inocorrência"

 


Agravo de instrumento. Decisão agravada que rejeita a preliminar de mérito referente à prescrição da pretensão indenizatória por danos morais e pensão mensal vitalícia em decorrência de malformações congênitas. Talidomida. O caso dos autos trata de um pedido de indenização por danos causados pela ingestão, pela genitora do autor durante a sua gravidez, da substância denominada talidomida, razão por que requer seja compensado pelos danos morais sofridos em virtude de ser portador da referida síndrome. Os direitos da personalidade são naturalmente incompatíveis com a prescrição, não se podendo admitir que a lesão de um direito da personalidade convalesça pelo decurso do tempo, porque isto importaria na disposição desse direito em favor de quem o estivesse ofendendo. É pacífico na doutrina o entendimento no sentido de que os direitos da personalidade têm por característica a imprescritibilidade, como no caso de danos morais por violação de direitos humanos. As deformações e limitações produzidas pelo uso inadequado da talidomida, sem dúvida alguma, afetam seriamente os direitos da personalidade, cuja reparação goza da imprescritibilidade, vez que compromete seriamente o direito à vida plena, de forma violar o inciso III, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), segundo o qual toda pessoa tem o direito à vida. Recurso a que se nega provimento.

0001356-93.2021.8.19.0000 - Agravo de instrumento - Vigésima primeira câmara cível - Des(a). Denise Levy Tredler - Julg: 12/07/2022 - Data de Publicação: 20/07/2022


quinta-feira, 22 de setembro de 2022

"A utilização de fotografias que servirem tão somente para ilustrar matéria jornalística sobre fato ocorrido e narrado pelo ponto de vista do repórter não constitui, per se, violação ao direito de preservação de imagem ou de vida íntima e privada de outrem, não havendo que se falar em causa para indenização por danos morais"

 


Processo

Processo em segredo judicial, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022, DJe 31/08/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos morais. Direito de informação, expressão e liberdade de imprensa. Ausência de configuração do dano moral. Exercício regular do direito de informação.

DESTAQUE

A utilização de fotografias que servirem tão somente para ilustrar matéria jornalística sobre fato ocorrido e narrado pelo ponto de vista do repórter não constitui, per se, violação ao direito de preservação de imagem ou de vida íntima e privada de outrem, não havendo que se falar em causa para indenização por danos morais.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A análise acerca da ocorrência de abuso no exercício da liberdade de expressão a ensejar reparação por dano moral deve ser feita no caso concreto, pois, em tese, sopesados os valores em conflito, é recomendável que se dê primazia à liberdade de informação e de crítica, como decorrência da vida em um Estado Democrático.

De acordo com a jurisprudência deste Tribunal Superior, publicações que narrem fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, a princípio, não configuram ato ilícito.

A notícia veiculada na revista expressa o pensamento da repórter sobre fato ocorrido durante a cobertura de evento do qual participavam vários famosos, o que, a toda evidência, gera o interesse do público que consome esse tipo de notícia.

Nessa perspectiva, apesar da utilização de opiniões severas e irônicas, a publicação narrou fato ocorrido e que, inclusive, estava sendo apurado criminalmente pela autoridade policial, de modo que sua divulgação, ainda que somente sob o ponto de vista de uma das partes, não demonstra, inequivocamente, o intuito de difamar, injuriar ou caluniar a pessoa.

Isso porque "A liberdade de informação diz respeito a noticiar fatos, e o exercício desse direito apenas será digno de proteção quando presente o requisito interno da verdade, pela ciência da realidade, que não se exige seja absoluta, mas aquela que se extrai da diligência do informador, a quem incumbe apurar de forma séria os fatos que pretende tornar públicos" (REsp 1.897.338/DF, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 24/11/2020, DJe de 05/02/2021).

Com base nessas considerações, conclui-se, portanto, que a utilização de fotografias serviu tão somente para ilustrar a matéria jornalística sobre fato ocorrido e narrado pelo ponto de vista da repórter, e de interesse do público-alvo do veículo de comunicação, tratando-se, na hipótese, de exercício regular do direito de informação, de modo que não constitui, per se, violação ao direito de preservação de sua imagem ou de sua vida íntima e privada, não havendo que se falar em causa para indenização por danos patrimoniais ou morais à imagem.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

"A simples pretensão de homenagear um ascendente não constitui fundamento bastante para configurar a excepcionalidade que propicia a modificação do registro"

 


Processo

REsp 1.962.674-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/05/2022, DJe 31/05/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Retificação de registro civil. Inclusão do patronímico para fazer homenagem à avó materna. Impossibilidade.

DESTAQUE

A simples pretensão de homenagear um ascendente não constitui fundamento bastante para configurar a excepcionalidade que propicia a modificação do registro.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O propósito recursal consiste em definir se é possível a retificação do registro público para inclusão do sobrenome da avó materna.

No tocante à retificação do registro público, importante destacar que o nome é um dos direitos expressamente previstos no Código Civil como um sinal exterior da personalidade (art. 16 do CC), sendo responsável por individualizar seu portador no âmbito das relações civis e, em razão disso, deve ser registrado civilmente como um modo de garantir a proteção estatal sobre ele.

Assim, o direito ao nome está ligado a seu aspecto público dado pelo registro de pessoas naturais, segundo o qual o Estado determina limites para os nomes e seus elementos constitutivos, tal como a obrigatoriedade de conter ao menos um prenome e um nome (sobrenome).

Por conseguinte, a legislação de regência consagra o princípio da imutabilidade do nome, de maneira que o prenome e nome são, em regra, imutáveis, a fim de garantir a segurança jurídica e a estabilidade das relações jurídicas, pois, do contrário, a individualização e a certeza sobre quem se fala seriam temerárias.

Contudo, esta Corte vem evoluindo sua interpretação sobre o tema a fim de se adequar à nova realidade social e de tentar acompanhar a velocidade de transformação das relações jurídicas, passando a entender que o tema está inserido no âmbito da autonomia privada, apesar de não perder seu aspecto público, haja vista que somente será admissível a retificação quando não se verificar riscos a terceiros e à segurança jurídica.

Nessa toada, "conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, interpretando-as de modo histórico-evolutivo para que se amoldem a atual realidade social em que o tema se encontra mais no âmbito da autonomia privada, permitindo-se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros" (REsp 1.873.918/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 2/3/2021, DJe 4/3/2021).

Desse modo, destaca-se que o nome de família tem como escopo identificar a qual família pertence a pessoa, isto é, faz com que a pessoa sinta-se pertencente a determinada família, como membro integrante dela.

Contudo, não se pode descurar do fato de que o sobrenome não tem a função de estreitar vínculos afetivos com os membros da família, pois sua função primordial é revelar a estirpe familiar no meio social e reduzir as possibilidades de homonímia, haja vista que, nos termos do art. 54 da Lei de Registros Públicos, o registro de nascimento contém os nomes dos pais e dos avós. Esse entendimento foi adotado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.731.091/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 14/12/2021, DJe 17/02/2022.

Em face dessas considerações, nota-se que o recorrente não logrou êxito em comprovar a existência de justo motivo para se viabilizar a inclusão pretendida, sobretudo porque a simples homenagem à sua avó não constitui fundamento bastante para configurar a excepcionalidade que propicia a modificação do registro, já que não há na lei a previsão de que sentimentos íntimos sejam suficientes para alterar a qualidade imutável do nome, não sendo essa a função exercida pelo sobrenome.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

"Nas hipóteses em que encerrada a convivência more uxorio, mas ainda não decretado o divórcio, o bem gravado com cláusula de inalienabilidade temporária não integra o patrimônio partilhável"

 


Processo

Processo sob segredo de justiça, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 24/05/2022, DJe 31/05/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Regime da comunhão universal de bens. Divórcio. Imóvel doado com cláusula temporária de inalienabilidade. Bem incomunicável. Separação de fato. Termo do regime de bens.

DESTAQUE

Nas hipóteses em que encerrada a convivência more uxorio, mas ainda não decretado o divórcio, o bem gravado com cláusula de inalienabilidade temporária não integra o patrimônio partilhável.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia está em definir se é possível a inclusão de imóvel gravado com cláusula de inalienabilidade temporária na partilha de bens no divórcio, em virtude do transcurso do prazo no momento da prolação da sentença.

O caso trata de uma ação de divórcio litigioso, sendo incontroverso que o casamento ocorreu em 20/5/2012, sob o regime de comunhão universal de bens, e que o casal está separado desde março de 2013, sem possibilidade de reconciliação.

Assim, não há dissenso entre as partes quanto à decretação do divórcio, ficando a controvérsia restrita à partilha do bem imóvel, o qual, segundo as premissas estabelecidas pelo Tribunal de origem, foi objeto de doação pelo poder público, com expressa determinação no termo de adesão de que é inadmissível a permuta, cessão, aluguel, venda ou qualquer outra forma de repasse do bem pelo prazo de 10 (dez) anos, a contar da assinatura do termo.

Anota-se que a separação judicial ou extrajudicial extingue a sociedade conjugal (e não o vínculo matrimonial, pois este persiste) em virtude do fim da comunhão de vidas, o que implica a manutenção do impedimento matrimonial, enquanto, de outro lado, faz cessar o regime de bens, o dever de fidelidade recíproca e o dever de coabitação.

Ademais, não se pode descurar da separação de fato, que é uma hipótese informal de dissolução da sociedade conjugal, pois do mesmo modo que o simples fato instaura relação jurídica entre casais, configurando união estável, provoca também a sua extinção.

Relembre-se que a separação de fato não pode ser confundida com uma simples interrupção da coabitação, pois esta pode decorrer, inclusive, de uma necessidade ou conveniência da própria família, como na ausência prolongada de um dos cônjuges em razão do trabalho.

Assim, demonstrada a real existência da separação de fato, imperiosa se torna a aplicação analógica da regra da separação judicial ou extrajudicial prevista no art. 1.576 do CC/2002, motivo pelo qual um dos seus efeitos é exatamente o fim da eficácia do regime de bens. Em razão face disso, o raciocínio a ser empregado nas hipóteses em que encerrada a convivência more uxorio, mas ainda não decretado o divórcio, é o de que os bens adquiridos durante a separação de fato não são partilháveis com a decretação do divórcio.

Dessa forma, considerar como termo final do regime de bens a data da sentença de divórcio poderia gerar situações inusitadas e injustas, já que, durante o lapso temporal compreendido entre o fim da sociedade conjugal e a sentença de divórcio, um dos cônjuges poderia adquirir outros bens com recursos próprios ou até mesmo com o esforço comum de um novo companheiro, mas que seriam incluídos na partilha de bens do relacionamento extinto.

Deve-se ressaltar que o Código Civil elegeu como princípios basilares a socialidade, a operabilidade e a eticidade, abandonando a visão excessivamente patrimonialista e individualista da lei civil anterior, mas que não podem ser utilizados para fundamentar a derrotabilidade da norma e justificar situações contra legem.

Na hipótese, a separação de fato se deu em março de 2013, quando ainda vigorava a cláusula de inalienabilidade e, consequentemente, o imóvel doado não integrava o patrimônio do casal, de modo que a sua incomunicabilidade deve ser reconhecida, com a exclusão do bem da comunhão, conforme determina o art. 1.668, I, do CC/2002.

Por fim, destaca-se que o fato de o imóvel ter sido doado em 2006 e o termo de adesão registrado em cartório apenas em 2009 não altera a conclusão acima, pois, independentemente da data que se adote como termo inicial para cômputo do lapso temporal da cláusula de inalienabilidade, o prazo decenal não teria se verificado ao tempo da separação de fato.

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

"A obrigação do coproprietário de pagar alugueres de imóvel que este utiliza com exclusividade, como moradia por sua família, em favor do outro configura-se como propter rem afastando, assim, a impenhorabilidade do bem de família"

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 1.888.863-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 10/05/2022, DJe 20/05/2022.


Tema

Condomínio. Uso exclusivo por um dos coproprietários. Inadimplência. Obrigação indenizatória. Pagamento de aluguel. Natureza propter rem da obrigação. Impenhorabilidade do bem de família. Afastamento.

DESTAQUE

A obrigação do coproprietário de pagar alugueres de imóvel que este utiliza com exclusividade, como moradia por sua família, em favor do outro configura-se como propter rem afastando, assim, a impenhorabilidade do bem de família.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O propósito recursal consiste em definir a possibilidade de penhora de imóvel, em regime de copropriedade, quando é utilizado com exclusividade, como moradia pela família de um dos coproprietários, o qual foi condenado a pagar alugueres devidos em favor do coproprietário que não usufrui do imóvel.

Anota-se, inicialmente, que a obrigação de pagar aluguel por uso exclusivo do bem cumpre o primeiro requisito das obrigações propter rem, pois funda-se em direito real, uma vez que esta Corte assentou como fundamento para a atribuição de responsabilidade pelo uso exclusivo de coisa comum a primazia da posse sobre a forma de exercício da copropriedade.

Como bem disciplinado pelo STJ, a obrigação de indenizar decorre do direito real do devedor, porquanto sem a copropriedade estabelecida na modalidade condominial, a coisa não seria comum. Via de consequência, descaberia falar na antijuridicidade de seu uso que gera o dever de indenização com causa real, a saber, o pagamento de aluguel aos demais condôminos. Assim, é o direito real da posse que fundamenta o dever de indenizar.

É importante deixar consignado que, constituem determinantes da obrigação de natureza propter rem: a vinculação da obrigação com determinado direito real; a situação jurídica do obrigado; e a tipicidade da conexão entre a obrigação e o direito real.

A exigência de tipicidade da obrigação propter rem ocorre para impedir terceiros de criarem novas obrigações e as oporem a titulares de direito real. Neste sentido, a obrigação de indenizar os demais condôminos pelos frutos que se percebe da coisa decorre de previsão legal, instituído no art. 1.319 do Código Civil, na subseção que versa sobre os direitos e deveres dos condôminos. Cumprindo, portanto, com o requisito da tipicidade.

Ademais, a obrigação que se imputa ao coproprietário para indenizar os demais que não dispõe da posse, independe de sua vontade, pois decorre tão somente de sua qualidade de titular de um direito real. Assim, a obrigação do coproprietário de indenizar os demais que não dispõe da posse, independe sua declaração de vontade, porque, decorre tão somente da cotitularidade da propriedade.

O aluguel por uso exclusivo do bem, portanto, configura-se como obrigação propter rem e, por esta razão, enquadra-se nas exceções previstas no art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/90 para afastar a impenhorabilidade do bem de família.

Tal conclusão não decorre de aplicação do entendimento já consolidado neste Superior Tribunal de Justiça de ser a obrigação propter rem fundamento para penhorabilidade do bem de família, ao também já estabelecido dever de pagar aluguel pelo uso exclusivo do bem.

A proteção constitucional da impenhorabilidade do bem de família fundamenta-se na inteligência de proteger o direito do núcleo familiar, que é proprietário do bem e nele reside, contra terceiros credores. Não é esta a situação que se vislumbra na presente hipótese. É indevido, portanto, utilizar-se da Lei n. 8.009/1990 para prejudicar o direito de condôminos que compartilham dos mesmos direitos e deveres sobre o bem condominial.

Isto, pois, a obrigação de indenizar os demais condôminos por uso exclusivo do bem gera débito oriundo de direito real, configurando-se como uma obrigação propter rem. Nestes termos, admitida a penhorabilidade do bem de família, conforme previsto no art. 3º, IV, da Lei n. 8.009/1990.

domingo, 18 de setembro de 2022

Indicação de livro: "Enriquecimento sem causa - As obrigações restitutórias no direito civil" (2ª Edição), de Rodrigo da Guia Silva

 


"O livro apresenta o panorama atual das hipóteses em que a adoção do enriquecimento injusto, em perspectiva funcional, se torna indispensável e altamente útil para o leitor.
Analisa as diversas espécies de restituição e suas controvérsias, examinando-se as características e efeitos do lucro da intervenção. Vale destacar importante subtema presente na obra: a possibilidade de cumulação das obrigações restitutória e reparatória.

Destaques da 2ª edição:
atualização das referências jurisprudenciais e doutrinária; prazo prescricional da pretensão de repetição de indébito; termo inicial do prazo prescricional das pretensões restitutórias; enriquecimento sem causa no contexto da pandemia da COVID-19; lucro da intervenção na jurisprudência do STJ (destaque para o “caso da atriz Giovanna Antonelli”); Enunciado n. 620 da VIII Jornada de Direito Civil do CJF."

https://www.livrariart.com.br/enriquecimento-sem-causa-as-obrigacoes-restitutorias-no-direito-civil-2-edicao/p

sábado, 17 de setembro de 2022

"Configura concorrência desleal a contratação de serviços de links patrocinados (keyword advertising) prestados por provedores de busca na internet para obter posição privilegiada em resultado de busca em que o consumidor de produto ou serviço utiliza como palavra-chave a marca de um concorrente"

 


Processo

REsp 1.937.989-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 23/08/2022.

Ramo do Direito

DIREITO COMERCIAL, DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO MARCÁRIO, DIREITO DIGITAL


Tema

Comércio eletrônico (e-commerce). Serviço de publicidade. Provedores de busca na internet. Alteração do referenciamento de um domínio com base na utilização de certas palavras-chave (keyword advertising). Utilização de marca registrada de concorrente. Direcionamento de usuários para o seu próprio sítio eletrônico. Concorrência desleal. Configuração.

DESTAQUE

Configura concorrência desleal a contratação de serviços de links patrocinados (keyword advertising) prestados por provedores de busca na internet para obter posição privilegiada em resultado de busca em que o consumidor de produto ou serviço utiliza como palavra-chave a marca de um concorrente.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir se configura ou não concorrência desleal a conduta de um anunciante na internet de utilizar a marca registrada de um concorrente como palavra-chave em link patrocinado para obter posição privilegiada em resultados de buscas, direcionando os usuários daqueles produtos e serviços para o seu próprio sítio eletrônico.

Sendo a livre iniciativa e a livre concorrência fundamentos de nosso ordenamento, a efetivação do objetivo que subsidiam impõe, por certo, a disciplina de um regramento mínimo. Nesse rumo, a normatização favorece disputas leais de mercado, ao mesmo tempo em que censura práticas ilegítimas de obtenção de vantagem, estrutural ao direito concorrencial.

É desleal a concorrência sempre que se verificar a utilização de esforços que se distanciam da ética e perseguem o desvio de clientela e empobrecimento do concorrente.

Em recurso julgado pelo rito dos repetitivos (REsp 1.527.232/SP), ficou acentuado que, baseado na definição de concorrência desleal apresentada na Convenção da União de Paris (alínea 2 do seu artigo 10 bis), observa-se que a noção de concorrência pode variar de um país para outro, já que o entendimento sobre o que seja "uso honesto", em matéria industrial e comercial, é variável e estabelece-se conforme o espaço e tempo que ocupa, moldando-se em práticas moralmente aceitas e sobre valores, realidade social e conjunto de princípios do regime jurídico a que será aplicável.

A Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/1996), especialmente em seu art. 195, tipifica como crime de concorrência desleal nas hipóteses em que se: "III - emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; IV - usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; V - usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências".

O exame da matéria em julgamento passa por contextualizar o tema no ambiente virtual, principalmente no âmbito da internet.

Com efeito, o desenvolvimento tecnológico concebeu situações até então desconsideradas pelo ordenamento jurídico, mas que demandariam tutela jurídica. De acordo com a doutrina, "o fato de a Internet ter se transformado numa 'grande ferramenta de publicidade, senão a maior, para o fomento da produção e circulação de bens ou serviços", "a invisibilidade é equivalente à morte".

No contexto dos recursos tecnológicos, a Internet se destaca como instrumento arrojado de interação eficiente, tendo em vista a expedita propagação da informação, num ininterrupto trânsito de dados. Assim, as relações arquitetadas no "sistema global de redes de computadores", transações econômicas ou sociais, por organizações e instituições ou individuais, ajustam-se, majoritariamente, pela produção, registro, gerenciamento e uso de informação, multiplicando-se as formas de produção e circulação de produtos e serviços, transformando os modelos de negócio até então existentes.

Nessa senda, mister assinalar que é comum o reconhecimento de que a neutralidade da rede estimula a livre concorrência e o acesso do consumidor aos bens e serviços.

Em outra perspectiva, a Internet maximiza a visibilidade da oferta e circulação de produtos e serviços, propiciando aos players o alcance de mercados até então de difícil ou impossível ingresso.

Em virtude da evolução da internet, o comércio eletrônico (e-commerce), atividade de alienação, em sentido amplo, de bens ou serviços por meio eletrônico, apresenta-se como forma interessante de desenvolvimento da atividade empresarial, propiciando o advento de novos modelos de negócio e a expansão da livre concorrência.

Nesse rumo, ao mesmo tempo em que a concorrência é favorecida, impõe-se a cada um dos atuantes do mercado empenho maior para que se destaque dos demais. Assim, para suprir essa demanda, novos expedientes de visibilidade são desenvolvidos e oferecidos pelos provedores de pesquisa da Internet.

Com efeito, as empresas que atuam no e-commerce preocupam-se com o formato e funcionalidade de seus endereços virtuais e, cada vez mais, empregam esforços para que seus sites apareçam em posição de destaque nos resultados das buscas na Internet. Agem desta maneira visando atrair o maior número possível de visitantes, potenciais clientes.

Por certo, o principal instrumento utilizado pelo comércio eletrônico é oferecido pelos provedores de pesquisa, sites que rastreiam, indexam e armazenam as mais variadas informações disponíveis online, organizando-as e classificando-as para que, uma vez consultados, possam fornecê-las através de sugestões (ou resultados) que atendam aos critérios de busca informados pelos próprios usuários, um serviço pago de publicidade para alterar o referenciamento de um domínio, com base na utilização de certas palavras-chave. Dizendo de outro modo, o provedor coloca à venda palavras-chave, que quando utilizadas pelo usuário, acarretarão o aparecimento, com destaque e precedência, do conteúdo pretendido pelo anunciante.

A esse mecanismo oferecido pelos provedores de busca para dar publicidade aos produtos e serviços dá-se o nome de links patrocinados (keyword advertising). Assim, terão prevalência no rol de resultados de determinada busca, o anúncio, empresa ou marca daquele anunciante que se dispôs a pagar o maior valor pela posição destacada da palavra-chave.

Embora seja lícito o expediente dos links patrocinados nos sites de busca, a inexistência de parâmetros ou mesmo proibições referentes às palavras-chaves que acionem a publicidade, escolhidas pelos anunciantes, podem gerar conflitos relacionados à propriedade intelectual.

É que algumas empresas, ao contratarem links patrocinados, elegem como tal marcas ou nomes empresariais de concorrentes, usualmente empresas consagradas em seus respectivos ramos de atuação.

Diante deste cenário, a utilização, por terceiros, de marcas registradas, como palavras-chave em links patrocinados, com indiscutível desvio de clientela, caracteriza ato de concorrência desleal. A utilização da marca de um concorrente como palavra-chave para direcionar o consumidor do produto ou serviço para o link do concorrente usurpador, é capaz de causar confusão quanto aos produtos oferecidos ou a atividade exercida pelos concorrentes. A deslealdade, aqui, estaria na forma de captação de clientela, por recurso ardil, sem a dispensa de investimentos condizentes. Ainda, a prática desleal conduz a processo de diluição da marca no mercado, que perde posição de destaque e prejuízo à função publicitária, pela redução da visibilidade.

Além da flagrante utilização indevida de nome empresarial e marca alheia, a utilização de links patrocinados, na forma como engendrada pela ora recorrente, é conduta reprimida pelo art. 195, III e V, da Lei da Propriedade Industrial e pelo artigo 10 bis, da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em toda a abrangência do território nacional, conforme dispõe o art. 129 da Lei n. 9.279/1996, sendo certo que "abrange o uso da marca em papéis, impressos, propaganda e documentos relativos à atividade do titular", também nos termos do art. 131 da mesma lei.

Nesse rumo de ideias, é certo que o estímulo à livre iniciativa, dentro ou fora da rede mundial de computadores, deve conhecer limites, sendo inconcebível reconhecer lícita conduta que cause confusão ou associação proposital à marca de terceiro atuante no mesmo nicho de mercado.

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

"Em contrato de mútuo vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), o termo inicial para a contagem do prazo prescricional da pretensão de cobrança de parcelas vencidas é a data de vencimento da última parcela"

 


QUARTA TURMA
Processo

AgInt no REsp 1.837.718-PR, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 09/08/2022, DJe 30/08/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO BANCÁRIO


Tema

Sistema Financeiro de Habitação. Contrato de mútuo. Parcelas vencidas. Execução. Contagem do prazo prescricional. Termo inicial. Data do vencimento da última parcela.

DESTAQUE

Em contrato de mútuo vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH), o termo inicial para a contagem do prazo prescricional da pretensão de cobrança de parcelas vencidas é a data de vencimento da última parcela.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia diz respeito ao termo a quo para a contagem do prazo prescricional da pretensão de cobrança de parcelas vencidas de contrato vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH).

As instâncias ordinárias declararam a prescrição das parcelas vencidas há mais de cinco anos da data da distribuição da execução hipotecária.

Porém, tal conclusão mostra-se equivocada, haja vista a existência de uma obrigação única, relativa ao pagamento do valor do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, quantia já disponibilizada pela instituição financeira.

O parcelamento do pagamento, em benefício da parte devedora, nas datas de vencimento pactuadas no contrato, não configura relação de trato sucessivo decorrente de obrigações periódicas, que se renovam mês a mês. A obrigação de pagamento do valor financiado é única, devendo ser quitada a integralidade do valor financiado até o termo do contrato.

O parcelamento não torna autônomas cada uma das parcelas, a ponto de ensejar a contagem do prazo prescricional relativo a cada uma delas, mas sim ao final do prazo contratual relativo ao empréstimo para aquisição do imóvel.

O entendimento adotado na decisão agravada, de contar a prescrição do vencimento de cada parcela, demandaria o ajuizamento de execuções múltiplas, uma execução a cada parcela vencida, o que não se mostra razoável, nem compatível com a própria contratação.

Por se tratar de obrigação única (pagamento do valor financiado), que somente se desdobrou em parcelas para facilitar o adimplemento da parte devedora, o termo inicial do prazo prescricional também é único, devendo ser considerado o dia do vencimento da última parcela do contrato.