quarta-feira, 30 de junho de 2021

A cláusula contratual que circunscreve e particulariza a cobertura securitária não encerra, por si, abusividade nem indevida condição potestativa por parte da seguradora

 

Processo

REsp 1.358.159-SP, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR


Tema

Seguro de vida em grupo. Garantia adicional por invalidez permanente total ou parcial por acidente. Delimitação da cobertura securitária. Legalidade.

Destaque

A cláusula contratual que circunscreve e particulariza a cobertura securitária não encerra, por si, abusividade nem indevida condição potestativa por parte da seguradora.

Informações do Inteiro Teor

O caso cinge-se a verificar, em abstrato, a legalidade de cláusulas em contrato de seguro de vida em grupo, com garantia adicional por "Invalidez Permanente Total ou Parcial por Acidente" (IPA), nas quais há delimitação dos riscos, com exclusão da cobertura em hipóteses restritas e predeterminadas de invalidez por acidente.

Nas relações consumeristas, ante a fragilidade do polo consumidor, é possível afastar a autonomia privada e alterar os termos do negócio jurídico quando reconhecida a abusividade das cláusulas ou das condições do contrato, evidenciando onerosidade excessiva. Por sua vez, caso não configurada a abusividade contratual ou ainda qualquer vício na manifestação da vontade das partes contratantes, de rigor seja prestigiada a liberdade negocial.

Contudo, é da própria natureza do contrato de seguro a prévia delimitação dos riscos cobertos a fim de que exista o equilíbrio atuarial entre o valor a ser pago pelo consumidor e a indenização securitária de responsabilidade da seguradora, na eventual ocorrência do sinistro.

Vale dizer que a restrição da cobertura do seguro às situações específicas de invalidez por acidente decorrente de "qualquer tipo de hérnia e suas consequências", "parto ou aborto e suas consequências", "perturbações e intoxicações alimentares de qualquer espécie, bem como as intoxicações decorrentes da ação de produtos químicos, drogas ou medicamentos, salvo quando prescritos por médico devidamente habilitado, em decorrência de acidente coberto" e "choque anafilático e suas consequências" não contraria a natureza do contrato de seguro nem esvazia seu objeto, apenas delimita as hipóteses de não pagamento do prêmio.

Ademais, é prudente que a análise da abusividade contratual seja realizada no caso concreto específico e pontual, ocasião em que deverão ser verificados aspectos circunstanciais, como o valor da mensalidade do seguro e do prêmio correspondente, realizando-se ainda uma comparação com outros contratos de seguro ofertados no mercado; as características do consumidor segurado; os efeitos nos cálculos atuariais caso incluída a cobertura de novos riscos; se houve informação prévia, integral e adequada a respeito da cláusula limitativa, inclusive com redação destacada na apólice de seguro, entre outros.

Conclui-se, portanto, que eventual revisão de cláusula delimitadora da cobertura contratual em ação civil pública, sem exame das peculiaridades do contrato individual, pode ocasionar abalo significativo no equilíbrio financeiro do contrato de seguro de vida em grupo, dando causa a que o desvio de risco passe a ser suportado pela coletividade dos segurados.



terça-feira, 29 de junho de 2021

A regra que estabelece a diferença mínima de 16 (dezesseis) anos de idade entre adotante e adotando (art. 42, § 3º do ECA) pode, dada as peculiaridades do caso concreto, ser relativizada no interesse do adotando

 QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.338.616-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 15/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE


Tema

Adoção unilateral socioafetiva. Diferença mínima de 16 anos de idade entre adotante e adotando. Peculiaridades do caso concreto. Art. 42, § 3º, do ECA. Relativização. Possibilidade.

Destaque

A regra que estabelece a diferença mínima de 16 (dezesseis) anos de idade entre adotante e adotando (art. 42, § 3º do ECA) pode, dada as peculiaridades do caso concreto, ser relativizada no interesse do adotando.

Informações do Inteiro Teor

Inicialmente, não se pode olvidar que a intenção do legislador, ao fixar uma diferença mínima de 16 (dezesseis) anos de idade entre o adotando e o adotante, foi, além de tentar reproduzir - tanto quanto possível - os contornos da família biológica padrão, evitar que a adoção camuflasse motivos escusos, onde a demonstração de amor paternal para com o adotando mascarasse/escondesse interesse impróprio.

Entretanto a referida limitação etária, em situações excepcionais e específicas, não tem o condão de se sobrepor a uma realidade fática - há muito já consolidada - que se mostrar plenamente favorável, senão ao deferimento da adoção, pelo menos ao regular processamento do pedido, pelo que o regramento pode ser mitigado, notadamente quando, após a oitiva das partes interessadas, sejam apuradas as reais vantagens ao adotando e os motivos legítimos do ato.

Assim, o dispositivo legal atinente à diferença mínima etária estabelecida no art. 42, § 3º do ECA, embora exigível e de interesse público, não ostenta natureza absoluta a inviabilizar sua flexibilização de acordo com as peculiaridades do caso concreto, pois consoante disposto no artigo 6º do ECA, na interpretação da lei deve-se levar em conta os fins sociais a que se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

O aplicador do Direito deve adotar o postulado do melhor interesse da criança e do adolescente como critério primordial para a interpretação das leis e para a solução dos conflitos. Ademais, não se pode olvidar que o direito à filiação é personalíssimo e fundamental, relacionado, pois, ao princípio da dignidade da pessoa humana.

No caso, o adotante é casado, por vários anos, com a mãe do adotando, razão por que esse se encontra na convivência com aquele desde tenra idade; o adotando possui dois irmãos que são filhos de sua genitora com o adotante, motivo pelo qual pode a realidade dos fatos revelar efetiva relação de guarda e afeto já consolidada no tempo, merecendo destaque a peculiaridade de tratar-se, na hipótese, de adoção unilateral, circunstância que certamente deve importar para a análise de uma possível relativização da referência de diferença etária.

A justa pretensão de fazer constar nos assentos civis do adotando, como pai, aquele que efetivamente o cria e educa juntamente com sua mãe, não pode ser frustrada por apego ao método de interpretação literal, em detrimento dos princípios em que se funda a regra em questão ou dos propósitos do sistema do qual faz parte.

Ademais, frise-que a presente deliberação não está sacramentando a adoção em foco, uma vez que, na instância de origem, o processo se submeterá a toda instrução e coleta de provas, cabendo, então, ao juiz instrutor da causa averiguar se são satisfatórias todas as demais circunstâncias inerentes ao caso.

Diante do norte hermenêutico estabelecido por doutrina abalizada e da jurisprudência que se formou acerca da mitigação de regras constantes do ECA quando em ponderação com os interesses envolvidos, a regra prevista no art. 42, § 3º do ECA, no caso concreto, pode ser interpretada com menos rigidez, sobretudo quando se constata que a adoção visa apenas formalizar situação fática estabelecida de forma pública, contínua, estável, concreta e duradoura.



segunda-feira, 28 de junho de 2021

A entidade esportiva mandante do jogo responde pelos danos sofridos por torcedores em decorrência de atos violentos perpetrados por membros de torcida rival

 

Processo

REsp 1.924.527-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/06/2021, DJe de 17/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR


Tema

Estatuto de Defesa do Torcedor. Obrigação do clube mandante pela segurança do torcedor antes, durante e após o jogo. Descumprimento. Atos violentos perpetrados por membros de torcida rival no entorno do estádio. Fato exclusivo de terceiro. Inocorrência. Danos materiais e morais. Caraterização.

Destaque

A entidade esportiva mandante do jogo responde pelos danos sofridos por torcedores em decorrência de atos violentos perpetrados por membros de torcida rival.

Informações do Inteiro Teor

O Estatuto de Defesa do Torcedor (EDT) foi editado com o objetivo de frear a violência nas praças esportivas, de modo a assegurar a segurança dos torcedores. O direito à segurança nos locais dos eventos esportivos antes, durante e após a realização da partida está consagrado no art. 13 do EDT. A responsabilidade pela prevenção da violência nos esportes é das entidades esportivas e do Poder Público, os quais devem atuar de forma integrada para viabilizar a segurança do torcedor nas competições.

Em caso de falha de segurança nos estádios, as entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes responderão solidariamente, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados ao torcedor (art. 19 do EDT). O art. 14 do Estatuto do Torcedor é enfático ao atribuir à entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e a seus dirigentes a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo. Assim, para despontar a responsabilidade da agremiação, é suficiente a comprovação do dano, da falha de segurança e do nexo de causalidade.

Segundo dessume-se do conteúdo do Estatuto em apreciação, o local do evento esportivo não se restringe ao estádio ou ginásio, mas abrange também o seu entorno. Por essa razão, o clube mandante deve promover a segurança dos torcedores na chegada do evento, organizando a logística no entorno do estádio, de modo a proporcionar a entrada e a saída de torcedores com celeridade e segurança.

No caso, o episódio violento ocorreu no entorno do estádio, na área reservada especialmente aos torcedores do clube visitante. Tanto é assim que a vítima e seus amigos conseguiram correr para dentro do estádio para se proteger, local que também acabou sendo invadido pelos torcedores adversários. Sendo a área destinada aos torcedores da equipe visitante, o clube mandante deveria ter providenciado a segurança necessária para conter conflitos entre opositores, propiciando a chegada segura dos torcedores daquela agremiação no local da partida. Mas não foi o que ocorreu, porquanto o reduzido número de seguranças no local não foi capaz de impedir a destruição do veículo de uma das vítimas.

Para que haja o rompimento do nexo causal, o fato de terceiro, além de ser a única causa do evento danoso, não deve apresentar qualquer relação com a organização do negócio e os riscos da atividade. Na espécie, não está configurada tal excludente de responsabilidade, porquanto a entidade mandante tem o dever legal de garantir a segurança do torcedor no interior e no entorno do estádio antes, durante e após a partida e essa obrigação foi descumprida pelo recorrente, à medida em que não disponibilizou seguranças em número suficiente para permitir a chegada ao estádio, em segurança, dos torcedores do time visitante, o que permitiu que eles fossem encurralados por torcedores da agremiação adversária, os quais, munidos de foguetes e bombas, depredaram o veículo em que estavam o torcedor vítima e seus amigos.

Ademais, frise-se que os atos de violência entre torcedores adversários são, lamentavelmente, eventos frequentes, estando relacionados com a atividade desempenhada pela agremiação.

Por fim, é pertinente esclarecer que não se está admitindo a aplicação da teoria do risco integral às agremiações partidárias. Vale dizer, as entidades esportivas não responderão por todo e qualquer dano ocorrido no entorno do local da partida. Será sempre necessário proceder à análise casuística, de acordo com as particularidades do caso concreto, a fim de averiguar se houve defeito de segurança e se a situação guarda relação com a atividade desempenhada pelo clube.




sábado, 26 de junho de 2021

CONDOMÍNIO EDILÍCIO PESSOA IDOSA CADEIRANTE DIFICULDADE DE ACESSO OBRAS NECESSÁRIAS À ACESSIBILIDADE INÉRCIA DANO MORAL

 


Apelação Cível. Obrigação de Fazer cumulada com Indenização por danos morais e materiais. Pretensão de compelir o condomínio réu a providenciar rampa de acesso para cadeirantes. Sentença de procedência parcial. Irresignação da parte autora quanto ao pleito indenizatório. Falecimento da 1ª demandante no curso da demanda. Dano material não comprovado. Dano moral configurado. É indene de dúvidas que a dificuldade de acesso às dependências do condomínio e a sua própria casa enfrentada pela primeira autora, à época com 97 anos de idade, causa angústia e sofrimento ensejadores de reparação moral. Parcial provimento do Apelo.


0257852-34.2016.8.19.0001 - APELAÇÃO
PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Des(a). CAMILO RIBEIRO RULIERE - Julg: 09/02/2021 - Data de Publicação: 18/02/2021

sexta-feira, 25 de junho de 2021

PLANO DE SAÚDE PRÓTESE PENIANA INFLÁVEL OBRIGAÇÃO DE FORNECER DANO MORAL

 


DIREITO DO CONSUMIDOR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM COMPENSATÓRIA POR DANO MORAL. AUTOR PORTADOR DE DISFUNÇÃO ERÉTIL, SENDO NECESSÁRIA A COLOCAÇÃO DE PRÓTESE PENIANA INFLÁVEL, MATERIAL QUE É O ÚNICO RECOMENDADO PARA O QUADRO DO AUTOR, REDUZINDO OS ELEVADOS RISCOS RELACIONADOS AO IMPLANTE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO NTERPOSTO PELA PARTE RÉ. 1- Hipótese subsumida ao campo de incidência principiológico-normativo do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, vez que presentes os elementos da relação jurídica de consumo 2 O Direito do Consumidor resgatou a dimensão humana do consumidor na medida em que passou a considerá-lo sujeito especial de direito, titular de direitos constitucionalmente protegidos. Vida, saúde e segurança são bens jurídicos inalienáveis e indissociáveis do princípio universal maior da intangibilidade da dignidade da pessoa humana, não se desconhecendo se tratar o direito à saúde de um direito fundamental (Declaração Universal dos Direitos Humanos/ONU 1948 -art. 25 e Constituição da República, artigo 6º). 3 Acrescente-se a isso o fato de que quem contrata um plano de assistência à saúde paga determinados valores por sua tranquilidade e garantia. A operadora de planos de saúde assume, desse modo, as consequências econômicas de sinistros contratualmente previstos, ou cuja cobertura seja imposta por lei. 4 Trata-se de Ação de Obrigação de Fazer cumulada com compensatória por dano moral, pleiteando que o Réu autorize e custeie do material cirúrgico, prótese peniana inflável TITAN OTR, solicitado pelo médico que assiste ao Autor 5 O conjunto probatório dos autos evidencia a doença que acomete o Autor, a indicação da cirurgia e a necessidade do material solicitado. 6 A urgência e necessidade fora bem observada quando do julgamento do Agravo de Instrumento n. 0007233-53.2017.8.19.0000 por este Colegiado, cuja relatoria fora da lavra do e. Des. SÉRGIO SEABRA VARELLA. 7 Indicação do tratamento adequado a ser empregado ao paciente compete exclusivamente ao profissional da saúde, não cabendo ao plano de saúde imiscuir- se em tal mérito. Neste sentido, Súmula nº 211, desta Corte de Justiça. 8 O reconhecimento da obrigação da Apelante, no caso em tela, obedece aos preceitos constitucionais, em especial, o princípio da dignidade da pessoa humana, o que já afastaria, por si só, a alegação no sentido de que a pleiteada prótese peniana inflável TITAN OTR, não se encontra padronizada pelo SUS. Precedentes desta e. Câmara Cível e deste e. Tribunal de Justiça em casos análogos. 9 Dano moral configurado, na esteira do Enunciado Sumular nº 339 deste TJRJ. 10 Penso que, no particular, houve-se com inegável acerto o MM. Juiz de Direito Adillar dos Santos Teixeira Pinto, que, arbitrando a verba compensatória com moderação e prudência (R$ 10.000,00), em conformidade com o princípio da proporcionalidade, bem observou o caráter punitivo-pedagógico de que deve se revestir a mesma, garantindo-se, destarte, a correta e destemida aplicação do princípio da efetividade, à luz da teoria do desestímulo. 11 RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO


0001144-66.2017.8.19.0209 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). WERSON FRANCO PEREIRA RÊGO - Julg: 03/02/2021 - Data de Publicação: 04/02/2021

quinta-feira, 24 de junho de 2021

A morte de usufrutuário que arrenda imóvel, durante a vigência do contrato de arrendamento, sem a reivindicação possessória pelo proprietário, torna precária e injusta a posse exercida pelos seus sucessores, mas não constitui óbice ao exercício dos direitos provenientes do contrato de arrendamento pelo espólio perante o terceiro arrendatário

 TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.758.946-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/06/2021, DJe 11/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Usufruto de imóvel. Arrendamento rural. Morte do usufrutuário durante o contrato de arrendamento. Extinção do direito real. Precariedade da posse dos sucessores. Injustiça da posse. Posse não reivindicada pelo proprietário. Espólio da arrendadora/usufrutuária. Direitos fundados no contrato de arrendamento. Manutenção.

Destaque

A morte de usufrutuário que arrenda imóvel, durante a vigência do contrato de arrendamento, sem a reivindicação possessória pelo proprietário, torna precária e injusta a posse exercida pelos seus sucessores, mas não constitui óbice ao exercício dos direitos provenientes do contrato de arrendamento pelo espólio perante o terceiro arrendatário.

Informações do Inteiro Teor

O usufruto constitui espécie de direito real (art. 1.225, IV, do CC) que pode recair sobre "um ou mais bens, móveis ou imóveis, em um patrimônio inteiro, ou parte deste, abrangendo-lhe, no todo ou em parte, os frutos e utilidades" (art. 1.390 do CC), conferindo, temporariamente, a alguém - denominado usufrutuário - o "direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos" (art. 1.394 do CC), em relação ao bem objeto do usufruto.

Por se tratar de direito real, a sua constituição bem como a desconstituição, recaindo sobre imóvel, pressupõem o registro e a averbação do cancelamento na respectiva matrícula no Cartório de Registro de Imóveis, medidas estas dotadas de efeito constitutivo, sobretudo em relação a terceiros, segundo se extrai do teor dos arts. 1.227 e 1.410, caput, do CC; e 167, II, e 252 da Lei n. 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos).

Ademais, efetivado o usufruto, ocorre o desdobramento da posse, passando o proprietário à condição apenas de possuidor indireto, e o usufrutuário de possuidor direto. Havendo a cessão do exercício do usufruto, pelo usufrutuário, a terceiro, mediante contrato de arrendamento (art. 1.399 do CC), acarretará o desdobramento sucessivo da posse, sendo possuidores indiretos o proprietário e o usufrutuário/arrendador, e direto o arrendatário.

Sobrevindo a morte do usufrutuário (que é causa de extinção desse direito real), a posse, enquanto não devolvida ou reivindicada pelo proprietário, transmite-se aos sucessores daquele, mas com o caráter de injusta, dada a sua precariedade, excepcionando a regra do art. 1.206 do CC. Com isso, o possuidor não perde tal condição em decorrência da mácula que eventualmente recaia sobre sua posse.

Contudo, tal vício objetivo da posse repercute apenas na esfera jurídica da vítima do ato agressivo da posse e do agressor, em razão da sua relatividade, o que significa dizer que a justiça ou injustiça da posse não possui alcance erga omnes, revelando-se sempre justa em relação a terceiros.

O espólio, por se tratar de universalidade de direito, constitui-se pelo complexo de relações jurídicas titularizadas pelo autor da herança, nos moldes do art. 91 do CC, aí se incluindo, na espécie, a relação originária do arrendamento rural.

Portanto, a morte da arrendadora/usufrutuária (causa de extinção do usufruto, nos termos do art. 1.410, I, do CC) durante a vigência do contrato de arrendamento rural, sem a respectiva restituição ou reivindicação possessória pelo proprietário, tornando precária e injusta a posse exercida pelos sucessores daquela, não constitui óbice ao exercício dos direitos provenientes do contrato de arrendamento rural, no interregno da efetiva posse, pelo espólio da usufrutuária perante o terceiro arrendatário, porquanto diversas e autônomas as relações jurídicas de direito material de usufruto e de arrendamento.



quarta-feira, 23 de junho de 2021

É objetiva a Responsabilidade Civil do Estado em relação a profissional da imprensa ferido por agentes policiais durante cobertura jornalística, em manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes. Cabe a excludente da responsabilidade da culpa exclusiva da vítima, nas hipóteses em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas, em que haja grave risco à sua integridade física

 Responsabilidade objetiva do Estado e profissional da imprensa ferido durante manifestação tumultuosa - RE 1209429/SP (Tema 1.055 RG

Tese fixada:

É objetiva a Responsabilidade Civil do Estado em relação a profissional da imprensa ferido por agentes policiais durante cobertura jornalística, em manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes. Cabe a excludente da responsabilidade da culpa exclusiva da vítima, nas hipóteses em que o profissional de imprensa descumprir ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas, em que haja grave risco à sua integridade física.

 

Resumo:

O Estado responde de forma objetiva pelos danos causados a profissional de imprensa ferido, por policiais, durante cobertura jornalística de manifestação pública em que ocorra tumulto ou conflito, desde que o jornalista não haja descumprido ostensiva e clara advertência quanto ao acesso a áreas definidas como de grave risco à sua integridade física, caso em que poderá ser aplicada a excludente da responsabilidade por culpa exclusiva da vítima.

O art. 37, § 6º, da Constituição Federal (CF) (1) prevê a responsabilidade civil objetiva do Estado quando presentes e configurados a ocorrência do dano, o nexo causal entre o evento danoso e a ação ou omissão do agente público, a oficialidade da conduta lesiva e a inexistência de causa excludente da responsabilidade civil (força maior, caso fortuito ou comprovada culpa exclusiva da vítima). Não é adequado, no entanto, atribuir a profissional da imprensa culpa exclusiva pelo dano sofrido, por conduta de agente público, somente por permanecer realizando cobertura jornalística no local da manifestação popular no momento em que ocorre um tumulto, sob pena de ofensa ao livre exercício da liberdade de imprensa.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 1.055 da repercussão geral, deu provimento a recurso extraordinário. Vencido o ministro Nunes Marques. Em seguida, por maioria, o Tribunal fixou a tese de repercussão geral. Vencidos, no ponto, os ministros Marco Aurélio (relator), Edson Fachin e Luiz Fux (Presidente).

(1) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

RE 1209429/SP, relator Min. Marco Aurélio, redator do acórdão Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 10.6.2021





terça-feira, 22 de junho de 2021

Não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira, em caso de inadimplemento, debitar na conta corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura, ainda que contestadas as despesas lançadas

 

Processo

REsp 1.626.997-RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Cartão de crédito. Inadimplemento. Pagamento do valor mínimo da fatura. Débito direto na conta corrente do titular. Possibilidade.

Destaque

Não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira, em caso de inadimplemento, debitar na conta corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura, ainda que contestadas as despesas lançadas.

Informações do Inteiro Teor

Inicialmente, a teor do quanto previsto no contrato de emissão e utilização do cartão de crédito, em caso de não pagamento da fatura na data de seu vencimento ou cancelamento do cartão por inadimplemento, o titular autorizaria o emissor a debitar em sua conta corrente o valor mínimo correspondente aos gastos por ele efetuados, caso haja saldo para tanto.

Essa operação de débito direto do valor mínimo da fatura consiste em uma ferramenta apenas utilizada quando o cliente não realiza, esponte própria, o pagamento do montante devido no prazo contratual assinalado, sequer do valor mínimo expressamente acordado para manter o fluxo do contrato de cartão de crédito.

A prática do pagamento mínimo como opção do titular do cartão fora reconhecida como válida pelo Banco Central do Brasil, desde a edição da Resolução n. 3.919/2010.

Hodiernamente, não existe mais o pagamento mínimo obrigatório de determinado percentual do valor da fatura, mas, cada instituição financeira pode estabelecer com os consumidores o montante de adimplemento mínimo mensal, em função do risco da operação, do perfil do cliente ou do tipo de produto.

Certamente, o pagamento mínimo previsto na modalidade contratual de cartão de crédito constitui uma mera liberalidade da operadora, que insere tal condição na contratualidade de maneira a conquistar e fidelizar o usuário, a fim de fortalecer o sistema de crédito na modalidade cartão.

A hipótese de débito do valor mínimo constitui uma das condições para que se conceda crédito aos titulares do cartão, possibilitando a estes últimos, o abatimento parcial do quanto devido e não adimplido. Trata-se, portanto, de uma espécie de garantia à continuidade do ajuste estabelecido entre as partes.

Com a facilidade do débito mínimo, condições vantajosas são experimentadas por ambas as partes da relação jurídica: a financeira mantém a continuidade e o fluxo do sistema e do serviço de cartão de crédito e garante o pagamento de parcela dos valores inadimplidos na data, sem a necessidade da realização de procedimentos executivos forçados; já o titular de cartão de crédito inadimplente mantém o saldo disponível do crédito do cartão para realizar outras despesas e realiza o pagamento parcial do débito com a amortização do quanto devido sem que ocorra o bloqueio da operação, deixando de se submeter às regras e encargos atinentes ao procedimento de execução forçada.

Inegavelmente, não há no ordenamento jurídico obrigação legal para a concessão de crédito sem garantia, nem mesmo vedação a tal prática, motivo esse que impede rotular como abusivo o débito de parcela mínima do total de gastos efetuados pelos titulares dos cartões de crédito.

Portanto, não se reputa abusiva a cláusula inserta em contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira a debitar na conta corrente do respectivo titular o pagamento do valor mínimo da fatura em caso de inadimplemento, porquanto tal ajuste não ofende o princípio da autonomia da vontade, que norteia a liberdade de contratar, tampouco possui o condão de violar o equilíbrio contratual ou a boa-fé, haja vista que tal proceder constitui mero expediente para facilitar a satisfação do crédito com a manutenção da contratualidade havida entre as partes.

Do mesmo modo, em todas as hipóteses nas quais o titular do cartão contestar a fatura, se não realizado o pagamento no prazo, tendo sido expressamente contratado e devidamente informado ao consumidor a ocorrência do débito do valor mínimo diretamente na conta corrente, não há falar em abusividade.



segunda-feira, 21 de junho de 2021

Compete ao juiz togado julgar a ação de despejo apesar da cláusula compromissória no contrato de locação

 

Processo

REsp 1.481.644-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema

Contrato de locação. Cláusula compromissória. Ação de despejo por falta de pagamento. Imissão na posse pelo abandono do imóvel. Submissão da questão ao juízo arbitral. Impossibilidade. Natureza executória da pretensãoPoder coercitivo direto. Matéria atinente ao juízo togado.

Destaque

Compete ao juiz togado julgar a ação de despejo apesar da cláusula compromissória no contrato de locação.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia está em definir qual o juízo competente - o estatal ou o arbitral - para julgar a pretensão de despejo por falta de pagamento, com posterior abandono do imóvel, diante da existência de cláusula compromissória.

A cláusula arbitral, uma vez contratada pelas partes, goza de força vinculante e caráter obrigatório, definindo ao juízo arbitral eleito a competência para dirimir os litígios relativos aos direitos patrimoniais acerca dos quais os litigantes possam dispor, derrogando-se a jurisdição estatal.

No entanto, apesar da referida convenção arbitral excluir a apreciação do juízo estatal, tal restrição não se aplica aos processos de execução forçada, haja vista que os árbitros não são investidos do poder de império estatal à prática de atos executivos, não sendo detentores de poder coercitivo direto.

Especificamente em relação ao contrato de locação e sua execução, a Quarta Turma do STJ já decidiu que, no âmbito do processo executivo, a convenção arbitral não exclui a apreciação do magistrado togado, já que os árbitros, como dito, não são investidos do poder de império estatal à prática de atos executivos, não tendo poder coercitivo direto (REsp 1465535/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21/06/2016, DJe 22/08/2016).

Por conseguinte, na execução lastreada em contrato com cláusula arbitral, haverá limitação material do seu objeto de apreciação pelo magistrado: o Juízo estatal não deterá competência para resolver as controvérsias que digam respeito ao mérito dos embargos, às questões atinentes ao título ou às obrigações ali consignadas (existência, constituição ou extinção do crédito) e às matérias que foram eleitas para serem solucionadas pela instância arbitral (kompetenz e kompetenz), que deverão ser dirimidas pela via arbitral.

Na hipótese, não se trata propriamente de execução de contrato de locação, mas de despejo por falta de pagamento e imissão de posse em razão do abandono do imóvel.

Assim, diante da sua peculiaridade procedimental e sua natureza executiva ínsita, com provimento em que se defere a restituição do imóvel, o desalojamento do ocupante e a imissão da posse do locador, não parece adequada a jurisdição arbitral para decidir a ação de despejo.




sábado, 19 de junho de 2021

O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia

 QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.911.030-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Pensão alimentícia. Filhos menores. Direito-dever de fiscalização. Ação de prestação de contas. Possibilidade.

Destaque

O genitor pode propor ação de prestação de contas em face do outro genitor relativamente aos valores decorrentes de pensão alimentícia.

Informações do Inteiro Teor

Com o inequívoco objetivo de proteção aos filhos menores, o legislador civil preconiza que, cessando a coabitação dos genitores pela dissolução da sociedade conjugal, o dever de sustento oriundo do poder familiar resolve-se com a prestação de alimentos por aquele que não ficar na companhia dos filhos (art. 1.703 do CC/2002), cabendo-lhe, por outro lado, o direito-dever de fiscalizar a manutenção e a educação de sua prole (Art. 1.589 do CC/2202).

O poder-dever fiscalizatório do genitor que não detém a guarda com exclusividade visa, de forma imediata, à obstrução de abusos e desvios de finalidade quanto à administração da pensão alimentícia, sobretudo mediante verificação das despesas e gastos realizados para manutenção e educação da prole, tendo em vista que, se as importâncias devidas a título de alimentos tiverem sido fixadas em prol somente dos filhos, estes são seus únicos beneficiários.

Nesse contexto, a ação de exigir contas propicia que os valores alimentares sejam melhor conduzidos, bem como previne intenções maliciosas de desvio dessas importâncias para finalidades totalmente alheias àquelas da pessoa à qual deve ser destinada, encartando também um caráter de educação do administrador para conduzir corretamente os negócios dos filhos menores, não se deixando o monopólio do poder de gerência desses valores nas mãos do ascendente guardião.

O objetivo precípuo da prestação de contas é o exercício do direito-dever de fiscalização com vistas a - havendo sinais do mau uso dos recursos pagos a título de alimentos ao filho menor - apurar a sua efetiva ocorrência, o que, se demonstrado, pode dar azo a um futuro processo para suspensão ou extinção do poder familiar do ascendente guardião (art. 1.637 combinado com o art. 1.638 do CC/2002).

Por fim, a Lei n. 13.058/2014, que incluiu o § 5º ao art. 1.583 do CC/2002, positivou a viabilidade da propositura da ação de prestação de contas pelo alimentante com o intuito de supervisionar a aplicação dos valores da pensão alimentícia em prol das necessidades dos filhos.



sexta-feira, 18 de junho de 2021

É válido o contrato de franquia, ainda que não assinado pela franqueada, quando o comportamento das partes demonstra a aceitação tácita

 

Processo

REsp 1.881.149-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL

Tema

Franquia. Contrato não assinado pela franqueada. Nulidade por vício formal. Inocorrência. Manifestação de vontade tácita. Comportamento concludente. Boa-fé objetiva. Vedação ao comportamento contraditório.

Destaque

É válido o contrato de franquia, ainda que não assinado pela franqueada, quando o comportamento das partes demonstra a aceitação tácita.

Informações do Inteiro Teor

A franquia qualifica-se como um contrato típico, consensual, bilateral, oneroso, comutativo, de execução continuada e solene ou formal. Conforme entendimento consolidado desta Corte Superior, como regra geral, os contratos de franquia têm natureza de contato de adesão. Nada obstante tal característica, a franquia não consubstancia relação de consumo. Cuida-se, em verdade, de relação de fomento econômico, porquanto visa ao estímulo da atividade empresarial pelo franqueado.

A forma do negócio jurídico é o modo pelo qual a vontade é exteriorizada. No ordenamento jurídico pátrio, vigora o princípio da liberdade de forma (art. 107 do CC/2002). Isto é, salvo quando a lei requerer expressamente forma especial, a declaração de vontade pode operar de forma expressa, tácita ou mesmo pelo silêncio (art. 111 do CC/2002).

A manifestação de vontade tácita configura-se pela presença do denominado comportamento concludente. Ou seja, quando as circunstâncias evidenciam a intenção da parte de anuir com o negócio. A análise da sua existência dá-se por meio da aplicação da boa-fé objetiva na vertente hermenêutica.

No caso, a execução do contrato por tempo considerável configura verdadeiro comportamento concludente, por exprimir sua aceitação com as condições previamente acordadas.

A exigência legal de forma especial é questão atinente ao plano da validade do negócio (art. 166, IV, do CC/2002). Todavia, a alegação de nulidade pode se revelar abusiva por contrariar a boa-fé objetiva na sua função limitadora do exercício de direito subjetivo ou mesmo mitigadora do rigor legis. A proibição à contraditoriedade desleal no exercício de direitos manifesta-se nas figuras da vedação ao comportamento contraditório (nemo potest venire contra factum proprium) e de que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). A conservação do negócio jurídico, nessa hipótese, significa dar primazia à confiança provocada na outra parte da relação contratual.

No particular, a franqueadora enviou à franqueada o instrumento contratual de franquia. Esta, embora não tenha assinado e restituído o documento àquela, colocou em prática os termos contratados, tendo recebido treinamento, utilizado a sua marca e instalado as franquias. Inclusive, pagou à franqueadora as contraprestações estabelecidas no contrato. Assim, a alegação de nulidade por vício formal configura-se comportamento contraditório com a conduta praticada anteriormente. Por essa razão, a boa-fé tem força para impedir a invocação de nulidade do contrato de franquia por inobservância da forma que era prevista no art. 6º da revogada Lei n. 8.955/1994.



quinta-feira, 17 de junho de 2021

Irmãos unilaterais possuem legitimidade ativa e interesse processual para propor ação declaratória de reconhecimento de parentesco natural com irmã pré-morta, ainda que a relação paterno-filial com o pai comum, também pré-morto, não tenha sido reconhecida em vida

 

Processo

REsp 1.892.941-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL

Tema

Ação declaratória de existência de relação de parentesco entre irmãos. Legitimidade ativa. Existência. Irmãos unilaterais. Parentesco natural com irmã pré-morta. Direito personalíssimo. Exercício de direito sucessório. Interesse processual. Existência. Ação declaratória adequada. Inviabilidade de exame da questão no bojo do próprio inventário. Impossibilidade jurídica do pedido como condição da ação no CPC/1973. Questão de mérito no CPC/2015. Inaplicabilidade da regra do art. 1.614 do CC/2002.

Destaque

Irmãos unilaterais possuem legitimidade ativa e interesse processual para propor ação declaratória de reconhecimento de parentesco natural com irmã pré-morta, ainda que a relação paterno-filial com o pai comum, também pré-morto, não tenha sido reconhecida em vida.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia a saber se é admissível, sob a ótica da legitimidade ativa, do interesse processual e da possibilidade jurídica do pedido, a petição inicial de ação declaratória de reconhecimento do vínculo biológico de irmandade, em que os irmãos unilaterais pretendem o reconhecimento de vínculo biológico com a irmã pré-morta cuja relação paterno-filial com o pai comum, também pré-morto, não foi pleiteada ou reconhecida em vida.

Os irmãos unilaterais possuem legitimidade ativa para propor ação declaratória de reconhecimento de parentesco natural com irmã pré-morta, ainda que a relação paterno-filial com o pai comum, também pré-morto, não tenha sido reconhecida em vida, pois a ação veicula alegado direito próprio, autônomo e personalíssimo em ver reconhecida a existência da relação jurídica familiar e, eventualmente, concorrer na sucessão da irmã falecida.

O fato de o hipotético acolhimento da pretensão deduzida revelar a existência de outros vínculos biológicos não desvendados em vida por outros familiares não pode obstar o exercício de direito próprio e autônomo dos irmãos, que apenas seriam partes ilegítimas se pretendessem o reconhecimento, em caráter principal, do suposto vínculo biológico entre a falecida irmã e o pai comum.

Quanto ao interesse processual, percebe-se que a pretensão de natureza declaratória deduzida pelos recorrentes se bastaria em si mesma, na forma do art. 19, I, do CPC/2015, independentemente de quaisquer outras postulações ou finalidades que com ela se quisesse atingir, pois possuem o direito autônomo de investigar os seus próprios vínculos familiares, a sua origem genética e a sua própria história.

Daí se conclui que os recorrentes necessitam da prestação jurisdicional para ver reconhecida a existência da relação jurídica de parentesco, valendo-se da via adequada - a ação declaratória - para tal finalidade.

Para além disso, sublinhe-se que a necessidade do reconhecimento da existência da relação jurídica de irmandade também decorre de propósito específico, a saber, concorrer, se porventura acolhido o pedido, na sucessão da suposta irmã falecida.

Trata-se de questão que deve mesmo ser examinada e definida em ação autônoma, de índole declaratória e prévia ao efetivo ingresso no inventário em virtude das restrições cognitivas lá existentes, na medida em que o reconhecimento do vínculo biológico de parentesco exige atividade probatória distinta da documental, por isso mesmo incompatível com o rito especial do inventário (art. 612 do CPC/2015), razão pela qual não há dúvida acerca da adequação da via eleita.

A impossibilidade jurídica do pedido, que era considerada condição da ação no CPC/1973, passou a ser considerada uma questão de mérito a partir da entrada em vigor do CPC/2015, como se depreende da exposição de motivos do novo Código, da doutrina majoritária e da jurisprudência desta Corte.

Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, vedação expressa ou implícita à pretensão de direito autônomo à declaração de existência de relação de parentesco natural entre pessoas supostamente pertencentes à mesma família, calcada nos direitos personalíssimos de investigar a origem genética e biológica e a ancestralidade (corolários da dignidade da pessoa humana) e do qual pode eventualmente decorrer direito de natureza sucessória, não se aplicando à hipótese a regra do art. 1.614 do CC/2002.