quarta-feira, 31 de maio de 2023

"É nulo o contrato de prestação de serviços que caracterizam atividades privativas de advocacia, celebrado por sociedade empresária, ainda que um dos sócios dessa sociedade seja advogado."

 


TERCEIRA TURMA
Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023, DJe 27/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Contrato de prestação de serviços. Patrocínio de interesses jurídicos e postulação de medidas judiciais e administrativas. Atos privativos de advocacia. Contrato celebrado por sociedade empresária. Nulidade. Sociedade não registrada na OAB. Sócio inscrito na OAB. Impossibilidade de prestar serviços advocatícios em sociedades que não podem ser registradas.

DESTAQUE

É nulo o contrato de prestação de serviços que caracterizam atividades privativas de advocacia, celebrado por sociedade empresária, ainda que um dos sócios dessa sociedade seja advogado.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 1º, I e II, da Lei n. 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) prevê que são atividades privativas de advocacia a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; e as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.

Os atos privativos de advocacia somente podem ser praticados, sob pena de nulidade absoluta, por advogados inscritos na OAB, os quais, podem se reunir em sociedade simples, mas apenas com o devido registro no respectivo Conselho Seccional e, mesmo assim, os referidos atos privativos não podem ser praticados pela sociedade, mas apenas por seus sócios, de forma individual. Inteligência dos arts. 1º, 4º, 15, § 1º, e 16 da Lei n. 8.906/1994.

É vedado ao advogado prestar serviços de assessoria e consultoria jurídicas para terceiros, em sociedades que não possam ser registradas na OAB. Inteligência do art. 16 da Lei n. 8.906/1994 c/c o art. 4º, parágrafo único, do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.

Assim, se uma sociedade empresária não registrada na OAB celebra contrato de prestação de serviços que caracterizam atividades privativas de advocacia, esse negócio jurídico é nulo, ainda que um dos sócios dessa sociedade seja advogado.

Em síntese, atos privativos de advocacia somente podem ser praticados, sob pena de nulidade absoluta, por advogados inscritos na OAB, os quais, podem se reunir em sociedade simples, mas apenas com o devido registro no respectivo Conselho Seccional e, mesmo assim, os referidos atos privativos não podem ser praticados pela sociedade, mas apenas por seus sócios, de forma individual.

terça-feira, 30 de maio de 2023

Indicação de evento: "Diálogos Franco-Brasileiros: Recentes evoluções no direito contratual e societário francês", realizado pela Faculdade de Direito da USP e pela Association Henri Capitant

 




"Diálogos Franco-Brasileiros: Recentes evoluções no direito contratual e societário Francês", realizado pela Faculdade de Direito da USP e pela Association Henri Capitant, que ocorrerá no dia 31/05, a partir das 8h30, no salão nobre da Faculdade de Direito da USP.

O simpósio terá três painéis e contará com a participação dos Professores Cyril Grimaldi, Didier Poracchia, Fábio Rocha Pinto e Silva, François-Xavier Lucas, Luis Felipe Spinelli, Marcelo Vieira von Adamek, Manoel de Queiroz Pereira Calças, Marco Fábio Morsello e Pablo Renteria.

O evento é gratuito e não há necessidade de inscrição prévia.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

"É válido o testamento público que, a despeito da existência de vício formal, reflete a real vontade emanada livre e conscientemente do testador, aferível diante das circunstâncias do caso concreto, e a mácula decorre de conduta atribuível exclusivamente ao notário responsável pela prática do ato"

 


SEGUNDA SEÇÃO
Processo

AR 6.052-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 8/2/2023, DJe 14/2/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Sucessão testamentária. Testamento público. Formalidades legais. Não observância. Quebra do princípio da unicidade do ato testamentário. Superação. Vontade real da testadora. Aferição no caso concreto. Princípio da vontade soberana do testador. Preponderância. Descumprimento das formalidades legais por ato exclusivo do tabelião. Teoria da aparência. Aplicação. Ausência de violação manifesta à norma jurídica.

DESTAQUE

É válido o testamento público que, a despeito da existência de vício formal, reflete a real vontade emanada livre e conscientemente do testador, aferível diante das circunstâncias do caso concreto, e a mácula decorre de conduta atribuível exclusivamente ao notário responsável pela prática do ato.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 1.632 do CC/1916 dispõe que o ato principal do testamento é a manifestação da vontade do testador de dispor de seus bens para depois de sua morte. Já o tabelião atua como instrumento à consecução daquele ato volitivo emanado do testador, limitando-se a redigir o que se lhe dita, sem integrar o negócio jurídico, e conferindo-se ao ato a forma legalmente prevista, a denotar a sua validade.

Tanto é assim (o caráter instrumental do tabelião na celebração do testamento público) que o testador poderia optar pela realização de um testamento particular para alcançar o mesmo fim, sem se olvidar da maior segurança que contém no ato realizado pelo notário, no legítimo exercício de atividade delegada do Poder Público.

Por sua vez, a análise da regularidade da disposição de última vontade (testamento público) deve considerar o princípio da máxima preservação da vontade do testador (CC/1916, art. 1.666; CC/2002, art. 1.899). A mitigação do rigor formal na jurisprudência desta Corte Superior iniciou-se com o julgamento do REsp n. 302.767/PR, pela Quarta Turma, propugnando a atenuação das formalidades do testamento para fazer valer a vontade do testador, manifestada livre e conscientemente, máxime diante da incompatibilidade fática de oportunizar ao estipulante a renovação ou o saneamento do ato - que só produz efeitos a partir da sua morte -, suprindo as irregularidades formais existentes.

No caso, apesar da assinatura do testamento público pela testadora, pelo notário e pelas cinco testemunhas exigidas pela lei vigente à data do ato (CC/1916), houve a quebra desse preceito. O documento fora assinado em momentos diversos pelas partes que deveriam estar presentes conjuntamente ao ato, além de ser incerta a leitura do testamento. Logo, a mácula incidente sobre o testamento decorreu de ato exclusivo do notário, mas não se admite que a quebra dessa confiança implique o aumento excessivo de ônus ou perdas a terceiros, ante a aparente lisura dos seu atos de ofício - principalmente em se tratando de testamento, no qual a eficácia se opera com o falecimento do testador. Sendo, assim, insuscetível de repetição ou de saneamento.

Embora não se ignore a existência de vícios formais, reconhece-se a validade dos testamentos, em virtude da prevalência do ato de manifestação de última vontade do testador, sobretudo quando não comprovada a sua incapacidade nem a existência de vício na sua manifestação de vontade.

Portanto, é válido o testamento público que, a despeito da existência de vício formal, reflete a real vontade emanada livre e conscientemente do testador, aferível diante das circunstâncias do caso concreto, e a mácula decorre de conduta atribuível exclusivamente ao notário responsável pela prática do ato, como na hipótese, aplicando-se, assim, a teoria da aparência, de sorte a preponderar o princípio da vontade soberana do testador em detrimento da quebra do princípio da unicidade do ato testamentário por inobservância ao regramento disposto no art. 1.632 do CC/1916.

domingo, 28 de maio de 2023

Indicação de livro: "Debates contemporâneos em direito médico e da saúde" (2ª edição), coordenada por Miguel Kfouri Neto e Rafaella Nogaroli (editora RT)

 


"Esta obra coletiva é resultado do trabalho científico desenvolvido pelo Grupo de Pesquisas “Direito da Saúde e Empresas Médicas”, coordenado por Miguel Kfouri Neto e Rafaella Nogaroli, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Os qualificados estudos aqui apresentados têm a coautoria de renomados doutrinadores, conferindo ainda maior relevância à produção científica ora apresentada à comunidade jurídica e aos profissionais da Saúde.


A nova nova edição divide-se em cinco partes
• PARTE I - Seis capítulos que abordam os impactos ético-jurídicos das novas tecnologias na área da saúde (cirurgia robótica, inteligência artificial, engenharia genética, reprodução humana assistida, tratamento de dados de saúde e telemedicina).
• PARTE II - Sete capítulos são destinados ao estudo de questões probatórias, quantificação de danos e culpa médica em especialidades, tais como a psiquiatria e a medicina de emergência. Ademais, são trazidas importantes reflexões sobre o testamento vital e a responsabilidade civil do médico residente.
• PARTE III - Seis capítulos, com debates sobre temas éticos e processuais na prática médica, judicialização da saúde e um novo pensar sobre a resolução de litígios pertinentes.
• PARTE IV – Quatro capítulos dedicados à análise do direito médico e da saúde em tempos de pandemia da Covid-19, com abordagens de natureza bioética, relacionadas aos planos de saúde, diretivas antecipadas e responsabilidade civil.

Destaques da nova edição:

Para a 2ª edição, foram convidados quatorze estudiosos: advogados, juízes, desembargadores e assessores jurídicos – que atuaram em demandas relacionadas ao direito médico e da saúde, para escreverem dez capítulos que compõem a PARTE V - Direito Médico e da Saúde na prática. São debatidos diversos assuntos: adequação do tratamento médico à convicção religiosa do paciente; limites dos planos privados de assistência à saúde; a responsabilidade de clínica psiquiátrica em hipótese de suicídio; relações consumeristas e os planos de saúde; dever de informação no fornecimento de medicamentos; negativas de cobertura por operadora de saúde e o dano moral decorrente; responsabilidade civil em infecção hospitalar; devido processo legal e o processo ético-profissional; método bifásico como critério de quantificação dos danos morais e estéticos decorrentes da atividade médica; finalmente, autodeterminação e consentimento do paciente nos cuidados de saúde."

https://www.livrariart.com.br/debates-contemporaneo-sem-direito-medico-e-da-saude-2-edicao/p?idsku=21073&gclid=EAIaIQobChMI6Jn56daV_wIVZqdMCh1ogAe4EAQYASABEgI-t_D_BwE

sábado, 27 de maio de 2023

"A existência de cláusula/contrato de seguro relacionado à cédula de crédito rural não retira os atributos de exequibilidade próprios do título"

 


Processo

AgInt no AREsp 2.144.537-GO, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 17/4/2023, DJe 20/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO COMERCIAL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL, DIREITO AGRÁRIO


Tema

Cédula de crédito rural. Título líquido, certo e exigível. Existência de seguro agrícola. Beneficiário. Prévio acionamento do seguro. Desnecessidade. Inexistência de obrigação.

DESTAQUE

A existência de cláusula/contrato de seguro relacionado à cédula de crédito rural não retira os atributos de exequibilidade próprios do título.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Discute-se a respeito da inexigibilidade de cédula de crédito rural, tendo em vista a necessidade de sua liquidação, uma vez que pelo menos parte do seu valor seria coberto por seguro agrícola contratado pelo devedor, estando a pretensão "condicionada à liquidação do sinistro junto à seguradora, mediante a apuração da ocorrência ou não do evento coberto pelas cláusulas contratuais, quando então poderá exigir, total ou parcialmente o seu crédito".

O entendimento pacífico desta Corte Superior é na linha de ser a cédula de crédito rural título líquido, certo e exigível por força do art. 10 do Decreto-lei n. 167/67. O fato de existir contrato de seguro atrelado ao título não interfere na sua exequibilidade, e decisão contrária a este entendimento pode incorrer em error in judicando.

No caso, o credor foi apenas o estipulante do referido ajuste, sendo-lhe conferida a faculdade - não obrigação - de empreender todos os atos relacionados à liquidação do sinistro, caso assim lhe aprouvesse, mas não uma imposição sem a qual a cédula rural perderia suas características de liquidez, certeza e exigibilidade.

A existência do seguro autoriza, por parte do beneficiário, a realização da denunciação da lide (art. 125, II, do Código de Processo Civil), providência que poderia ter sido realizada pelo recorrido, porém não existe a necessidade de prévio acionamento do seguro para posterior liquidação da cédula rural.

sexta-feira, 26 de maio de 2023

"A via processual adequada para a retomada, pelo proprietário, da posse direta de imóvel locado é a ação de despejo, na forma do art. 5º da Lei n. 8.245/1991, não servindo para esse propósito o ajuizamento de ação possessória"

 


Processo

REsp 1.812.987-RJ, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 27/4/2023, DJe 4/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL


Tema

Imóvel alugado. Retomada do bem. Ação de despejo. Prévia relação contratual. Reintegração de posse. Descabimento.

DESTAQUE

A via processual adequada para a retomada, pelo proprietário, da posse direta de imóvel locado é a ação de despejo, na forma do art. 5º da Lei n. 8.245/1991, não servindo para esse propósito o ajuizamento de ação possessória.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia cinge-se à possibilidade de conhecimento de ação possessória de reintegração de posse ajuizada para reaver o imóvel alugado, ao invés da ação de despejo, que, por força de expressa disposição na Lei n. 8.245/1991, é a via judicial adequada para a retomada do bem locado: Art. 5º Seja qual for o fundamento do término da locação, a ação do locador para reaver o imóvel é a de despejo.

O art. 554 do CPC/2015 prevê a fungibilidade entre as ações possessórias - reintegração de posse (que decorre de esbulho), manutenção de posse (decorrente de turbação) e interdito proibitório (em razão de ameaça à posse de alguém) -, isso porque todas as três têm como aspecto relevante unicamente a posse, enquanto fato, sem referência a prévio direito obrigacional ou contratual.

Por outro lado, na ação de despejo há uma relação contratual locatícia subjacente, de onde derivam diversos direitos e deveres do locador e do locatário, podendo daí resultar em uma situação de posse indevida.

Embora o pedido da reintegração de posse e da ação de despejo seja a posse legítima do bem imóvel, trata-se de pretensões judiciais com natureza e fundamento jurídico distintos pois, enquanto a primeira baseia-se na situação fática possessória da coisa, a segunda se fundamenta em prévia relação contratual locatícia, regida por norma especial, o que consequentemente impossibilita sua fungibilidade.

Ao se permitir o ajuizamento de ação possessória em substituição da ação de despejo, nega-se vigência ao conjunto de regras especiais da Lei de Locação, tais como prazos, penalidades e garantias processuais.

A jurisprudência dessa Corte Superior firmou-se no sentido de que, havendo comprovada relação locatícia, a pretensão de retomada do bem imóvel deve ocorrer por rito próprio, pelo ajuizamento da ação de despejo.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

"O direito de tapagem disposto do art. 1.297 do Código Civil prevê o direito ao compartilhamento de gastos decorrentes da construção de muro comum aos proprietários lindeiros"

 


QUARTA TURMA
Processo

REsp 2.035.008-SP, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 2/5/2023, DJe 5/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Direito de tapagem. Muro divisório. Despesas de construção. Acordo prévio. Desnecessidade. Condomínio necessário.

DESTAQUE

O direito de tapagem disposto do art. 1.297 do Código Civil prevê o direito ao compartilhamento de gastos decorrentes da construção de muro comum aos proprietários lindeiros.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a determinar se é necessário o prévio acordo de vontades para que o proprietário de imóvel confinante possa ser compelido a concorrer para as despesas de construção de tapumes divisórios.

Se o tapume é feito na divisa, a presunção legal é de que é comum e não particular (CC, art. 1.297, § 1º). O interesse do que fez o tapume nada tem que ver com a intenção do confrontante de adquirir-lhe ou não a meação. O seu interesse é o de receber a metade das despesas a que o seu confrontante está obrigado por expressa disposição de lei. Aceitar a tese de que, construindo o tapume sem prévio acordo ou sem sentença, a parte estaria renunciando ao direito ao ressarcimento que a lei lhe assegura, equivale a presumir uma doação de seu direito, ao vizinho. Mas doação é negócio solene, que não se pode presumir, por isso mesmo.

É claro que, tomando a iniciativa unilateral de erguer o muro ou a cerca, correrá a parte o risco de ver sua obra impugnada pelo vizinho, quanto a custo e natureza, na contestação do feito, ao ensejo em que postular a indenização pela metade dos gastos. Mas, se a prova acabar por demonstrar que o tapume foi normalmente feito segundo as posturas municipais ou os costumes do lugar, e por custo razoável, só mesmo por um capricho ou um formalismo injustificável será possível negar ao autor o reembolso da metade das despesas feitas. De acordo com a doutrina, é o condomínio forçado estabelecido sobre as obras de confins de prédios contíguos, o que justifica a obrigação dos proprietários em contribuir com as despesas do tapume comum.

Adotar-se o entendimento diverso significaria tornar letra morta o dispositivo citado. O dever jurídico só existiria caso houvesse o acordo e, existente este, seria o bastante, supérflua a norma legal. O anterior concerto servirá para que se tenha como indiscutível que as obras são necessárias e para fazer incontroverso o respectivo valor. Se o confinante, entretanto, se opõe à realização de trabalhos de conservação, efetivamente reclamados, não será só por isso que ficará livre de concorrer para as despesas. Não se terá, porém, como indispensável, deixando ao alvedrio da parte concorrer ou não para a construção e conservação das cercas.

quarta-feira, 24 de maio de 2023

"É possível o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade de exploração de potencial hidroenergético causadora de impacto ambiental, em virtude da caracterização do acidente de consumo"

 


SEGUNDA SEÇÃO
Processo

REsp 2.018.386-BA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 10/5/2023, DJe 12/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

  
Tema

Dano ambiental. Exploração de complexo hidroelétrico. Danos individuais. Impacto da atividade pesqueira e de mariscagem. Consumidor por equiparação (bystander). Caracterização. Relação de consumo. Competência do juízo da Vara especializada.

DESTAQUE

É possível o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade de exploração de potencial hidroenergético causadora de impacto ambiental, em virtude da caracterização do acidente de consumo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir o juízo competente para processar e julgar ação de indenização por danos materiais e morais em virtude da ocorrência de supostos danos decorrentes de atividade de exploração de complexo hidroelétrico, o que demanda que se verifique se as vítimas de supostos danos podem ser consideradas consumidores por equiparação (bystander).

Na hipótese, sustenta-se que a atividade desenvolvida pelas sociedades empresárias de produção de energia elétrica, apresenta defeito que ultrapassa os limites do ato de exploração de potencial hidroelétrico a ponto de causar danos materiais e morais em razão do impacto causado no desenvolvimento da atividade pesqueira e de mariscagem.

O conceito de consumidor está previsto no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que o define como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

A legislação consumerista, ao tratar da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço, ampliou o conceito para abranger todas as vítimas do evento danoso. Trata-se da figura do consumidor por equiparação (bystander), prevista no art. 17 do CDC.

A equiparação, no entanto, aplica-se apenas nas hipóteses de fato do produto ou serviço, nas quais, segundo a doutrina, "a utilização do produto ou serviço é capaz de gerar riscos à segurança do consumidor ou de terceiros, podendo ocasionar um evento danoso, denominado de 'acidente de consumo'".

Como já entendeu esta Corte, "o defeito (arts. 12 a 17 do CDC) está vinculado a um acidente de consumo, um defeito exterior que ultrapassa o objeto e provoca lesões, gerando risco à segurança física e psíquica do consumidor. O vício (arts. 18 a 25 do CDC), por sua vez, causa prejuízo exclusivamente patrimonial e é intrínseco ao produto ou serviço, tornando-o impróprio para o fim que se destina ou diminuindo-lhe as funções, mas sem colocar em risco a saúde ou segurança do consumidor" (AgRg no REsp 1.000.329/SC, Quarta Turma, julgado em 10/8/2010, DJe 19/8/2010).

No âmbito jurisprudencial, esta Corte Superior admite, nos termos do art. 17 do CDC, a existência da figura do consumidor por equiparação nas hipóteses de danos ambientais.

Desse modo, na hipótese de danos individuais decorrentes do exercício de atividade empresarial destinada à fabricação de produtos ou prestação de serviços, é possível, em virtude da caracterização do acidente de consumo, o reconhecimento da figura do consumidor por equiparação, o que atrai a incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor.

Observa-se, não obstante, que os danos alegados decorrem do processo de produção de energia elétrica como um todo, isto é, da própria atividade desenvolvida, o que, a teor dos arts. 12 e 14 do CDC, é suficiente para atrair a disciplina normativa da responsabilidade por fato do produto ou do serviço e a caracterização da figura do consumidor por equiparação.

Não se pode olvidar, nesse contexto, que a atividade empresarial desenvolvida, na espécie, destina-se à produção de um verdadeiro produto, pois, nos termos do inciso I do art. 83 do CC/2002, as energias que tenham valor econômico possuem natureza jurídica de bem móvel.

Além disso, pouco ou nada importa perquirir se a energia produzida é utilizada pelas próprias rés, se é distribuída ao cidadão como usuário final ou se é entregue a alguma entidade da Administração Pública para posterior distribuição. Isso porque, em qualquer das hipóteses, observa-se que as recorridas exploram o complexo hidroelétrico em prol da atividade empresarial por elas desenvolvida.

terça-feira, 23 de maio de 2023

"O termo inicial dos juros de mora, em ação de cobrança de valores pretéritos ao ajuizamento de anterior mandado de segurança que reconheceu o direito, é a data da notificação da autoridade coatora no mandado de segurança, quando o devedor é constituído em mora (arts. 405 do Código Civil e 240 do CPC)."



RECURSOS REPETITIVOS
Processo

REsp 1.925.235-SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 10/5/2023 (Tema 1133).

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL


Tema

Ação de cobrança de parcelas anteriores à impetração de mandado de segurança coletivo que reconheceu o direito. Termo inicial dos juros de mora. Notificação da autoridade coatora. Obrigação ilíquida. Mora ex persona. Arts. 405 do CC e 240 do CPC. Tema 1133.

DESTAQUE

O termo inicial dos juros de mora, em ação de cobrança de valores pretéritos ao ajuizamento de anterior mandado de segurança que reconheceu o direito, é a data da notificação da autoridade coatora no mandado de segurança, quando o devedor é constituído em mora (arts. 405 do Código Civil e 240 do CPC).

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir se o termo inicial dos juros de mora, em ação de cobrança de valores pretéritos ao ajuizamento de anterior mandado de segurança, deve ser contado a partir da citação, na ação de cobrança, ou da notificação da autoridade coatora, quando da impetração do mandado de segurança.

O pressuposto básico para configuração da mora é a viabilidade no cumprimento da obrigação: em que pese a impossibilidade transitória de satisfazê-la, a prestação ainda é possível e útil.

Na questão jurídica posta incide a mora solvendi, uma vez que é concernente ao não pagamento, pelo Estado de São Paulo, de Adicional de Local de Exercício - ALE, devido a policiais militares inativos, no caso, no período que antecedeu à impetração da ação mandamental coletiva, na qual foi reconhecido o direito. Tem-se, portanto, obrigação de natureza positiva e ilíquida, exigível por força de decisão judicial.

A impetração de mandado de segurança repercutirá na ação de cobrança sob os seguintes aspectos: I) interromperá o prazo prescricional para ajuizamento do feito; II) delimitará o pedido formulado, a partir do quinquênio que antecedeu à propositura do writ, e III) constituirá em mora o devedor.

A partir do regramento previsto para a constituição em mora do devedor, nas obrigações ilíquidas (art. 405 do Código Civil c/c art. 240 do CPC/2015), extrai-se que a notificação da autoridade coatora em mandado de segurança cientifica formalmente o Poder Público do não cumprimento da obrigação (mora ex persona). É, portanto, irrelevante, para fins de constituição em mora, a via processual eleita, pelo titular do direito, para pleitear a consecução da obrigação.

Desse modo, em se tratando de ação mandamental, cujos efeitos patrimoniais pretéritos deverão ser reclamados administrativamente, ou pela via judicial própria (Súmula 271/STF), a mora é formalizada pelo ato de notificação da autoridade coatora, sem prejuízo da posterior liquidação do quantum debeatur da prestação.

No ponto, cumpre esclarecer que a aludida limitação sumular apenas tem por escopo obstar o manejo do writ of mandamus como substitutivo da ação de cobrança (Súmula 269/STF), em nada interferindo na aplicação da regra de direito material referente à constituição em mora, a qual ocorre uma única vez, no âmbito da mesma relação obrigacional.

A citação válida da Fazenda Pública, entre outros efeitos, tem o condão de constituí-la em atraso no tocante ao direito que a parte autora entende titularizar (art. 405 do Código Civil de 2002), sendo desimportantes as eventuais limitações impostas pelo meio processual eleito para fazer valer, concretamente, o bem jurídico em discussão. Entender de modo contrário implicaria admitir que o instrumento processual manejado (no caso, ação de cobrança) é o parâmetro adequado para a fixação do termo inicial dos respectivos juros de mora, em detrimento do arcabouço normativo previsto pelo Código Civil de 2002, o qual, via de regra, considera a natureza da obrigação para a constituição formal do devedor em mora.

Portanto, em relação às parcelas pretéritas, cujo direito foi reconhecido, na via mandamental, o termo inicial dos juros de mora, na ação de cobrança, deve ser fixado na data da notificação da autoridade coatora, pois é o momento em que, nos termos do art. 405 do Código Civil c/c art. 240 do Diploma Processual, houve a interrupção do prazo prescricional e a constituição em mora do devedor.

 

segunda-feira, 22 de maio de 2023

" Aquisição de celular Aparelho proveniente de ação criminosa Falha na prestação do serviço Dano moral"

 


Apelação cível. Direito do consumidor. Ação indenizatória por danos materiais e morais. Aquisição pela autora de aparelho celular seminovo comercializado na loja ré. Posterior bloqueio pela polícia civil do estado do rio de janeiro, em razão de se tratar de produto de crime. Falha na prestação do serviço. Ausência de excludentes de responsabilidade. Indenização por dano moral, no valor de r$ 3.000,00, que não merece redução. Desprovimento do recurso. 1. O apelo é exclusivo da ré e almeja a improcedência dos pedidos ou, subsidiariamente, a redução da verba compensatória fixada a título de dano moral. 2. Acervo fático probatório que confirma a narrativa inicial, no sentido de o produto adquirido pela autora possuir origem ilícita. 3. Responsabilidade objetiva da demandada. Art. 14 do cdc. 4. Ausência de excludentes de responsabilidade. Fornecedor de serviços que não logrou afastar a alegação de falha na prestação do serviço. 5. Existência de dano moral indenizável, diante da privação indevida de valores no modesto pensionamento da autora, diminuindo o valor de que dispõe para sua sobrevivência. 6.verba indenizatória fixada em r$ 3.000,00 que observou o critério da proporcionalidade. 7.desprovimento do recurso.

0025071-89.2020.8.19.0004 – apelação - Décima quinta câmara cível - Des(a). Paulo wunder de alencar - julg: 21/03/2023 - data de publicação: 23/03/2023

sábado, 20 de maio de 2023

"Ação de exoneração de pensão alimentícia Ex-cônjuge virago Servidora pública federal Acordo de alimentos Manutenção"

 


Direito das famílias. Ação de exoneração de pensão alimentícia deduzida pelo ex-marido em face da ex-mulher. Virago que já era servidora pública federal à época do acordo de alimentos, não sendo fato novo capaz de justificar a exoneração do dever alimentar com base na autossuficiência financeira. Alimentada que é quase octogenária e portadora de doenças cardíacas, já tendo sofrido infarto agudo do miocárdio e implantado stent no coração, o que revela a necessidade de manutenção dos alimentos anteriormente convencionados. A mera constituição de nova família não constitui situação capaz de ensejar a exoneração do dever alimentar, sendo necessária a efetiva demonstração de mitigação da capacidade econômica do varão, o que não se verificou na hipótese vertente. Sentença de improcedência do pedido corretamente prolatada, ante a ausência de justificativa da pretendida exoneração de alimentos. Recurso conhecido e desprovido. Unânime.

0028333-56.2016.8.19.0208 – apelação - Décima nona câmara cível - Des(a). Gabriel de oliveira zefiro - julg: 28/03/2023 - data de publicação: 29/03/2023


sexta-feira, 19 de maio de 2023

"Responsabilidade civil Acidente de trânsito Atropelamento por viatura policial Falecimento Culpa concorrente Redução do dano moral"

 


Apelação cível. Ação de responsabilidade civil em acidente de trânsito. Atropelamento por viatura policial. Falecimento. Sentença conjunta de procedência condenando o estado na indenização a título de danos morais no valor de r$50.000,00, para cada autor. processo nº 0192687-06.2017.8.19.0001, que possui como autora a apelada, mãe do falecido e processo nº 0027309-27.2019.8.19.0001, que foi proposta pelo filho menor do falecido, representado por sua genitora. Irresignação do estado apenas quanto ao valor arbitrado dos danos morais e do termo a quo da correção monetária. Valor do dano moral que se mostra excessivo diante da culpa concorrente da vítima, além de a autora não demonstrar a existência de danos para além daqueles presumidos, ou seja, não logrou êxito em comprovar que a repercussão do dano em sua esfera moral teria se dado em maior intensidade, impondo sua redução. Termo inicial da correção monetária da indenização por danos morais que deve ser desde a data do arbitramento (prolação da sentença), e não da data do óbito, conforma a súmula 362, do superior tribunal de justiça. De ofício fixar o índice dos juros de mora com base na remuneração da caderneta de poupança e o índice da correção monetária com base no ipca-e. Fixação de honorários advocatícios sucumbenciais de ofício ante a omissão na sentença sobre esse ponto, visto tratar-se de matéria de ordem pública. Sentença modificada. Recurso provido.

0192687-06.2017.8.19.0001 – apelação - Primeira câmara cível - Des(a). Fabio dutra - julg: 23/03/2023 - data de publicação: 20/04/2023

quinta-feira, 18 de maio de 2023

"Escola municipal Massacre de realengo Aluno sobrevivente Teoria do risco administrativo Omissão específica Majoração do dano moral"

 


Direito administrativo e processual civil. Ação indenizatória movida contra o município do rio de janeiro e o estado do rio de janeiro. Aluno da escola municipal tasso da silveira, testemunha sobrevivente do chamado "massacre de realengo", ocorrido em abril de 2011. Sentença de procedência parcial do pedido, que exclui a responsabilidade civil do estado, indefere o pleito de custeio de tratamento psicológico e condena a municipalidade ao pagamento de indenização do dano moral no valor de r$20.000,00 (vinte mil reais). Apelações do autor e do município. 1. Fatos da causa que não guardam correlação com ato ou omissão imputável ao estado do rio de janeiro. Custeio do tratamento psicológico que não pode ser provido, ante a desistência da prova de sua necessidade pelo autor. 2. Evento danoso incontroverso, mas também objeto de prova emprestada, que consiste no depoimento de professora do estabelecimento. Ausência de impugnação direta à alegação de dano moral. Defesa do município fulcrada na ocorrência de fortuito externo. 3. Dano moral expressivo, inferido por regra de experiência comum (art. 375 do cpc), decorrente de que o autor, aluno da escola, testemunhou os fatos e salvou-se da morte e de ferimentos físicos por ter conseguido esconder-se durante a ocorrência. Violação da integridade psíquica. Agravo à saúde mental. Ofensa ao direito de personalidade. Art. 11 do código civil. 4. Teoria do risco administrativo. Responsabilidade da administração por danos decorrentes de atos ou omissões no exercício de atividade própria. Dever do município de assegurar a incolumidade física e psíquica dos alunos do ensino fundamental. Encargo indissociável do dever que incumbe ao estado de dispensar proteção efetiva a todos os estudantes que se acharem sob a guarda imediata do poder público nos estabelecimentos oficiais de ensino. Falha do serviço em evitar o acesso de pessoa armada ao ambiente escolar, ocasionando a ocorrência do evento danoso. Omissão específica. Precedente do stf (re 109615). Impossibilidade de acolhimento da excludente de responsabilidade. 5. Indenização fixada na sentença cujo valor não reflete a extensão do dano moral sofrido pelo autor, decorrente da situação traumática a que foi submetido, caracterizada por extrema violência e risco concreto para a sua vida. Patamar inferior ao que vem sendo fixado em iterativos precedentes deste tribunal, em demandas indenizatórias fundadas nos mesmos fatos. Precedentes. 6. Provimento do primeiro apelo para majorar a indenização do dano moral para r$30.000,00 (trinta mil reais), com correção monetária desde o julgamento do feito em primeira instância. Desprovimento do segundo apelo, majorando-se os honorários de sucumbência devidos pelo município do rio de janeiro para 12% do valor da sua condenação, com fulcro no art. 85, §11, do cpc.

0332513-18.2015.8.19.0001 – Apelação - Décima Quinta Câmara Cível - Des(a). Cláudio de Mello Tavares - julg: 21/03/2023 - data de publicação: 23/03/2023


quarta-feira, 17 de maio de 2023

"A notificação do consumidor acerca da inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito exige o prévio envio de correspondência ao seu endereço, sendo vedada a notificação exclusiva por meio de e-mail ou mensagem de texto de celular (SMS)."

 


Processo

REsp 2.056.285-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023, DJe 27/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

 
Tema

Cadastro de proteção ao crédito. Prévia notificação. Necessidade. Notificação por e-mail ou mensagem de texto de celular. Impossibilidade. Necessidade de correspondência ao endereço do consumidor.

DESTAQUE

A notificação do consumidor acerca da inscrição de seu nome em cadastro restritivo de crédito exige o prévio envio de correspondência ao seu endereço, sendo vedada a notificação exclusiva por meio de e-mail ou mensagem de texto de celular (SMS).

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O propósito recursal consiste em dizer se a notificação prévia à inscrição do consumidor em cadastro de inadimplentes, prevista no § 2º do art. 43 do CDC, pode ser realizada, exclusivamente, por e-mail ou por mensagem de texto de celular (SMS).

Como é de conhecimento ordinário, a vulnerabilidade do consumidor, presumida pelo CDC, não decorre apenas de fatores econômicos, desdobrando-se em diversas espécies, a saber: a) vulnerabilidade informacional; b) vulnerabilidade técnica; c) vulnerabilidade jurídica ou científica; e d) vulnerabilidade fática ou socioeconômica.

Assim, admitir a notificação, exclusivamente, via e-mail ou por simples mensagem de texto de celular representaria diminuição da proteção do consumidor - conferida pela lei e pela jurisprudência desta Corte -, caminhando em sentido contrário ao escopo da norma, causando lesão ao bem ou interesse juridicamente protegido.

A regra é que os consumidores possam atuar no mercado de consumo sem mácula alguma em seu nome; a exceção é a inscrição do nome do consumidor em cadastros de inadimplentes, desde que autorizada pela lei. Está em mira a própria dignidade do consumidor (Art. 4º, caput, do CDC).

De acordo com a doutrina, "os arquivos de consumo, em todo o mundo, são vistos com desconfiança. Esse receio não é destituído de fundamento, remontando a quatro traços básicos inerentes a esses organismos e que se chocam com máximas da vida democrática contemporânea, do Welfare State: a unilateralidade (só arquivam dados de um dos sujeitos da relação obrigacional), a invasividade (disseminam informações que, normalmente, integram o repositório da vida privada do cidadão), a parcialidade (enfatizam os aspectos negativos da vida financeira do consumidor) e o descaso pelo due process (negam ao 'negativado' direitos fundamentais garantidos pela ordem constitucional). Por isso mesmo, submetem-se eles a rígido controle legal".

Em outras palavras "apesar de facilitar a circulação de informações aptas a subsidiar a concessão de crédito, notou-se que a atividade da coleta, do armazenamento e do fornecimento de dados sobre os hábitos de consumo põe em risco os direitos da personalidade dos consumidores. Há, de fato, manifesta tensão entre os proveitos econômicos da atividade de coleta de dados e a proteção constitucional aos direitos da personalidade e à dignidade da pessoa humana, razão pela qual se vislumbrou interesse público em sua regulação" (REsp n. 1.630.659/DF, Terceira Turma, julgado em 11/9/2018, DJe de 21/9/2018).

Desse modo, não há como se admitir que a notificação do consumidor seja realizada, tão somente, por simples e-mail ou mensagem de texto de celular, por se tratar de exegese ampliativa que, na espécie, não deve ser admitida.

Além disso, do exame dos precedentes que deram origem à Súmula 404 do STJ, constata-se que, muito embora afastem a necessidade do aviso de recebimento (AR), não deixam de exigir que a notificação do § 2º do art. 43 do CDC seja realizada mediante envio de correspondência ao endereço do devedor.

Não se pode olvidar que a referida súmula, ao dispensar o aviso de recebimento (AR), já operou relevante flexibilização nas formalidades da notificação ora examinada, não se revelando razoável nova flexibilização em prejuízo da parte vulnerável da relação de consumo sem que exista justificativa alguma para tal medida.

Nesse sentido, em âmbito doutrinário, é comum a afirmação de que, para o cumprimento da exigência prevista no § 2º do art. 43 do CDC, embora não seja necessário o aviso de recebimento (AR), "basta a comprovação de sua postagem para o endereço informado pelo devedor ao credor".

terça-feira, 16 de maio de 2023

"É abusiva a atitude da operadora que tenta descontinuar o custeio de internação do neonato que seja filho de dependente e neto do titular ultrapassado o prazo de 30 (trinta) dias de seu nascimento"

 


Processo

REsp 2.049.636-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/4/2023, DJe 28/4/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

 
Tema

Plano de saúde com obstetrícia. Recém nascido. Neto do titular. Parto. Prazo de 30 dias. Internação. Prazo superior. Tratamento. Descontinuidade. Abusividade. Usuário por equiparação. Recolhimento de mensalidades equivalentes à faixa etária.

DESTAQUE

É abusiva a atitude da operadora que tenta descontinuar o custeio de internação do neonato que seja filho de dependente e neto do titular ultrapassado o prazo de 30 (trinta) dias de seu nascimento.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se a operadora de plano de saúde deve continuar a custear tratamento médico de recém-nascido - filho de dependente e neto do titular - internado em UTI neonatal devido a problemas decorrentes de parto prematuro, quando ultrapassado o 30º (trigésimo) dia de seu nascimento.

O esgotamento do prazo de 30 (trinta) dias após o parto não pode provocar a descontinuidade do tratamento médico-hospitalar, devendo haver a extensão do trintídio legal até a alta médica do recém-nascido.

O recém-nascido sem inscrição no plano de saúde não pode ficar ao desamparo enquanto perdurar sua terapia, sendo sua situação análoga à do beneficiário sob tratamento médico, cujo plano coletivo foi extinto. Em ambas as hipóteses deve haver o custeio temporário, pela operadora, das despesas assistenciais até a alta médica, em observância aos princípios da boa-fé, da função social do contrato, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana.

Nessas situações, exaurido o prazo legal, o neonato não inscrito, a título de contraprestação, deve ser considerado como se inscrito fosse, mesmo que provisoriamente, o que lhe acarreta não o ressarcimento de despesas conforme os valores de tabela da operadora, mas o recolhimento de quantias correspondentes a mensalidades de sua categoria, a exemplo também do que acontece com os beneficiários sob tratamento assistencial em planos extintos. Manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da avença.

É abusiva a atitude da operadora que tenta descontinuar o custeio de internação do neonato após ultrapassado o prazo de 30 (trinta) dias de seu nascimento.