sexta-feira, 30 de junho de 2023

"O termo inicial da prescrição aquisitiva é o do exercício da posse ad usucapionem, não da ciência do titular do imóvel da violação ao seu direito de propriedade, ainda que constatada somente após ação demarcatória, devendo ser afastada a aplicação da teoria da actio nata em seu viés subjetivo."

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 1.837.425-PR, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/6/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Ação demarcatória. Usucapião. Termo inicial do prazo. Teoria da actio nata. Viés subjetivo. Afastamento.

DESTAQUE

O termo inicial da prescrição aquisitiva é o do exercício da posse ad usucapionem, não da ciência do titular do imóvel da violação ao seu direito de propriedade, ainda que constatada somente após ação demarcatória, devendo ser afastada a aplicação da teoria da actio nata em seu viés subjetivo.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se a teoria da actio nata é aplicável à prescrição aquisitiva, notadamente quando a violação ao direito de propriedade é constatado somente após ação demarcatória.

De acordo com o art. 189 do Código Civil (CC/2002), o prazo prescricional é contado, em regra, a partir do momento em que configurada a lesão ao direito subjetivo, independentemente do momento em que seu titular tomou conhecimento pleno do ocorrido e da extensão dos danos.

Entretanto, a referida regra é excepcionada quando a própria lei estabeleça o termo inicial da prescrição de forma diversa, como no caso do art. 200 do CC ou quando a própria natureza da relação jurídica torna impossível ao titular do direito adotar comportamento diverso da inércia, haja vista a absoluta falta de conhecimento do dano.

A compreensão conferida à teoria da actio nata sob o viés subjetivo encontra respaldo em boa parte da doutrina nacional e é admitida em julgados do Superior Tribunal de Justiça, justamente por conferir ao dispositivo legal sob comento interpretação convergente à finalidade do instituto da prescrição, isto é, o surgimento da pretensão reparatória dá-se no momento em que o titular do direito violado detém o pleno conhecimento da lesão, termo em que sua pretensão passa a ser efetivamente exercitável.

Entretanto, a perspectiva subjetiva da teoria da actio nata deve ser aplicada com muita prudência, sob pena de se subverter o escopo da teoria e do desígnio da própria prescrição, qual seja, instituir segurança jurídica e estabilidade às relações jurídicas, já que, se aplicada de forma inadvertida, poderá gerar injustiças não desejadas.

Na hipótese em análise, não se vislumbra a excepcionalidade necessária para sua aplicação, pois, não obstante a ação demarcatória tenha demonstrado a existência de demarcação irregular entre os lotes, a violação do direito dos recorrentes era passível de constatação desde o momento em que as cercas foram estabelecidas irregularmente entre os imóveis.

O proprietário do imóvel invadido teria condições de, a todo tempo, constatar a irregularidade e manifestar oposição à manutenção da posse, principalmente por possuir o título de propriedade do bem, mas não cuidou de confirmar a correção da área demarcada dentro do prazo fatal, não podendo se considerar que o pleno conhecimento da lesão e possibilidade de efetivamente exercer sua pretensão se deram apenas com a ação demarcatória.

Especificamente quanto à propriedade e a sua perda, pode-se afirmar que não há sua perda pelo seu desuso ou a prescrição em promover a ação reivindicatória, havendo, na verdade, o surgimento de um direito em favor de um terceiro quando preenchidos os requisitos necessários à usucapião.

Em contraposição aos direitos pessoais, que decorrem das relações humanas mediante o exercício do direito pelo credor contra o devedor, os direitos reais recaem sobre bens corpóreos, mediante o exercício de poderes imediatos e diretos sobre os bens, em caráter permanente e com direito de sequela.

Assim, não se verifica a prescrição dos direitos reais do titular sobre o bem ou o direito de reaver a coisa, independentemente do período de tempo em que ficou afastado da posse ou do simples uso. O que se verifica, na verdade, é a perda do bem diante do surgimento de algum direito em favor de uma terceira pessoa perante o mesmo bem, como é o caso da usucapião.

A usucapião é um modo de aquisição originária da propriedade, tornando irrelevante quaisquer direitos que terceiros tenham sobre o bem, bastando estar demonstrada a posse contínua, mansa e pacífica durante o prazo legal, com animus domini e sem contestação, independentemente do conhecimento ou não da posse pelo antigo proprietário, não havendo discussão quanto ao elemento subjetivo das partes.

Desse modo, não se está a afirmar que houve a prescrição do direito de ação dos autores para demarcar ou reivindicar bem de sua propriedade, mas, na verdade, é que o decurso de determinado prazo para sua manifestação ou oposição deu ensejo ao surgimento do direito à usucapião dos ora recorridos, pois o reconhecimento do seu direito na ação demarcatória não tem o condão de fazer nascer sua pretensão.

quinta-feira, 29 de junho de 2023

"Rede social Bloqueio de perfil Conduta abusiva Dano moral"

 


Apelação Cível. Ação de obrigação de fazer c/c indenizatória por danos morais. Pleito de reativação de perfil do autor na rede social online Instagram. Tese defensiva no sentido de que houve descumprimento dos Termos de Uso e das Diretrizes da Comunidade do Instagram. Sentença de procedência parcial condenando a ré a reativar a conta no prazo de 72h e julgando improcedente o pedido de dano moral. Apelo de ambas as partes. Ré que não indica qual a alegada conduta do autor contrária às normas. Desativação da conta dos usuários que, segundo a própria normativa estabelecida pela ré, tem como condicionante o descumprimento das regras estabelecidas. Não comprovado o descumprimento, a desativação se mostra verdadeiramente arbitrária e abusiva, estando correta a imposição da obrigação de fazer consistente na reativação como uma forma de retornar as partes ao status quo ante. Ausência de provas da impossibilidade absoluta de cumprimento. Manutenção da multa fixada, pois instrumento legal de coerção. Apelo do autor pugnando pelo reconhecimento do dano moral que merece acolhimento. Art. 2º do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). Disciplina do uso da internet que tem como fundamento o respeito à liberdade da expressão, bem como aos direitos humanos, ao desenvolvimento da personalidade e ao exercício da cidadania em meios digitais. Bloqueio indevido que prejudicou o autor tanto para fins de contato social, quanto para fins profissionais, além de gerar danos à imagem perante terceiros. Verba indenizatória que deve ser fixada em R$10.000,00 (dez mil reais). Desprovimento do primeiro recurso (ré) e provimento do segundo (autor).

0037762-86.2021.8.19.0203 – Apelação - Quinta Câmara Cível - Des(a). Cláudia Telles De Menezes - Julg: 18/04/2023 - Data de Publicação: 19/04/2023


quarta-feira, 28 de junho de 2023

"Seguro de vida Morte da segurada Recusa de cobertura Doença preexistente Exigência de exames médicos prévios a contratação Ausência Devolução de valores"

 


 

Apelação cível. Relação de consumo. Ação de obrigação de fazer. Seguro de vida. Contrato de seguro de vida celebrado com o banco bradesco e com o bradesco vida e previdência s/a. Morte da segurada. Negativa de pagamento da indenização. Alegação de doença pré- existente não declarada. Sentença que julgou improcedente o pedido. 1. Restou incontroverso que a falecida era portadora de doença grave à época da assinatura do contrato e que a assinatura constante do pacto emanou de seu punho (laudo pericial grafotécnico - indexador 477). 2. Entretanto, a controvérsia recursal se espraia na verificação da veracidade das informações lançadas no contrato impugnado, se as referidas foram lá inseridas pela falecida e se ela tinha vontade de contratar um seguro de vida ou fazer uma aplicação. 3. A parte ré não conseguiu se desincumbir do ônus de comprovar que foi a falecida que lançou as informações equivocadas/inverídicas no documento impugnado e tampouco que ela queria contratar seguro de vida. 4. Aliás, importa destacar que não foi possível ao Sr. Perito averiguar se os lançamentos no contrato foram realizados na mesma oportunidade da assinatura do pacto, haja vista que a parte ré não entregou o documento originnal para elaboração da perícia (fl. 486 - indexador 477). 5. Para além disso, outro ponto de extrema relevância é que não foi observada, in casu, a jurisprudência do E.STJ, consubstanciada na Súmula 609, no sentido de que A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado. 6. Com efeito, a contratação do seguro não desonera a parte ré de seu múnus, porquanto aceitou a proposta e, sem submeter a segurada à exame para a verificação de possível doença preexistente, deu início à cobrança dos valores mensais. 7. Nesse viés, não poderia ter se recusado a pagar a indenização, administrativamente, sob a alegação de que a contratante havia omitido a pré-existência de moléstia (indexador 32). 8. Entretanto, não há pedido nesse sentido, mas tão somente para que seja devolvido o valor pago pela Sra. Elisa. 9. Assim sendo, considerando que a Sra Elisa sequer sabia que estava contratando um seguro de saúde (fl. 03/05 - indexador 03); considerando que não a parte ré não conseguiu desconstituir as alegações autorais no sentido de que a Sra. Elisa não preencheu os documentos que instruem o contrato, seja quanto aos seus dados pessoais, seja quanto ao seu estado de saúde e, também, que ela sequer sabia que estava contratando um seguro; considerando que os autores não buscam o pagamento da cobertura securitária, mas sim a devolução do prêmio pago pela Sra. Elisa (R$151.705,70), deve ser reformada a sentença para que a parte ré devolva os valores pagos a título de contratação do seguro, aos autores. 10. Recurso provido.

0006156-62.2020.8.19.0207 – Apelação - Vigésima Sexta Câmara Cível - Des(a). Wilson Do Nascimento Reis - Julg: 28/02/2023 - Data de Publicação: 01/03/2023


terça-feira, 27 de junho de 2023

"Farmácia Entrega de medicamento diverso do prescrito Utilização de remédio inadequado Cegueira permanente Falha na prestação do serviço Dano moral"

 


Apelações cíveis. Direito do consumidor. Ação indenizatória. Farmácia. Medicamento diverso do prescrito. Laudo pericial atesta cegueira permanente de um olho, em razão da utilização de remédio inadequado. Dano moral fixado em r$ 50.000,00. Manutenção. Súmula n° 343 do tjrj. Lesão irreversível, sendo incabível a pretensão de custeio do tratamento. Impossibilidade de conversão da obrigação em perdas e danos. Ambas as partes se insurgem contra sentença que julgou o pleito procedente em parte, condenando a ré a ressarcir as despesas com tratamento e a indenizar danos morais. A ré alega inexistir prova da entrega de medicamento trocado, ao passo que a autora pretende a conversão da obrigação de fazer em perdas e danos. Deve ser prestigiada a sentença ao concluir que não é crível que a drogaria entregou o colírio correto e a autora o descartou, adquirindo em outro estabelecimento o colírio não receitado. Ante a inversão do ônus da prova, resta configurada a falha na prestação do serviço. Considerando que, segundo a perícia, a autora fixou cega do olho direito em razão da falha, deve ser mantida a quantificação dos danos morais em R$ 50.000,00. Obrigação de fazer que restou inviabilizada, não sendo o caso de conversão em perdas e danos. Prejuízo já quantificado no arbitramento dos danos morais. Sentença integralmente mantida. Recursos conhecidos e não providos.

0005622-28.2014.8.19.0208 – Apelação - Quarta Câmara Cível - Des(a). Maria Augusta Vaz Monteiro De Figueiredo - Julg: 05/04/2023 - Data de Publicação: 12/04/2023


segunda-feira, 26 de junho de 2023

"Adoção à brasileira Vínculo afetivo entre a criança e o adotante Princípio do melhor interesse da criança Possibilidade de regularização"

 


Apelação cível. Destituição do poder familiar e anulação de registro. Adoção à brasileira. Preliminar de nulidade de sentença rejeitada. Ação na qual Ministério Público pugna pela destituição do poder familiar, anulação de registro e busca e apreensão da criança ante a entrega irregular da menor por sua mãe biológica. Prolatada sentença de procedência, insurge-se a parte ré da decisão. Reforma que se impõe. Embora considerada ilegal, atualmente admite-se a mitigação da adoção intuito personae em razão do princípio do melhor interesse da criança. Para tanto, é necessária a presença de vínculo afetivo entre as partes, ainda que este não tenha realizado o procedimento de habilitação e não constem do Cadastro Nacional de Adoção. Excepcionalidade do sistema, que tem por primazia a valorização da afetividade, permitindo a regularização de uma adoção a princípio ilegal quando comprovado a existência de vínculo afetivo e não havendo indícios de maus-tratos, negligência ou abuso. Entendimento pacífico do Eg. STJ no sentido de que o cabimento de medidas específicas de proteção, tal como o acolhimento institucional, apenas terá aptidão e incidência válida quando houver ameaça ou violação dos direitos reconhecidos pelo Estatuto, ut art. 98, o que não restou evidenciado. Reforma parcial da sentença que se impõe para permitir que a infante permaneça em seu lar afetivo, até posterior regularização de sua filiação. Recurso parcialmente provido.

0027604-23.2020.8.19.0068 – Apelação - Quarta Camara de Direito Privado - Des(a). Denise Nicoll Simões - Julg: 28/03/2023 - Data de Publicação: 29/03/2023


domingo, 25 de junho de 2023

"“É inconstitucional lei estadual que (a) reduza o conceito de pessoas com deficiência previsto na Constituição, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de estatura constitucional, e na lei federal de normas gerais; (b) desconsidere, para a aferição da deficiência, a avaliação biopsicossocial por equipe multiprofissional e interdisciplinar prevista pela lei federal; ou (c) exclua o dever de adaptação de unidade escolar para o ensino inclusivo.”"

 


DIREITO CONSTITUCIONAL – REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS; EDUCAÇÃO INCLUSIVA; PESSOA COM DEFICIÊNCIA

 

Vagas para alunos com deficiência em escola pública mais próxima de sua residência - ADI 7.028/AP 

 

ODS: 4

 

Tese fixada:

É inconstitucional lei estadual que (a) reduza o conceito de pessoas com deficiência previsto na Constituição, na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de estatura constitucional, e na lei federal de normas gerais; (b) desconsidere, para a aferição da deficiência, a avaliação biopsicossocial por equipe multiprofissional e interdisciplinar prevista pela lei federal; ou (c) exclua o dever de adaptação de unidade escolar para o ensino inclusivo.

 

Resumo:

É inconstitucional norma estadual que, a pretexto de legislar sobre os direitos das pessoas com deficiência (PcD), restringe o conceito de PcD estabelecido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência — incorporada ao direito interno como norma constitucional (Decreto 6.949/2009) (1) —, bem como contraria regras gerais sobre o tema previstas na Lei federal 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Na espécie, a competência legislativa suplementar (CF/1988, art. 24, XIV e § 2º) não autoriza que determinada unidade federativa restrinja o conteúdo de lei federal quanto ao alcance da proteção destinada às PcD — seja com a segregação daqueles com tipo de deficiência específica, seja com a modificação dos critérios para aferição da deficiência — ou, ainda, no que diz respeito à valorização e priorização do ensino inclusivo (2).

Ademais, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de incentivar a educação livre de discriminação (CF/1988, art. 208, III), de modo que não se justifica eximir as escolas, ainda sem preparo, do dever de prestar a educação inclusiva (3).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade: da expressão “física, mental ou sensorial”, constante do art. 1º, caput; da expressão “decorrentes de problemas visuais, auditivos, mentais, motores, ou má formação congênita”, constante do art. 1º, § 4º, ambos da Lei 2.151/2017 do Estado do Amapá; bem como dos arts. 1º, § 5º, e 3º, da mesma lei amapaense (4).

 

(1) Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência: “Art. 1º. (...) Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas”.

(2) Lei 13.146/2015: “Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: (...). Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar: I - sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;”

(3) Precedentes citados: ADI 5.357 MC-Ref e ADI 6.590 MC-Ref.

(4) Lei 2.151/2017 do Estado do Amapá: “Art. 1º Fica assegurada à pessoa com deficiência física, mental ou sensorial a prioridade de vaga em escola pública, que esteja localizada mais próxima de sua residência. (...) § 4º Consideram-se deficiências, para efeitos desta Lei, todas aquelas classificadas pela Organização Mundial da Saúde e que necessitam de assistência especial, decorrentes de problemas visuais, auditivos, mentais, motores, ou má formação congênita. § 5º As deficiências dos estudantes beneficiados serão comprovadas por meio de laudo médico fornecido por instituições médico-hospitalares públicas e competentes para prestar tal comprovação. (...) Art. 3º Ficam excluídos da prioridade de que o art. 1º os estabelecimentos de ensino que não possuam as condições necessárias para educação de portadores de deficiência mental e sensorial.”

 

ADI 7.028/AP, relator Ministro Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 16.6.2023 (sexta-feira), às 23:59

sábado, 24 de junho de 2023

"Motorista por aplicativo Exclusão Termo circunstanciado arquivado Antecedente criminal Não configuração Princípio da presunção de inocência Dano moral"

 


Direito Civil. Direito contratual. Exclusão de motorista por aplicativo fundada em antecedente criminal. Referência ao motorista em termo circunstanciado já arquivado, sem sequer ter sido deflagrada ação penal, que não poderia ser considerada como antecedente criminal desfavorável. Presunção de inocência. Art. 20, parágrafo único, do CPP que veda o registro, como antecedente, de mera investigação criminal. Liberdade contratual que não pode se escorar em abuso de direito, de modo a se discriminar determinado motorista sem motivação idônea. Precedentes deste TJRJ. Reforma da sentença que se impõe, devendo o motorista ser reintegrado aos quadros da plataforma "Uber". Dano moral existente. Fixação do valor compensatório de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Lucros cessantes que, todavia, não foram razoavelmente demonstrados. Recurso parcialmente provido.

0054943-47.2020.8.19.0038 – Apelação - Segunda Câmara Cível - Des(a). Alexandre Antonio Franco Freitas Câmara - Julg: 01/02/2023 - Data de Publicação: 03/02/2023


sexta-feira, 23 de junho de 2023

"A infecção hospitalar que, reconhecidamente tem liame causal com os danos sofridos por recém-nascido, impõe o afastamento das concausas - a prematuridade e o baixo peso do bebê recém-nascido -, atraindo assim a responsabilidade do hospital pelo pagamento integral das indenizações, à luz da teoria da causalidade adequada (dano direto e imediato)"

 


QUARTA TURMA
Processo

Processo em Segredo de Justiça, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 6/6/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

 
Tema

Responsabilidade civil objetiva. Infecção hospitalar. Recém-nascido. Sequelas irreversíveis. Fato exclusivo da vítima não evidenciado. Prematuridade. Baixo peso. Concorrência de causas. Nexo de causalidade não evidenciado. Afastamento devido.

DESTAQUE

A infecção hospitalar que, reconhecidamente tem liame causal com os danos sofridos por recém-nascido, impõe o afastamento das concausas - a prematuridade e o baixo peso do bebê recém-nascido -, atraindo assim a responsabilidade do hospital pelo pagamento integral das indenizações, à luz da teoria da causalidade adequada (dano direto e imediato).

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a averiguar a ocorrência de fato exclusivo da vítima apto a afastar a responsabilidade objetiva do hospital por sequelas oriundas de infecção hospitalar e a viabilidade da utilização da condição física da criança como causa atenuante da obrigação da casa de saúde, relativamente ao quantum indenizatório devido pela falha na prestação de serviço de cuidado intensivo neonatal.

Para melhor elucidar os pressupostos da responsabilidade civil, anota-se que o Direito Civil adotou, precipuamente, as teorias da causalidade adequada e do dano direto e imediato, cujas similaridades são deveras acentuadas, porquanto somente consideram existente o nexo causal quando o dano é efeito necessário e/ou adequado de uma causa (ação ou omissão), diferentemente do Direito Penal no qual é empregada a teoria da equivalência dos antecedentes - conditio sine qua non -, onde não há distinção entre causa e condição, de forma que tudo aquilo que contribui para a ocorrência do crime gera responsabilidade penal (CP, art. 13).

Dessa forma, a configuração do nexo de causalidade deve ser apreciada nos moldes da teoria da causalidade adequada (ou dos danos diretos e imediatos).

À luz da regra estabelecida no caput do art. 14 do CDC, o prestador de serviço responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos em seu fornecimento.

A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, no tocante à responsabilidade do hospital, é no sentido de ser objetiva sua responsabilidade nos casos relacionados à falha na prestação de serviço, sobretudo nos quais os danos sofridos resultam de infecção hospitalar, revelando-se desnecessária a comprovação de erro médico (culpa lato sensu).

Ademais, consoante estabelecido no § 3º do art. 14 do CDC, as causas excludentes de responsabilidade são - a inexistência de defeito do serviço e o fato exclusivo da vítima ou de terceiro. E, nesses casos, o ônus da prova decorre de imposição legal, ope legis (a qual dispensa os requisitos do art. 6º VIII, do CDC), cabendo ao hospital comprovar a existência de tais circunstâncias.

No mesmo sentido é o entendimento desta Corte Superior: "a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro deve ser cabalmente comprovada pelo fornecedor de serviços, a fim de romper o nexo de causalidade e, consequentemente, ilidir a sua responsabilidade objetiva [...]" (AgInt no AREsp n. 1.604.779/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 20/4/2020, DJe de 24/4/2020).

Também nesse viés: AgInt no REsp n. 1.830.752/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 29/6/2020, DJe de 3/8/2020; REsp 1.734.099/MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceita Turma, julgado em 4/12/2018, DJe 7/12/2018.

Nesse caso, em que pese se tenha reconhecido a falha na prestação de serviço hospitalar, concluiu-se, adotando a teoria da equivalência dos antecedentes, que a prematuridade extrema e o baixo peso foram predominantes para as implicações causadas pela infecção hospitalar. A Corte local aplicou à espécie a teoria conditio sine qua non, todavia não é essa a posição majoritária da doutrina e jurisprudência pátria, as quais adotam, nessa hipótese, a teoria da causalidade adequada (ou dano direto e imediato), conforme se extrai dos preceitos supramencionados.

As circunstâncias arroladas pelo hospital como supostos fatos exclusivos da vítima ou mesmo fatos preexistentes suficientemente capazes de dar ensejo ao quadro desenvolvido pelo infante, na verdade, consubstanciam-se em riscos intrínsecos à própria atividade desenvolvida pela casa de saúde, não se mostrando aptos a rechaçar o nexo de causalidade entre a falha no fornecimento do serviço e as sequelas sofridas pelo menor.

A despeito da inegável falha na prestação do serviço hospitalar, a Corte local, fazendo uso de concausalidades ou concorrência de causas, promoveu o decote do valor indenizatório, considerando, na oportunidade que a prematuridade e o baixo peso do bebê seriam características aptas a contribuir para o desfecho desolador atinente às sequelas sofridas em razão de ter sido acometido por infecção hospitalar.

Ademais, a despeito de a prematuridade e do baixo peso serem fatores que potencializam o risco de infecções hospitalares, de acordo com o contorno fático delineado pela Corte local, houve também o contágio de bebês sem essas características, ou seja, recém-nascidos que não eram prematuros, o que afasta a presunção de que tais condições foram determinantes para o contágio da infecção hospitalar.

Portanto, a única causa necessária e preponderante para o desenvolvimento do quadro de saúde da criança evidenciada foi a infecção hospitalar adquirida na UTI neonatal, porquanto ausente a demonstração do nexo de causalidade entre as condições do recém-nascido e os danos por ele suportados.

quinta-feira, 22 de junho de 2023

"A circunstância de ainda não ter sido proferida sentença nos autos da ação de destituição do poder familiar não veda que seja iniciada a colocação da criança em família substituta"

 


Processo

HC 790.283-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 21/3/2023, DJe 23/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

 
Tema

Medida protetiva na modalidade acolhimento institucional. Destituição de poder familiar. Criança em situação de risco. Negligência materna. Tentativas do Juízo da Infância e da Rede Socioassistencial de reintegração na família natural sem êxito. Ausência de adesão da genitora aos acompanhamentos. Resistência injustificada em atender às orientações técnicas. Permanência em abrigo institucional. Caráter temporário. Ilegalidade flagrante. Violação do princípio do melhor interesse e da proteção integral.

DESTAQUE

A circunstância de ainda não ter sido proferida sentença nos autos da ação de destituição do poder familiar não veda que seja iniciada a colocação da criança em família substituta.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia diz respeito à legalidade das determinações do Juízo da Infância de suspensão das visitas maternas e de autorização para o início de busca de pretendentes à adoção de criança que, atualmente com 9 anos de idade, está em abrigo institucional há quase 3 anos, sem que ainda tenha sido proferida sentença destituindo o poder familiar de sua genitora.

Toda criança tem o direito de ser criada e educada, prioritariamente, no seio de sua família natural ou extensa e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a sua convivência familiar em ambiente que garanta o seu desenvolvimento e proteção integral (Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei n. 8.069/1990, arts. 15 e 19). Na análise de questões dessa natureza, a jurisprudência desta Corte Superior, com esse norte, consolidou-se no sentido da primazia do acolhimento familiar em detrimento de colocação de menor em abrigo institucional.

No caso, todos os relatórios técnicos apresentados pela Rede Socioassistencial e do Setor Técnico do Juízo, foram unânimes em recomendar que a criança fosse colocada em família substituta o mais rápido possível diante da constatação da impossibilidade de retorno para a família natural, pois ela seria novamente submetida a uma situação de risco (negligência e abandono), na medida em que genitora não teria condições mínimas de assumir os cuidados da filha. O longo período de permanência em abrigo institucional tem trazido problemas de ordem emocional, o que causa preocupação e revela que o seu melhor interesse não está sendo observado com a sua permanência no abrigo, conforme constatou a perícia psicossocial do Juízo da Infância.

Nesse sentido, a duradoura permanência em abrigo institucional é manifestamente prejudicial aos interesses da infante. O art. 163 do ECA dispõe que o procedimento para perda e suspensão do poder familiar deverá ser concluído no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias e, no caso de notória inviabilidade de manutenção do poder familiar, caberá ao Juiz dirigir esforços para preparar a criança ou adolescente com vistas à colocação em família substituta. Portanto, no caso, o fato de a ação de destituição do poder familiar dos genitores estar tramitando há mais de 3 anos e não ter sido sentenciada não impede sejam tomadas providências para abreviar o tempo de abrigamento institucional.

A notória inviabilidade de manutenção do poder familiar reclama que, pelo menos, sejam tomadas as providências para início de colocação dela em família substituta. A Resolução do Conselho Nacional de Justiça - CNJ n. 289, de 14/8/2019, que a respeito da implantação e funcionamento do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento - SNA, no seu anexo I dispõe acerca da regulamentação técnica, que prevê em seus arts. 3º e 4º que "A colocação de criança ou do adolescente na situação 'apta para adoção' deverá ocorrer após o trânsito em julgado do processo de destituição ou extinção do poder familiar, ou ainda quando a criança ou o adolescente for órfão ou tiver ambos os genitores desconhecidos" . E, ainda, que "O juiz poderá, no melhor interesse da criança ou do adolescente, determinar a inclusão cautelar na situação 'apta para adoção' antes do trânsito em julgado da decisão que destitui ou extingue o poder familiar, hipótese em que o pretendente deverá ser informado sobre o risco jurídico".

Dessa forma, sem prejuízo do que possa ser decidido nos autos da ação de destituição do poder familiar, a manutenção da paciente em abrigo institucional, além de manifestamente ilegal, não atende ao interesse prioritário e superior de criança, que por previsão constitucional e legal, tem o direito absoluto à dignidade como pessoa em processo de desenvolvimento e como sujeito de direito.

quarta-feira, 21 de junho de 2023

"Veículo Instalação do sistema de alarme Incêndio Nexo causal configurado Responsabilidade solidária do fabricante Ressarcimento dos danos"

 


Apelação cível. Direito civil. Consumidor. Ação de procedimento comum. Indenizatória por danos materiais e morais. Incêndio ocorrido no veículo da autora após instalação, pela 2ª ré, do sistema de alarme fabricado pela 1ª ré. Laudo pericial que confirma o dano e o nexo causal. Sentença de procedência. Apelo da fabricante, outrora 2ª ré, alegando que não pode ser responsabilizada tendo em vista que não há comprovação de que o incêndio foi provocado por vício do produto, sustentando ter havido falha no serviço de instalação. Aplicação dos artigos 7º, parágrafo único, e 25 § 1º, do Código De Defesa Do Consumidor. Reponsabilidade solidária por eventual dano causado ao consumidor de todos os fornecedores que participam da cadeia de fornecimento de produtos e de serviços, não importando sua relação direta ou indireta, contratual ou extracontratual. Veículo que pegou fogo enquanto estacionado na garagem, tendo tanto o laudo do instituto de criminalística carlos eboli como o laudo do perito judicial afirmado que a origem do incêndio se deu por pane elétrica no sistema de alarme. Dano moral in re ipsa. Quantificação. Valor que atende aos critérios de proporcionalidade e razoabilidade, observadas as peculiaridades do caso concreto, especialmente a exposição da vida e patrimônio de terceiros e a perda total do bem da autora. Sentença que se mantém. Recurso conhecido e desprovido.

0014079-72.2007.8.19.0021 – Apelação - Décima Quarta Câmara Cível - Des(a). Gilberto Campista Guarino - Julg: 20/04/2023 - Data de Publicação: 24/04/2023


terça-feira, 20 de junho de 2023

"Shopping center Vigilante Disparo de arma de fogo Conduta ilícita Teoria do risco do empreendimento Responsabilidade solidária da seguradora e do segurado Dano moral"

 


Apelações cíveis. Ação indenizatória por danos morais. Direito do consumidor. Shopping center. Seguradora. Chamamento ao processo. Responsabilidade civil solidária. Verossimilhança das alegações autorais. Disparo de arma de fogo. Agressão perpetrada por vigilante do shopping contra o carro em que se encontravam os autores. Tese de legítima defesa rejeitada. Anterior agressão sofrida pelo segurança que não afasta a ilicitude da conduta. Ausência de agressão atual ou iminente no momento do disparo da arma de fogo. Teoria do risco do empreendimento. Cobertura contratual de ressarcimento por danos morais. Contrato de seguro entabulado entre o estabelecimento empresarial e a seguradora. Condenação solidária de ambas as rés que se mantém. Pleito recursal de arbitramento da franquia da apólice que deve ser objeto de ação autônoma. Majoração dos honorários de sucumbência em sede recursal. Desprovimento de ambos os recursos. 1. Trata-se de responsabilidade civil das rés, shopping center e seguradora, pelos danos causados aos autores, em razão do alegado disparo de arma de fogo efetuado por vigilante do estabelecimento empresarial, após cessada a discussão com o primeiro autor, que agrediu o segurança com um soco no rosto durante o entrevero. 2. A prova dos autos, inclusive a filmagem do circuito de segurança do shopping, revela que, no momento do disparo da arma de fogo contra o veículo em que se encontravam os autores, não havia risco de agressão iminente ou atual contra o vigilante. 3. A parte autora e a parte ré estão inseridas, respectivamente, nos conceitos de consumidor e de fornecedor, consagrados nos artigos 2º e 3º, caput, da legislação consumerista. 4. A versão apresentada pelo primeiro apelante, o estabelecimento empresarial, restou dissociada do contexto probatório, consolidando a verossimilhança dos fatos narrados pelos autores e viabilizando um juízo positivo acerca de sua ocorrência. 5. Aplica-se ao caso a teoria do risco do empreendimento, em que aquele que se dispõe a exercer alguma atividade no campo do fornecimento de bens e serviços atrai para si o dever de responder pelos fatos e vícios resultantes do empreendimento, independentemente de culpa. 6. A apólice de seguros celebrada entre os réus contém cláusula contratual que expressamente prevê a cobertura para o caso de condenação judicial ao pagamento de indenização por danos morais. 7. O pleito recursal da ré seguradora, no sentido de se arbitrar a franquia em desfavor do primeiro réu, deve ser objeto de ação autônoma, uma vez que não oponível aos consumidores, diante da responsabilidade solidária das rés nesta demanda, decorrente do chamamento ao processo e da inexistência, na hipótese, de lide secundária. 8. Danos morais arbitrados com razoabilidade e proporcionalidade, tendo observado, inclusive, a anterior agressão ao vigilante praticada pelo primeiro autor, o que ensejou o arbitramento de valor inferior ao fixado em favor da segunda autora. 9. Diante do insucesso de ambos os recursos dos réus, as respectivas verbas de sucumbência são majoradas em de 10% para 15% sobre o valor atualizado da causa, na forma do art. 85, §11, do Código de Ritos. 10. Desprovimento de ambos os recursos.

0032781-48.2015.8.19.0001 – Apelação - Décima Sétima Câmara Cível - Des(a). Elton Martinez Carvalho Leme - Julg: 22/03/2023 - Data de Publicação: 24/03/2023


segunda-feira, 19 de junho de 2023

"Provedor de serviços na internet Matéria jornalística Crítica à cena de novela Veiculação de imagem Fins comerciais Ausência Inocorrência de dano moral"

 


Apelação cível. Ação de obrigação de fazer c/c indenizatória. Art. 19 da lei nº12.965/2014 (marco civil da internet). legitimidade passiva e responsabilidade subjetiva do provedor de aplicações. Autora que atuou como figurante em novela exibida em horário nobre e âmbito nacional. Matéria jornalística hospedada pelo provedor da uol em que foi apresentada crítica à cena da novela com veiculação de imagem da autora retirada da própria cena. Direito de imagem. Finalidade jornalística da matéria. Ausência de utilização da imagem da autora para fins comerciais. Necessidade de ponderação de intersses. Liberdade de imprensa e informação. Inocorrência de dano moral. Sentença que deve ser reformada para julgar improcedente a ação. Jurisprudência desta corte de justiça. Provimento ao recurso.

0031213-29.2018.8.19.0021 – Apelação - Decima sexta camara de direito privado (antiga 4ª - Des(a). Carlos Gustavo Vianna Direito - Julg: 10/05/2023 - Data de Publicação: 12/05/2023


domingo, 18 de junho de 2023

Indicação de livro: "Estudos de direito privado e processual civil em homenagem a Clóvis do Couto e Silva" (Ed. Revista dos Tribunais)



"Clóvis do Couto e Silva foi um jurista na plena acepção da palavra – uma acepção hoje em crise, mas vigorante por uma longa tradição para designar o cultor do Direito. É dizer: aquele que o cultiva, não custando lembrar que cultivo está enraizado no verbo latino colo (cultivar), de onde derivou também, a palavra cultura. Não há jurista digno deste nome afastado da cultura. Não há jurista que não cultive o Direito

https://www.amazon.com.br/Estudos-Direito-Privado-Processual-Homenagem/dp/8520354319

sábado, 17 de junho de 2023

"Deficiente visual Compra de aparelho celular Seguro contra roubo, furto qualificado e quebra Furto simples Compreensão de cláusula limitativa Ausência de comprovação Dano moral"

 


Apelação cível. Direito do consumidor. Ação de cobrança de indenização securitária e de dano moral. Aquisição de celular com seguro contra roubo, furto qualificado e quebra acidental. Ocorrência de furto simples. Não comprovação de que o consumidor, pessoa com deficiência visual, compreendeu a cláusula limitativa de cobertura securitária. Falha no dever de informação. Violação ao princípio da transparência. Responsabilidade objetiva. Risco do empreendimento. Demandante que faz jus à indenização securitária e à reparação por dano moral. Quantum indenizatório do dano extrapatrimonial que se mostra adequado, ante as peculiaridades do caso, que não merece redução. Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Súmula nº 343 do TJRJ. Sentença confirmada. Precedentes. Honorários recursais. Art. 85, § 11, DO CPC. Desprovimento do recurso. 

0007353-52.2020.8.19.0207 – Apelação - Sétima câmara cível - Des(a). Andre Gustavo Correa De Andrade - Julg: 04/04/2023 - Data de Publicação: 11/04/2023


sexta-feira, 16 de junho de 2023

"Em ação reivindicatória, constatada a existência de dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel, prevalecerá o primeiro título aquisitivo registrado"

 


QUARTA TURMA
Processo

REsp 1.657.424-AM, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 16/5/2023, DJe 23/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO REGISTRAL


Tema

Ação reivindicatória. Existência de dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel. Duplicidade de registros. Cartórios distintos da mesma cidade. Prevalência do primeiro título aquisitivo registrado.

DESTAQUE

Em ação reivindicatória, constatada a existência de dois títulos de propriedade para o mesmo bem imóvel, prevalecerá o primeiro título aquisitivo registrado.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a determinar, em ação reivindicatória, qual propriedade deve prevalecer caso existam dois títulos de propriedade, ambos tidos como legítimos e ostentados, com registros distintos em cartórios diferentes na mesma cidade.

A reivindicatória é uma demanda petitória, ou seja, busca, nos termos do art. 1.228 do Código Civil, reaver a coisa de quem injustamente a possua, daí por que é preciso averiguar não só se o autor da ação tem a propriedade (título registrado em cartório), mas também se a posse do réu é injusta.

O juízo de primeira instância julgou improcedente o pedido reivindicatório porque a posse da ré não é injusta, já que, assim como a autora, também tem um título de propriedade hígido. Fixou-se que não logrou a autora provar que o título da ré é írrito. Esse silogismo da sentença está rigorosamente de acordo com o art. 1.228 do Código Civil (CC).

A posse injusta a que alude o dispositivo não é somente aquela referida no art. 1.200 do CC (violenta, clandestina e precária), mas, de acordo com a doutrina, também "aquela sem causa jurídica a justificá-la, sem um título, uma razão que permita ao possuidor manter consigo a posse de coisa alheia. Em outras palavras, pode a posse não padecer dos vícios da violência, clandestinidade e precariedade e, ainda assim, ser injusta para efeito reivindicatório. Basta que o possuidor não tenha um título para sua posse".

Ao se falar de posse, não se está trazendo para demanda petitória o ius possessionis, dado que, como visto, não se trata do direito de posse, mas do direito à posse, como decorrência lógica da relação de propriedade preexistente (ius possidendi); é a prevalência do direito de propriedade da ré sobre o da autora.

Não há falar em violação do art. 186 da Lei 6.015/1973 (O número de ordem determinará a prioridade do título, e esta a preferência dos direitos reais, ainda que apresentados pela mesma pessoa mais de um título simultaneamente), já que o registro da ré é anterior ao registro da autora.

Não altera esse entendimento o fato de a cadeia dominial da autora remontar ao ano de 1900, anterior à data do registro da ré (1974), pois estando esta fundamentada em usucapião, depurou qualquer propriedade de outro sujeito de direito, pois o "direito do usucapiente não se funda sobre o direito do titular precedente, não constituindo este direito o pressuposto daquele, muitos menos lhe determinando a existência, as qualidades e a extensão". Assim, tendo o registro da ré (1974) prioridade sobre o da autora (1980), foi observado o princípio da prioridade.

quinta-feira, 15 de junho de 2023

"A despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, não é possível a responsabilização pessoal de sócio que não desempenhe atos de gestão, ressalvada a prova de que contribuiu, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração"

 


Processo

REsp 1.900.843-DF, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (in memorian), Rel. para acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por maioria julgado em 23/5/2023, DJe 30/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR


Tema

Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Relação de consumo. Art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor. Teoria Menor. Sócio. Atos de gestão. Prática. Comprovação.

DESTAQUE

A despeito de não se exigir prova de abuso ou fraude para aplicação da Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, não é possível a responsabilização pessoal de sócio que não desempenhe atos de gestão, ressalvada a prova de que contribuiu, ao menos culposamente, para a prática de atos de administração.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

De acordo com a pacífica jurisprudência desta Corte Superior, para fins de aplicação da denominada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, não se exige prova da fraude ou do abuso de direito, tampouco é necessária a prova de confusão patrimonial, bastando que o consumidor demonstre o estado de insolvência do fornecedor ou o fato de a personalidade jurídica representar um obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados. Considerando que o § 5º do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor - CDC, em virtude do mero inadimplemento e da ausência de bens suficientes à quitação do débito, admite, a princípio, a responsabilização pessoal do sócio, torna-se necessário investigar a atuação na condução dos negócios da empresa.

A rigor, a considerar as origens históricas da disregard doctrine, não se poderia afirmar que a hipótese contemplada no § 5º do art. 28 do CDC trata do mesmo instituto, a despeito das expressões utilizadas pelo legislador, tendo em vista que a desconsideração propriamente dita está necessariamente associada à fraude e ao abuso de direito, com desvirtuamento da função social da pessoa jurídica, criada com personalidade distinta da de seus sócios. Como bem acentua a doutrina, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é frequentemente confundido com hipóteses em que se atribui aos sócios, por mera opção legislativa, a responsabilidade ordinária por dívidas da sociedade.

No julgamento do REsp n. 1.766.093/SP, tratou-se da possibilidade da inclusão, no polo passivo de ação de rescisão contratual cumulada com pedido de restituição de valores pagos, já em fase de cumprimento de sentença, de membros do conselho fiscal de uma cooperativa habitacional, à luz do disposto no § 5º do art. 28 do CDC. Nesse julgado, tudo o que se disse a respeito das regras aplicáveis às sociedades cooperativas teve como único propósito fixar a premissa de que membros do conselho fiscal desse tipo de sociedade não praticam, em regra, atos de gestão, a exigir, por isso, a comprovação da presença de indícios de que estes contribuíram, ao menos culposamente, e com desvio de função, para a prática de atos de administração. Também destacou-se que, de acordo com a doutrina, ainda que seja possível considerar o § 5º do art. 28 do CDC como hipótese autônoma e independente daquelas previstas em seu caput, na linha do que já decidiu esta Corte Superior, a desconsideração da personalidade jurídica, mesmo em tal hipótese, somente pode atingir pessoas incumbidas da gestão da empresa.

Assim, a denominada Teoria Menor da desconsideração da personalidade jurídica, de que trata o § 5º do art. 28 do CDC, a despeito de dispensar a prova de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, não dá margem para admitir a responsabilização pessoal I) de quem não integra o quadro societário da empresa, ainda que nela atue como gestor, e II) de quem, embora ostentando a condição de sócio, não desempenha atos de gestão, independentemente de se tratar ou não de empresa constituída sob a forma de cooperativa.

Vale lembrar que a desconsideração, mesmo sob a vertente da denominada Teoria Menor, é uma exceção à regra da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, "instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos" (art. 49-A do Código Civil, incluído pela Lei nº 13.874/2019), a justificar, por isso, a interpretação mais restritiva do art. 28, § 5º, do CDC.

quarta-feira, 14 de junho de 2023

"A responsabilizada por fato do serviço, por não ter a instituição financeira tomado medidas de segurança adequadas, quando inequívoco que o ato ilícito praticado por terceiro foi a causa determinante pelos danos sofridos pelo consumidor, não afasta a exceção à solidariedade, disposta no art. 285 do Código Civil"



TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 2.069.446-SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/5/2023, DJe 29/5/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Ação de regresso. Subtração de bens mantidos em cofre alugado. Dívida solidária oriunda de sentença condenatória. Terceiro e instituição financeira. Pagamento integral da condenação pela instituição financeira. Pretensão pelo ressarcimento. Solidariedade passiva desconstituída na relação interna dos codevedores. Dívida solidária que interessava somente ao terceiro que praticou o ato ilícito. Aplicação do art. 285 do Código Civil.

DESTAQUE

A responsabilizada por fato do serviço, por não ter a instituição financeira tomado medidas de segurança adequadas, quando inequívoco que o ato ilícito praticado por terceiro foi a causa determinante pelos danos sofridos pelo consumidor, não afasta a exceção à solidariedade, disposta no art. 285 do Código Civil.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Na controvérsia em análise, a locatária de um cofre em instituição financeira ajuizou ação regressiva, pois as joias e o dinheiro depositados foram retirados por terceiro, seu ex-cônjuge. A ação foi ajuizada contra aquela e este, tendo o Tribunal de origem os condenado solidariamente ao pagamento dos prejuízos sofridos. Ante o pagamento realizado exclusivamente pela instituição financeira, esta obrigação foi extinta. Isto motivou o ajuizamento pela instituição financeira de uma segunda ação, cuja pretensão era de exercer seu direito de regresso contra o terceiro codevedor. Todavia, esta foi julgada procedente para condenar o terceiro ao pagamento de apenas a metade do valor.

Malgrado a indiscutível falha no sistema de segurança bancário, que justificou a responsabilização da instituição financeira na primeira ação por fato do serviço (art. 14 do Código de Defesa do Consumidor - CDC), forçoso concluir que o único beneficiado com a fraude perpetrada foi o terceiro que subtraiu os bens, razão pela qual ele tem responsabilidade exclusiva na dívida decorrente dos prejuízos advindos do aludido ato ilícito, porquanto é da lei que, aquele que viola direito e causa dano a outrem deve indenizar (arts. 186 e 927 do Código Civil - CC).

Nessa linha, o art. 280 do CC preconiza que o codevedor culpado pelos juros de mora responderá, aos outros, pela obrigação acrescida. Ou seja, somente o culpado pelos juros decorrentes do ilícito extracontratual (responsabilidade aquiliana, baseada no art. 186 do CC) deverá suportar o acréscimo, ainda que, sob o prisma das relações externas, todos os coobrigados respondam por esses juros.

Conquanto o banco/depositário responda objetivamente pelos riscos decorrentes de sua atividade lucrativa (sendo, inclusive, nesse sentido o enunciado da Súmula n. 479/STJ), essa obrigação é solidária apenas na relação externa entre ele e a credora. Já na relação jurídica obrigacional interna, observa-se que o terceiro, estranho à relação do depósito, agiu exclusivamente em seu próprio interesse, o que culminou com a constituição da obrigação principal.

Fracionar o ressarcimento implicaria admitir que o banco foi conivente com o ato ilícito, o que não se admitiu. Sua falha em impedir o infortúnio não significa que colaborou dolosamente para a prática do delito, pelo contrário, o episódio em nada lhe aproveitou, só lhe causou prejuízos.

Não é jurídico que alguém se torne responsável pela culpa alheia, devendo, ao contrário, cada um responder por aquela em que incorrer. Eventual entendimento contrário levaria a um enriquecimento injustificado à custa da instituição financeira, que é, justamente, o que o direito de regresso busca vedar. Com efeito, não seria razoável permitir que se devolvesse apenas metade daquilo que se apropriou ilicitamente, impedindo o banco de rever, regressivamente, a totalidade de uma dívida que, repita-se, não lhe dizia respeito.

Importante reiterar ser inequívoco, nos autos, que o ato ilícito praticado foi a causa determinante pelos danos sofridos pela depositante dos bens, visto que ele, sem autorização e valendo-se de uma cópia da chave dela, teve acesso ao cofre de onde subtraiu seus pertences, conforme expressamente consignado na sentença prolatada na demanda indenizatória.

Portanto, considerando as circunstâncias peculiares do caso, é imperioso concluir que incide a exceção prevista no art. 285 do CC, já que a solidariedade passiva estabelecida na ação indenizatória interessou, unicamente ao terceiro tornando-o responsável pelo ressarcimento integral do montante pago pelo banco para o adimplemento da condenação.