terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Cobertura de danos corporais só não abrange danos morais ou estéticos com exclusão expressa

Contratos de seguro que preveemcobertura para danos corporais abrangem tanto os danos materiais, como osestéticos e morais. Não havendo exclusão expressa de cobertura para danos morais ou estéticos, deve-se entender que o termo “danos corporais” compreende todas as modalidades de dano. Foi o que decidiu a Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1408908 em 10/12/2013. De acordo com o processo julgado, após sentença condenatória de indenização por danos materiais, morais e estéticos causados por acidente de trânsito, uma empresa seguradora foi condenada a reembolsar as indenizações pagas pelo segurado a título de danos materiais e estéticos. O tribunal local, porém, reverteu a decisão quanto aos danos estéticos.
A autonomia entre os danos morais e materiais está bem pacificada no STJ. Mais recentemente, um novo tipo de dano, de natureza jurídica própria, passou a ser considerado: o dano estético. Embora se assemelhe ao dano moral por seu caráter extrapatrimonial, o dano estético deriva especificamente de lesão à integridade física da vítima, causada por modificação permanente ou duradora em sua aparência externa. Enquanto os danos estéticos estão diretamente relacionados à deformação física da pessoa, os danos morais alcançam esferas intangíveis do patrimônio, como a honra ou a liberdade individual. A diferença entre eles foi confirmada na Súmula 387 do STJ, segundo a qual “é lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.

Segundo os autos, a apólice firmada entre o segurado e a seguradora continha cobertura para danos corporais a terceiros, com exclusão expressa apenas de danos morais, sem nenhuma menção à exclusão de danos estéticos. A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, citou que, embora haja no site da Superintendência de Seguros Privados uma distinção para efeitos de cobertura entre dano estético e corporal, a diferença terminológica não modifica a realidade dos autos. “O contrato entabulado entre as partes não excluía de cobertura os danos estéticos, de sorte que, na linha da jurisprudência desta Corte, deve-se entender que a referida modalidade de dano está contida na expressão ‘danos corporais’ prevista na apólice”, afirmou a ministra. Com a decisão, a seguradora deve reembolsar as quantias relativas aos danos materiais e estéticos. Os valores relativos aos danos morais não devem ser incluídos na condenação da empresa, pois há cláusula expressa de exclusão.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Google não terá de indenizar ofendido que foi direto à Justiça, sem pedir remoção do conteúdo

O provedor de internet não pode ser responsabilizado por mensagens ofensivas publicadas em site se, em vez de lhe pedir que suspenda a divulgação,o ofendido busca diretamente o Poder Judiciário e este não determina a retirada imediata do material. A partir do momento em que a questão é posta sob análise da Justiça, cabe ao provedor agir conforme as determinações judiciais vigentes no processo. Com esse entendimento, a Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1338214 em 06/12/2013, afastou a condenação da Google Brasil Internet Ltda. ao pagamento de indenização por danos morais a uma pessoa que se sentiu ofendida por conteúdo publicado no Orkut. Consta no processo que, após comprar equipamento eletrônico por meio do site Mercado Livre, um consumidor teve seus dados pessoais utilizados de forma ilegal, com o objetivo de vinculá-lo à empresa Import Star. Depois disso, ele passou a receber ligações telefônicas e e-mails de pessoas desconhecidas, que o identificavam como responsável pela empresa vendedora e cobravam dele o envio de aparelhos eletrônicos. Além disso, passou a receber mensagens em sua página no Orkut, mantido pela Google, e até mesmo foi criada uma comunidade nessa rede social dedicada exclusivamente a ofendê-lo e ameaçá-lo devido a supostos casos de estelionato praticados pela Import Star.
Em vez de pedir à Google que retirasse o material considerado ofensivo, o consumidor entrou na Justiça pleiteando a exclusão da comunidade do Orkut, além de indenização por danos materiais e morais. Ele chegou a pedir antecipação de tutela para que o material fosse retirado imediatamente da internet, mas o juiz deixou para analisar o pedido após a manifestação da defesa. Não houve decisão sobre a liminar, pois na sequência o juiz optou por julgar a lide antecipadamente. O juízo de primeiro grau condenou o Mercado Livre a pagar R$ 1.938 de indenização por danos materiais, a Google a excluir os comentários ofensivos da comunidade do Orkut e ambos a pagar danos morais, solidariamente, no valor de R$ 30 mil. Em apelação ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), a Google afirmou que assim que soube da ordem judicial para remoção da comunidade, adotou providências para cumpri-la, contudo, constatou que o perfil do usuário já tinha sido excluído por ele mesmo. O TJMT negou provimento ao recurso. No STJ, a empresa alegou que não foi comunicada acerca do conteúdo ofensivo antes do ajuizamento da ação e que isso “desnatura por completo qualquer tipo de atribuição de responsabilidade civil”.
De acordo com a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, os provedores de conteúdo devem garantir o sigilo, a segurança e a inviolabilidade dos dados cadastrais de seus usuários e, ainda, o funcionamento e a manutenção das páginas que contenham os perfis e comunidades desses usuários. Contudo, “por não se tratar de atividade intrínseca ao serviço prestado, não se pode reputar defeituoso, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, o site que não examina e filtra o material nele inserido”, disse. Segundo Andrighi, o dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo postadas no site “não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002”. Por outro lado, a ministra mencionou que a Terceira Turma já pacificou o entendimento de que, ao ser comunicado de que determinada publicação é ilícita ou ofensiva, o provedor deve removê-la preventivamente no prazo de 24 horas para verificar a veracidade das alegações do denunciante e, conforme o caso, excluí-la ou restabelecê-la, “sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano em virtude da omissão praticada” (REsp 1.406.448).

No caso julgado agora, a relatora concluiu que não houve ação ou omissão por parte da Google que justifique a sua condenação por danos morais. “Embora o provedor esteja obrigado a remover conteúdo potencialmente ofensivo assim que tomar conhecimento do fato, ao optar por submeter a controvérsia diretamente ao Poder Judiciário, a parte induz a judicialização do litígio, sujeitando-o, a partir daí, ao que for deliberado pela autoridade competente”, declarou Andrighi. Ela mencionou que a primeira determinação de exclusão das páginas do Orkut veio da sentença e que a Google agiu no sentido de cumprir a ordem judicial, “somente não o fazendo em virtude da superveniência de fato impeditivo, consistente na remoção do perfil pelo próprio usuário”. Diante disso, Andrighi concluiu que, “mesmo tendo conhecimento, desde a citação, da existência de conteúdo no Orkut supostamente ofensivo ao autor, ausente ordem judicial obrigando-a a eliminá-lo, não há como recriminar a conduta da Google”.

domingo, 29 de dezembro de 2013

Guarda provisória de menor é preferencialmente de parentes

Criança à espera de parecer sobre família adotiva deve ficar, preferencialmente, sob a guarda de parentes. O entendimento é da Terceira Turma do STJ, em 06/12/2013. Para a Turma, quando se discute guarda de menor, é necessário observar o direito da criança de ser cuidada pelos pais, ou, na impossibilidade desses, por parentes próximos, depois por família substituta, cogitando-se a possibilidade de acolhimento institucional apenas em último caso. No processo analisado, o menor foi entregue a uma família pelos pais biológicos. O Ministério Público ajuizou ação de busca e apreensão, alegando irregularidades no processo de adoção, e requereu que a criança fosse acolhida por uma instituição ou pela primeira família na lista de espera. A família adotiva alega que passou período suficiente com a criança para criar laços afetivos, mas a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) considerou que o prazo não foi suficiente para esse envolvimento. A relatora, ministra Nancy Andrighi, citou que o STJ não pode reavaliar esse entendimento, pois requereria nova análise das provas. A ministra determinou a permanência da criança com a tia materna, que já havia manifestado interesse em ficar com ela, enquanto houver pendências na ação de guarda ajuizada pela família adotiva. No voto é citado o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece o direito a crescer no seio da própria família e, em casos excepcionais, em família substituta, sendo que a manutenção e reintegração à família têm preferência em relação a qualquer outra providência.

sábado, 28 de dezembro de 2013

É penhorável bem de família dado como garantia de dívida de empresa familiar

A Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1413717 em 04/12/2013, reconheceu a penhorabilidade de imóvel dado em garantia hipotecária de dívida de empresa da qual os únicos sócios são marido e mulher, que nele residem. Os ministros consideraram que, nessa hipótese, o proveito à família é presumido, cabendo a aplicação da exceção à regra da impenhorabilidade do bem de família prevista no artigo 3º, inciso V, da Lei 8.009/90. “O proveito à família é presumido quando, em razão da atividade exercida por empresa familiar, o imóvel onde reside o casal (únicos sócios daquela) é onerado com garantia real hipotecária para o bem do negócio empresarial”, declarou a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso julgado pelo colegiado. Na origem, o casal alegou a impenhorabilidade do imóvel que deu como garantia a Bridgestone Firestone do Brasil, relacionada a uma dívida da empresa A.C. Comércio de Pneus. Afirmou que o bem, o único de sua propriedade, é o imóvel onde moram. O juízo de primeiro grau julgou o pedido do casal improcedente.
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) reformou a sentença. Em seu entendimento, mesmo que se trate de empresa familiar, o bem de família dado em garantia hipotecária não pode ser penhorado, “não sendo regular a presunção de que a dívida tenha beneficiado a família”. Inconformada com a nova decisão, a Bridgestone recorreu ao STJ. Defendeu que o imóvel foi dado em garantia pelo casal, de livre e espontânea vontade, para garantir dívida contraída por sua própria empresa. A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso especial, afirmou que a jurisprudência do STJ está consolidada no sentido de que “a impenhorabilidade do bem de família só não será oponível nos casos em que o empréstimo contratado foi revertido em proveito da entidade familiar” (AREsp 48.975). Com base em precedentes das Turmas de direito privado, ela sustentou que a aplicação do inciso V do artigo 3º da Lei 8.009 (que autoriza a penhora do imóvel dado em garantia hipotecária) deve ser norteada pela “aferição acerca da existência de benefício à entidade familiar em razão da oneração do bem, ainda que a lei não disponha exatamente nesse sentido”.

Segundo Andrighi, se a hipoteca não traz benefício para toda a família, mas somente favorece um de seus integrantes, em garantia de dívida de terceiro, prevalece a regra da impenhorabilidade. Contudo, no caso específico, a ministra verificou que a oneração do bem em favor da empresa familiar beneficiou diretamente a família. Ela ressaltou que a exceção à impenhorabilidade, que favorece o credor, está amparada por norma expressa, “de tal modo que impor a este o ônus de provar a ausência de benefício à família contraria a própria organicidade hermenêutica, inferindo-se flagrante também a excessiva dificuldade de produção probatória”. Em decisão unânime, os ministros deram provimento ao recurso da Bridgestone, pois consideraram que eventual prova da não ocorrência do benefício direto à família é ônus de quem ofereceu a garantia hipotecária.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

MP ingressa com ação contra aplicativo Lulu e Facebook

Mulheres avaliam os amigos do Facebook dando hashtags a cada um deles Foto: Reprodução
Mulheres avaliam os amigos do Facebook dando hashtags a cada um deles
Foto: Reprodução
O Ministério Público (MP) do Distrito Federal e Territórios ingressou com uma ação civil pública contra o aplicativo Lulu e o Facebook por lesão a direitos da personalidade, como privacidade e honra. A ação tem pedido de liminar para suspensão imediata do compartilhamento de dados entre o Facebook e o aplicativo Lulu no Brasil e exige ainda a adaptação para que somente dados com anuência prévia e específica dos consumidores possam ser divulgados.
O MP abriu uma investigação contra o Lulu - aplicativo que permite que mulheres façam avaliações anônimas sobre homens - e contra o Facebook no fim de novembro. O órgão deu cinco dias de prazo para que as empresas se pronunciassem sobre o assunto, mas disse que não houve resposta ao inquérito, e por isso instaurou a ação civil pública.
Para os promotores, o aplicativo descumpre a Constituição Federal, o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, além de violar as boas regras de convívio social e do pleno exercício da cidadania. O MP requer na ação, instaurada na segunda-feira, entre outros pedidos, que sejam excluídos, de imediato, os dados e imagens daqueles que não tenham consentido previamente em ser avaliados. Também, que seja vedada a possibilidade de avaliação anônima. Em caso de descumprimento, Lulu e Facebook poderão ser multadas em R$ 500 por pessoa e por avaliação.
Se forem condenadas na ação, as empresas deverão pagar, por dano moral coletivo, 20% do seu lucro líquido no Brasil no período em que o aplicativo esteve disponível sem o consentimento prévio, específico e informado do consumidor masculino. Esse valor será revertido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos.
Em nota enviada ao Terra, o Lulu afirmou que não foi notificado oficialmente sobre a ação. "Lulu foi desenvolvido para ser um ambiente seguro e positivo para homens e mulheres e está de acordo com as leis locais. O Lulu respeita a privacidade de homens e mulheres. Os garotos podem sair do Lulu a qualquer momento, a maneira mais rápida é usando a ferramenta de remoção que foi otimizada para o Brasil. Nós ficaremos satisfeitos em explicar como o Lulu funciona para as autoridades locais", diz o comunicado.
O Facebook ainda não se pronunciou sobre o assunto.
Fonte: Terra atualizado em 15 de Dezembro de 2013 às 17h04

É legal o passaporte rubro-negro oferecido pelo programa de relacionamento do Flamengo

Não existe ilegalidade no cartão recarregável oferecido aos torcedores pelo programa de fidelização do Clube de Regatas do Flamengo, conhecido como passaporte rubro-negro. Esse foi o entendimento da Terceira Turma do STJ, em 26/11/2013, ao analisar o REsp 1413192 do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) que questionou a validade do cartão, pois cria vantagens apenas para alguns dos torcedores. O passaporte é um cartão pago, recarregável, que possibilita aos torcedores que o adquirirem a compra de ingressos para os jogos do time antes do início das vendas na bilheteria, e que pode ser usado diretamente nas catracas dos estádios. O MPRJ ajuizou ação coletiva de consumo com o objetivo de que o Flamengo fosse obrigado a disponibilizar o cartão, sem custo prévio, a todos os torcedores, e a devolver os valores cobrados daqueles que já o possuem. Segundo o MPRJ, o clube está oferecendo ao portador do passaporte “aquilo que tem a obrigação legal de conceder a todos os torcedores: a compra do seu ingresso com agilidade, segurança, racionalidade e conforto”.
O órgão não questionou a validade do programa de relacionamento em si, mas apenas parte desse programa, chamado de passaporte rubro-negro. O pedido do MPRJ foi julgado improcedente pela primeira instância, o que foi confirmado pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para o qual não houve comprovação de abuso por parte do clube. Inconformado com a posição do tribunal, o MP recorreu ao STJ. Alegou que houve violação do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e dos artigos 13, 20 e 21 do Estatuto do Torcedor (Lei 10.671/03). No STJ, a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, explicou que, em regra, os programas de relacionamento que surgem atualmente estabelecem uma determinada contribuição por parte do sócio torcedor, o qual, além de obter vantagens como a compra de ingressos antecipada e com descontos variados, ainda tem o “retorno imaterial de estar ajudando seu clube”. Conforme define a Lei 10.671, torcedor é toda pessoa que aprecie, apoie ou se associe a qualquer entidade desportiva do país e acompanhe a prática de determinada modalidade esportiva. A relatora afirmou que, para cada faceta admitida como forma de ser torcedor, existem expectativas legalmente protegidas e outras não amparadas pelo CDC, pois dizem respeito às peculiaridades do universo do esporte.

De acordo com a ministra, é necessário analisar se houve abuso à luz do Estatuto do Torcedor e do CDC, de maneira conjunta. Nancy Andrighi afirmou que seria possível resolver o caso “não pela vedação de situações distintas – essas não impedidas por lei –, mas pela verificação sobre a efetividade dos padrões legais mínimos de atendimento para qualquer torcedor – circunstância que, fragilizada, daria ensejo à declaração de abusividade ou de agressão à igualdade”. Segundo ela, o Estatuto do Torcedor impõe exigências sobre segurança nos locais de competição, disponibilização de ingressos com o mínimo de 72 horas, implementação de sistemas de facilitação de compra de ingressos, pulverização dos pontos de venda e outros requisitos. Entretanto, se esse serviço ofertado ao torcedor é tão deficiente quanto diz o MPRJ, a solução – de acordo com a relatora – “passa por pedido expresso de cumprimento das determinações do Estatuto do Torcedor, notadamente dos próprios dispositivos citados, e não pela homogeneização de tratamento entre os sócios torcedores e os demais torcedores, ou possíveis expectadores de um determinado jogo de futebol”, ressaltou. A ministra concluiu que “possível inadequação do clube em relação ao legal dever de qualidade no fornecimento do serviço deve ser discutida judicialmente, de forma solteira, sem o indevido atrelamento ao legítimo programa de relacionamento estabelecido pelo clube”. Com esse entendimento, a ilegalidade do passaporte foi afastada pelos ministros.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Dúvida não autoriza anulação de registro de filho que foi reconhecido voluntariamente

É impossível declarar a nulidade do registro de nascimento, após o reconhecimento voluntário da paternidade, sob a simples alegação de dúvidas com relação ao vínculo biológico com o registrado, sem que existam provas robustas de erro ou falsidade do ato jurídico. O entendimento unânime foi da Terceira Turma do STJ, em 28/11/2013, que considerou improcedente o pedido de um pai que, após relacionamento afetivo efêmero e casual, decidiu registrar o filho sem realizar exame de DNA. Após quatro anos de vida do menor, o pai requereu a nulidade do registro, pedindo a produção de perícia sanguínea para apurar a paternidade biológica, pois suspeitou que a genitora tivesse mantido outros relacionamentos à época da concepção. Além disso, alegou não perceber semelhanças físicas entre ele e o menor. No curso da ação, o pai faleceu. Em razão do óbito, a primeira instância deferiu a habilitação dos pais do falecido no caso e reconheceu, baseado na interpretação em sentido contrário da Súmula 301 do STJ, a presunção de que o menor não era filho do autor falecido, pois não havia comparecido ao exame em duas ocasiões. A súmula diz que, em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção relativa de paternidade.
Inconformado com a decisão, o filho apelou para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que manteve a aplicação inversa da súmula e confirmou a possibilidade da sucessão processual. Ao apresentar recurso especial, o filho sustentou que esse tipo de ação é de cunho personalíssimo, de modo que seus avós não poderiam suceder o pai falecido no polo ativo da demanda. Assegurou que as hipóteses de afastamento da presunção de paternidade são restritas. Insurgiu-se também contra o indeferimento da prova genética no cadáver e contra a aplicação da súmula. No STJ, o entendimento do tribunal de origem com relação à interpretação da súmula foi reformado, porém, mantida a tese da sucessão processual. De acordo com a ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, ainda que se trate de direito personalíssimo, “tendo o pai registral concretizado sua intenção de contestar a paternidade ainda em vida, impõe-se admitir a sucessão processual de seus ascendentes, a fim de dar prosseguimento à ação proposta”. Ao se referir ao registro de nascimento, a ministra explicou que o ato possui valor absoluto, independentemente de a filiação ter-se verificado no âmbito do casamento ou fora dele, “não se permitindo negar a paternidade, salvo se consistentes as provas do erro ou falsidade, não se admitindo para tal fim que o erro decorra de simples negligência de quem registrou”.
A relatora ressaltou que o Poder Judiciário não poderia prejudicar a criança por “mero capricho” de um adulto, que decidiu livremente registrá-la, mesmo com todas as consequências jurídicas e afetivas decorrentes desse ato, e que, após tantos anos, pretende “livrar-se do peso da paternidade” por “mero arrependimento”. “Por essa razão, a presunção de veracidade e autenticidade do registro de nascimento não pode ceder diante da falta de provas evidentes do vício de consentimento, para a desconstituição do reconhecimento voluntário da paternidade”, acrescentou. A ministra refletiu que, diante de relacionamentos efêmeros, em que o envolvimento das partes restringe-se à conotação sexual, “a ação negatória de paternidade não pode se fundar em mera dúvida, desconfiança que já havia ou deveria haver quando do reconhecimento voluntário”.

Nancy Andrighi reconheceu o exame de DNA como um “instrumento valioso” na apuração da verdade biológica, que se aproxima da certeza absoluta. Porém, afirmou que a prova genética não pode ser considerada o único meio de prova da paternidade. Para ela, o entendimento do tribunal de origem, que concluiu pela presunção de que o autor não era pai, em prejuízo do menor, mostra-se “equivocado” e é contrário à proteção que o ordenamento jurídico brasileiro confere à criança e ao adolescente, pelo princípio do melhor interesse do menor. Segundo a ministra, em virtude desse princípio, não se pode interpretar a súmula do STJ em desfavor dos interesses da criança, “desconstituindo a paternidade reconhecida e maculando seu direito à identidade e ao desenvolvimento de sua personalidade”. Por essas razões, a Turma considerou insuficiente para a exclusão da paternidade o não comparecimento do menor ao exame de DNA, desacompanhado de quaisquer outros elementos probatórios.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Shopping deve indenizar por tentativa de assalto em estacionamento

Acompanhando voto divergente do ministro Luis Felipe Salomão, a Quarta Turma do STJ, ao julgar o REsp 1269691 em 28/11/2013, confirmou decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) que condenou um shopping center ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 8 mil, a uma consumidora que foi vítima de tentativa de assalto dentro do seu estacionamento. Segundo o processo, quando deixava o Manaíra Shopping Center na companhia do marido e do filho menor de idade, a cliente foi surpreendida por três indivíduos, dois deles armados com revólveres, no momento em que parou no leitor ótico que libera a cancela para a saída do veículo do estacionamento. Eles apontaram as armas, anunciaram o assalto e ordenaram que todos saíssem do carro. O marido, que dirigia o veículo, engatou marcha a ré e escapou da mira dos assaltantes. O segurança da empresa, que estava junto à cancela, fugiu do local. Os assaltantes desistiram. O TJPB condenou a empresa por responsabilidade objetiva, com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e na Súmula 130 do STJ. O shopping recorreu ao STJ, alegando violação dos artigos 186 do Código Civil e 14 do CDC; e inviabilidade de aplicação por analogia da Súmula 130, uma vez que ela trata de efetivo furto ou dano no interior do estacionamento, e não em sua área limítrofe. Sustentou, ainda, que não houve omissão ou negligência da empresa, pois o evento ocorreu na cancela de saída do estacionamento, além dos limites de proteção, numa área de alto risco de roubos.
Para o ministro Luis Felipe Salomão, está fora de dúvida que o caso envolve relação de consumo, uma vez que o shopping disponibiliza estacionamento privativo, pago, e por isso fica obrigado a zelar pela segurança do veículo e pela integridade física do consumidor. “A empresa que fornece estacionamento aos veículos de seus clientes responde objetivamente pelos furtos, roubos e latrocínios ocorridos no seu interior, uma vez que, em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores, o estabelecimento assume o dever de lealdade e segurança, como aplicação concreta do princípio da confiança”, consignou o ministro em seu voto. Segundo Salomão, a responsabilidade civil objetiva do shopping center é evidenciada nos termos do artigo 14 do CDC: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” Além disso, o ministro citou a Súmula 130, segundo a qual "a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorrido em seu estacionamento". Para ele, esse texto não pode ser interpretado de forma restritiva, “no sentido de se fechar os olhos à situação dos autos, em que configurada efetivamente a falha do serviço – quer pela ausência de provas quanto à segurança do estacionamento, quer pela ocorrência do evento dentro das instalações do shopping”.

De acordo com o ministro, ainda que o crime não se tenha consumado, a aflição e o sofrimento da vítima não podem ser considerados simples aborrecimentos cotidianos, sobretudo tendo em vista que se encontrava acompanhada do filho menor e temia pela sua integridade física. “De fato, trata-se de ameaça à vida sob a mira de arma de fogo, o que, definitivamente, afasta-se sobremaneira do mero dissabor, sendo certo que o fato danoso insere-se na categoria de fortuito interno, uma vez que estreitamente vinculado ao risco do próprio serviço”, disse o ministro. Citando precedentes e doutrina, Luis Felipe Salomão concluiu que os danos indenizáveis não se resumem aos danos materiais decorrentes do efetivo dano, roubo ou furto do veículo estacionado nas dependências do estabelecimento comercial, mas se estendem também aos danos morais decorrentes da conduta ilícita de terceiro. Por maioria de três votos a dois, a Turma manteve a decisão que condenou o shopping a pagar indenização por dano moral.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Indenização por pirataria de software deve ter caráter punitivo e pedagógico

Em casos de pirataria de software, apenas o pagamento do valor dos programas de computador que foram utilizados sem licença não indeniza todos os prejuízos suportados pela vítima. O entendimento é da Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1403865 em 28/11/2013, aplicado no julgamento de recurso especial interposto pela Microsoft Corporation. A Turma aumentou o valor da indenização imposta à empresa STF Sistema de Transferência de Fax Ltda. pelo uso de softwares piratas. Medida cautelar de vistoria, feita na sede da empresa, constatou a utilização de 19 cópias não autorizadas de programas desenvolvidos pela Microsoft. A sentença, confirmada no acórdão de apelação, condenou a STF ao pagamento de indenização no valor de cada um dos programas, além de multa diária de R$ 1 mil, no caso de continuidade do uso.
A Microsoft recorreu da decisão ao STJ. Alegou que a reparação de danos por violação de direitos autorais, de acordo com o artigo 102 da Lei 9.610/98, deve ter caráter punitivo e pedagógico, isto é, não deve se limitar ao valor das cópias não autorizadas, pois restringir a indenização ao valor nominal seria um estímulo à prática ilícita. A relatora, ministra Nancy Andrighi, concordou com os argumentos apresentados pela Microsoft. Citou dados de uma pesquisa desenvolvida pela BSA – The Software Alliance, entidade internacional que congrega as empresas desenvolvedoras de programas de computador e implementa políticas de combate à pirataria de software. Segundo a entidade, disse a ministra, “se a pirataria fosse reduzida no Brasil em dez pontos percentuais nos próximos quatro anos, seriam criados mais de 12,3 mil postos de trabalho e mais de US$ 4 bilhões seriam devolvidos à economia brasileira”.

 “A mera compensação financeira mostra-se não apenas conivente com a conduta ilícita, mas estimula sua prática, tornando preferível assumir o risco de utilizar ilegalmente os programas, pois, se flagrado e processado, o infrator se verá obrigado, quando muito, a pagar ao titular valor correspondente às licenças respectivas”, disse a relatora. Tomando como base decisões proferidas pelo STJ em casos semelhantes, a Turma seguiu o voto da relatora para dar provimento ao recurso e elevou o valor da indenização para o equivalente a dez vezes o valor de mercado de cada um dos 19 softwares utilizados sem a licença.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Cláusula contratual que determina restituição de parcelas no fim da obra é abusiva

Na hipótese de rescisão de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, é abusiva a cláusula que determina a restituição dos valores pagos somente ao término da obra ou de forma parcelada. A decisão é da Segunda Seção do STJ, em 28/11/2013, ao julgar o REsp 1300418 em que se discutia a forma de devolução dos valores devidos ao promitente comprador, em razão da rescisão do contrato. Segundo os ministros, de acordo com as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC), deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do vendedor ou construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento. O recurso adotado como representativo de controvérsia é oriundo de Santa Catarina e foi julgado conforme o rito estabelecido pelo artigo 543-C do Código de Processo Civil. No caso em discussão, o tribunal local determinou a restituição imediata e em parcela única dos valores pagos pelo promitente comprador, em razão de desistência/inadimplemento do contrato.

Segundo o relator do recurso, ministro Luis Felipe Salomão, há muito tempo o STJ já firmou jurisprudência no sentido de que é abusiva, por ofensa ao artigo 51 do CDC, a cláusula contratual que determina a restituição somente ao término da obra, uma vez que o promitente vendedor poderá revender o imóvel a terceiros e, ao mesmo tempo, levar vantagem com os valores retidos. Para o ministro, essa cláusula significa ainda que "o direito ao recebimento do que é devido ao consumidor fica submetido ao puro arbítrio do fornecedor, uma vez que a conclusão da obra é providência que cabe a este com exclusividade, podendo, inclusive, nem acontecer ou acontecer a destempo”, ressaltou o ministro. Salomão destacou ainda que esse entendimento – segundo o qual os valores devidos pela construtora ao consumidor devem ser restituídos imediatamente – aplica-se independentemente de quem tenha dado causa à rescisão. O ministro lembrou que é antiga a jurisprudência da Segunda Seção do STJ no sentido de que o promitente comprador de imóvel pode pedir a resolução do contrato sob a alegação de que não está suportando as prestações. E acrescentou: “A resolução do contrato de promessa de compra e venda de imóvel por culpa do consumidor gera o direito de retenção, pelo fornecedor, de parte do valor pago, isso para recompor eventuais perdas e custos inerentes ao empreendimento, sem prejuízo de outros valores decorrentes.”

domingo, 22 de dezembro de 2013

Jornal Diário Catarinense deve pagar R$ 35 mil por danos morais

O periódico Diário Catarinense foi condenado a pagar R$ 35 mil de compensação por danos morais por exposição de imagem e violação da honra. A causa do processo foi a matéria intitulada “Negligência à Beira-Mar”, que abordava supostas infrações de trânsito cometidas em Santa Catarina. Segundo o autor da ação, a reportagem insinuou que ele estivesse observando peças íntimas de motoristas que transitavam próximas ao local onde ele estava, classificando a atitude como perigosa e de mau gosto, sem sequer preocupar-se em esconder seu rosto. No voto que norteou a decisão da Terceira Turma do STJ, ao julgar o REsp 1382680 em 27/11/2013, a relatora, ministra Nancy Andrighi, esclareceu que a liberdade de pensamento, a livre manifestação e o acesso à informação são direitos assegurados na atividade jornalística. Contudo, a Constituição Federal garante também o direito à honra e à reputação, os quais foram violados pelo jornal. A ministra explicou que nenhum desses direitos pode ser negado. Cabe ao aplicador da lei e ao legislador “buscar o ponto de equilíbrio onde os dois princípios mencionados possam conviver, exercendo verdadeira função harmonizadora”.
Segundo o voto, era direito da empresa ré noticiar o fato descrito na reportagem, mas, ao transmitir a ideia de que o autor da ação estava “imbuído de uma intenção maliciosa”, o jornal “acabou violando a sua honra”. Nancy Andrighi citou, ainda, três deveres que deveriam ser – mas não foram – cumpridos pela ré. Primeiro, o dever geral de cuidado, “pois não projetou, ao publicar a reportagem, as possíveis consequências identificáveis desta divulgação”; segundo, o dever de veracidade, “tendo em vista que a reportagem não se limitou a informar a infração de trânsito, ao contrário, fez conjecturas pejorativas a respeito da conduta de um cidadão comum que teve sua imagem divulgada”; por último, o dever de pertinência, “na medida em que se pode questionar qual o propósito dos comentários maliciosos em uma reportagem sobre infrações de trânsito”. No voto, foi ressaltado que a mera reprodução da fotografia no jornal, ou a mera descrição subjetiva da conduta do autor, cada uma isoladamente, não seria capaz de causar dano à sua honra. No entanto, a publicação conjunta da fotografia e dos comentários jocosos gerou constrangimentos e ofensa à honra. No recurso ao STJ, o jornal pediu também revisão da importância estabelecida para pagamento de danos morais, mas a relatora declarou ser impossível corrigir o valor se este não for abusivo ou irrisório, como já estabelecido na jurisprudência.

O jornal alegou violação de um artigo da Lei de Imprensa, cujo texto discorre sobre o direito de resposta da parte ofendida. Conforme a relatora, não é possível, contudo, sustentar argumentos com base nessa lei, pois o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou que ela não foi recepcionada pela Constituição de 88. "O recurso especial, quanto ao ponto, simplesmente não é conhecido, e a decisão impugnada é mantida, pela simples razão de que não se justifica acolher um recurso que invoca a aplicação de uma lei inválida”, declarou Nancy Andrighi.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Google terá de pagar R$ 50 mil a mulher que teve vídeo íntimo divulgado na internet

Apesar de não poder ser responsabilizada pela circulação do vídeo, aose comprometer a remover links para o material e depois descumprir o acordo, a Google Brasil Internet Ltda. terá de pagar indenização de R$ 50 mil a uma mulher que teve cenas íntimas publicadas na rede. A decisão é da Terceira Turma do STJ, em 27/11/2013. Para a ministra Nancy Andrighi, os provedores de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar de seus sistemas os resultados derivados de busca por certos termos ou que apontem para fotos ou textos específicos. “A proibição impediria os usuários de localizar reportagens, notícias e outras informações sobre o tema, muitas delas de interesse público. A vedação dificultaria até mesmo a divulgação do próprio resultado do presente julgamento”, comentou a relatora. Porém, no caso, a Google assumiu a obrigação de remover os resultados. Conforme a ministra, como a obrigação se mostrou impossível de ser cumprida – não por razões técnicas, mas por ameaçar concretamente a liberdade e o direito constitucional de informação –, deve ser mantida sua conversão em perdas e danos.
A mulher foi demitida da emissora de televisão em que trabalhava após o vídeo ser detectado em seu correio eletrônico corporativo. As imagens haviam sido gravadas no interior da empresa. Posteriormente, o vídeo foi publicado na rede social Orkut e podia ser facilmente localizado no serviço de busca também mantido pela Google. Daí a ação contra a empresa. A autora buscava fazer com que qualquer menção a seu nome, isoladamente ou associado à empresa de onde foi demitida, fosse removida dos serviços da Google. Pedia também que fossem fornecidos os dados de todos os responsáveis pela publicação de mensagens ofensivas a ela. Em audiência de conciliação, a Google se comprometeu a excluir dos resultados de buscas os sites com expressões referentes à autora da ação. A remoção de novas postagens ficaria condicionada à indicação, pela vítima, dos endereços eletrônicos.
O acerto foi descumprido. Em outra audiência conciliatória, a Google obrigou-se, em novo acordo, a excluir as páginas que a autora considerasse ofensivas, mediante o fornecimento de seus endereços à empresa. O acordo foi outra vez violado. A sentença reconheceu a impossibilidade de remoção das páginas que continham o vídeo na internet e converteu a obrigação em perdas e danos, fixando a indenização em R$ 50 mil. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a sentença, o que resultou em recursos especiais ao STJ por ambas as partes.
A ministra Nancy Andrighi ponderou que, apesar de a autora apontar que nunca teve a pretensão de ser indenizada, mas efetivamente de manter o sigilo de sua intimidade e vida sexual, ela se voltou apenas contra a Google, ignorando que outros serviços similares mantinham dezenas de milhares de resultados para os mesmos termos de busca. A relatora criticou o fato de as vítimas se voltarem não contra os responsáveis diretos pela postagem de conteúdo ofensivo, mas contra os provedores. “As vítimas muitas vezes relevam a conduta do autor direto do dano e se voltam exclusivamente contra o provedor, não propriamente por imputar-lhe a culpa pelo ocorrido, mas por mera conveniência, diante da facilidade de localizar a empresa e da certeza de indenização”, avaliou. Para a ministra, essas empresas, “na prática, não têm nenhum controle editorial sobre a mensagem ou imagem, limitando-se a fornecer meios para divulgação do material na web”. No entender da relatora, elas seriam alvo das ações apenas pela facilidade de serem identificadas e pelo seu poderio econômico, capaz de assegurar o pagamento de indenizações em caso de condenação. “Ainda que essas empresas ostentem a condição de fornecedores de serviços de internet – e, conforme o caso, possam ser solidariamente responsabilizadas –, o combate à utilização da internet para fins nocivos somente será efetivo se as vítimas deixarem de lado essa postura comodista, quiçá oportunista, aceitando que a punição deve recair preponderantemente sobre o autor direto do dano”, disse a relatora.

A ministra considerou ainda que o comportamento da empresa, no caso, foi totalmente reprovável, ao assumir judicialmente um compromisso para, em seguida, alegar suposta impossibilidade técnica de cumprimento. “A obrigação, da forma como posta nos acordos judiciais, não é tecnicamente impossível, inexistindo argumento plausível para explicar como o seu sistema não conseguiria responder a um comando objetivo, de eliminar dos resultados de busca determinadas palavras ou expressões”, explicou a relatora. “A própria ferramenta de pesquisa avançada da Google, acessível a qualquer usuário, permite entre outras coisas realizar busca com exclusão de determinados termos”, ponderou. Para a ministra, a obrigação assumida pela empresa é realmente impossível, mas do ponto de vista jurídico e não técnico. “O comportamento da Google, além de ter causado sentimento de frustração – criando para a autora a expectativa de estar resolvendo ao menos em parte o seu drama –, interferiu diretamente no trâmite da ação, gerando discussão incidental acerca do efetivo cumprimento dos acordos, que atrasou o processo em quase dois anos”, concluiu a relatora. Por esse motivo, a Terceira Turma considerou razoável o valor arbitrado pelas instâncias ordinárias e manteve a conversão da obrigação em indenização de R$ 50 mil por perdas e danos.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Provedor de conteúdo deve guardar dados de identificação de usuários por três anos

O fornecimento de dados de usuários de serviços de internet equipara-se à exibição de documentos, portanto eles devem ser preservados pelo prazo cabível para ajuizamento de ações relacionadas. Com esse entendimento, a Terceira Turma do STJ, so julgar o REsp 1398985, em 25/11/2013, estabeleceu que é de três anos o tempo de guarda dos registros de usuários de provedores de conteúdos. O período é contado da data de cancelamento do serviço. Conforme a ministra Nancy Andrighi, esse tempo se relaciona ao prazo de três anos para prescrição das ações de reparação civil, previsto no Código Civil (artigo 206, parágrafo 3º, inciso V). A ministra explicou que o Código Civil dispõe que o empresário é obrigado a guardar documentos relativos à sua atividade enquanto não ocorrer a prescrição ou decadência relativa aos atos registrados (artigo 1.194). Esse dispositivo deveria ser aplicado analogicamente ao caso.
O caso trata de mensagem ofensiva enviada por usuário do serviço Yahoo! Grupos. Um fórum formado por alunos e professores de uma faculdade foi usado para postagem de mensagem discriminatória contra um grupo de estudantes de baixa renda beneficiados por bolsas de estudo. Preocupada com a manifestação e considerando necessário se posicionar institucionalmente, a mantenedora da faculdade ingressou com medida cautelar contra o Yahoo! para identificação do responsável pela mensagem. O Yahoo! respondeu que não haveria obrigação legal de manter os dados, já excluídos de seus registros pelo cancelamento do serviço. Para o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), no entanto, mesmo com a conta cancelada o provedor teria obrigação de diligenciar junto a terceiros na busca da identificação do autor.
Conforme a ministra Nancy Andrighi, os gerenciadores de fóruns de discussão virtual são espécie de provedores de conteúdo. A responsabilidade, portanto, corresponde às atividades dessa natureza. Isto é, cabe aos gerenciadores de fóruns de discussão virtual a garantia do sigilo, da segurança e da inviolabilidade dos dados cadastrais dos usuários, além do funcionamento e manutenção das páginas que contenham os grupos de debate. Quanto à identificação dos usuários, a ministra esclareceu que a Terceira Turma já tem precedentes segundo os quais, no caso de serviços que possibilitam a livre divulgação de opiniões, é dever do fornecedor propiciar meios de registro dos usuários, coibindo o anonimato. Caso não o faça, assume os riscos dos danos causados a terceiros. Para a ministra, essa obrigação decorre da vedação ao anonimato (Constituição Federal, artigo 5º, inciso IV) e do dever de informação e transparência do fornecedor de serviço (Código de Defesa do Consumidor, artigo 6º, inciso III). “Ao oferecer um serviço de provedoria de conteúdo, deve o fornecedor obter e manter dados mínimos de identificação de seus usuários, com vistas a assegurar a eventuais prejudicados pela utilização indevida ou abusiva do serviço – consumidores por equiparação nos termos do artigo 17 do CDC – informações concretas sobre a autoria do ilícito”, afirmou a ministra. “Cuida-se de cautela básica, decorrente da legítima expectativa do consumidor – mesmo aquele que jamais tenha feito uso do serviço – de que, sendo ofendido por intermédio de um site, o seu provedor tenha condições de individualizar o usuário responsável”, completou.
A relatora destacou ainda que não se trata de buscar burocratização excessiva da internet. Porém, em seu entender, é necessário encontrar um limite para o anonimato de seus usuários, promovendo um equilíbrio entre o mundo virtual e o material, proporcionando segurança às relações estabelecidas pela rede sem tolher sua informalidade peculiar. “Por mais que se queira garantir a liberdade daqueles que navegam na rede, reconhecendo-se essa condição como indispensável à própria existência e desenvolvimento da internet, não podemos transformá-la numa ‘terra de ninguém’, onde, sob o pretexto de não aniquilar as suas virtudes, se acabe por tolerar sua utilização para a prática dos mais variados abusos”, asseverou a ministra Nancy Andrighi.

A ministra contrariou, porém, o TJMG em relação à obrigação do Yahoo! de buscar junto a terceiros os dados excluídos de sua base. Como a medida cautelar tem caráter satisfativo – identificar o responsável pelo ato ofensivo – e o Yahoo! descartou os documentos que deveria ter mantido, a exibição desses dados fica impossibilitada. Conforme a relatora, não se pode exigir da empresa que busque esses dados junto a terceiros, até porque não dispõe de poder de polícia para forçar a entrega das informações. Porém, isso não prejudica eventual direito da universidade a buscar reparação pela conduta omissiva do Yahoo!.  Apesar de atender parcialmente à pretensão recursal do Yahoo!, a ministra Nancy Andrighi condenou a empresa a arcar com honorários advocatícios de R$ 5 mil, em observância ao princípio da causalidade.

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Igreja é condenada a indenizar vítima de padre pedófilo

A Terceira Turma STJ, ao julgar o REsp 1393699 em 25/11/2013, decidiu que a Igreja Católica deve ser responsabilizada civilmente, de maneira solidária e objetiva,pelos danos advindos de delito cometido por algum de seus padres. No recurso especial que envolveu a Mitra Diocesana de Umuarama (PR) e um padre que cometeu crimes sexuais contra menor, o colegiado também discutiu o prazo prescricional para ajuizamento de ação reparatória de danos morais pela vítima, quando a ação penal é proposta pelo Ministério Público dentro do prazo de três anos. A vítima ajuizou ação de compensação por danos morais contra a mitra e o padre, que havia confessado o crime no processo penal. A sentença reconheceu o ato ilícito do sacerdote, que ofendeu a integridade moral do menor, e condenou tanto ele quanto a mitra a pagar indenização no valor de R$ 100 mil, metade para cada um, de forma solidária. O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) negou provimento às apelações, reconhecendo a responsabilidade solidária da igreja, já que o padre era subordinado a ela. Em recurso ao STJ, a mitra alegou ofensa a dispositivos do Código Civil, do Código de Processo Civil e do Decreto 7.107/10, que promulgou acordo entre o governo brasileiro e a Santa Sé para adoção do Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. A entidade eclesiástica sustentou que não haveria responsabilidade solidária e objetiva de sua parte, visto que a autoria do delito era de terceiro. Alegou ainda que a pretensão da vítima, de reparação na esfera civil por danos morais, estaria prescrita, pois a ação teria sido ajuizada mais de três anos após os fatos.
A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, lembrou que a própria mitra afirmou que o padre acusado desenvolvia trabalho voluntário e vocacional de ordem religiosa, vinculado à entidade, cumprindo funções, horários e normas da administração da paróquia. Esse fato é suficiente para configurar a relação de preposição, nos termos do artigo 932 do Código Civil de 2002 (CC/02), pois, conforme prega a doutrina, “a preposição tem por essência a subordinação” – afirmou a ministra. Segundo Nancy Andrighi, o STJ ampliou o conceito de preposição há muito tempo, para além das relações empregatícias, ao decidir que “não é preciso que exista um contrato típico de trabalho, sendo suficiente a relação de dependência ou que alguém preste serviço sob o interesse e o comando de outrem” (REsp 304.673). A regra, conforme mencionou a ministra, é a responsabilidade civil individual, porém, “existem situações em que o ordenamento jurídico atribui a alguém, independentemente de culpa sua, a responsabilidade solidária por ato de outrem, considerando, para tanto, determinada relação jurídica havida entre eles (artigos 932 e 933 do CC/02)”. A relatora alertou que “mais do que uma simples relação de subordinação, o ministro ordenado é para os fiéis a própria personificação da Igreja Católica, no qual, em razão do desempenho de tão importante papel, depositam justas expectativas de retidão moral e santidade”. Nesse contexto, acrescentou, “mostra-se ainda mais reprovável o comportamento do réu, que, sob o manto do sacerdócio e aproveitando-se dele, abusando, pois, da lídima crença que lhe era devotada em razão de sua qualidade de padre, convencia as vítimas menores a pernoitar na casa paroquial em sua companhia, para praticar atos libidinosos”. Por isso, segundo a ministra, é necessário que se lance um olhar “mais crítico e realista acerca da relação havida entre as instituições eclesiásticas e seus servidores. A igreja não pode ser indiferente – em especial no plano da responsabilidade civil, frise-se – aos atos praticados por quem age em seu nome ou em proveito da função religiosa que se lhe atribui, sob pena de trair a confiança que nela própria depositam os fiéis”.

A relatora explicou que, no âmbito civil, aquele que por ato ilícito causa dano a outrem tem o dever de repará-lo (artigo 927 do CC/02). E no âmbito penal, um dos efeitos da condenação é tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime (artigo 91, I, do Código Penal). Dessa forma, “quem pretende ser ressarcido dos danos sofridos com a prática do delito pode escolher, de duas, uma: ajuizar a correspondente ação reparatória ou aguardar o desfecho da ação penal, para, então, executar ou liquidar o título constituído, conforme o caso”. De acordo com Nancy Andrighi, no momento em que toma conhecimento do autor do crime, nasce para o ofendido a pretensão de exigir reparação, que se extingue no prazo de três anos, em tese. Mas se, nesse período, for iniciado procedimento criminal para apuração do mesmo fato, a prescrição fica suspensa até a sentença penal definitiva. Nesse sentido, a relatora citou precedentes do STJ como o AgRg no AREsp 268.847, de relatoria própria, e o REsp 665.783, do ministro Aldir Passarinho Junior. Por isso, continuou a ministra, “se o procedimento criminal não for iniciado no lapso temporal de três anos, não há falar em suspensão da prescrição da pretensão reparatória no juízo cível, de modo que, nesse caso, a inércia da parte em propor a ação de conhecimento naquele prazo será punida com a extinção da pretensão, restando-lhe apenas a possibilidade de executar a sentença definitivamente proferida pelo juízo criminal”. No caso julgado, conforme ressaltou a ministra, não houve prescrição na área civil, porque o crime havia sido cometido em 2002 e a denúncia oferecida pelo Ministério Público ao juízo criminal foi recebida em 2004 – dentro, portanto, dos três anos, o que levou à suspensão do prazo prescricional.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Revista Veja não terá de indenizar deputado Costa Neto por reportagem sobre envolvimento com mensalão

A Terceira Turma do STJ, em 21/11/2013, rejeitou o REsp 1414887 do deputado Valdemar Costa Neto e da esposa de seu pai, já falecido, que visava à condenação da revista Veja a lhes pagar indenização por veiculação de reportagem que consideraram sensacionalista, caluniosa e ofensiva. A reportagem apontava o envolvimento do deputado com o esquema do “mensalão”; e de seu pai, com a remessa ilegal de dinheiro ao exterior e favorecimento de empresa em contratos de empréstimos públicos. Para a ministra Nancy Andrighi, a revista não excedeu seu direito de liberdade de informação. A reportagem “Revelações de um corretor” embasou-se em depoimentos prestados por um suposto corretor de câmbio à Procuradoria-Geral da República (PGR), em regime de delação premiada. A investigação realmente ocorreu e culminou no recebimento da denúncia pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e posterior condenação de diversos envolvidos, inclusive do deputado citado, o qual ainda aguarda julgamento de seu recurso contra a decisão.“Verifica-se da leitura da matéria que a revista deixa claro que as informações divulgadas tiveram como fonte os depoimentos prestados”, afirmou a ministra. “A reportagem não conclui que o deputado e seu pai são culpados ou que efetivamente tinham envolvimento com o esquema de corrupção para o desvio de recursos públicos, mas apenas informa a existência de investigações sobre as informações prestadas pelo corretor de câmbio à PGR”, esclareceu a relatora. “A revista sempre tomou o cuidado de destacar, por diversas vezes, que toda a notícia estava fundada ‘no depoimento do sr. [...] junto à PGR”, completou.

A ministra reafirmou a tese de que não se pode esperar das notícias jornalísticas o mesmo grau de veracidade de um procedimento judicial, por exemplo. Para ela, o noticiário divulga notícias satisfazendo interesse público verdadeiro e deve, por isso, ser célere e eficaz. Aliás, no caso do “mensalão”, muitas vezes, elas foram divulgadas em tempo real, inclusive com a transmissão “ao vivo” do julgamento pelo STF. “O veículo de comunicação exime-se de culpa quando busca fontes fidedignas, quando exerce atividade investigativa, ouve as diversas partes interessadas e afasta quaisquer dúvidas sérias quanto à veracidade do que divulgará”, explicou a ministra Nancy. Mas a relatora ponderou: “A diligência que se deve exigir da imprensa, de verificar a informação antes de divulgá-la, não pode chegar ao ponto de que notícias não possam ser veiculadas até que haja certeza plena e absoluta de sua veracidade.” Para a ministra, a revista foi diligente na divulgação da informação, sem atuar com abuso ou excesso. As notícias estavam baseadas nos depoimentos prestados à PGR e acabaram resultando na denúncia e condenação do deputado Valdemar Costa Neto pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no chamado “escândalo do mensalão”. Ela concluiu afirmando que se não houve ato ilícito, não há que se falar em indenização por responsabilidade civil.

terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Empresa de intercâmbio terá de indenizar família de menor vítima de furto

O ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o AREsp 354452 em 21/11/2013, manteve decisão que condenou a empresa Student Travel Bureau Viagens e Turismo Ltda. a indenizar família de menor por falha no serviço de intercâmbio cultural no exterior. No caso, o menor teve bens furtados pelo irmão de sua anfitriã, no interior da casa acolhedora, o que lhe gerou grande insegurança e grande aflição a seus pais. Ante a recusa da empresa de promover a troca da família hospedeira, da cidade e da escola, os pais optaram por buscar o menor arcando com os custos de deslocamento, estadia e alimentação. No recurso, a empresa alegou que os serviços contratados foram adequadamente prestados, sem falhas ou defeitos. Afirmou que o contrato firmado entre as partes compreendia a mera intermediação de programa de intercâmbio. Alegou, também, a inexistência de provas de dano moral sofrido pelo menor. Quanto à indenização por danos materiais, relativa à compensação dos valores gastos pelos pais do menor em viagem para trazê-lo de volta ao Brasil, a empresa considerou que essa operação de “resgate” foi desnecessária e precipitada. Ao decidir, o ministro Salomão afirmou que a análise da questão reclama o revolvimento do conjunto fático-probatório, vedado em sede de recurso especial, como estabelece a Súmula 7 do STJ.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

DIREITO CIVIL. IMPOSSIBILIDADE DE PRISÃO CIVIL DO INVENTARIANTE PELO INADIMPLEMENTO DE PENSÃO ALIMENTÍCIA.

Não cabe prisão civil do inventariante em razão do descumprimento do dever do espólio de prestar alimentos. Isso porque a restrição da liberdade constitui sanção de natureza personalíssima que não pode recair sobre terceiro, estranho ao dever de alimentar. De fato, a prisão administrativa atinge apenas o devedor de alimentos, segundo o art. 733, § 1°, do CPC, e não terceiros. Dessa forma, sendo o inventariante um terceiro na relação entre exequente e executado – ao espólio é que foi transmitida a obrigação de prestar alimentos (haja vista o seu caráter personalíssimo) –, configura constrangimento ilegal a coação, sob pena de prisão, a adimplir obrigação do referido espólio, quando este não dispõe de rendimento suficiente para tal fim. Efetivamente, o inventariante nada mais é do que, substancialmente, auxiliar do juízo (art. 139 do CC/2002), não podendo ser civilmente preso pelo descumprimento de seus deveres, mas sim destituído por um dos motivos do art. 995 do CC/2002. Deve-se considerar, ainda, que o próprio herdeiro pode requerer pessoalmente ao juízo, durante o processamento do inventário, a antecipação de recursos para a sua subsistência, podendo o magistrado conferir eventual adiantamento de quinhão necessário à sua mantença, dando assim efetividade ao direito material da parte pelos meios processuais cabíveis, sem que se ofenda, para tanto, um dos direitos fundamentais do ser humano, a liberdade. Precedente citado: REsp 1.130.742-DF, Quarta Turma, DJe 17/12/2012. HC 256.793-RN, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 1º/10/2013.

Credor não tem legitimidade para pedir reconhecimento de união estável do devedor

Ainda que possa haver interesse econômico ou financeiro de terceiros no reconhecimento da união estável, ele terá caráter reflexo e indireto, o que não justifica a intervenção desses terceiros na relação processual que tem por objetivo declarar a existência de relacionamento afetivo entre as partes. Com esse entendimento, a Terceira Turma do STJ, em 19/11/2013, negou provimento a recurso especial interposto por um credor, que pleiteava o direito de propor ação declaratória de união estável entre a devedora e uma pessoa falecida. Além do reconhecimento da relação familiar, o credor pediu a partilha de bens do casal, a fim de que a devedora recebesse a meação devida em processo de inventário e, consequentemente, tivesse patrimônio para saldar a dívida que contraiu.
A sentença extinguiu o processo sem resolução de mérito, sob o fundamento de ilegitimidade ativa do autor para pleitear o reconhecimento da união estável entre a ré e terceiro. O acórdão de apelação chegou à mesma conclusão: “Não é dotado de legitimidade ad causam para propor ação de reconhecimento de união estável cumulada com partilha o credor de um dos conviventes.” No STJ, o credor alegou violação do artigo 3º do Código de Processo Civil (CPC). Disse que teria interesse e legitimidade para propor a ação, porque a devedora estaria ocultando a união, não se habilitando no inventário do companheiro exatamente para evitar que o valor devido fosse penhorado.

A ministra Nancy Andrighi, relatora, afastou a violação ao CPC. Para ela, “a legitimidade, como condição da ação, implica a existência de uma relação de pertinência subjetiva entre o sujeito e a causa, ou seja, uma relação de adequação legítima entre o autor da ação e a tutela jurisdicional pretendida”. Para a relatora, não há relação de pertinência subjetiva na situação dos autos porque, mesmo na condição de credor, ele não é titular da relação jurídica que pretende ver declarada. Nancy Andrighi disse ainda que “não interessam os motivos pelos quais a recorrida não se habilitou no inventário. O que importa é que somente ela tem direito a pleitear o reconhecimento dessa condição. Em outras palavras, somente ela tem legitimidade para requerer a declaração de união estável e a aplicação dos efeitos decorrentes dessa declaração”.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

DIREITO CIVIL. POSSIBILIDADE DE FINANCIAMENTO DO IOF. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).

Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais. Não se discute que a obrigação tributária arrecadatória e o recolhimento do tributo à Fazenda Nacional são cumpridos por inteiro pela instituição financeira, o agente arrecadador, de sorte que a relação existente entre esta e o mutuário é decorrente da transferência ao Fisco do valor integral da exação tributária. Esse é o objeto do financiamento acessório, sujeito às mesmas condições e taxas do mútuo principal destinado ao pagamento do bem de consumo. Nesse contexto, o fato de a instituição financeira arrecadadora financiar o valor devido pelo consumidor à Fazenda não padece de ilegalidade ou abusividade. Ao contrário, atende aos interesses do financiado, que não precisa desembolsar de uma única vez todo o valor, ainda que para isso esteja sujeito aos encargos previstos no contrato. Tese firmada para fins do art. 543-C do CPC: “Podem as partes convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais.” REsp 1.251.331-RS e REsp 1.255.573-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgados em 28/8/2013.

Remoção de conteúdo ilícito da internet depende de indicação do endereço

O cumprimento do dever de remoção preventiva de mensagens consideradas ilegais ou ofensivas depende da indicação,pelo denunciante, do endereço virtual (URL) da página em que estiver inserido o conteúdo. A decisão é da Terceira Turma do STJ, em 22/11/2013, ao julgar o REsp 1396417 interposto pela Google Brasil Internet Ltda. O caso envolveu ação de indenização, por danos morais e materiais, ajuizada pela empresa Automax Comercial Ltda. Uma página criada no site de relacionamentos Orkut, mantida pela Google, veiculou a logomarca da empresa sem autorização, além de incluir conteúdo ofensivo à sua imagem. A sentença determinou que a Google retirasse a logomarca não apenas da página mencionada, mas de todo o Orkut, no prazo de 48 horas, sob pena de multa diária de R$ 1.000. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) manteve a sentença. No STJ, a Google argumentou que a decisão impôs obrigação impossível de ser cumprida. Disse não possuir meios de monitorar todo o conteúdo postado no Orkut, na busca de páginas que contivessem a logomarca da empresa. Além disso, tal atitude poderia ferir a privacidade dos usuários.
A ministra Nancy Andrighi, relatora, reconheceu que não se pode exigir do provedor a fiscalização de todo o conteúdo publicado no site, não somente pela impossibilidade técnica e prática, mas também pelo risco de comprometer a liberdade de expressão. “Não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação”, esclareceu. Os provedores, segundo a ministra, não respondem objetivamente pela inserção de conteúdos ofensivos ou violadores de direitos autorais, e não podem ser obrigados a exercer controle prévio do material inserido.

Nancy Andrighi esclareceu que o controle de postagens consideradas ilegais ou ofensivas é feito por meio de denúncias. Os interessados informam o endereço da página onde está inserido o conteúdo ilegal e o provedor deve excluir aquela mensagem no prazo de 24 horas, para apreciar a veracidade das alegações. Com esse entendimento, a relatora reformou o acórdão do TJMG para condenar a Google a excluir o conteúdo apenas da página apontada pela Automax, no prazo máximo de 24 horas, contado da denúncia, sob pena de incidência de multa diária de R$ 1.000, limitada a R$ 50 mil.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

DIREITO CIVIL. TARIFAS DE ABERTURA DE CRÉDITO E DE EMISSÃO DE CARNÊ ATÉ 30/4/2008. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).

Nos contratos bancários celebrados até 30/4/2008 (fim da vigência da Resolução 2.303/1996 do CMN), era válida a pactuação de Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e de Tarifa de Emissão de Carnê (TEC), ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto. Nos termos dos arts. 4º e 9º da Lei 4.595/1964, recebida pela CF como lei complementar, compete ao Conselho Monetário Nacional (CMN) dispor sobre taxa de juros e sobre a remuneração dos serviços bancários e ao Bacen fazer cumprir as normas expedidas pelo CMN. Ao tempo da Resolução CMN 2.303/1996, a orientação estatal quanto à cobrança de tarifas pelas instituições financeiras era essencialmente não intervencionista. A regulamentação facultava às instituições financeiras a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços, com exceção daqueles que a norma definia como básicos, desde que fossem efetivamente contratados e prestados ao cliente, assim como respeitassem os procedimentos voltados a assegurar a transparência da política de preços adotada pela instituição. A cobrança das tarifas TAC e TEC é, portanto, permitida se baseada em contratos celebrados até o fim da vigência da Resolução 2.303/1996 do CMN, ressalvado abuso devidamente comprovado caso a caso, por meio da invocação de parâmetros objetivos de mercado e circunstâncias do caso concreto, não bastando a mera remissão aos conceitos jurídicos abstratos ou à convicção subjetiva do magistrado. Tese firmada para fins do art. 543-C do CPC: “Nos contratos bancários celebrados até 30.4.2008 (fim da vigência da Resolução CMN 2.303/96) era válida a pactuação das tarifas de abertura de crédito (TAC) e de emissão de carnê (TEC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador, ressalvado o exame de abusividade em cada caso concreto”. REsp 1.251.331-RS e REsp 1.255.573-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgados em 28/8/2013.

CBF não receberá dano moral pelo uso indevido de sua marca

O uso indevido de uma marca nãoimplica necessariamente dano moral ao seu titular. A ofensa à honra e à reputação do titular da marca precisa ser demonstrada para dar direito a esse tipo de indenização. Com essas considerações, a Terceira Turma do STJ, em 22/11/2013, negou o REsp 1372136 da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que pretendia ser indenizada por danos morais em razão de uso de sua marca em mercadorias de uma microempresa fabricante de bolsas, bijuterias e acessórios. A relatora do recurso é a ministra Nancy Andrighi. Inicialmente, a sentença determinou que a empresa se abstivesse de comercializar produtos com o emblema da CBF e condenou-a ao pagamento do valor equivalente a três mil exemplares do produto apreendido. Para tanto, seguiu o artigo 103, parágrafo único, da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98), segundo o qual, não se conhecendo o número de exemplares que constituem a edição não autorizada de obra literária, artística ou científica, o transgressor deverá pagar o valor de três mil exemplares, além dos apreendidos. A sentença ainda reconheceu a ocorrência de dano moral, e fixou-o no dobro desse valor. Ao julgar a apelação da empresa, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afastou a indenização por dano moral, por entender que sua ocorrência não estaria demonstrada. Afirmou que o dano moral não decorre automaticamente do fato, já que a CBF é “entidade administradora de desporto, que não se dedica ao mesmo ramo de atividade explorado pela empresa”. Quanto ao dano material, o TJSP entendeu que a aplicação por analogia da Lei de Direitos Autorais, no caso, não seria cabível, pois a CBF poderia demonstrar quanto deixou de lucrar por não terem sido pagos royalties. O TJSP limitou a indenização material ao valor dos bens efetivamente apreendidos, atualizado e acrescido de juros de mora.
A CBF recorreu, então, ao STJ, pedindo o aumento da indenização por dano material e o restabelecimento da reparação por dano moral. A Terceira Turma reconheceu a ocorrência do dano material, mas destacou que a indenização não poderia ficar restrita ao valor dos bens que foram apreendidos. Para a relatora, trata-se de violação da marca, direito regulado pela Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96), que tem critérios específicos para quantificação do dano material (artigo 210). Assim, o valor será determinado pelo critério mais favorável à CBF, a ser quantificado em liquidação de sentença: benefícios que teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; benefícios auferidos pela empresa violadora do direito ou, ainda, remuneração que a empresa violadora teria pago à CBF pela concessão de uma licença para explorar o bem.
Quanto ao dano moral, a ministra Nancy Andrighi afirmou que deve ser comprovado, pois não é presumido. No caso, a CBF tem a finalidade de organizar e coordenar a prática de atividades ligadas ao futebol. Sua principal atividade econômica é a produção e promoção de eventos esportivos e não a venda de produtos com sua marca. A ministra lembrou que o dano moral da pessoa jurídica corresponde hoje, em nosso sistema legal, à lesão a direito de personalidade, e a marca não integra a personalidade do seu titular. “Ela apenas designa um produto e sua violação traz diretamente danos materiais. Até poderá haver lesão à honra subjetiva do titular, mas apenas em algumas hipóteses”, explicou. A relatora citou o caso do REsp 1.174.098, em que houve lavratura de protestos em desfavor da empresa, e o REsp 466.761, em que produtos voltados para público exclusivo foram vulgarizados com a exposição do produto falsificado. Tratando-se de produtos de qualidade inferior, com a insatisfação do consumidor, quem passa a ser malvisto não é o falsificador, mas a empresa vítima da falsificação.

No caso julgado, não se tem informação sobre a qualidade dos produtos falsificados. Além disso, refletiu a ministra, há a peculiaridade de que as pessoas que adquirem os produtos licenciados pela CBF “estão muito mais interessadas em ostentar algo que tenha relação com a seleção brasileira de futebol do que com a marca CBF propriamente dita”. Em seu voto, a ministra também explicou que a falsificação é uma usurpação de parte da identidade do fabricante. O falsificador cria confusão de produtos e se faz passar pelo legítimo fabricante de bens que circulam no mercado. No caso em análise, entretanto, como a atividade primordial da CBF não é a comercialização de produtos, o público não deixa de reconhecê-la ou passa a ter uma imagem negativa a seu respeito somente porque foram comercializados produtos falsificados com a sua marca. Por isso, segundo a relatora, era necessária a demonstração efetiva do dano moral, o que não foi feito pela CBF.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Biografias, Privacidade e Indenização, por Anderson Schreiber - Carta Forense

ATUALIDADE  

Biografias, Privacidade e Indenização

05/12/2013 por Anderson Schreiber
 
 
 
Procurador do Estado do Rio de Janeiro. Professor Adjunto de Direito Civil da UERJ. Doutor em Direito Privado Comparado pela Università degli Studi del Molise (Itália). Mestre em Direito Civil pela UERJ. Autor de várias obras, dentre elas Direitos da Personalidade, Editora Atlas.
 
Muitos jornalistas e historiadores têm lembrado que o que está em jogo no amplo debate público instaurado em torno das biografias não autorizadas é bem mais que o direito de escrever biografias sem pedir autorização aos biografados: é a liberdade de expressão numa sociedade democrática, aí incluídas a liberdade científica dos historiadores e a própria liberdade de imprensa. Nada mais verdadeiro. Entretanto, cumpre notar que o que está em jogo do outro lado da disputa também é algo bem maior que a eventual resistência de biografados à divulgação de fatos da sua vida particular: é o direito à privacidade na sociedade brasileira.

Nunca tivemos, entre nós, uma cultura da privacidade. Ao contrário: no Brasil, cuja crônica política tem sido marcada por escândalos de corrupção, a privacidade é vista quase sempre como uma aspiração suspeita, coisa de quem tem algo a esconder. Quando uma operação policial obtém provas de um esquema criminoso por meio de escutas telefônicas ou da invasão de computadores sem prévia autorização judicial, ninguém parece muito preocupado com a privacidade. Invoca-se um “bem maior” – a segurança pública – diante do qual toda menção à privacidade acaba desqualificada, como preocupação menor, como artigo de luxo. De modo semelhante, quando uma celebridade reclama publicamente que sua vida privada foi invadida, a irresignação acaba sendo visto como incongruência (“quem mandou viver da fama?”) ou como capricho quase irreal numa sociedade marcada por uma exposição cada vez mais intensa, na internet, nas redes sociais, nos reality shows.

Mas é justamente nesses momentos que o direito à privacidade se torna mais importante. Quando a evolução tecnológica permite que o empregador monitore indiscretamente o conteúdo dos e-mails do seu empregado, quando a fotografia ou a digital de cada cidadão é colhida como etapa necessária do seu ingresso em prédios comerciais, quando cada um de nós passa a receber mensagens publicitárias no telefone celular enviadas por empresas a quem nunca fornecemos nossos dados, é aí que a atuação da ordem jurídica se torna imprescindível para instituir algum controle social sobre práticas que quase distraidamente vão afrontando nossa privacidade e colecionando nossos dados pessoais, sempre em nome de um suposto bem maior, cada vez mais diminuto. Ao revelar que telefonemas e e-mails de centenas de brasileiros, incluindo a Presidente da República, foram monitorados por uma agência norte-americana, o caso Snowden demonstrou como pode ser falacioso o discurso segundo o qual a privacidade deve ceder à segurança pública. Uma vez que a privacidade é rompida, ninguém mais pode dizer se os dados obtidos estão sendo usados realmente para “garantir” a segurança de um país ou, muito diversamente, para favorecer interesses comerciais de concorrentes da Petrobras. Essa é uma característica inerente à privacidade: não se pode aplicá-la apenas às informações que devam justificadamente permanecer privadas. Para avaliar a justificativa, seria necessário conhecer tais informações e isso representaria violação à privacidade por si só. Não há, portanto, um direito à privacidade das informações privadas importantes. Ou há direito a manter informações na esfera privada ou não há. Do mesmo modo, não há um direito à privacidade que se aplique só aos Chefes de Estado ou só às pessoas que não são suspeitas de crimes ou só às pessoas anônimas. Ou há um direito à privacidade para todos ou não há.

A Constituição de 1988 protege a privacidade não apenas como um direito, mas como um direito fundamental. Também a liberdade de expressão consiste em direito fundamental aos olhos do Constituinte. O tema das biografias não autorizadas é fascinante justamente porque opõe esses dois direitos fundamentais. Quando dois direitos do mesmo grau hierárquico entram em confronto, a solução não pode ser nunca a eliminação prévia de um em favor do outro. Deve-se buscar sempre uma solução de equilíbrio, de concessões recíprocas, de definição de limites da atuação de um direito e de outro, sem que um deles prevaleça, a priori e em abstrato, sobre o outro.

A tese de que biografias só podem circular se forem precedidas da autorização do biografado é uma tese inconstitucional porque faz com que o direito à privacidade prevaleça, a priori e em abstrato, sobre a liberdade de expressão. Entretanto, a tese de que uma biografia pode tratar de todo e qualquer aspecto da vida privada do biografado, sendo eventuais conflitos resolvidos por meio de indenização posterior ao biografado, também é uma tese inconstitucional. Pelo erro oposto: faz com que a liberdade de expressão prevaleça a priori e em abstrato sobre a privacidade. A tese da indenização, note-se, não representa um meio-termo porque, em última análise, permite que a privacidade seja violada por quem quer que se disponha a pagar o preço da violação. Ora, o que a Constituição assegura a todo cidadão não é o direito a ser indenizado por violações à privacidade; é o direito à privacidade em si. A indenização é um remédio subsidiário, para quando nada mais funciona; não pode ser o remédio principal para a violação de um direito fundamental, protegido pelo Constituinte.

Façamos o exercício reverso: se um biógrafo que, com suor, trabalho e intelecto, escreveu uma biografia a visse proibida de circular, mas recebesse a notícia de que o biografado lhe pagaria uma indenização em dinheiro, estaria resguardada a sua liberdade de expressão? É evidente que não. A indenização nada resolve. O que a Constituição garante é a liberdade de expressão, não é dinheiro em pagamento pela violação a essa liberdade de expressão. O mesmo vale para a privacidade.

A solução indenizatória, num sentido ou noutro, desnivela a balança. Uma solução verdadeiramente equilibrada à luz do texto constitucional seria a definição de limites recíprocos entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade. O Projeto de Lei 393/2011, que tramita no Congresso Nacional, poderia ser alterado para instituir esses limites recíprocos, por exemplo, limitando a possibilidade de concessão de liminares aos casos em que houvesse fundado risco de divulgação de dados sigilosos – como aqueles detidos apenas por médicos, advogados ou terapeutas – ou de divulgação dos chamados dados sensíveis – assim entendidos aqueles que, embora não sendo sigilosos, possam com sua revelação causar forte impacto emocional sobre o biografado, como o detalhamento do sofrimento de crimes ou de submissão à tortura, por exemplo. Para além do Projeto de Lei, o Supremo Tribunal Federal também terá a chance de estabelecer parâmetros e balizas para a colisão entre o direito à privacidade e a liberdade de expressão, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815. Uma solução equilibrada pode ser encontrada se a nossa Suprema Corte conseguir escapar à miragem da indenização como via intermediária. Uma verdadeira ponderação entre direitos fundamentais se faz necessária.

DIREITO CIVIL. TARIFAS DE ABERTURA DE CRÉDITO E DE EMISSÃO DE CARNÊ E TARIFA DE CADASTRO APÓS 30/4/2008. RECURSO REPETITIVO (ART. 543-C DO CPC E RES. 8/2008-STJ).

Não é possível a pactuação de Tarifa de Abertura de Crédito (TAC) e de Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) após 30/4/2008 (início da vigência da Resolução 3.518/2007 do CMN), permanecendo válida a pactuação de Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira. Com o início da vigência da Resolução 3.518/2007 do CMN, em 30/4/2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pelo Bacen. Em cumprimento ao disposto na referida resolução, o Bacen editou a Circular 3.371/2007. A TAC e a TEC não foram previstas na Tabela anexa à referida Circular e nos atos normativos que a sucederam, de forma que não mais é válida sua pactuação em contratos posteriores a 30/4/2008. Permanece legítima, entretanto, a estipulação da Tarifa de Cadastro, a qual remunera o serviço de "realização de pesquisa em serviços de proteção ao crédito, base de dados e informações cadastrais, e tratamento de dados e informações necessários ao inicio de relacionamento decorrente da abertura de conta de depósito à vista ou de poupança ou contratação de operação de crédito ou de arrendamento mercantil, não podendo ser cobrada cumulativamente" (Tabela anexa à vigente Resolução 3.919/2010 do CMN, com a redação dada pela Resolução 4.021/2011). Ademais, cumpre ressaltar que o consumidor não é obrigado a contratar esse serviço de cadastro junto à instituição financeira, pois possui alternativas de providenciar pessoalmente os documentos necessários à comprovação de sua idoneidade financeira ou contratar terceiro (despachante) para fazê-lo. Tese firmada para fins do art. 543-C do CPC: “Com a vigência da Resolução CMN 3.518/2007, em 30.4.2008, a cobrança por serviços bancários prioritários para pessoas físicas ficou limitada às hipóteses taxativamente previstas em norma padronizadora expedida pela autoridade monetária. Desde então, não mais tem respaldo legal a contratação da Tarifa de Emissão de Carnê (TEC) e da Tarifa de Abertura de Crédito (TAC), ou outra denominação para o mesmo fato gerador. Permanece válida a Tarifa de Cadastro expressamente tipificada em ato normativo padronizador da autoridade monetária, a qual somente pode ser cobrada no início do relacionamento entre o consumidor e a instituição financeira.” REsp 1.251.331-RS e REsp 1.255.573-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgados em 28/8/2013.

Falta de publicidade do direito a voto de acionistas preferenciais não anula assembleia

A publicidade que se exige para a realização da assembleia geral ordinária em uma sociedade anônima não inclui a divulgação de direitos legalmente expressos, que já devem ser do conhecimento dos acionistas. Esse foi o entendimento aplicado pela Terceira Turma do STJ, em 20/11/2013, ao negar provimento ao REsp 1152849 interposto por alguns acionistas da Maternidade Octaviano Neves S/A, localizada em Minas Gerais. Os acionistas ajuizaram ação com o objetivo de ver anulada uma assembleia geral ordinária. Alegaram que, durante a reunião, foram votadas e discutidas matérias que não constavam da ordem do dia e que a aquisição do direito a voto pelos acionistas preferenciais também não foi informada, por ocasião da convocação. A primeira e a segunda instância reconheceram que, na convocação para a assembleia geral ordinária, houve omissão dos assuntos deliberados apontados pelos acionistas. A sentença, confirmada no acórdão de apelação, decretou a nulidade apenas desses itens, que não foram levados ao conhecimento prévio dos interessados.
Quanto à falta de divulgação do direito ao voto dos acionistas preferenciais, entretanto, as alegações não prosperaram. De acordo com o artigo 111 da Lei 6.404/76 (Lei das S/A), os detentores de ações preferenciais adquirem direito a voto quando "a companhia, pelo prazo previsto no estatuto, não superior a três exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos fixos ou mínimos a que fizerem jus". O direito é conservado até o pagamento dos dividendos atrasados. No caso dos autos, a ausência de pagamento foi verificada nos exercícios de 2001, 2002 e 2003, o que concedeu aos preferencialistas o direito a voto. De acordo com a sentença, entretanto, “não se exige que a aquisição do direito ao voto seja divulgada por ocasião da convocação da assembleia”.

No STJ, o ministro João Otávio de Noronha, relator, entendeu que a decisão foi acertada. Para ele, o direito a voto é adquirido pela simples configuração fática da situação prevista no artigo 111 da Lei das S/A, sendo desnecessário informar aos acionistas. “O detentor da ação preferencial que não recebeu seus dividendos conhece essa situação e deve, no próprio interesse, exercer o direito que a lei lhe concede. Ao subscrever cotas de capital, o acionista precisa conhecer as particularidades das ações que adquire, não podendo arguir o desconhecimento dos termos da lei”, disse. Para o relator, todas as questões abordadas no recurso especial foram “primorosamente tratadas na sentença e no acórdão, julgados que devem ser mantidos na sua inteireza”. A decisão foi confirmada, por unanimidade, pelos ministros da Terceira Turma.