terça-feira, 31 de janeiro de 2023

"Não é possível aplicar por analogia as disposições acerca da pensão alimentícia, baseada na filiação e regida pelo Direito de Família, aos animais de estimação adquiridos durante união estável"

 


Processo

REsp 1.944.228-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Rel. para acórdão Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por maioria, julgado em 18/10/2022, DJe 7/11/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

 
Tema

União estável. Animais de estimação. Custeio de despesas. Regime jurídico. Pensão alimentícia. Inaplicabilidade. Direito de propriedade.

DESTAQUE

Não é possível aplicar por analogia as disposições acerca da pensão alimentícia, baseada na filiação e regida pelo Direito de Família, aos animais de estimação adquiridos durante união estável.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a determinar a possibilidade de se aplicar, por analogia, as disposições acerca da pensão alimentícia, baseada na filiação e regida pelo Direito de Família, aos animais de estimação adquiridos durante união estável.

A discussão travada nestes autos, ao contrário daquela discutida no leading case, julgado pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.173.167/SP), diz respeito não a direitos, mas, sim, aos deveres de arcar com os custos de subsistência dos animais de estimação, adquiridos durante a união estável, após a dissolução desta.

A solução de questões que envolvem a ruptura da entidade familiar e o seu animal de estimação não pode desconsiderar o ordenamento jurídico posto - o qual, sem prejuízo de vindouro e oportuno aperfeiçoamento legislativo, não apresenta lacuna e dá respostas aceitáveis a tais demandas -, devendo, todavia, o julgador, ao aplicá-lo, tomar como indispensável balizamento o aspecto afetivo que envolve a relação das pessoas com o seu animal de estimação, além da proteção à incolumidade física e à segurança do pet, concebido como ser dotado de sensibilidade e protegido de qualquer forma de crueldade.

A relação entre o dono e o seu animal de estimação encontra-se inserida no direito de propriedade e no direito das coisas, com o correspondente reflexo nas normas que definem o regime de bens da união estável. A aplicação de tais regramentos, contudo, submete-se a um filtro de compatibilidade de seus termos com a natureza particular dos animais de estimação, seres que são dotados de sensibilidade, com ênfase na proteção do afeto humano para com os animais.

A aplicação de tais regramentos tem o condão justamente de preservar a relação afetiva e os cuidados estabelecidos entre a demandante e os seus animais de estimação, sem que se possa admitir a interferência, de qualquer índole ou extensão, de quem não mais é, há muito, dono dos pets e não nutre nenhuma relação afetiva com eles.

Se, em virtude do fim da união, as partes, ainda que verbalmente ou até implicitamente, convencionarem, de comum acordo, que o animal de estimação ficará com um deles, este passará a ser seu único dono, que terá o bônus de desfrutar de sua companhia, arcando, por outro lado, sozinho, com as correlatas despesas.

Não se poderia conceber em tal hipótese - em que, extinta a união estável, com inequívoca definição a respeito de quem, doravante, passaria a ser o dono do animal de estimação -, pudesse o outro ex-companheiro, por exemplo, passado algum tempo e sem guardar nenhum vínculo de afetividade com o animal, reivindicar algum direito inerente à propriedade deste.

O fato de o animal de estimação ter sido adquirido na constância da união estável não pode representar a consolidação de um vínculo obrigacional indissolúvel entre os companheiros (com infindáveis litígios) ou entre um deles e o pet, sendo conferido às partes promover a acomodação da titularidade dos animais de estimação, da forma como melhor lhes for conveniente. A partir do fim da união estável, os bens hauridos durante a convivência são regidos pelo correlato regime de bens que, na ausência de contrato escrito entre os companheiros, como é o caso dos autos, segue o da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC).

Eventual impasse entre os companheiros sobre quem deve ficar com o animal de estimação, adquirido durante a união estável, por evidente, não poderia ser resolvido, simplesmente, por meio da determinação da venda dos pets e posterior partilha, entre eles, da quantia levantada, como se dá usualmente com outros bens móveis, já que, como assentado, não se pode ignorar o afeto humano para com os animais de estimação, tampouco a sua natureza de ser dotado de sensibilidade.

Durante o exercício simultâneo e conjunto da propriedade pelos ex-companheiros (ou ex-cônjuges) em relação aos bens do casal, enquanto não operada a partilha, mancomunhão, caso um bem (integrante dessa unidade patrimonial fechada) esteja na posse exclusiva de um deles, é possível que o outro exija daquele a correspondente indenização pela privação da fruição da coisa, abatida, proporcionalmente, das despesas que, de igual modo, a ambos competem. Essa compreensão é extraída da conjugação dos arts. 1.315 e 1.319 do Código Civil.

Não se pode ignorar que a imputação, ao demandado, do dever de arcar com as despesas dos animais (que não mais pertencem a ele), para que a demandante, exclusivamente, usufrua da companhia dos pets, também não atende ao preceito de equidade. Isso porque somente pode alienar o bem, naturalmente, aquele que tem a sua titularidade. O demandado não é proprietário dos animais, não usufrui da companhia dos animais, mas, como se vê, foi obrigado a arcar com as correlatas despesas até a morte ou até a alienação dos cães.

Ou seja, a prevalecer essa lógica, o demandado somente se desobrigará de tal encargo, excluído o evento morte, se a proprietária, ao seu alvedrio, quiser vender ou doá-los. À proprietária é dada a possibilidade de dispor dos animais. Ao demandado que, desde o início, assumiu essa condição de disposição dos animais, não levada a efeito pela providência da demandante, impõe-se obrigação de custeio das despesas de subsistência. Trata-se, a toda evidência, de uma obrigação potestativa imposta ao ex-companheiro, sem nenhum respaldo no ordenamento jurídico posto.

Com base em tais fundamentos, conclui-se que a obrigação de custear as despesas de subsistência dos animais de estimação tem regramento próprio e deve ser regido segundo o direito de propriedade (direito das coisas), com a repercussão no regime de bens regente do caso, atentando-se, em sua aplicação, ao afeto humano e à natureza particular dos animais, como seres dotados de sensibilidade.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

"É imputável à Caixa Econômica Federal a mora consubstanciada no atraso dos repasses das parcelas de financiamento contratado com companhia de habitação"

 


TERCEIRA TURMA
Processo

AgInt no REsp 1.911.929-SP, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/11/2022, DJe 13/12/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

 
Tema

Responsabilidade civil. Sistema Financeiro da Habitação. Contrato de financiamento para construção de empreendimento habitacional para população de baixa renda. Mora da Caixa Econômica Federal. Atraso de repasses das parcelas do financiamento. Ressarcimento da sociedade construtora.

DESTAQUE

É imputável à Caixa Econômica Federal a mora consubstanciada no atraso dos repasses das parcelas de financiamento contratado com companhia de habitação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O contrato de financiamento fora entabulado pela companhia de habitação com a Caixa Econômica Federal, pois agente operador do sistema, incumbida de pulverizar as verbas que se encontram previamente alocadas aos programas de habitação popular e saneamento básico, já que à Caixa incumbe "definir os procedimentos operacionais necessários à execução dos programas", e "implementar os atos emanados do Ministério da Ação Social relativos à alocação e aplicação dos recursos do FGTS" (Lei n. 8.036/1990).

O empreendimento ora analisado possui caráter social, consubstanciando a construção de unidades habitacionais de baixa renda, e as normas contratuais presentes no contrato de financiamento a escalonarem a liberação dos recursos em datas previamente definidas, contrato este coligado à empreitada global e a acompanhar o seu desenvolvimento, deveriam estar em sintonia "com os orçamentos anuais e planos plurianuais de aplicação dos recursos".

A Caixa, integrante do sistema, apesar de agente operador, comprometeu-se a dar suporte financeiro à construtora e cumpria-lhe atender às obrigações por ela assumidas, na forma e prazos contratados.

No entanto, houve mora da CEF no repasse das parcelas do mútuo, destacando sua especial contribuição no atraso da finalização da obra. Não houve a correta atualização monetária das parcelas desembolsadas, havendo um lapso entre a data da correção e a do efetivo pagamento.

Remanesce, pois, o direito de a construtora ver-se indenizada pelos danos decorrentes do inadimplemento contratual reconhecido.

domingo, 29 de janeiro de 2023

"Família de menino negro que teve foto usada em tatuagem pede indenização por danos morais a tatuador e organização de evento"

"Rosto da criança foi tatuado sem autorização durante a convenção 'Tattoo Week', em outubro de 2022, na capital paulista. Em nota, tatuador pediu desculpas por usar foto sem consultar a família e disse que a imagem começou a ser coberta.



 A família do menino negro que teve a foto do rosto usada sem autorização pelo tatuador Neto Coutinho durante a convenção de tatuagem "Tatto Week", em São Paulo, entrou com uma ação na quarta-feira (18) por danos morais contra Coutinho e também contra a organização do evento.

O caso ocorreu em outubro do ano passado e ganhou repercussão depois que a mãe da criança, Daniele de Oliveira Cantanhede, mais conhecida como Preta Lagbara, denunciou que a imagem não havia sido autorizada pelos pais nem pelo fotógrafo autor do registro.

Moradora do Rio de Janeiro, ela contou ao g1, na época, que soube por internautas que o rosto do filho havia sido tatuado em uma pessoa desconhecida da capital paulista. Uma ação, então, foi ajuizada em dezembro de 2022 para que a identidade da pessoa tatuada fosse revelada.

Agora, outra ação foi ajuizada pela defesa da família para pedir indenização tanto para o tatuador quanto para a organização do Tatto Week. O valor pedido não foi divulgado.

"Eu e a advogada Letícia Domingos queremos esclarecer que, após inúmeras tentativas de resolução amigável tatuador, não foi possível chegar a um acordo, pois o tatuador Neto Coutinho dispensou o antigo advogado, deixando claro que todas as tratativas não tinham validade jurídica. A partir dali, encerramos o diálogo passando tudo a ser resolvido por meio da Justiça. Temos plena convicção que venceremos essa demanda, pois se trata de uma luta travada pela Preta Lagbara que conta com o apoio de toda a população brasileira", disse.

"A outra ação para identificar quem seria a pessoa ainda está na Justiça, mas pode ser que o objeto caia porque a imagem começou a ser coberta, conforme nos foi informado", ressaltou.

m nota, o advogado da Tattoo Week, Helder Galvão, disse que ainda não recebeu nenhum tipo de citação.

"Lamento a falta de diálogo e sucessivos discursos de ódio e incitação à violência que a senhora Daniele de Oliveira Castanhede vem semeando contra os tatuadores. Estamos amparados pela lei brasileira e não mediremos esforços pelo respeito a todos e as boas práticas. Inclusive lançaremos um guia para orientar os tatuadores para exercerem a sua profissão sem temer esse tipo de censura", afirmou.


Cobertura da tatuagem

No dia 23 de dezembro, Neto Coutinho publicou no seu perfil do Instagram que o início da cobertura da tatuagem teve início em 16 de dezembro e que apagou o rosto da criança.

"Como eu havia me comprometido ratifico que as medidas necessárias para atender a solicitação da Preta Alagbara, mãe da criança, no sentido de providenciar a cobertura daquela imagem na pele da pessoa que serviu de tela durante a convenção, foram adotadas por mim por mera liberdade e sem assunção de responsabilidade."

"Tão logo o processo natural de cicatrização da tatuagem foi concluído, a cobertura da tatuagem teve início por meio de longa sessão, ocorrida no dia 16 de dezembro, que, ao final, já possibilitou que a imagem da criança fosse coberta por nova tatuagem."

Segundo ele, será realizada mais uma sessão, após o novo processo natural de cicatrização da pele, "para a conclusão da nova arte, agendada para o dia 29 de janeiro de 2023".

Conforme disse o advogado de Preta, Djeff Amadeus, ainda não foram enviados nem foto nem vídeo que comprovem que a tatuagem com o rosto da criança começou realmente a ser coberta.

"Vamos esperar até o dia 29 de janeiro, que é a data estipulada pelo tatuador para fazer a última sessão de cobertura. Vamos ver se enviarão alguma comprovação para a gente. Até tínhamos pedido para que a Preta acompanhasse a cobertura", afirmou Amadeus.

Caso

A denúncia foi feita nas redes sociais pela mãe do menino, que mora na Zona Norte do Rio.

O tatuador Neto Coutinho pediu desculpas para a família e quer resolver a situação de forma pacífica, segundo seu advogado de defesa na época, Gabriel Rodrigues (veja mais abaixo). A mãe da criança autorizou o g1 a incluir a imagem do rosto do filho na reportagem.

De acordo com a organização que premiou a tatuagem, o critério da premiação foi "estritamente técnico e artístico, julgado por uma comissão de conceituados tatuadores". Não houve entrega de dinheiro.

Ao g1, Preta Lagbara disse que, no fim do mês passado, um internauta marcou-a na postagem do tatuador que tinha publicado a foto com o menino e comemorava o segundo lugar na premiação.

"Eu fiquei muito assustada. Ele não teve cuidado de saber sobre meu filho. Uma mãe nem ser consultada para saber se podia tatuar na pele de uma pessoa a foto do filho dela? Não existe isso. É um absurdo. Imediatamente entrei em contato com o tatuador. Comentei na foto que ele publicou e pedi contato. Mas ele não me respondeu por um bom tempo", afirmou

Foi então que Preta pediu ajuda para o fotógrafo Ronald Santos Cruz, que foi quem fez a imagem do filho com a autorização dela, neste ano.

Ronald tem mais de 80 mil seguidores nas redes sociais e é conhecido por retratar pessoas negras no Brasil. Em 2019, ele chegou a ser selecionado para a exposição de fotografia pelo Centro Europeu e, em 2020, ficou entre os 100 melhores fotógrafos do mundo na modalidade retrato masculino, pelo Concurso Internacional realizado pela empresa russa 35awards.

"Eu pedi ajuda para ele compartilhar o caso, porque estava sem resposta. Ele compartilhou, achou um absurdo também, e aí repercutiu muito. Com a repercussão, o tatuador veio me procurar falando que achou a foto no Pinterest [rede social de compartilhamento de fotos], achou bonita e tatuou durante o evento", disse.

"Na rede social tem o nome do fotógrafo. Ele podia ter entrado em contato com ele. E a pessoa que tatuou, o tatuador disse que nem conhece. Como que alguém tatua a imagem do meu filho sem saber quem é ele? Isso é desumanizar demais a criança. Meu filho foi parido por alguém. Ele não é filho de ninguém, filho de chocadeira. Ele tem mãe, pai, tem família", ressalta.

"Não tem possibilidade de aceitar esse tipo de coisa. Nossos meninos não são públicos, têm família. Não são filhos de chocadeira. Vocês cansam de ver por aí tirar fotos de crianças em comunidades na África sem autorização da família. Está na hora de acabar."

O que diz o fotógrafo

Em seu perfil no Instagram, o fotógrafo Ronald ressaltou que não foi consultado pelo tatuador sobre o uso de sua foto.

"Como um cara branco deixa um tatuador tatuar uma imagem de uma criança negra que nunca viu na sua vida em seu corpo? Eu sou um cara que sempre fotografo muitas crianças e, uma hora ou outra, sempre chega um artista que pergunta se pode usar meu trabalho como referência. Eu sempre digo que vou ver com os pais quando não tem fins lucrativos. Mas essa tatuagem foi tão perversa, sem explicação", disse.

"Segundo o tatuador, ele achou a foto no Pinterest e achou que fosse pública, e resolveu tatuar a criança num corpo branco. A gente está em 2022 e, se voltarmos lá atrás, vemos que muita coisa não mudou. Como se nossos corpos, nossos rostos, não tivessem donos. E olhar o caso como esse é do mínimo absurdo. Primeiro, tem os direitos autorais de pegar a foto. Segundo, é a imagem de uma criança. Terceiro, participa de um prêmio com a foto de uma criança que achou bonito e vai lá tatua. É sem lógica."

Ainda conforme Ronald, ele está com apoio jurídico e vendo a melhor opção para tratar do caso. "No mínimo curioso porque é sem noção. Caso inédito de ter foto virar tatuagem sem permissão."


O que diz o tatuador


No ano passado, o g1 conversou com o advogado que fazia a defesa do tatuador, Gabriel Rodrigues, que disse que o tatuador não teve má-fé e pediu desculpas para a família.

Em nota publicada em sua rede social, o tatuador também se retratou com a comunidade preta. Veja a nota na íntegra.

"O artista Neto Coutinho vem através do presente comunicado posicionar-se oficialmente acerca da tatuagem em que retrata a imagem de uma criança, a qual teve intensa repercussão na data de 28/11/2022.

Assim sendo, o referido artista SE RETRATA expressamente sobre a reprodução da fotografia efetuada por Ronald Santos Cruz. No que se refere a criança representada pela tatuagem, o artista Neto Coutinho encaminha seu profundo pedido de desculpas, principalmente aos pais, familiares e a própria criança.

Há de se evidenciar que, no caso em apreço, o artista Neto Coutinho pautou a execução da tatuagem sem o nível de informação necessária, reconhecendo o equívoco cometido, mas - sobretudo - sem qualquer intenção de trazer prejuízo para quem quer que seja.

A par disso, assenta-se o total interesse e disponibilidade de o artista em menção resolver possíveis pendências juntamente com o fotógrafo e com a genitora da criança representada na imagem, principalmente diante da importância de todas as questões que circundam o caso.

Em seu turno, o artista Neto Coutinho também se retrata frente a comunidade preta, a qual - inclusive - faz parte, basta uma breve análise de sua fisionomia/traços através de fotos em seu perfil do Instagram.

De fato, a jornada de qualquer pessoa é marcada por erros e acertos, de modo que - por parte do artista Neto Coutinho - haverá um canal contínuo de diálogo junto aos envolvidos para a minimização de eventuais danos sofridos."

Fonte: Por Paola Patriarca, g1 SP — São Paulo



sábado, 28 de janeiro de 2023

"RESPONSABILIDADE CIVIL - Contrato de transporte rodoviário - Autor deficiente físico que adquiriu passagem rodoviária e teve de embarcar no ônibus carregado pela esposa e outros passageiros"

 


"RESPONSABILIDADE CIVIL - Contrato de transporte rodoviário - Autor deficiente físico que adquiriu passagem rodoviária e teve de embarcar no ônibus carregado pela esposa e outros passageiros - Ação de indenização - Sentença de procedência - Ré que não se desincumbiu de seu ônus de provar a regularidade do serviço - Direito fundamental à acessibilidade violado - Dano moral decorrente do vexame e humilhação a que foi submetido o passageiro - Indenização arbitrada em valor que atende os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade - Sentença confirmada - Recurso desprovido". (Apelação Cível n. 1042279-94.2018.8.26.0602 - Sorocaba - 19ª Câmara de Direito Privado - Relator: Nuncio Theophilo Neto - 31/05/2022 - 20300 - Unânime) 

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

A divulgação científica não autorizada de imagem de paciente viola direitos de intimidade e a ética médica, gerando responsabilização solidária entre os médicos autores do artigo e a editora

 


Processo

Processo sob segredo de justiça, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 16/8/2022, DJe 31/8/2022.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CIVIL

 
Tema

Divulgação científica não autorizada de imagem de paciente. Direitos de intimidade e ética médica. Violação. Responsabilização solidária. Médicos autores do artigo e a editora.

DESTAQUE

A divulgação científica não autorizada de imagem de paciente viola direitos de intimidade e a ética médica, gerando responsabilização solidária entre os médicos autores do artigo e a editora.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A bioética medicinal pauta-se por quatro pilares: veracidade, privacidade, confidencialidade e fidelidade, de modo a preservar não só os direitos inerentes à personalidade, senão também a própria relação de confiança essencial aos tratamentos. O interesse científico não pode se sobrepor aos direitos humanos dos pacientes, devendo ser compatibilizados.

No caso, trata-se de violação da confidencialidade dos dados médicos.

Em observância aos ditames do Código de Ética Médica, do Conselho Federal de Medicina, bem como do Conselho Nacionalde Saúde e da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, não resta dúvida, sobre o modo como se procedem as publicações em geral, e as científicas em particular. É do autor a responsabilidade pelo material submetido, sendo descabida a restrição da condenação unicamente à editora. Tais casos não se confundem, por exemplo, com a atividade jornalística, em que a revista é dona do processo editorial e pode intervir com assertividade não só no fluxo como no texto da publicação, na medida em que os profissionais de imprensa estão funcionalmente submetidos aos ditames da empresa.

É certo que os editores deveriam ter rejeitado a publicação naqueles termos, com a exibição da face e torso desfigurados da paciente, quiçá concedendo aos médicos a possibilidade de submeter novamente o texto e as imagens; a imposição de medidas mitigadoras da exposição certamente era também responsabilidade dos editores.

Contudo, isso não isenta os autores da responsabilidade primária pelo registro (também a captação não foi autorizada, nem mesmo de forma subsequente à recuperação da vítima) e sua submissão à publicação científica. Nesse campo específico (pesquisa e divulgação científica), são os autores os responsáveis pelo texto e seus acessórios.

Enquadram-se, assim, os médicos-autores do artigo no conceito de agente do ato ilícito, nos termos do arts. 159 e 1.518 do Código Civil/1916, vigente à época.