segunda-feira, 31 de maio de 2021

Os pactos adjacentes coligados ao contrato de sublocação comercial não retira a aplicabilidade da Lei n. 8.245/1991

 TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.475.477-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/05/2021

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Contrato de sublocação firmado entre distribuidora de combustíveis e posto de revenda. Contratos coligados. Manutenção da natureza jurídica. Lei n. 8.245/1991 (Lei de locações). Aplicabilidade.

Destaque

Os pactos adjacentes coligados ao contrato de sublocação comercial não retira a aplicabilidade da Lei n. 8.245/1991.

Informações do Inteiro Teor

No caso, as partes firmaram um "Contrato de Sublocação de Posto de Serviço", por meio do qual a parte locou o imóvel com equipamentos nele instalados para operação de posto de gasolina e diversos pactos subjacentes à locação, tais como a utilização da marca da distribuidora de combustíveis, à qual foi assegurado o direito de escolha dos locais de colocação dos letreiros e anúncios para divulgação de seus produtos, a cláusula de exclusividade e a cota mínima de aquisição de produtos.

Os contratos mistos podem ser definidos como aqueles resultantes da junção de elementos específicos de contratos diversos, levando à criação de um contrato singular, com características próprias e inconfundíveis em relação aos contratos reunidos, ou seja, os elementos dos contratos distintos se unem, perdendo sua autonomia, para formarem um contrato novo.

A questão fundamental quanto aos contratos mistos é determinar qual a sua disciplina jurídica, de modo que, para resolver o impasse, a doutrina especializada propõe 3 (três) soluções: a) teoria da combinação, na qual há decomposição de cada contrato que formou o misto, com aplicação da respectiva norma; b) teoria da absorção, a qual estabelece que todo contrato misto possui uma espécie contratual que prepondera sobre as demais, de maneira que suas normas é que regerão toda a relação jurídica; e c) teoria analógica, segundo a qual a tarefa do intérprete é procurar o contrato típico do qual mais se aproxima o contrato atípico em análise, com vistas a se aplicar a norma que disciplina aquele.

Por sua vez, nos contratos coligados ou conexos há uma justaposição de modalidades diversas de contratos, de tal forma que cada um destes mantém sua autonomia, preservando suas características próprias, haja vista que o objetivo da junção desses contratos é possibilitar uma atividade econômica específica, isto é, há uma mera combinação de contratos completos com um propósito econômico específico.

Diversamente dos contratos mistos, a coligação de contratos não implica, em regra, muitas dificuldades no que tange ao direito aplicável à espécie, exatamente por não perderem sua individualidade, devendo ser observado o conjunto de regras próprias dos modelos ajustados.

É notório que as relações jurídicas para a comercialização de derivados de petróleo possuem uma complexidade diferenciada e envolvem, via de regra, valores consideráveis, o que justifica a coligação de diversos contratos típicos para formação de um instrumento robusto e seguro que possa regular de forma satisfatória o negócio jurídico e viabilize a finalidade econômica pretendida.

Assim, o fato de o contrato de sublocação possuir outros pactos adjacentes não retira sua autonomia nem o desnatura, notadamente quando as outras espécies contratuais a ele se coligam com o único objetivo de concretizar e viabilizar sua finalidade econômica, de modo que as relações jurídicas dele decorrentes serão regidas pela Lei n. 8.245/1991.

Dessa forma, não se pode afastar a incidência da referida lei, pois há apenas uma justaposição dos contratos coligados, aplicando-se a norma de cada um deles de forma harmônica, ou seja, havendo o inadimplemento dos aluguéis, abre-se a possibilidade de a locadora ajuizar a ação de despejo, da mesma forma que, se houvesse, por exemplo, a mora no pagamento dos produtos adquiridos em virtude do contrato de compra e venda, seriam aplicáveis as regras específicas desse instituto jurídico, com a possibilidade de propositura da competente ação de cobrança.



sábado, 29 de maio de 2021

REMOÇÃO DO CORPO DURANTE CERIMÔNIA FUNERÁRIA VÍTIMA DE MORTE VIOLENTA REALIZAÇÃO DE NECRÓPSIA EXIGÊNCIA TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO DANO MORAL IN RE IPSA

 


Apelação cível. Ação de responsabilidade civil. Parte ré, ora apelante, que no momento do velório do corpo do tio e irmão das autoras, ora apeladas, o remove do local e o encaminha ao IML para a realização da necrópsia. Sentença de procedência. Exigência de necrópsia pelo Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais para a emissão da certidão de óbito que, em se tratando de morte violenta, constitui praxe de conhecimento dos serviços funerários. Teoria do risco do empreendimento. Responsabilidade objetiva. Art. 14 do CDC. Dano material comprovado. Remoção do corpo durante cerimônia funerária. Dano moral in re ipsa. Quantum indenizatório que, fixado em R$ 10.000,00 para cada apelada, está em consonância com os critérios de razoabilidade e de proporcionalidade aplicáveis ao caso. Acerto da sentença. Recurso a que se nega provimento.


0027131-82.2016.8.19.0066 - APELAÇÃO
DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Des(a). WAGNER CINELLI DE PAULA FREITAS - Julg: 16/03/2021 - Data de Publicação: 19/03/2021

sexta-feira, 28 de maio de 2021

AÇÃO DE ALIMENTOS RÉU PRESO POSSIBILIDADE DE TRABALHO NO CÁRCERE OBRIGAÇÃO ALIMENTAR NECESSIDADE E POSSIBILIDADE REDUÇÃO DO PERCENTUAL APLICADO

 




APELAÇÃO CÍVEL. Direito de família. Ação de alimentos. Filho menor. Fixação de alimentos que deve atender ao binômio possibilidade do alimentante e necessidade do alimentado. Réu preso e revel - Nomeação de curador especial. Existência de mais dois filhos menores, sem comprovação que contribua para o sustento deles. Sentença que fixou os alimentos em 15% dos rendimentos brutos do réu e em 30% do salário-mínimo vigente à época do pagamento na hipótese de ausência de vínculo empregatício. Apelo do réu na qual pugnou pela redução do pensionamento. Possibilidade de trabalho no cárcere. Situação peculiar que não exonera o réu da obrigação alimentar perante o filho menor. Pensionamento que deve observar a equação necessidade-possibilidade. Quantum que merece pequena redução. Reforma parcial da sentença para reduzir a prestação alimentícia para 20% do salário-mínimo vigente na hipótese de ausência de vínculo. RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.


TJRJ, 0000869-31.2019.8.19.0021 - APELAÇÃO
DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MARGARET DE OLIVAES VALLE DOS SANTOS - Julg: 24/02/2021 - Data de Publicação: 25/02/2021

quinta-feira, 27 de maio de 2021

Não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada

 QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.729.550-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/05/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Responsabilidade civil. Matéria jornalística que narrou fatos verídicos ou verossímeis. Dever de informação. Liberdade de imprensa. Direito à crítica e à opinião. Limites. Interesse público e direitos da personalidade. Abuso de direito. Não configuração.

Destaque

Não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia principal dos autos está em definir acerca dos limites da liberdade de imprensa em artigos jornalísticos críticos à atuação e ao estilo profissional de certa pessoa em postagens realizadas no portal eletrônico de notícias.

Trata-se do instigante conflito aparente entre direitos fundamentais, consagrados na Constituição Federal de 1988 e regulamentados pela legislação infraconstitucional, quais sejam a liberdade de imprensa - corolário da liberdade de informação e da liberdade de manifestação do pensamento - e os direitos da personalidade, como a privacidade, a honra e a imagem, envolvendo em ambos polos da ação experientes jornalistas.

Vale ressaltar que o exercício do direito de informar apenas será digno de proteção quando presente o requisito interno da verdade, revelado quando a informação conferir ciência da realidade.

Advirta-se, contudo, que não se exige, para a proteção anunciada, uma verdade absoluta, mas, sim, a chamada "verdade subjetiva" que se extrai da diligência do informador, a quem incumbe apurar de forma séria os fatos que pretende tornar públicos. Assim, "para haver responsabilidade, é necessário haver clara negligência na apuração do fato ou dolo na difusão de falsidade".

A "veracidade do fato" consubstancia um compromisso ético com a informação verossímil - o que pode, eventualmente, abarcar informações não totalmente precisas -, que figura como um dos parâmetros legitimadores do exercício da liberdade de informação. Por outro lado, o requisito da verdade não subordina o direito de expressão (em sentido estrito), que consiste na liberdade básica de expressar qualquer manifestação do pensamento humano, tais como ideias, opiniões, críticas e crenças. A conceituação é mesmo intuitiva: trata-se de poder manifestar-se favorável ou contrariamente a uma ideia, mediante a realização de juízo de valor e de crítica, garantindo-se a participação efetiva dos cidadãos na condução dos assuntos públicos do país.

A liberdade de imprensa, nesse cenário, constitui modalidade qualificada das liberdades de informação e de expressão; por meio dela, assegura-se a transmissão das informações e dos juízos de valor pelos jornalistas ou profissionais integrantes dos veículos de comunicação social de massa, notadamente emissoras de rádio e de televisão, editoras de jornais e provedores de notícias na internet.

Destaque-se que a liberdade de imprensa - também chamada de liberdade de informação jornalística - tem conteúdo abrangente, compreendendo: (i) o "direito de informar" e o "direito de buscar a informação" (ambos decorrentes da liberdade de informação que, como pontuado, tem compromisso com a verdade ainda que subjetiva); e (ii) o "direito de opinar" e o "direito de criticar", que refletem a liberdade de expressão em sentido estrito.

Conquanto seja livre a divulgação de informações, conhecimento ou ideias - mormente quando se está a tratar de imprensa -, tal direito não é absoluto ou ilimitado, revelando-se cabida a responsabilização pelo abuso constatado quando, a pretexto de se expressar o pensamento, invadem-se os direitos da personalidade, com lesão à dignidade de outrem. Assim, configurada a desconformidade, o ordenamento jurídico prevê a responsabilização cível e criminal pelo conteúdo difundido, além do direito de resposta.

Nessa linha de raciocínio, não se pode olvidar que, além do requisito da "verdade subjetiva" - consubstanciado no dever de diligência na apuração dos fatos narrados (ou seja, o compromisso ético com a informação verossímil) -, a existência de interesse público também constitui limite genérico ao exercício da liberdade de imprensa (corolária dos direitos de informação e de expressão),

Como de sabença, pessoas públicas estão submetidas à exposição de sua vida e de sua personalidade e, por conseguinte, são obrigados a tolerar críticas que, para o cidadão comum, poderiam significar uma séria lesão à honra; tal idoneidade não se configura, decerto, em situações nas quais imputada, injustamente e sem a necessária diligência, a prática de atos concretos que resvalem a criminalidade.

Nesse contexto, não caracteriza hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística que narre fatos verídicos ou verossímeis, embora eivados de opiniões severas, irônicas ou impiedosas, sobretudo quando se trate de figuras públicas que exerçam atividades tipicamente estatais, gerindo interesses da coletividade, e a notícia e crítica referirem-se a fatos de interesse geral relacionados à atividade pública desenvolvida pela pessoa noticiada.



quarta-feira, 26 de maio de 2021

A constituição em mora para fins de rescisão de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel em loteamento, sujeito à disciplina da Lei n. 6.766/1979, pode se dar por carta com aviso de recebimento, desde que assinado o recibo pelo próprio devedor, nos termos do art. 49 da norma mencionada

 TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.745.407-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 11/05/2021, DJe 14/05/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Compromisso de compra e venda. Imóvel em loteamento. Ação de rescisão contratual c/c reintegração de posse. Pretensão de resolução contratual. Constituição em mora. Intimação através de carta com aviso de recebimento. Recibo assinado pelo devedor. Validade.

Destaque

A constituição em mora para fins de rescisão de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel em loteamento, sujeito à disciplina da Lei n. 6.766/1979, pode se dar por carta com aviso de recebimento, desde que assinado o recibo pelo próprio devedor, nos termos do art. 49 da norma mencionada.

Informações do Inteiro Teor

O propósito recursal consiste em esclarecer se a intimação prevista no art. 32 da Lei n. 6.766/1979 - a fim de constituir em mora o devedor e, posteriormente, rescindir o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel loteado - pode ser realizada através de carta com aviso de recebimento.

Convém registrar que a Lei n. 6.766/1979 (regente do parcelamento do solo urbano) preconiza, em seu art. 32, que, "vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido 30 (trinta) dias depois de constituído em mora o devedor". Complementa, no § 1º do respectivo dispositivo legal, que para se dar concretude ao disposto no caput deve ser intimado o devedor/adquirente do imóvel, "a requerimento do credor, pelo Oficial do Registro de Imóveis, a satisfazer as prestações vencidas e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionados e as custas de intimação".

Assim, para a resolução contratual, reputa-se imprescindível a prévia interpelação do devedor, conforme assentado no § 1º, sendo necessário, ato contínuo, examinar o modo pelo qual deve se realizar essa notificação.

Acerca da temática, é consabido que essa intimação deve se realizar através do Oficial de Registro de Imóveis, segundo a literalidade do art. 32, § 1º, acima mencionado. Entretanto, esse requisito não se mostra absoluto, pois a própria lei prevê expressamente que as intimações e notificações nela previstas "deverão ser feitas pessoalmente ao intimado ou notificado, que assinará o comprovante do recebimento, e poderão igualmente ser promovidas por meio dos Cartórios de Registro de Títulos e Documentos da Comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-las" (art. 49, caput). Em caráter residual, admite até mesmo a intimação ou notificação através de edital (art. 49, § 2º).

A exegese que se extrai da leitura conjunta dos arts. 32 e 49 da Lei n. 6.766/1979 denota a intenção do legislador de que a notificação seja feita pessoalmente ao devedor, para que este tenha ciência inequívoca de sua mora e da consequência perniciosa que dela resulta (qual seja, a resolução do contrato com o retorno ao estado anterior das partes, implicando a perda do imóvel), bem como dos exatos termos para purgação, a exemplo do prazo e dos valores para pagamento.

Partindo dessa premissa, não há óbice para que se efetue a intimação por outros meios que demonstrem claramente a constituição em mora do devedor, com a sua ciência indubitável da situação de inadimplência, da possibilidade de rescisão contratual e da forma pela qual podem ser elididos os efeitos da mora.

Assim, tem-se como hábil à constituição em mora do devedor, para fins do disposto no art. 32 da Lei n. 6.766/1979, a intimação através de carta remetida pelo correio com aviso de recebimento, em que o recibo tenha sido assinado pelo devedor, de forma a comprovar a sua ciência inequívoca acerca dos termos da inadimplência, em conformidade com o teor do art. 49 dessa lei.

Cumpre destacar que, em situação semelhante, o legislador admite expressamente a intimação, através de carta com aviso de recebimento, para a constituição em mora do devedor fiduciante de coisa imóvel (art. 26, caput e §§ 1º a 3º, da Lei n. 9.514/1997). Não sendo purgada a mora devida e oportunamente, consolida-se a propriedade fiduciária em favor do credor fiduciário (art. 26, § 7º, da Lei n. 9.514/1997), implicando a rescisão contratual e a perda da posse do imóvel para o credor, assim como prevê a Lei n. 6.766/1979, ressalvadas as respectivas particularidades.

Portanto, a purgação da mora para fins de rescisão de contrato de compromisso de compra e venda de imóvel em loteamento, sujeito à disciplina da Lei n. 6.766/1979, pode se dar mediante intimação realizada pelo Oficial do Cartório do Registro de Imóveis (art. 32), pelo Oficial do Cartório do Registro de Títulos e Documentos (art. 49) ou por carta com aviso de recebimento, desde que assinado o recibo pelo próprio devedor, esta última hipótese decorrente da exegese do citado art. 49.



terça-feira, 25 de maio de 2021

Não é obrigatório o arbitramento de aluguel ao ex-cônjuge que reside, após o divórcio, em imóvel de propriedade comum do ex-casal com a filha menor de ambos

 

Processo

REsp 1.699.013-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Imóvel de propriedade comum do ex-casal. Residência de ex-cônjuge com filha menor de ambos. Arbitramento de aluguel. Não obrigatoriedade.

Destaque

Não é obrigatório o arbitramento de aluguel ao ex-cônjuge que reside, após o divórcio, em imóvel de propriedade comum do ex-casal com a filha menor de ambos.

Informações do Inteiro Teor

Inicialmente, o uso exclusivo do imóvel comum por um dos ex-cônjuges - após a separação ou o divórcio e ainda que não tenha sido formalizada a partilha - autoriza que aquele privado da fruição do bem reivindique, a título de indenização, a parcela proporcional a sua quota-parte sobre a renda de um aluguel presumido, nos termos do disposto nos artigos 1.319 e 1.326 do Código Civil.

Tal obrigação reparatória - que tem por objetivo afastar o enriquecimento sem causa do coproprietário - apresenta como fato gerador o uso exclusivo do imóvel comum por um dos ex-consortes, a partir da inequívoca oposição daquele que se encontra destituído da fruição do bem, notadamente quando ausentes os requisitos ensejadores da chamada "usucapião familiar" prevista no artigo 1.240-A do Código Civil.

No caso, ainda que o imóvel pertença a ambos os ex-cônjuges, é utilizado como moradia da prole comum (filha menor cuja guarda foi concedida ao ex-marido). Indaga-se, portanto, quanto as consequências desta situação, se possui o condão de afastar (ou, de algum modo, minorar) o dever de indenização pelo uso exclusivo do bem.

Como de sabença, incumbe a ambos os genitores - na medida de suas possibilidades econômico-financeiras -, custear as despesas dos filhos menores com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene e transporte; dever parental que, por óbvio, não se desfaz com o término do vínculo matrimonial ou da união estável, conforme se depreende do artigo 1.703 do Código Civil.

Enquanto o filho for menor, a "obrigação alimentícia" tem por lastro o dever de sustento derivado do poder familiar, havendo presunção de necessidade do alimentando; ao passo que, após a maioridade civil (dezoito anos), exsurge o dever dos genitores de prestar alimentos ao filho - em decorrência da relação de parentesco - quando demonstrada situação de incapacidade ou de indigência não proposital, bem como por estar o descendente em período de formação escolar profissionalizante ou em faculdade.

Outrossim, impende assinalar que uma das características da obrigação de prestar alimentos é a sua alternatividade, consoante se extrai da norma inserta no artigo 1.701 do Código Civil.

A prestação alimentícia, portanto, pode ter caráter pecuniário - pagamento de certa soma em dinheiro - e/ou corresponder a uma obrigação in natura, hipótese em que o devedor fornece os próprios bens necessários à sobrevivência do alimentando, tais como moradia, saúde e educação.

Nada obstante, à luz do disposto no artigo 1.707 do Código Civil, não se admite, em linha de princípio, a compensação de alimentos fixados em pecúnia com aqueles pagos in natura, os quais serão considerados como mera liberalidade do devedor quando divergirem da forma estipulada pelo juízo.

A jurisprudência desta Corte tem ponderado, contudo, que o aludido princípio da incompensabilidade da obrigação alimentar não é absoluto, podendo ser mitigado para impedir o enriquecimento indevido de uma das partes, mediante o abatimento de despesas pagas in natura para satisfação de necessidades essenciais do alimentando - como moradia, saúde e educação - do débito oriundo de pensão alimentícia.

Concluindo, é certo que a utilização do bem pela descendente dos coproprietários - titulares do poder familiar e, consequentemente, do dever de sustento - beneficia a ambos, não se configurando, portanto, o fato gerador da obrigação indenizatória fundada nos artigos 1.319 e 1.326 do Código Civil.

Ademais, o fato de o imóvel comum também servir de moradia para a filha do ex-casal tem a possibilidade de converter a "indenização proporcional devida pelo uso exclusivo do bem" em "parcela in natura da prestação de alimentos" (sob a forma de habitação), que deve ser somada aos alimentos in pecunia a serem pagos pelo ex-cônjuge que não usufrui do bem - e que pode ser apurado em ação própria -, afastando o enriquecimento sem causa de qualquer uma das partes.



segunda-feira, 24 de maio de 2021

A proprietária, na qualidade de arrendadora de aeronave, não pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados por acidente aéreo, quando há o rompimento do nexo de causalidade, afastando-se o dever de indenizar

 

Processo

REsp 1.414.803-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Acidente aéreo. Colisão de aeronaves durante voo. Arrendador. Responsabilidade civil. Ausência de nexo causal. Conduta que não influenciou imediata ou diretamente para a ocorrência do evento danoso. Afastamento do dever de indenizar.

Destaque

A proprietária, na qualidade de arrendadora de aeronave, não pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados por acidente aéreo, quando há o rompimento do nexo de causalidade, afastando-se o dever de indenizar.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia dos autos está em definir se a proprietária, na qualidade de arrendadora de determinado avião, pode ser responsabilizada pelos danos advindos de acidente aéreo, com diversas mortes, em que houve a colisão de aeronaves por conduta culposa do piloto de outra aeronave.

O transporte aéreo pode ser dividido em doméstico - regido pelo Código Brasileiro da Aeronáutica, que é aquele em que o ponto de partida, intermediário e o destino estão situados em território nacional (art. 215) - e em internacional - regulado pela Convenção de Montreal, em que o ponto de partida e ponto de destino estejam situados em território de dois Estados signatários da Convenção ou que haja escala prevista no território de qualquer outro Estado, mesmo que este não seja signatário da convenção (art. 1º, nº 2).

Com relação ao transporte aéreo internacional, estabeleceu o STF que as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor, sendo aplicável o limite indenizatório estabelecido pelos normativos internacionais subscritos pelo Brasil, em relação às condenações por dano material.

Definiu-se, ademais, que as disposições previstas nos aludidos acordos internacionais incidem exclusivamente nos contratos de transporte aéreo internacional de pessoas, bagagens ou carga. Assim, não alcançam o transporte nacional de pessoas, que está excluído da abrangência do art. 22 da Convenção de Varsóvia. Por fim, esclareceu que a limitação indenizatória abarca apenas a reparação por danos materiais, e não morais.

No que toca à legislação pátria, o Codex, na seção do transporte de pessoas, fixou no art. 734 a responsabilidade objetiva do transportador pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, pois se está diante de obrigação de resultado, salvo motivo de força maior, vedando qualquer cláusula excludente da responsabilidade.


Já o art. 927, parágrafo único, do Código Civil prevê cláusula geral de responsabilidade objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida pelo causador do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem, como sói o transporte aéreo.

Somado a isso, ao menos no âmbito interno, incide o regime da responsabilidade objetiva do Código consumerista fundada na teoria do risco do empreendimento (CDC, arst. 6°, VI, 12, 14 e 17).

No entanto, só há falar em responsabilidade civil se houver uma relação de causa e efeito entre a conduta e o dano, se a causa for abstratamente idônea e adequada à produção do resultado, não bastando ser antecedente.

Ao contrário do que ocorre na teoria da equivalência das condições (teoria da conditio sine qua non) em que toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano pode ser considerada capaz de gerar o dano, na causalidade adequada, a ideia fundamental é a que só há uma relação de causalidade entre fato e dano quando o ato praticado pelo agente seja de molde a provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida.


Na aferição do nexo de causalidade, "a doutrina majoritária de Direito Civil adota a teoria da causalidade adequada ou do dano direto e imediato, de maneira que somente se considera existente o nexo causal quando o dano é efeito necessário e adequado de uma causa (ação ou omissão). Essa teoria foi acolhida pelo Código Civil de 1916 (art. 1.060) e pelo Código Civil de 2002 (art. 403)".

Assim, sem que ocorra efetivamente uma relação de causalidade entre fato e dano, não sendo o ato praticado pelo agente minimamente suficiente para provocar o dano sofrido pela vítima, segundo o curso normal das coisas e a experiência comum da vida, conforme a teoria da causalidade adequada, a proprietária e arrendadora da aeronave não pode ser responsabilizada civilmente pelos danos causados, haja vista o rompimento do nexo de causalidade, afastando-se o dever de indenizar.



sábado, 22 de maio de 2021

A procuração em causa própria (in rem suam) não é título translativo de propriedade

 QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.345.170-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Procuração em causa própria. Art. 685 do CC. Título translativo de propriedade. Impossibilidade.

Destaque

A procuração em causa própria (in rem suam) não é título translativo de propriedade.

Informações do Inteiro Teor

O Código Civil prevê no art. 685: Conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.

Pode-se afirmar que, quanto à natureza jurídica, a procuração em causa própria, tal como a ordinária procuração, é negócio jurídico unilateral. Trata-se, a rigor, do chamado negócio jurídico de procura, de que resulta o instrumento de procuração.

A noção exata do instituto se evidencia ao se comparar a procuração e o mandato. De fato, é de toda conveniência não se confundir os institutos, notadamente por possuírem naturezas jurídicas diversas: a procuração é negócio jurídico unilateral; o mandato, como contrato que é, apresenta-se como negócio jurídico geneticamente bilateral. De um lado, há uma única declaração jurídico-negocial, de outro, duas declarações jurídico-negociais que se conjugam por serem congruentes quanto aos meios e convergentes quanto aos fins.

Em suma, muito embora o nome do outorgado conste do instrumento de procuração, ele não é figurante, pois o negócio jurídico é unilateral.

Nesse contexto, pode-se conceituar a procuração em causa própria como o negócio jurídico unilateral que confere um poder de representação ao outorgado, que o exerce em seu próprio interesse, por sua própria conta, mas em nome do outorgante.

Quantos aos efeitos, o negócio jurídico referente à procuração em causa própria outorga ao procurador, de forma irrevogável, inextinguível pela morte de qualquer das partes e sem dever de prestação de contas, o poder formativo (direito potestativo) de dispor do direito (real ou pessoal) objeto da procuração. Em outras palavras, a rigor não se transmite o direito objeto do negócio jurídico, outorga-se o poder de transferi-lo.

Assim, o outorgante continua sendo titular do direito (real ou pessoal) objeto da procuração em causa própria, de modo que o outorgado passa a ser apenas titular do poder de dispor desse direito, em seu próprio interesse, mas em nome alheio.

Em sede jurisprudencial, há precedente do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do em. Min. Sidnei Beneti, que, após apontar a ampla utilização do referido instrumento no direito brasileiro, destaca que a procuração em causa própria, a rigor, não transmite o direito objeto do negócio ao procurador, mas sim outorga-lhe o poder de transferi-lo para si ou para outrem.

De fato, se a procuração in rem suam operasse, ela própria, transferência de direitos reais ou pessoais, estar-se-ia abreviando institutos jurídicos e burlando regras jurídicas há muito consagradas e profundamente imbricadas no sistema jurídico nacional.

Em síntese, à procuração em causa própria não pode ser atribuída a função de substituir, a um só tempo, os negócios jurídicos obrigacionais (p.ex. contrato de compra e venda, doação) e dispositivos (p.ex. acordo de transmissão) indispensáveis, em regra, à transmissão dos direitos subjetivos patrimoniais, notadamente do direito de propriedade.

É imperioso observar, portanto, que a procuração em causa própria, por si só, não produz cessão ou transmissão de direito pessoal ou de direito real, sendo tais afirmações frutos de equivocado romanismo que se deve evitar. De fato, como cediço, também naquele sistema jurídico, por meio da procuração in rem suam não havia verdadeira transferência de direitos.



sexta-feira, 21 de maio de 2021

O dia da destituição da incorporadora, com a consequente assunção da obra pelos adquirentes, é o marco final das obrigações constituídas entre as partes

 

Processo

REsp 1.881.806-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Lei n. 4.591/1964. Incorporação imobiliária. Extinção do contrato. Dia da destituição do incorporador. Marco final das obrigações constituídas entre as partes. Extinção anômala.

Destaque

O dia da destituição da incorporadora, com a consequente assunção da obra pelos adquirentes, é o marco final das obrigações constituídas entre as partes.

Informações do Inteiro Teor

A Lei n. 4.591/1964 previu três situações distintas para a extinção do contrato de incorporação, observado o atraso na entrega da obra, com desfechos que variam de acordo com a conveniência dos adquirentes.

Na primeira, os compradores optam por receber, com atraso, a unidade imobiliária. Nesse caso, "será devida ao adquirente adimplente, por ocasião da entrega da unidade, indenização de 1% (um por cento) do valor efetivamente pago à incorporadora, para cada mês de atraso, pro rata die, corrigido monetariamente conforme índice estipulado em contrato" (art. 43-A, § 2º, com a redação conferida pela Lei n. 13.786/2018).

Na segunda, os adquirentes optam pelo não recebimento do imóvel. Nessa hipótese, "desde que o adquirente não tenha dado causa ao atraso, poderá ser promovida por este a resolução do contrato, sem prejuízo da devolução da integralidade de todos os valores pagos e da multa estabelecida, em até 60 (sessenta) dias corridos contados da resolução, corrigidos nos termos do § 8º do art. 67-A desta Lei" (art. 43-A, § 1º, com a redação conferida pela Lei n. 13.786/2018).

Há, ainda, uma terceira situação: a da destituição do incorporador em razão da completa paralisação da obra. É a hipótese verificada no caso em análise, que foi prevista no art. 43, VI, da Lei n. 4.591/1964 com a seguinte dicção: "(...) VI - se o incorporador, sem justa causa devidamente comprovada, paralisar as obras por mais de 30 dias, ou retardar-lhes excessivamente o andamento, poderá o Juiz notificá-lo para que no prazo mínimo de 30 dias as reinicie ou torne a dar-lhes o andamento normal. Desatendida a notificação, poderá o incorporador ser destituído pela maioria absoluta dos votos dos adquirentes, sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal que couber, sujeito à cobrança executiva das importâncias comprovadamente devidas, facultando-se aos interessados prosseguir na obra."

Observa-se, contudo, que para essa hipótese, a Lei não explicita, como fez anteriormente, as consequências jurídicas decorrentes, limitando-se a dispor: "Art. 43. Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas: (...) II - responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários, dos prejuízos que a êstes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão das obras, cabendo-lhe ação regressiva contra o construtor, se fôr o caso e se a êste couber a culpa."

Infere-se, portanto, que a primeira situação supracitada descreve uma hipótese de extinção normal, enquanto as duas últimas, representam hipóteses de extinção anômala do contrato de incorporação. Coloca-se ao crivo do adquirente uma possibilidade de extinção regular do contrato e duas possibilidades de extinção anormal da contratação, sendo, a partir desse cenário, possível divisar as consequências da destituição do incorporador.

É de se observar, inicialmente, que a destituição da incorporadora põe fim ao contrato de incorporação. Com isso, o dia da destituição da incorporadora, com a consequente assunção da obra pelos adquirentes, exsurge como o marco final das obrigações constituídas entre as partes.

É, portanto, até essa data que devem ser apurados os prejuízos efetivos que comporão o montante indenizatório devido pelas incorporadora e construtora, solidariamente. Isso, porque os riscos do empreendimento estão limitados às cláusulas e à extensão do contrato, assumindo o incorporador apenas os riscos contratados e tão-somente enquanto durar o ajuste.

Assim, optando os adquirentes pela assunção da obra, com a contratação de outra construtora, é lícito deduzir que eles abrem mão de receber a integralidade de todos os valores pagos, além da multa estabelecida, para prosseguirem, por conta própria, na construção do empreendimento, assumindo, com isso, as consequências dessa deliberação.

De fato, existindo a opção de o adquirente requerer a resolução do contrato, recebendo "a integralidade dos valores pagos devidamente corrigidos, bem como a multa estipulada para o inadimplemento", a escolha pela destituição do incorporador não pode significar um implemento do risco do negócio originalmente assumido.

Desse modo, se o adquirente, ou a maioria dos compradores reunidos em assembleia, decidiu pela continuidade do empreendimento, inclusive com a necessidade de aportes financeiros adicionais, esses valores não podem ser cobrados do incorporador destituído, sob pena de se agravar, unilateralmente, o risco do negócio original.

A destituição do incorporador constitui um exercício regular de um direito legalmente previsto, que pode, conforme o caso, impor novos riscos aos adquirentes, sem que isso conduza, todavia, a uma ampliação dos riscos originariamente assumidos pelo incorporador.

Pela mesma razão, deduz-se que os lucros cessantes serão cabíveis apenas durante o período compreendido entre a data prometida para a entrega da obra até a data efetiva da destituição do incorporador, que, frise-se, é o marco da extinção (anômala) da incorporação.



quinta-feira, 20 de maio de 2021

A empresa faturizada não responde pela insolvência dos créditos cedidos, sendo nulos a disposição contratual em sentido contrário e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring

 

Processo

REsp 1.711.412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL

Tema

Contrato de factoring. Cláusula de responsabilização da faturizada pela solvência dos créditos cedidos à faturizadora. Emissão de nota promissória para garantia da operação. Princípio da autonomia da vontade. Art. 296 do Código Civil. Impossibilidade. Vulneração da própria natureza do contrato. Aval aposto nas notas promissórias. Insubsistência. Interpretação do art. 899, § 2º, do Código Civil.

Destaque

A empresa faturizada não responde pela insolvência dos créditos cedidos, sendo nulos a disposição contratual em sentido contrário e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring.

Informações do Inteiro Teor

O contrato de factoring não se subsume a uma simples cessão de crédito, contendo, em si, ainda, os serviços prestados pela faturizadora de gestão de créditos e de assunção dos riscos advindos da compra dos créditos da empresa faturizada. O risco advindo dessa operação de compra de direitos creditórios, consistente justamente na eventual inadimplência do devedor/sacado, constitui elemento essencial do contrato de factoring, não podendo ser transferido à faturizada/cedente, sob pena de desnaturar a operação de fomento mercantil em exame.

A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puronão dá margem para que os contratantes, ainda que sob o signo da autonomia de vontades que regem os contratos em geral, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. Por consectário, a ressalva constante no art. 296 do Código Civil - in verbis: "Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor" - não tem nenhuma aplicação no contrato de factoring.

Ratificação do posicionamento prevalecente no âmbito desta Corte de Justiça, segundo o qual, no bojo do contrato de factoring, a faturizada/cedente não responde, em absoluto, pela insolvência dos créditos cedidos, afigurando-se nulos a disposição contratual nesse sentido e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, cujo risco é integral e exclusivo da faturizadora.

Importante registrar que, a despeito da absoluta impossibilidade de a faturizada responder pela solvência dos títulos transferidos, em virtude da natureza da operação de factoring, a cedente (faturizada) responde, sim, pela existência do crédito, ao tempo em que lhe cedeu (pro soluto). Não se têm dúvidas, assim, que a faturizada se responsabiliza, por exemplo, pelo saque, fraudulento, da chamada "duplicata fria"sem causa legítima subjacente.

No caso, as notas promissórias, que dão supedâneo à ação executiva, foram emitidas pela faturizada, por imposição contratual, para o propósito exclusivo de garantir a solvência dos créditos cedidos no âmbito do contrato de factoring, o que, como assentando, não se afigura possível, por vulnerar a própria natureza do ajuste.

No mais, frisa-se que a obrigação assumida pelo avalista, responsabilizando-se solidariamente pela obrigação contida no título de crédito é, em regra, autônoma e independente daquela atribuída ao devedor principal. O avalista equipara-se ao avalizado, em obrigações.

Sem descurar da autonomia da obrigação do avalista, assim estabelecida por lei, com relevante repercussão nas hipóteses em que há circulação do título, deve-se assegurar ao avalista a possibilidade de opor-se à cobrança, com esteio nos vícios que inquinam a própria relação originária (engendrada entre credor e o avalizado), quando, não havendo circulação do título, o próprio credor, imbuído de má-fé, é o responsável pela extinção, pela nulidade ou pela inexistência da obrigação do avalizado.

É de se reconhecer, para a hipótese em análise, em que não há circulação do título, a insubsistência do aval aposto nas notas promissórias emitidas para garantir a insolvência dos créditos cedidos em operação de factoring. Afinal, em atenção à impossibilidade de a faturizada/cedente responder pela insolvência dos créditos cedidos, afigurando-se nula a disposição contratual nesse sentido, a comprometer a própria existência de eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a operação de fomento mercantil, o aval ali inserido torna-se, de igual modo, insubsistente.

Esta conclusão, a um só tempo, obsta o enriquecimento indevido por parte da faturizadora, que sabe ou deveria saber não ser possível transferir o risco da operação de factoring que lhe pertence com exclusividadee não compromete direitos de terceiros, já que não houve circulação dos títulos em comento.



quarta-feira, 19 de maio de 2021

É admissível a exclusão de prenome da criança na hipótese em que o pai informou, perante o cartório de registro civil, nome diferente daquele que havia sido consensualmente escolhido pelos genitores

 

Processo

REsp 1.905.614-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 04/05/2021, DJe 06/05/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Atribuição de nome ao filho. Poder familiar. Bilateralidade e consensualidade. Autotutela. Inadmissão. Ato do pai que, desrespeitando consenso dos genitores, acresce unilateralmente prenome à criança por ocasião do registro. Deveres de lealdade e boa-fé. Violação. Ato ilícito. Configuração. Exercício abusivo do poder de família. Exclusão do prenome indevidamente acrescido. Ausência de comprovação da má-fé, intuito de vingança ou propósito de atingir à genitora. Irrelevância. Conduta censurável em si mesma.

Destaque

É admissível a exclusão de prenome da criança na hipótese em que o pai informou, perante o cartório de registro civil, nome diferente daquele que havia sido consensualmente escolhido pelos genitores.

Informações do Inteiro Teor

O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade.

Conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, permitindo-se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros.

Nomear o filho é típico ato de exercício do poder familiar, que pressupõe bilateralidade, salvo na falta ou impedimento de um dos pais, e consensualidade, ressalvada a possibilidade de o juiz solucionar eventual desacordo entre eles, inadmitindo-se, na hipótese, a autotutela.

O ato do pai que, conscientemente, desrespeita o consenso prévio entre os genitores sobre o nome a ser de dado ao filho, acrescendo prenome de forma unilateral por ocasião do registro civil, além de violar os deveres de lealdade e de boa-fé, configura ato ilícito e exercício abusivo do poder familiar, sendo motivação bastante para autorizar a exclusão do prenome indevidamente atribuído à criança.

É irrelevante apurar se o acréscimo unilateralmente promovido pelo genitor por ocasião do registro civil da criança ocorreu por má-fé, com intuito de vingança ou com o propósito de, pela prole, atingir à genitora, circunstâncias que, se porventura verificadas, apenas servirão para qualificar negativamente a referida conduta.