terça-feira, 30 de junho de 2020

A cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro

TERCEIRA TURMA
PROCESSO

REsp 1.809.548-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020

RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA

Embargos de terceiro. Cessão de direitos hereditários. Bem determinado. Ausência de nulidade. Negócio jurídico válido. Eficácia condicionada que não impede a transmissão da posse.

DESTAQUE

A cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No caso, busca-se a comprovação da propriedade/posse do imóvel objeto de penhora, por meio de embargos de terceiro opostos por adquirente de direitos hereditários sobre imóvel pertencente a espólio, cedidos a terceiros antes de ultimada a partilha com a anuência daquelas que se apresentavam como únicas herdeiras, a despeito do reconhecimento de outros dois sucessores por sentença proferida em ação de investigação de paternidade cumulada com petição de herança.

Quanto ao ponto, consigna-se que, em regra, o juízo de procedência dos embargos de terceiro está condicionado à comprovação da posse ou do domínio sobre o imóvel que sofreu a constrição, por meio de prova documental ou testemunhal, cabendo ao juiz, no caso de reconhecer suficientemente provado o domínio ou a posse, determinar a suspensão das medidas constritivas sobre o bem litigioso, além da manutenção ou da reintegração provisória da posse, se o embargante a houver requerido (arts. 677 e 678 do CPC/2015).

Quanto à cessão de direitos, o Código Civil de 2002 dispõe: "Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública. § 2º É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente".

No que tange, à existência, à validade e à eficácia da cessão de direitos hereditários sobre bem determinado da herança, observa-se que: a) a cessão de direitos hereditários sobre bem singular, desde que celebrada por escritura pública e não envolva o direito de incapazes, não é negócio jurídico nulo, tampouco inválido, ficando apenas a sua eficácia condicionada a evento futuro e incerto consubstanciado na efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente por ocasião da partilha; b) a ineficácia se opera somente em relação aos demais herdeiros; c) se celebrado pelo único herdeiro ou havendo a anuência de todos os coerdeiros, o negócio é válido e eficaz desde o seu nascimento, independentemente de autorização judicial, pois o que a lei busca evitar é que um único herdeiro, em prejuízo dos demais, aliene um bem que ainda não lhe pertence, e d) se o negócio não é nulo, mas tem apenas a sua eficácia suspensa, a cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro.

Assim, embora controvertida a matéria, tanto na doutrina como na jurisprudência dos tribunais, o fato de não ser a cessão de direitos hereditários sobre bem individualizado eivada de nulidade, mas apenas ineficaz em relação aos coerdeiros que com ela não anuíram, é o quanto basta para, na via dos embargos de terceiro, assegurar à cessionária a manutenção de sua posse.

Salienta-se, ademais, que admite-se a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, mesmo que desprovido do registro, a teor da Súmula n. 84/STJ, entendimento que também deve ser aplicado na hipótese em que a posse é defendida com base em instrumento público de cessão de direitos hereditários.


segunda-feira, 29 de junho de 2020

Na exposição pornográfica não consentida, o fato de o rosto da vítima não estar evidenciado de maneira flagrante é irrelevante para a configuração dos danos morais

TERCEIRA TURMA
PROCESSO

REsp 1.735.712-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020

RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL
TEMA

Exposição pornográfica não consentida. Rosto da vítima não evidenciado. Irrelevância. Lesão aos direitos de personalidade. Danos morais. Configuração.

DESTAQUE

Na exposição pornográfica não consentida, o fato de o rosto da vítima não estar evidenciado de maneira flagrante é irrelevante para a configuração dos danos morais.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A "exposição pornográfica não consentida", da qual a "pornografia de vingança" é uma espécie, constituiu uma grave lesão aos direitos de personalidade da pessoa exposta indevidamente, além de configurar uma grave forma de violência de gênero que deve ser combatida de forma contundente pelos meios jurídicos disponíveis. Assim, não há como descaracterizar um material pornográfico apenas pela ausência de nudez total.

O fato de o rosto da vítima não estar evidenciado nas fotos de maneira flagrante é irrelevante para a configuração dos danos morais, uma vez que a mulher vítima da pornografia de vingança sabe que sua intimidade foi indevidamente desrespeitada e, igualmente, sua exposição não autorizada lhe é humilhante e viola flagrantemente seus direitos de personalidade.

O art. 21 do Marco Civil da Internet não abarca somente a nudez total e completa da vítima, tampouco os "atos sexuais" devem ser interpretados como somente aqueles que envolvam conjunção carnal. Isso porque o combate à exposição pornográfica não consentida – que é a finalidade deste dispositivo legal – pode envolver situações distintas e não tão óbvias, mas que geram igualmente dano à personalidade da vítima.


sábado, 27 de junho de 2020

Incidem juros e correção monetária sobre a avaliação do conteúdo econômico de cotas sociais de empresa objeto de partilha em divórcio que, após a separação do casal, sob a administração exclusiva de um dos ex-cônjuges, encerrou suas atividades comerciais

TERCEIRA TURMA

PROCESSO

REsp 1.689.220-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020

RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL
TEMA

Divórcio. Partilha. Cotas sociais de empresa. Separação de fato. Administração exclusiva de um dos cônjuges. Atividades encerradas. Juros e correção monetária. Cabimento.

DESTAQUE

Incidem juros e correção monetária sobre a avaliação do conteúdo econômico de cotas sociais de empresa objeto de partilha em divórcio que, após a separação do casal, sob a administração exclusiva de um dos ex-cônjuges, encerrou suas atividades comerciais.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a saber se incidem juros e correção monetária, desde a citação até a data do efetivo pagamento, na forma do artigo 389 do Código Civil de 2002, sobre o valor da avaliação de cotas empresariais apurado conforme sua importância ao tempo da separação de fato dos ex-cônjuges.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica ao reconhecer a possibilidade de partilha, em ação de divórcio, da expressão econômica resultante de cotas empresariais que integraram o patrimônio comum construído na vigência do relacionamento outrora estabelecido entre as partes, independentemente da natureza da sociedade.

A Terceira Turma, ao julgar o REsp n. 1.537.107/PR, teve a oportunidade de debater hipótese em que se partilhou a valorização decorrente da administração da empresa que, nos anos seguintes à separação do então casal, experimentou crescimento financeiro a ser dividido por força da reconhecida copropriedade das cotas, não podendo "o recorrente apartar a sua ex-cônjuge do sucesso da sociedade" (Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 17/11/2016, DJe 25/11/2016).

Na presente situação, por sua vez, discute-se justamente realidade fática em que o "varão ficou na posse e administração da pessoa jurídica, que encerrou suas atividades após a separação".

Na espécie, a ex-cônjuge teve reconhecido o direito à metade do valor integralizado das cotas empresariais em debate. Ocorre que, tendo em vista o encerramento das atividades da empresa após a separação do então casal, constatada na data da avaliação, o objeto partilhado consiste, em última instância, no próprio capital investido na sociedade à época do relacionamento, devidamente atualizado.

Tendo em vista que o encerramento da empresa não deve impor ao ex-cônjuge, que ficou privado do patrimônio relativo às mencionadas cotas, o ônus de arcar com os prejuízos decorrentes da administração exclusiva, incabível o afastamento dos juros no pagamento das perdas e danos sobre o valor financeiro do mencionado bem sob pena de, ao assim o fazer, cristalizar indevido desequilíbrio na divisão de bens pactuada quando da partilha.

Assim, diante do encerramento das atividades negociais, resta ao devedor suprir o valor integralizado outrora alocado na empresa e por ele gerido exclusivamente, convertendo-o nos autos em perdas e danos aptos a representar os direitos patrimoniais sobre as cotas sociais então devidas à recorrida. Por esse motivo, correta a avaliação que inclua não só a obrigação principal, mas também seus acessórios, ou seja, juros e correção monetária.


sexta-feira, 26 de junho de 2020

Os vícios estruturais de construção estão cobertos pelo seguro habitacional obrigatório vinculado ao crédito imobiliário concedido pelo Sistema Financeiro da Habitação - SFH, ainda que só se revelem depois da extinção do contrato


SEGUNDA SEÇÃO
PROCESSO

REsp 1.804.965-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 27/05/2020, DJe 01/06/2020

RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL
TEMA

Imóvel adquirido pelo Sistema Financeiro de Habitação - SFH. Adesão ao seguro habitacional obrigatório. Vícios estruturais de construção (vícios ocultos). Revelação após extinção do contrato. Responsabilidade da seguradora. Boa-fé objetiva. Função social do contrato.

DESTAQUE

Os vícios estruturais de construção estão cobertos pelo seguro habitacional obrigatório vinculado ao crédito imobiliário concedido pelo Sistema Financeiro da Habitação - SFH, ainda que só se revelem depois da extinção do contrato.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se os prejuízos resultantes de sinistros relacionados a vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional obrigatório, vinculado a crédito imobiliário concedido para aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro da Habitação - SFH.

Em virtude da mutualidade ínsita ao contrato de seguro, o risco coberto é previamente delimitado e, por conseguinte, limitada é também a obrigação da seguradora de indenizar. Mas o exame dessa limitação não pode perder de vista a própria causa do contrato de seguro, que é a garantia do interesse legítimo do segurado.

Assim como tem o segurado o dever de veracidade nas declarações prestadas, a fim de possibilitar a correta avaliação do risco pelo segurador, a boa-fé objetiva impõe ao segurador, na fase pré-contratual, o dever, dentre outros, de dar informações claras e objetivas sobre o contrato, para permitir que o segurado compreenda, com exatidão, o verdadeiro alcance da garantia contratada, e, nas fases de execução e pós-contratual, o dever de evitar subterfúgios para tentar se eximir de sua responsabilidade com relação aos riscos previamente determinados.

Esse dever de informação do segurador ganha maior importância quando se trata de um contrato de adesão – como, em regra, são os contratos de seguro –, pois se trata de circunstância que, por si só, torna vulnerável a posição do segurado.

A necessidade de se assegurar, na interpretação do contrato, um padrão mínimo de qualidade do consentimento do segurado, implica o reconhecimento da abusividade formal das cláusulas que desrespeitem ou comprometam a sua livre manifestação de vontade, como parte vulnerável.

No âmbito do SFH, o seguro habitacional ganha conformação diferenciada, uma vez que integra a política nacional de habitação, destinada a facilitar a aquisição da casa própria, especialmente pelas classes de menor renda da população, tratando-se, pois, de contrato obrigatório que visa à proteção da família e à salvaguarda do imóvel que garante o respectivo financiamento imobiliário, resguardando, assim, os recursos públicos direcionados à manutenção do sistema.

A partir dessa perspectiva, infere-se que uma das justas expectativas do segurado, ao aderir ao seguro habitacional obrigatório para aquisição da casa própria pelo SFH, é a de receber o bem imóvel próprio e adequado ao uso a que se destina. E a essa expectativa legítima de garantia corresponde a de ser devidamente indenizado pelos prejuízos suportados em decorrência de danos originados na vigência do contrato e geradores dos riscos cobertos pela seguradora, segundo o previsto na apólice, como razoavelmente se pressupõe ocorrer com os vícios estruturais de construção.

Ora, os danos suportados pelos segurados não são verificados exclusivamente em razão do decurso do tempo e da utilização normal da coisa, mas resultam de vícios estruturais de construção, a que não deram causa, nem poderiam de qualquer modo evitar, e que, evidentemente, apenas se agravam com o decurso do tempo e a utilização normal da coisa.

A interpretação fundada na boa-fé objetiva, contextualizada pela função socioeconômica que desempenha o contrato de seguro habitacional obrigatório vinculado ao SFH, leva a concluir que a restrição de cobertura, no tocante aos riscos indicados, deve ser compreendida como a exclusão da responsabilidade da seguradora com relação aos riscos que resultem de atos praticados pelo próprio segurado ou do uso e desgaste natural e esperado do bem, tendo como baliza a expectativa de vida útil do imóvel, porque configuram a atuação de forças normais sobre o prédio.

Os vícios estruturais de construção provocam, por si mesmos, a atuação de forças anormais sobre a edificação, na medida em que, se é fragilizado o seu alicerce, qualquer esforço sobre ele – que seria naturalmente suportado, acaso a estrutura estivesse íntegra – é potencializado, do ponto de vista das suas consequências, porque apto a ocasionar danos não esperados na situação de normalidade de fruição do bem.

Desse modo, à luz dos parâmetros da boa-fé objetiva e da função social do contrato, que os vícios estruturais de construção estão acobertados pelo seguro habitacional, cujos efeitos devem se prolongar no tempo, mesmo após a conclusão do contrato, para acobertar o sinistro concomitante à vigência deste, ainda que só se revele depois de sua extinção (vício oculto).



quinta-feira, 25 de junho de 2020

POLICIAL CIVIL PROGRAMA DE TELEVISÃO EXPOSIÇÃO VEXATÓRIA IRREGULAR EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE IMPRENSA OFENSA À HONRA DANO MORAL


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ALEGAÇÃO DA AUTORA DE QUE O SEU NOME, A SUA PROFISSÃO E O SEU LOCAL DE TRABALHO FORAM VEICULADOS EM PROGRAMA TRANSMITIDO PELA BAND NEWS, DE FORMA DEBOCHADA E INVASIVA, LHE GERANDO DANOS A SUA HONRA E INÚMEROS CONSTRANGIMENTOS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. IRRESIGNAÇÃO DAS DEMANDADAS, SOB ARGUMENTO DE QUE INEXISTE CONDUTA ILÍCITA, ANTE O FORMATO CARICATURAL DA SÁTIRA E DA PARÓDIA FEITAS PELO PROGRAMA, NÃO HAVENDO QUALQUER CARÁTER OFENSIVO. 1- O que se deve analisar nesta situação é a ponderação entre a garantia constitucional da inviolabilidade da honra e imagem das pessoas (art. 5º X CF/88), e a garantia de liberdade de manifestação de pensamento e comunicação (art. 5º IX CF/88). 2- Tratando-se de um Estado Democrático de Direito, a liberdade de expressão é garantida, não cabendo ao Judiciário imiscuir-se para avaliar a qualidade ou conteúdo dos textos. A restrição somente se justifica quando restar comprovado o abuso da referida liberdade, caracterizado pelo dano injusto à personalidade. Ou seja, cabe à vítima comprovar que o exercício da liberdade de imprensa foi abusivo uma vez que violou a dignidade da pessoa humana. 3- In casu, houve exercício abusivo ou irregular da liberdade de imprensa, idôneo a ensejar responsabilidade, pois nunca poderiam as demandadas terem invadido a privacidade da autora, no sentido de veicularem além do seu sobrenome, a sua profissão, seu local de trabalho e, inclusive, promoverem ligações para a Delegacia de Polícia, expondo, em rede pública, os dados pessoais da requerente, veiculando matéria de cunho ofensivo e humilhante, a um membro da segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. DANOS MORAIS CORRETAMENTE FIXADOS. MAJORAÇÃO DOS HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.


0035263-27.2019.8.19.0001 - APELAÇÃO
DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MARCIA FERREIRA ALVARENGA - Julg: 11/03/2020 - Data de Publicação: 13/03/2020

quarta-feira, 24 de junho de 2020

INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR RECUSA EM FORNECER DOCUMENTOS ESTÁGIO NÃO OBRIGATÓRIO PERDA DE UMA CHANCE DANO MORAL IN RE IPSA


APELAÇÃO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. Estágio não obrigatório. Possibilidade contemplada no § 2º do art. 2º da Lei nº 11.788/08. Negativa da instituição de ensino em liberar a documentação necessária para a celebração de termo de compromisso. Ausência de justificativa válida. A autonomia didático-científica da universidade, prevista no art. 207 da CRFB, não afasta a aplicação das disposições insculpidas no art. 206, II, da própria Carta Magna pelas quais o ensino deverá ser ministrado com base no princípio da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber. Considerando-se que o estágio consiste em um método de aprendizagem necessário à formação de todo profissional, com o objetivo de melhorar o seu aprendizado por meio de atividades práticas, a regra restritiva criada pela universidade não só coibiu a livre iniciativa da aluna em aderir ao estágio, como ainda foi instituída sem amparo legal e a contrario sensu da mens legis que rege o tema. Inteligência das disposições insculpidas nos artigos 1º, § 1º, e 7º, inciso I, ambos da Lei nº 11.788/08, que impõem às instituições de ensino a disponibilização de estágio profissional como parte do seu projeto pedagógico, em nenhum momento condicionando a realização do mesmo à exigência de intervenção de agentes de integração ou celebração de convênios. Reconhecimento da procedência do pleito que se impunha. Dano moral caracterizado in re ipsa. Quantum indenizatório fixado que é necessário e suficiente para reprovação e prevenção da conduta. Sentença que, no entanto, comporta reparos. Teoria da perda de chance. Frustração da possibilidade de estagiar. Autora que comprovou cabalmente sua aprovação em processo seletivo para o exercício de estágio profissional em rede hoteleira internacional. Quantum indenizatório, a tal título, que deve ser fixado na forma do pedido autoral. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO ADESIVO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA. NÃO PROVIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO PELA INSTITUIÇÃO DE ENSINO.


0034587-11.2017.8.19.0208 - APELAÇÃO
DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL
Des(a). CLÁUDIO LUIZ BRAGA DELL'ORTO - Julg: 14/04/2020 - Data de Publicação: 15/04/2020

terça-feira, 23 de junho de 2020

O prazo para execução individual de sentença proferida contra planos de saúde em ação civil pública é de cinco anos

QUARTA TURMA
PROCESSO

AgInt no REsp 1.807.990-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020

RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA

Ação civil pública. Plano de saúde. Demanda coletiva. Execução individual. Prazo prescricional específico. Prescrição quinquenal.

DESTAQUE

O prazo para execução individual de sentença proferida contra planos de saúde em ação civil pública é de cinco anos.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

"Na falta de dispositivo legal específico para a ação civil pública, aplica-se, por analogia, o prazo de prescrição da ação popular, que é o quinquenal (art. 21 da Lei n. 4.717/1965), adotando-se também tal lapso na respectiva execução, a teor da Súmula 150/STF. A lacuna da Lei n. 7.347/1985 é melhor suprida com a aplicação de outra legislação também integrante do microssistema de proteção dos interesses transindividuais, como os coletivos e difusos, a afastar os prazos do Código Civil, mesmo na tutela de direitos individuais homogêneos (pretensão de reembolso dos usuários de plano de saúde que foram obrigados a custear lentes intraoculares para a realização de cirurgias de catarata)" (REsp 1473846/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 21/2/2017, DJe 24/2/2017).

Assim, a despeito da existência de recurso especial julgado sob o rito dos recursos repetitivos sobre a prescrição trienal para ações de cobrança contra plano de saúde, nota-se que esse versou sobre as ações ordinárias individuais, de modo que o entendimento referente à aplicação do prazo quinquenal às tutelas coletivas é específico e, consequentemente, prevalece no caso.


segunda-feira, 22 de junho de 2020

Diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos esforços expendidos pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, é recomendável o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar em prisão domiciliar

QUARTA TURMA
PROCESSO

HC 561.257-SP, Rel. Min. Raul Araújo, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 08/05/2020

RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA

Execução de alimentos. Prisão civil. Pandemia de Covid-19. Risco de contágio. Prisão domiciliar.

DESTAQUE

Diante do iminente risco de contágio pelo Covid-19, bem como em razão dos esforços expendidos pelas autoridades públicas em reduzir o avanço da pandemia, é recomendável o cumprimento da prisão civil por dívida alimentar em prisão domiciliar.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O contexto atual de gravíssima pandemia devido ao chamado coronavírus desaconselha a manutenção do devedor em ambiente fechado, insalubre e potencialmente perigoso, devendo ser observada a decisão proferida pelo ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, publicada em 30/03/2020, nos autos do Habeas Corpus nº 568.021/CE, no qual se estendeu a todos os presos por dívidas alimentícias no país a liminar deferida no mencionado writ, no sentido de garantir prisão domiciliar, em razão da pandemia de Covid-19.

No sentido da relativização do regime prisional previsto no § 4º do art. 528 do CPC/2015, enquanto viger a pandemia do Covid-19, vale mencionar as decisões monocráticas proferidas no RHC 106.403/SP (Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, DJe de 23/04/2020); no RHC 125.728 (Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe de 16/04/2020); no HC 561.813/MG (Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, DJe de 02/04/2020); e no RHC 125.395 (Rel. Ministro Raul Araújo, DJe de 02/04/2020).


sábado, 20 de junho de 2020

O curto espaço de tempo entre o acidente e a assinatura do acordo e o desconhecimento da integralidade dos danos podem excepcionar a regra de que a quitação plena e geral desautoriza o ajuizamento de ação para ampliar a verba indenizatória aceita e recebida

QUARTA TURMA
PROCESSO

AgInt no REsp 1.833.847-RS, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 20/04/2020, DJe 24/04/2020

RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL
TEMA

Responsabilidade civil. Quitação plena e geral de acordo extrajudicial. Ajuizamento de ação para ampliar verba indenizatória. Impossibilidade. Curto espaço de tempo entre o acidente e a assinatura do acordo. Desconhecimento da integralidade do dano. Excepcionalidade configurada.

DESTAQUE

O curto espaço de tempo entre o acidente e a assinatura do acordo e o desconhecimento da integralidade dos danos podem excepcionar a regra de que a quitação plena e geral desautoriza o ajuizamento de ação para ampliar a verba indenizatória aceita e recebida.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que, em regra, a quitação ampla, geral e irrevogável efetivada em acordo extrajudicial deve ser presumida válida e eficaz, não se autorizando o ingresso na via judicial para ampliar verbas indenizatórias anteriormente aceitas e recebidas.

Contudo, em determinadas situações particulares, a jurisprudência aponta para adoção de solução distinta, como nas hipóteses de acréscimo da incapacidade parcial apurada em laudo médico posterior, seguro obrigatório pago a menor e expurgos inflacionários não pagos em restituição de reserva de poupança.

No caso, o acordo foi celebrado em data muito próxima à do acidente, não havendo conhecimento da integralidade do prejuízo sofrido. Nota-se, portanto, situação excepcional que justifica a restrição da plena validade do ato de quitação.


sexta-feira, 19 de junho de 2020

Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre acionistas investidores e a sociedade anônima de capital aberto com ações negociadas no mercado de valores mobiliários

TERCEIRA TURMA
PROCESSO

REsp 1.685.098-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. Acd. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/03/2020, DJe 07/05/2020

RAMO DO DIREITODIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO EMPRESARIAL
TEMA

Acionista minoritário de sociedade anônima de capital aberto. Investidor. Ações negociadas no mercado de valores mobiliários. Relação empresarial. Código de Defesa do Consumidor. Não incidência.

DESTAQUE

Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre acionistas investidores e a sociedade anônima de capital aberto com ações negociadas no mercado de valores mobiliários.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a perquirir se incidentes, na relação entre o investidor acionista e a sociedade anônima, as regras protetivas do direito do consumidor, a ensejar, em consequência, a inversão do ônus da prova do pagamento de dividendos pleiteado na via judicial

A jurisprudência desta Corte orienta-se pela teoria finalista ou subjetiva, segundo a qual releva, para efeitos de incidência das normas protetivas, a condição de destinatário final da pessoa física ou jurídica. Desse modo, segundo a teoria subjetiva ou finalista, destinatário final é aquele que ultima a atividade econômica, isto é, que retira de circulação do mercado o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfação própria.

Em síntese, a característica distintiva da teoria finalista está no fato de o ato de consumo não integrar a atividade negocial visando ao lucro.

No caso, trata-se de aquisição de ações no mercado mobiliário, cujo objetivo primordial é obviamente a obtenção de lucro, a afastar a condição de consumidor do investidor acionista.

Embora a Súmula n. 297/STJ estabeleça que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras, não é possível identificar, na atividade de aquisição de ações, nenhuma prestação de serviço por parte da instituição financeira, mas relação de cunho puramente societário e empresarial.

A não adequação aos conceitos legais de consumidor e fornecedor descaracteriza a relação jurídica de consumo, afastando-a do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

A propósito, vale citar o Enunciado n. 19 da I Jornada de Direito Comercial: "Não se aplica o CDC às relações entre sócios e acionistas ou entre eles e a sociedade".

Logo, afastada a relação de consumo do investidor, acionista minoritário de sociedade anônima, caberia a ele provar o fato constitutivo do seu direito, a teor do que dispõe o artigo 373 do Código de Processo Civil de 2015 ("O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;"), sendo incabível a inversão do ônus da prova.



quinta-feira, 18 de junho de 2020

O erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços e a rápida comunicação ao consumidor podem afastar a falha na prestação do serviço e o princípio da vinculação da oferta

TERCEIRA TURMA
PROCESSO

REsp 1.794.991-SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020

RAMO DO DIREITODIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA

Compra pela internet. Falha grosseira no sistema de carregamento de preços. Valor muito aquém do praticado por outras empresas. Não conclusão da transação. Comunicação rápida ao consumidor. Princípio da vinculação da oferta (art. 30 do CDC). Não violação.

DESTAQUE

O erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços e a rápida comunicação ao consumidor podem afastar a falha na prestação do serviço e o princípio da vinculação da oferta.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Registra-se, de início, que o Código de Defesa do Consumidor não é somente um conjunto de artigos que protege o consumidor a qualquer custo. Antes de tudo, ele é um instrumento legal que pretende harmonizar as relações entre fornecedores e consumidores, sempre com base nos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual. Isso quer dizer que referida legislação é principiológica, não sendo sua principal função resolver todos os problemas que afetam os consumidores, numa fúria disciplinadora. Nela, em verdade, fizeram-se constar princípios fundamentais básicos, como a harmonia entre consumidor e fornecedor, a boa-fé e o equilíbrio nas relações negociais, a interpretação mais favorável do contrato, dentre outros.

No caso, os consumidores promoveram a reserva de bilhetes aéreos com destino internacional a preço muito aquém do praticado por outras empresas aéreas, não tendo sequer havido a emissão dos bilhetes eletrônicos (e-tickets) que pudessem formalizar a compra.

Agrega-se o fato de que os valores sequer foram debitados do cartão de crédito e, em curto período, os consumidores receberam e-mail informando a não conclusão da operação.

Nesse contexto, é inadmissível que, diante de inegável erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços, possa se reconhecer a falha da prestação dos serviços das empresas, que prontamente impediram o lançamento de valores na fatura do cartão de crédito utilizado, informando, ainda, com antecedência necessária ao voo, o cancelamento da operação. Por conseguinte, não há que se falar em violação do princípio da vinculação da oferta (art. 30 do CDC).


quarta-feira, 17 de junho de 2020

O laboratório tem responsabilidade objetiva na ausência de prévia informação qualificada quanto aos possíveis efeitos colaterais da medicação, ainda que se trate do chamado risco de desenvolvimento.

TERCEIRA TURMA
PROCESSO

REsp 1.774.372-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 18/05/2020

RAMO DO DIREITODIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA

Risco inerente ao medicamento. Dever de informar qualificado. Violação. Risco do desenvolvimento. Defeito de concepção. Fortuito interno. Responsabilidade objetiva do fabricante configurada.

DESTAQUE

O laboratório tem responsabilidade objetiva na ausência de prévia informação qualificada quanto aos possíveis efeitos colaterais da medicação, ainda que se trate do chamado risco de desenvolvimento.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir a responsabilidade do laboratório por medicamento fabricado e comercializado, com exclusividade, que teria causado ao paciente o quadro compulsivo e incontrolável conhecido como jogo patológico, o qual, por sua vez, acarretou-lhe a dilapidação de todo o seu patrimônio.

Cabe ressaltar, de plano, a incidência do Código de Defesa do Consumidor, pois revela, em princípio, típica hipótese de acidente de consumo, mais especificamente de fato do produto, considerando a alegação de que o medicamento fabricado pelo laboratório não teria oferecido a segurança que dele legitimamente se podia esperar, em virtude da falta de esclarecimentos sobre os riscos relacionados ao seu uso, em especial, sobre o jogo patológico.

Não se desconhece que todo medicamento traz em si, em maior ou menor grau, riscos à saúde ou à segurança do consumidor, intrínsecos à sua essência, mas que são razoavelmente aceitos diante dos benefícios esperados.

Esse risco inerente ao produto comercializado impõe, em contrapartida, um dever de informar qualificado, exigindo o art. 9º do CDC que o fornecedor preste esclarecimentos ostensivos e adequados a respeito da sua nocividade ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso. A violação desse dever de informar qualificado está prevista no § 1º, II, do art. 12 do CDC como hipótese de defeito do produto, ensejando a responsabilidade objetiva do fornecedor pelo evento danoso dele decorrente.

Assim, o fato de o uso de um medicamento causar efeitos colaterais ou reações adversas, por si só, não configura defeito do produto, se o usuário foi prévia e devidamente informado e advertido sobre tais riscos inerentes, de modo a poder decidir, de forma livre, refletida e consciente, sobre o tratamento que lhe é prescrito, além de ter a possibilidade de mitigar eventuais danos que viessem a ocorrer em função dele.

Por sua vez, o risco do desenvolvimento, entendido como aquele que não podia ser conhecido ou evitado no momento em que o medicamento foi colocado em circulação, constitui defeito existente desde o momento da concepção do produto, embora não perceptível a priori, caracterizando hipótese de fortuito interno.

Dessa forma, o desconhecimento quanto à possibilidade de desenvolvimento do jogo patológico como reação adversa ao uso do medicamento subtraiu do paciente a capacidade de relacionar, de imediato, o transtorno mental e comportamental de controle do impulso ao tratamento médico ao qual estava sendo submetido, sobretudo por se tratar de um efeito absolutamente anormal e imprevisível para o consumidor leigo e desinformado.


terça-feira, 16 de junho de 2020

Instituição não financeira – dedicada ao comércio varejista em geral – não pode estipular, em suas vendas a crédito, pagas em prestações, juros remuneratórios superiores a 1% ao mês, ou a 12% ao ano

TERCEIRA TURMA
PROCESSO

REsp 1.720.656-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 07/05/2020

RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR, DIREITO BANCÁRIO
TEMA

Compra e venda a prazo. Empresa do comércio varejista. Juros remuneratórios superiores a 1% ao mês. Impossibilidade. Instituição não financeira. Art. 2º da Lei n. 6.463/1977. Equiparação. Inviabilidade.

DESTAQUE

Instituição não financeira – dedicada ao comércio varejista em geral – não pode estipular, em suas vendas a crédito, pagas em prestações, juros remuneratórios superiores a 1% ao mês, ou a 12% ao ano.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, no que se refere à Lei n. 6.463/1977, que torna obrigatória a declaração de preço total nas vendas a prestação, observa-se que foi editada no contexto do esforço do Legislativo de combater a cobrança de juros remuneratórios extorsivos, oferecendo, à época, aos próprios consumidores, um meio de controle sobre a exigência de taxas usurárias e atribuindo os encargos da fiscalização e da regulação ao Ministério da Fazenda.

Contudo, a conversão do projeto de Lei n. 669/1963 na referida lei somente ocorreu em 1977, após a vigência da Lei n. 4.595/1964, que dispõe sobre a política monetária, dá competência ao Conselho Monetário Nacional para regulamentar o crédito em todas as suas modalidades, inclusive limitando as taxas de juros, não tendo havido atualização daquele projeto de lei quanto ao tema.

Assim, a previsão do art. 2º da Lei n. 6.463/1977 faz referência a um sistema obsoleto, em que a aquisição de mercadorias a prestação dependia da atuação do varejista como instituição financeira e no qual o controle dos juros estava sujeito ao escrutínio dos próprios consumidores e à regulação e fiscalização do Ministério da Fazenda.

Depois da Lei n. 4.595/1964, o referido art. 2º da Lei n. 6.463/1977 passou a não mais encontrar suporte fático apto a sua incidência, sendo, pois, ineficaz, não podendo ser interpretado extensivamente para permitir a equiparação dos varejistas a instituições financeiras e não autorizando a cobrança de encargos cuja exigibilidade a elas é restrita.

Com efeito, a cobrança de juros remuneratórios superiores aos limites estabelecidos pelo Código Civil de 2002 (art. 406 c/c art. 591) é excepcional e deve ser interpretada restritivamente.

Ademais, apenas às instituições financeiras, submetidas à regulação, controle e fiscalização do Conselho Monetário Nacional, é permitido cobrar juros acima do teto legal, conforme entendimento consolidado na Súmula 596/STF e precedente da 2ª Seção (AR 4.393/GO, Segunda Seção, DJe 14/04/2016).

Dessa forma, a Lei n. 6.463/1977 não é capaz de ensejar cobrança de juros remuneratórios superiores aos limites de 1% ao mês ou 12% ao ano nos contratos de compra e venda de mercadorias à prestação, uma vez que a possibilidade de pactuação pelas taxas médias de mercado é limitada às instituições financeiras.


segunda-feira, 15 de junho de 2020

A destinação de parte do imóvel para fins comerciais não impede o reconhecimento da usucapião especial urbana sobre a totalidade da área.


TERCEIRA TURMA
PROCESSO

REsp 1.777.404-TO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020

RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL
TEMA

Usucapião especial urbana. Imóvel de utilização mista. Residencial e comercial. Objeção não existente na legislação de regência.

DESTAQUE

A destinação de parte do imóvel para fins comerciais não impede o reconhecimento da usucapião especial urbana sobre a totalidade da área.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a discussão a determinar se a área de imóvel objeto de usucapião extraordinária deve ser usada somente para fins residenciais ou, ao contrário, se é possível usucapir imóvel que apenas em parte é destinado para fins comerciais.

A modalidade de usucapião de que trata este julgamento é mais conhecida como especial urbana, constitucional ou ainda pro habitatione, vem regulada na Constituição Federal de 1988, em seu art. 183, §§ 1º ao 3º e pelo Código Civil vigente, em seu art. 1240, §§ 1º e 2º, sendo regulamentada, de forma mais detalhada pelo Estatuto da Cidade.

A usucapião especial urbana apresenta como requisitos a posse ininterrupta e pacífica, exercida como dono, o decurso do prazo de cinco anos, a dimensão da área (250 m² para a modalidade individual e área superior a essa, na forma coletiva), a moradia e o fato de não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

No acórdão recorrido, considerou-se impossível declarar a usucapião de área utilizada para a bicicletaria operada pela família do recorrente, afirmando que apenas a porção do imóvel utilizada exclusivamente para sua moradia e de sua família poderia ser adquirida pela usucapião.

No entanto, o requisito da exclusividade no uso residencial não está expressamente previsto em nenhum dos dispositivos legais e constitucionais que dispõem sobre a usucapião especial urbana.

Assim, o uso misto da área a ser adquirida por meio de usucapião especial urbana não impede seu reconhecimento judicial, se a porção utilizada comercialmente é destinada à obtenção do sustento do usucapiente e de sua família.

Há, de fato, a necessidade de que a área pleiteada seja utilizada para a moradia do requerente ou de sua família, mas não se exige que esta área não seja produtiva, especialmente quando é utilizada para o sustento do próprio recorrente.


sábado, 13 de junho de 2020

O credor fiduciário regido pelo Decreto-Lei n. 911/1969, em caso de inadimplemento contratual, pode promover a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, independentemente de optar pela excussão da garantia ou pela ação de execução


TERCEIRA TURMA
PROCESSO

REsp 1.833.824-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020

RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL
TEMA

Cédula de crédito bancário com alienação fiduciária em garantia. Inadimplemento. Regime jurídico aplicável. Decreto-Lei n. 911/1969. Inscrição em órgãos de proteção ao crédito. Possibilidade. Exercício regular do direito de crédito.

DESTAQUE

O credor fiduciário regido pelo Decreto-Lei n. 911/1969, em caso de inadimplemento contratual, pode promover a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, independentemente de optar pela excussão da garantia ou pela ação de execução.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O propósito recursal consiste em definir se o credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento do contrato, é obrigado a promover a venda do bem alienado fiduciariamente, antes de proceder à inscrição dos nomes dos devedores em cadastros de proteção ao crédito.

O debate gira em torno da interpretação do art. 1.364 do CC/2002, segundo o qual "vencida a dívida, e não paga, fica o credor obrigado a vender, judicial ou extrajudicialmente, a coisa a terceiros, a aplicar o preço no pagamento de seu crédito e das despesas de cobrança, e a entregar o saldo, se houver, ao devedor".

Contudo, no ordenamento jurídico brasileiro, coexiste um duplo regime jurídico da propriedade fiduciária: a) o regime jurídico geral do Código Civil, que disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, sendo o credor fiduciário qualquer pessoa natural ou jurídica; e b) o regime jurídico especial, formado por um conjunto de normas extravagantes, dentre as quais o Decreto-Lei n. 911/1969, que trata da propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis, além da cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis ou de títulos de crédito, restrito o credor fiduciário à pessoa jurídica instituição financeira.

Assim, em se tratando de alienação fiduciária de coisa móvel infungível envolvendo instituição financeira, o regime jurídico aplicável é aquele do Decreto-Lei n. 911/1969, devendo as disposições gerais do Código Civil incidir apenas em caráter supletivo.

Essa aplicação supletiva do Código Civil, todavia, não se faz necessária na espécie, haja vista que o DL n. 911/69 contém disposição expressa que faculta ao credor fiduciário, na hipótese de inadimplemento ou mora no cumprimento das obrigações contratuais pelo devedor, optar por recorrer diretamente à ação de execução, caso não prefira retomar a posse do bem e vendê-lo a terceiros.

De todo modo, independentemente da via eleita pelo credor, a inscrição dos nomes dos devedores solidários em bancos de dados de proteção ao crédito, em razão do incontroverso inadimplemento do contrato, não se reveste de qualquer ilegalidade, tratando-se de exercício regular do direito de crédito.

Com efeito, a partir do inadimplemento das obrigações pactuadas pelo devedor, nasce para o credor uma série de prerrogativas, não apenas atreladas à satisfação do seu crédito em particular – do que é exemplo a excussão da garantia ou a cobrança da dívida –, mas também à proteção do crédito em geral no mercado de consumo.

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Lei 14.010/2020 - Regime jurídico emergencial transitório (RJET)

Brasão das Armas Nacionais da República Federativa do Brasil

Presidência da República
Secretaria-Geral
Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 14.010, DE 10 DE JUNHO DE 2020

Mensagem de veto

Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19).

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS 

Art. 1º Esta Lei institui normas de caráter transitório e emergencial para a regulação de relações jurídicas de Direito Privado em virtude da pandemia do coronavírus (Covid-19).

Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se 20 de março de 2020, data da publicação do Decreto Legislativo nº 6, como termo inicial dos eventos derivados da pandemia do coronavírus (Covid-19).

Art. 2º A suspensão da aplicação das normas referidas nesta Lei não implica sua revogação ou alteração. 

CAPÍTULO II

DA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA 

Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.

§ 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.

§ 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). 

CAPÍTULO III

DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO 

Art. 4º  (VETADO).

Art. 5º A assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.

Parágrafo único. A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial. 

CAPÍTULO IV

(VETADO)

Art. 6º (VETADO).

Art. 7º (VETADO). 

CAPÍTULO V

DAS RELAÇÕES DE CONSUMO 

Art. 8º Até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos. 

CAPÍTULO VI

DAS LOCAÇÕES DE IMÓVEIS URBANOS 

Art. 9º  (VETADO). 

CAPÍTULO VII

DA USUCAPIÃO 

Art. 10. Suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. 

CAPÍTULO VIII

DOS CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS 

Art. 11. (VETADO).

Art. 12. A assembleia condominial, inclusive para os fins dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil, e a respectiva votação poderão ocorrer, em caráter emergencial, até 30 de outubro de 2020, por meios virtuais, caso em que a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.

Parágrafo único. Não sendo possível a realização de assembleia condominial na forma prevista no caput, os mandatos de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.

Art. 13. É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração. 

CAPÍTULO IX

DO REGIME CONCORRENCIAL 

Art. 14. Ficam sem eficácia os incisos XV e XVII do § 3º do art. 36 e o inciso IV do art. 90 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, em relação a todos os atos praticados e com vigência de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020 ou enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

§ 1º Na apreciação, pelo órgão competente, das demais infrações previstas no art. 36 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, caso praticadas a partir de 20 de março de 2020, e enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, deverão ser consideradas as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19).

§ 2º A suspensão da aplicação do inciso IV do art. 90 da Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, referida no caput, não afasta a possibilidade de análise posterior do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica, na forma do art. 36 da Lei nº 12.529, de 2011, dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19). 

CAPÍTULO X

DO DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES 

Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.

Art. 16. O prazo do art. 611 do Código de Processo Civil para sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020 terá seu termo inicial dilatado para 30 de outubro de 2020.

Parágrafo único. O prazo de 12 (doze) meses do art. 611 do Código de Processo Civil, para que seja ultimado o processo de inventário e de partilha, caso iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020, ficará suspenso a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. 

CAPÍTULO XI

(VETADO) 

Art. 17. (VETADO).

Art. 18. (VETADO). 

CAPÍTULO XII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 19. (VETADO).

Art. 20. caput do art. 65 da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso I-A:

“Art. 65. ......................................................................................................................

............................................................................................................................................

I-A – dia 1º de agosto de 2021, quanto aos arts. 52, 53 e 54;

....................................................................................................................................” (NR)

Art. 21. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 

Brasília,  10  de  junho  de 2020; 199o da Independência e 132o da República. 

JAIR MESSIAS BOLSONARO
André Luiz de Almeida Mendonça
Paulo Guedes
Tarcisio Gomes de Freitas
Walter Souza Braga Netto
José Levi Mello do Amaral Júnior

Este texto não substitui o publicado no DOU de 12.6.2020.