terça-feira, 31 de outubro de 2023

"L. 14.701/2023 - Regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas; e altera as Leis nºs 11.460, de 21 de março de 2007, 4.132, de 10 de setembro de 1962, e 6.001, de 19 de dezembro de 1973."

 


CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS 

Art. 1º  Esta Lei regulamenta o art. 231 da Constituição Federal, para dispor sobre o reconhecimento, a demarcação, o uso e a gestão de terras indígenas.

Art. 2º São princípios orientadores desta Lei:

I - o reconhecimento da organização social, dos costumes, das línguas e das tradições indígenas;

II - o respeito às especificidades culturais de cada comunidade indígena e aos respectivos meios de vida, independentemente de seus graus de interação com os demais membros da sociedade;

III - a liberdade, especialmente de consciência, de crença e de exercício de qualquer trabalho, profissão ou atividade econômica;

IV - a igualdade material;

V - a imprescritibilidade, a inalienabilidade e a indisponibilidade dos direitos indígenas. 

CAPÍTULO II

DO RECONHECIMENTO E DA

DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS 

Seção I

Das Modalidades de Terras Indígenas 

Art. 3º São terras indígenas:

I - as áreas tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, nos termos do § 1º do art. 231 da Constituição Federal;

II - as áreas reservadas, consideradas as destinadas pela União por outras formas que não a prevista no inciso I deste caput;

III - as áreas adquiridas, consideradas as havidas pelas comunidades indígenas pelos meios admissíveis pela legislação, tais como a compra e venda e a doação.  

Seção II

Das Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas 

Art. 4º (VETADO):

I - (VETADO);

II - (VETADO);

III - (VETADO);

IV - (VETADO).

§ 1º (VETADO).

§ 2º (VETADO).

§ 3º (VETADO).

§ 4º (VETADO).

§ 5º O procedimento demarcatório será público e seus atos decisórios serão amplamente divulgados e disponibilizados para consulta em meio eletrônico.

§ 6º É facultado a qualquer cidadão o acesso a todas as informações relativas à demarcação das terras indígenas, notadamente quanto aos estudos, aos laudos, às suas conclusões e fundamentação, ressalvado o sigilo referente a dados pessoais, nos termos da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

§ 7º (VETADO).

§ 8º É assegurada às partes interessadas a tradução da linguagem oral ou escrita, por tradutor nomeado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), da língua indígena própria para o português, ou do português para a língua indígena própria, nos casos em que a comunidade indígena não domine a língua portuguesa.

Art. 5º (VETADO).

Parágrafo único. É assegurado aos entes federativos o direito de participação efetiva no processo administrativo de demarcação de terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas.

Art. 6º (VETADO).

Art. 7º As associações de partes interessadas podem representar os associados, desde que autorizadas em assembleias gerais convocadas para esse fim.

Art. 8º O levantamento fundiário da área pretendida será acompanhado de relatório circunstanciado.

Art. 9º (VETADO).

Art. 10. (VETADO).

Art. 11. (VETADO).

Art. 12. Para os fins desta Lei, fica a União, por meio do órgão federal competente, autorizada a ingressar no imóvel de propriedade particular para levantamento de dados e informações, mediante prévia comunicação escrita ao proprietário, ao seu preposto ou ao seu representante, com antecedência mínima de 15 (quinze) dias úteis.

Art. 13. (VETADO).

Art. 14. (VETADO).

Art. 15. (VETADO). 

Seção III

Das Áreas Indígenas Reservadas 

Art. 16. São áreas indígenas reservadas as destinadas pela União à posse e à ocupação por comunidades indígenas, de forma a garantir sua subsistência digna e a preservação de sua cultura.

§ 1º As áreas indígenas reservadas poderão ser formadas por:

I - terras devolutas da União discriminadas para essa finalidade;

II - áreas públicas pertencentes à União;

III - áreas particulares desapropriadas por interesse social.

§ 2º As reservas, os parques e as colônias agrícolas indígenas constituídos nos termos da Lei nº 6.001, de 19 dezembro de 1973, serão considerados áreas indígenas reservadas nos moldes desta Lei.

§ 3º As áreas indígenas reservadas são de propriedade da União e a sua gestão fica a cargo da comunidade indígena, sob a supervisão da Funai.

§ 4º (VETADO).

Art. 17. Aplica-se às terras indígenas reservadas o mesmo regime jurídico de uso e gozo adotado para terras indígenas tradicionalmente ocupadas, nos moldes do Capítulo III desta Lei. 

Seção IV

Das Áreas Indígenas Adquiridas 

Art. 18. (VETADO). 

CAPÍTULO III

DO USO E DA GESTÃO DAS TERRAS INDÍGENAS 

Art. 19. Cabe às comunidades indígenas, mediante suas próprias formas de tomada de decisão e solução de divergências, escolher a forma de uso e ocupação de suas terras.

Art. 20. O usufruto dos indígenas não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional.

Parágrafo único. (VETADO).

Art. 21. (VETADO).

Art. 22. (VETADO).

Art. 23. (VETADO).

Art. 24. O ingresso de não indígenas em áreas indígenas poderá ser feito:

I - por particulares autorizados pela comunidade indígena;

II - por agentes públicos justificadamente a serviço de um dos entes federativos;

III - pelos responsáveis pela prestação dos serviços públicos ou pela realização, manutenção ou instalação de obras e equipamentos públicos;

IV - por pesquisadores autorizados pela Funai e pela comunidade indígena;

V - por pessoas em trânsito, em caso de existência de rodovias ou outros meios públicos para passagem.

§ 1º No caso do inciso IV do caput deste artigo, a autorização será dada por prazo determinado e deverá conter os objetivos da pesquisa, vedado ao pesquisador agir fora dos limites autorizados.

§ 2º No caso do inciso II do caput deste artigo, o ingresso deverá ser reportado à Funai, informados seus objetivos e sua duração.

§ 3º (VETADO).

Art. 25. (VETADO).

Art. 26. É facultado o exercício de atividades econômicas em terras indígenas, desde que pela própria comunidade indígena, admitidas a cooperação e a contratação de terceiros não indígenas.

§ 1º (VETADO).

§ 2º (VETADO).

Art. 27. (VETADO).

Art. 28. (VETADO). 

CAPÍTULO IV

DISPOSIÇÕES FINAIS 

Art. 29. (VETADO).

Art. 30. (VETADO). 

Art. 31. (VETADO).

Art. 32. (VETADO). 

Art. 33. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 

Brasília, 20 de outubro de 2023; 202o da Independência e 135o da República.

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

"É válida a disposição testamentária que institui filha co-herdeira como curadora especial dos bens deixados à irmã incapaz, relativamente aos bens integrantes da parcela disponível da herança, ainda que esta se encontre sob o poder familiar ou tutela"

 


Processo

REsp 2.069.181-SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 10/10/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Inventário. Cláusula de nomeação de curadora especial para administração da parcela disponível do patrimônio deixado à herdeira incapaz. Herdeira legítima e testamentária. Exercício do poder familiar pelo genitor. Irrelevante. Cumprimento de disposições testamentárias. Legalidade. Soberania da vontade da testadora.

DESTAQUE

É válida a disposição testamentária que institui filha co-herdeira como curadora especial dos bens deixados à irmã incapaz, relativamente aos bens integrantes da parcela disponível da herança, ainda que esta se encontre sob o poder familiar ou tutela.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia reside na validade de cláusula testamentária, em que prevista a instituição de filha maior como curadora especial de sua irmã co-herdeira incapaz relativamente aos bens integrantes da parcela disponível da herança instituída pela genitora comum conforme o parágrafo 2º do artigo 1.733 do Código Civil, o qual permite que quem institui um menor herdeiro ou legatário nomeie um curador especial para os bens deixados, mesmo que o beneficiário esteja sob poder familiar ou tutela.

Na origem, as instâncias ordinárias declararam ineficaz a disposição testamentária em que a autora da herança nomeara a sua filha maior como curadora especial, sob o fundamento principal de que a faculdade prevista no artigo 1.733, parágrafo 2º, do Código Civil não se aplica aos casos em que os herdeiros necessários também são os únicos beneficiários da parte disponível, pois, assim, não haveria justa causa e operabilidade na restrição imposta.

Assim delimitado o contexto, o testamento consubstancia expressão da autonomia privada, inclusive em termos de planejamento sucessório - ainda que limitada pelas regras afetas à sucessão legítima -, e tem por escopo justamente a preservação da vontade daquele que, em vida, concebeu o modo de disposição de seu patrimônio para momento posterior à sua morte, o que inclui a própria administração/gestão dos bens deixados.

A instituição de curador para o patrimônio não exclui ou obsta o exercício do poder familiar pelo genitor sobrevivente ou a tutela, porquanto compete àquele tão-somente gerir os bens deixados sob a referida condição, em estrita observância à vontade do autor da herança, sem descurar dos interesses da criança ou adolescente beneficiário.

A circunstância de a descendente, ainda criança, manter a posição de herdeira legítima e testamentária, simultaneamente, não conduz ao afastamento da disposição relacionada à instituição de curadora especial para administrar os bens integrantes da parcela disponível da testadora, expressamente prevista em lei, sem que haja qualquer necessidade de aferir a inidoneidade do detentor do poder familiar ou tutor.

domingo, 29 de outubro de 2023

Indicação de livro: "20 anos de vigência do Código Civil na legalidade constitucional", coordenada por Gustavo Tepedino, Rodrigo da Guia Silva e João Quinelato (editora Foco)

 


“Vinte anos de vigência foram cumpridos pelo Código Civil Brasileiro. A Editora Foco vem brindar a comunidade jurídica brasileira com esta obra, de autoria coletiva, que reúne civilistas de todo o país. O resultado é a obra que o leitor e a leitora têm em mãos, um trabalho robusto, de fôlego.

            A obra se constitui em verdadeira codificação comentada, que se volta para o horizonte de análise do percurso trilhado nessas duas décadas de vigência da lei sob a legalidade constitucional.

            Já tive oportunidade de afirmar que o Código Civil é mesmo obra de um pensamento estruturado, emergente de um sistema de normas de direito privado que corresponde às aspirações de uma dada sociedade. Nunca é demais relembrar, portanto, que o Direito Civil contemporâneo, em consequência, é reflexo de um tempo que se firma a partir da segunda parte do século XX, e mais diretamente, entre nós, a partir da Constituição de 1988, que redemocratizou o País.

            Nesse sentido, a transformação do governo jurídico do tríplice vértice fundante do privado – as titularidades, o trânsito jurídico e o projeto parental – reflete-se em duas travessias. A primeira estende-se do Código Civil de 1916 à Constituição de 1988. A segunda, ainda em curso, verifica-se na ponte que a hermenêutica crítica está a construir, entre a codificação de 2002 e a principiologia axiológica de índole constitucional. A primeira travessia se cumpriu, como assinalou Orlando Gomes, refletindo aspirações da camada mais ilustrada da população.

            Nada mais justo, portanto, do que almejar, para a segunda travessia, que se constitua em percurso mais democrático, centrado na dignidade da pessoa humana. Projeta-se, assim, para o futuro, essa segunda travessia, que se iniciou com a aprovação da Lei 10.406/2002. Calcada nestas duas décadas iniciais de vigência, anseia agora pelos desafios futuros. A edificação deste trabalho, em curso permanente, não poderia ter se concluído com a edição da nova lei.

            (...)

            Afinal, o legado da metodologia do Direito Civil na legalidade constitucional é imenso, dentro e fora do Direito Civil como dogmática jurídica. Tanto na doutrina quanto na jurisprudência, as concordâncias e as próprias dissonâncias ampliam os horizontes.

            A publicação que vem a público agora, na celebração dos vinte anos de vigência do Código Civil, entre sístoles e diástoles, coroa a produção científica e acadêmica que vem sendo desenvolvida há décadas por professores e pesquisadores comprometidos com a vocação do ensino, da pesquisa e do magistério”.

Trecho do prefácio de Luiz Edson Fachin

https://www.editorafoco.com.br/produto/20-anos-vigencia-codigo-civil-legalidade-constitucional-2024

sábado, 28 de outubro de 2023

"No contrato de comodato por prazo indeterminado, após o transcurso do intervalo suficiente à utilização do bem, é devida a sua restituição, pelo comodatário, bastando para tanto a sua notificação"

 


QUARTA TURMA
Processo

AgInt no REsp 1.641.241-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Rel. para acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 7/2/2023, DJe 3/7/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Comodato por prazo indeterminado. Extinção. Transcurso de tempo suficiente para utilização do bem. Notificação extrajudicial do comodatário sobre o desinteresse do comodante em manter o ajuste. Suficiente.

DESTAQUE

No contrato de comodato por prazo indeterminado, após o transcurso do intervalo suficiente à utilização do bem, é devida a sua restituição, pelo comodatário, bastando para tanto a sua notificação.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se de pedido de extinção de comodato por prazo indeterminado de imóvel cedido pelos autores à pessoa jurídica para aumento de seu parque industrial de exploração de jazida aquífera.

O art. 581 do Código Civil estabelece o comodato sem prazo definido, hipótese na qual "presumir-se-lhe-á o necessário para o uso concedido". Com efeito, o comodato é uma liberalidade. A interpretação do dispositivo legal tem de partir dessa premissa, de que se trata de uma liberalidade e um contrato temporário, sob pena de virar doação.

No caso, a empresa está utilizando o bem objeto do comodato. Pode-se discutir se bastaria usar para depósito de material ou se seria para extração de água, mas, mesmo que fosse para exploração aquífera, qualquer que seja a finalidade, como se trata de comodato por prazo indeterminado, transcorrido prazo suficiente, o comodante possui o direito de pedir de volta o imóvel.

Não é necessário que o bem não se preste mais a uso algum para o comodatário para que seja extinto o comodato.

A discussão não deve ser se ainda é possível ou não a utilização do bem pela comandatária.

A questão é que houve uma notificação extrajudicial para extinção do comodato, na linha da jurisprudência citada pelo eminente relator: não tendo prazo determinado, após o transcurso do intervalo suficiente à utilização do bem, pelo comodatário, conforme sua destinação, basta a notificação, concedendo um prazo razoável para a restituição da coisa (REsp 1.327.627/RS, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 25/10/2016, DJe 1/12/2016).

Dessa forma, o direito potestativo de rescindir o contrato é do proprietário do bem, que, por ato de liberalidade, faz o comodato e pode, sem declinar nenhuma razão, realizar a denúncia vazia do comodato, requerendo a coisa de volta, desde que esta tenha ficado por um prazo razoável à disposição do comodatário.

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

"A instituição financeira responde pelo defeito na prestação de serviço consistente no tratamento indevido de dados pessoais bancários, quando tais informações são utilizadas por estelionatário para facilitar a aplicação de golpe em desfavor do consumidor."

 


Processo

REsp 2.077.278-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/10/2023, DJe 9/10/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR


Tema

Vazamento de dados bancários. Golpe do boleto. Tratamento de dados pessoais sigilosos de maneira inadequada. Art. 43 da LGPD. Facilitação da atividade criminosa. Fato do serviço. Dever de indenizar. Súmula 479/STJ.

DESTAQUE

A instituição financeira responde pelo defeito na prestação de serviço consistente no tratamento indevido de dados pessoais bancários, quando tais informações são utilizadas por estelionatário para facilitar a aplicação de golpe em desfavor do consumidor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Nos termos do art. 14, § 1°, do CDC (Código de Defesa do Consumidor), o serviço é considerado defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração circunstâncias relevantes, como o modo de seu fornecimento, o resultado e os riscos que razoavelmente dele se conjecturam, e a época em que foi fornecido.

A prestação do serviço de qualidade pelos fornecedores abrange o dever de segurança, que, por sua vez, engloba tanto a integridade psicofísica do consumidor, quanto sua integridade patrimonial. Consabidamente, o CDC é aplicável às instituições financeiras (Súmula 297/STJ), as quais devem prestar serviços de qualidade no mercado de consumo.

No entendimento do Tema Repetitivo n. 466/STJ, que contribuiu para a edição da Súmula n. 479/STJ, as instituições bancárias respondem objetivamente pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros, como, por exemplo, abertura de conta corrente ou recebimento de empréstimos mediante fraude ou utilização de documentos falsos, porquanto tal responsabilidade decorre do risco do empreendimento, caracterizando-se como fortuito interno (REsp n. 1.197.929/PR, Segunda Seção, julgado em 24/8/2011, DJe 12/9/2011).

Especificamente nos casos de golpes de engenharia social, não se pode olvidar que os criminosos são conhecedores de dados pessoais das vítimas, valendo-se dessas informações para convencê-las, por meio de técnicas psicológicas de persuasão - como a semelhança com o atendimento bancário verdadeiro -, a fim de atingir seu objetivo ilícito.

Todavia, para sustentar o nexo causal entre a atuação dos estelionatários e o vazamento de dados pessoais pelo responsável por seu tratamento é imprescindível perquirir, com exatidão, quais dados estavam em poder dos criminosos, a fim de examinar a origem de eventual vazamento e, consequentemente, a responsabilidade dos agentes respectivos.

Assim, para se imputar a responsabilidade às instituições financeiras, no que tange ao vazamento de dados pessoais que culminaram na facilitação de estelionato, deve-se garantir que a origem do indevido tratamento seja o sistema bancário. Os nexos de causalidade e imputação, portanto, dependem da hipótese concretamente analisada. Isso porque os dados sobre operações financeiras são, em regra, presumivelmente de tratamento exclusivo pelas instituições financeiras.

Portanto, dados pessoais vinculados a operações e serviços bancários são sigilosos e cujo tratamento com segurança é dever das instituições financeiras. Desse modo, seu armazenamento de maneira inadequada, a possibilitar que terceiros tenham conhecimento dessas informações e causem prejuízos ao consumidor, configura falha na prestação do serviço (art. 14 do CDC e 43 da LGPD).

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

"O tratamento conforme o protocolo Pediasuit configura-se como uma forma de assistência ambulatorial, não se caracterizando como prática abusiva a cobrança de coparticipação pelo plano de saúde, desde que tal cobrança esteja prevista no contrato"

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 2.001.108-MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/10/2023, DJe 9/10/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DA SAÚDE

 
Tema

Protocolo Pediasuit. Procedimento não listado no rol da ANS. Cobertura pela operadora. Incidência da cláusula de coparticipação para atendimento ambulatorial. Previsão contratual. Não abusividade. Parâmetro para cobrança. Valor pago a título de contraprestação.

DESTAQUE

O tratamento conforme o protocolo Pediasuit configura-se como uma forma de assistência ambulatorial, não se caracterizando como prática abusiva a cobrança de coparticipação pelo plano de saúde, desde que tal cobrança esteja prevista no contrato.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A coparticipação, segundo o art. 16, VIII, da Lei n. 9.656/1998, deve estar prevista no contrato. No caso, o Tribunal de origem registrou que as partes possuem contrato empresarial na modalidade coparticipação e que o contrato prevê a cobrança de coparticipação somente para os procedimentos de consulta, exames de rotina, exames especializados, atendimento ambulatorial e internação.

Diante disso, passou-se a discutir se o tratamento com o protocolo Pediasuit se enquadra na hipótese de atendimento ambulatorial, a autorizar a cobrança da coparticipação prevista no contrato.

O protocolo Pediasuit, é, em geral, aplicado em sessões conduzidas por fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e/ou fonoaudiólogos, dentro das respectivas áreas de atuação, sem a necessidade de internação ou mesmo da utilização de estrutura hospitalar, enquadrando-se, a despeito de sua complexidade, no conceito de atendimento ambulatorial, para os fins de direito.

Assim, o tratamento com o protocolo Pediasuit pode ser objeto de cláusula contratual de coparticipação.

O fato de o procedimento específico não estar incluído no rol da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) não impede a cobrança da coparticipação correspondente estabelecida em contrato. A uma, porque essa contraprestação está vinculada à prévia cobertura pela operadora; a duas, porque o rol não é estático, mas está em constante e permanente atualização.

É dizer, se a operadora atende à necessidade do beneficiário ao custear o procedimento ou evento, ainda que não listado no rol da ANS, opera-se o fato gerador da obrigação de pagar a coparticipação, desde que, evidentemente, haja clara previsão contratual sobre a existência do fator moderador e sobre as condições para sua utilização, e que, concretamente, sua incidência não revele uma prática abusiva.

E para que a coparticipação não caracterize o financiamento integral do procedimento por parte do usuário ou se torne fator restritor severo de acesso aos serviços, é possível aplicar, por analogia, o disposto no art. 19, II, "b", da RN-ANS 465/2022, para limitar a cobrança "ao máximo de cinquenta por cento do valor contratado entre a operadora de planos privados de assistência à saúde e o respectivo prestador de serviços de saúde". (AgInt no REsp 1.870.789/SP, Terceira Turma, julgado em 18/5/2021, DJe 24/5/2021).

No que tange à exposição financeira do titular, mês a mês, é razoável fixar como parâmetro, para a cobrança da coparticipação, o valor equivalente à mensalidade paga, de modo que o desembolso mensal realizado por força do mecanismo financeiro de regulação não seja maior que o da contraprestação paga pelo beneficiário. Assim, quando a coparticipação devida for superior ao valor de uma mensalidade, o excedente deverá ser dividido em parcelas mensais, cujo valor máximo se limita ao daquela contraprestação, até que se atinja o valor total.

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

“A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado.”

 




DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; PROTEÇÃO À MATERNIDADE; PROTEÇÃO DO NASCITURO E DO INFANTE; ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

DIREITO ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO; LICENÇA-MATERNIDADE; ESTABILIDADE PROVISÓRIA

 

Direito da gestante contratada por prazo determinado ou ocupante de cargo em comissão à licença-maternidade e à estabilidade provisória RE 842.844/SC (Tema 542 RG

 

ODS: 5810 e 16

 

Tese fixada:

“A trabalhadora gestante tem direito ao gozo de licença-maternidade e à estabilidade provisória, independentemente do regime jurídico aplicável, se contratual ou administrativo, ainda que ocupe cargo em comissão ou seja contratada por tempo determinado.”

 

Resumo:

Dada a prevalência da proteção constitucional à maternidade e à infância, a gestante contratada pela Administração Pública por prazo determinado ou ocupante de cargo em comissão também possui direito à licença-maternidade de 120 dias e à estabilidade provisória, desde a confirmação da gravidez até 5 meses após o parto.

A proteção ao trabalho da mulher gestante é medida justa e necessária que independe da natureza do vínculo empregatício (celetista, temporário ou estatutário), da modalidade do prazo do contrato ou da forma de provimento (em caráter efetivo ou em comissão).

A garantia constitucional é genérica e incondicional, circunstância que atende ao princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais e assegura à trabalhadora gestante não apenas o emprego, mas uma gravidez protegida e digna ao nascituro, inclusive no que diz respeito às necessidades do período pós-parto, em especial a amamentação.

Ademais, como medida de fortalecimento da igualdade material, o referido direito deve ser estendido à universalidade das servidoras, pouco importando a modalidade do trabalho, notadamente porque o texto constitucional não excluiu as trabalhadoras com vínculo não efetivo (1).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 542 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário.

 

(1) CF/1988: “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; (...) Art. 39. (...) § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.”

 

RE 842.844/SC, relator Ministro Luiz Fux, julgamento finalizado em 5.10.2023

terça-feira, 24 de outubro de 2023

"A situação de grave violação em massa de direitos fundamentais dos presos enseja o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro. A superação desse problema de natureza estrutural exige do Poder Público a elaboração de um plano nacional e de planos locais que prevejam um conjunto de medidas e a participação de diversas autoridades e entidades da sociedade."

 


DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL NO SISTEMA CARCERÁRIO; PROTEÇÃO AO MÍNIMO EXISTENCIAL

DIREITO PENAL – EXECUÇÃO DA PENA; RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO

 

Sistema prisional brasileiro: estado de coisas inconstitucional decorrente da violação grave e massiva de direitos fundamentais ADPF 347/DF 

 

ODS: 3 e 16

 

Tese fixada:

1. Há um estado de coisas inconstitucional no sistema carcerário brasileiro, responsável pela violação massiva de direitos fundamentais dos presos. Tal estado de coisas demanda a atuação cooperativa das diversas autoridades, instituições e comunidade para a construção de uma solução satisfatória. 2. Diante disso, União, Estados e Distrito Federal, em conjunto com o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (DMF/CNJ), deverão elaborar planos a serem submetidos à homologação do Supremo Tribunal Federal, nos prazos e observadas as diretrizes e finalidades expostas no presente voto, especialmente voltados para o controle da superlotação carcerária, da má qualidade das vagas existentes e da entrada e saída dos presos. 3. O CNJ realizará estudo e regulará a criação de número de varas de execução penal proporcional ao número de varas criminais e ao quantitativo de presos.”

 

Resumo:

A situação de grave violação em massa de direitos fundamentais dos presos enseja o reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro. A superação desse problema de natureza estrutural exige do Poder Público a elaboração de um plano nacional e de planos locais que prevejam um conjunto de medidas e a participação de diversas autoridades e entidades da sociedade.

A proteção dos direitos fundamentais é inerente à condição humana. Nesse contexto, as normas constitucionais e os tratados internacionais de direitos humanos de que o Brasil é parte proíbem a existência de penas cruéis, garantem ao preso o respeito à sua integridade física e moral, bem como preveem que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.

No âmbito infraconstitucional, a Lei de Execução Penal assegura a assistência material, jurídica, educacional, social, religiosa, além do acesso à saúde, aos alojamentos com ocupação e dimensões adequadas, ao trabalho e ao estudo (Lei 7.210/1984, arts. 40, 41 e 126).

Esse cenário normativo, em conjunto com as sistemáticas violações desses direitos, afasta eventuais contornos políticos ou de discricionariedade administrativa, tornando o problema do sistema carcerário brasileiro essencialmente jurídico, motivo pelo qual o estrito cumprimento das normas acima citadas deve ser assegurado por esta Corte.

A superlotação dos presídios, o descontrole na entrada e as condições da saída do sistema prisional, e a má qualidade das vagas disponibilizadas impedem a prestação de serviços e bens essenciais que integram o mínimo existencial. Essas circunstâncias comprometem a capacidade do sistema em cumprir seus fins de ressocialização e de funcionar a favor da segurança pública.

Com base nesses e outros entendimentos, o Plenário, por maioria, julgou parcialmente procedente a ADPF para:

(a)    reconhecer o estado de coisas inconstitucional do sistema carcerário brasileiro;

(b)    determinar que juízes e tribunais:

(b.1) realizem audiências de custódia, preferencialmente de forma presencial, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão;

(b.2) fundamentem a não aplicação de medidas cautelares e penas alternativas à prisão, sempre que possíveis, tendo em conta o quadro dramático do sistema carcerário;

(c)     ordenar a liberação e o não contingenciamento dos recursos do FUNPEN;

(d)    determinar a elaboração de plano nacional e de planos estaduais e distrital para a superação do estado de coisas inconstitucional, com indicadores que permitam acompanhar sua implementação;

(e)     estabelecer que o prazo para apresentação do plano nacional será de até 6 (seis) meses, a contar da publicação desta decisão, e de até 3 anos, contados da homologação, para a sua implementação, conforme cronograma de execução a ser indicado no próprio plano;

(f)      estabelecer que o prazo para apresentação dos planos estaduais e distrital será de 6 meses, a contar da publicação da decisão de homologação do plano nacional pelo STF, e implementado em até 3 anos, conforme cronograma de execução a ser indicado no próprio plano local;

(g)    prever que a elaboração do plano nacional deverá ser efetuada, conjuntamente, pelo DMF/CNJ e pela União, em diálogo com instituições e órgãos competentes e entidades da sociedade civil, nos termos explicitados acima e observada a importância de não alongar excessivamente o feito;

(h)    explicitar que a elaboração dos planos estaduais e distrital se dará pelas respectivas unidades da federação, em respeito à sua autonomia, observado, todavia, o diálogo com o DMF, a União, instituições e órgãos competentes e entidades da sociedade civil, nos moldes e em simetria ao diálogo estabelecido no plano nacional;

(i)      prever que, em caso de impasse ou divergência na elaboração dos planos, a matéria será submetida ao STF para decisão complementar;

(j)      estabelecer que todos os planos deverão ser levados à homologação do Supremo Tribunal Federal, de forma a que se possa assegurar o respeito à sua decisão de mérito;

(l)      determinar que o monitoramento da execução dos planos seja efetuado pelo DMF/CNJ, com a supervisão necessária do STF, cabendo ao órgão provocar o tribunal, em caso de descumprimento ou de obstáculos institucionais insuperáveis que demandem decisões específicas de sua parte; e

(m)  estipular que os planos devem prever, entre outras, as medidas examinadas neste voto, observadas as diretrizes gerais dele constantes, sendo exequíveis aquelas que vierem a ser objeto de homologação final pelo STF em segunda etapa.