quarta-feira, 31 de março de 2021

Os ônibus de transporte de passageiros são considerados locais de frequência coletiva para fins de proteção de direitos autorais, o que gera dever de repasse ao ECAD.

 TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.735.931/CE, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 09/03/2021

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Direitos autorais. ECAD. Sonorização em veículos de transporte coletivo (ônibus). Transmissão de obras autorais. Uso de obras autorais em atividade empresária. Finalidade lucrativa. Local de frequência coletiva.

Destaque

Os ônibus de transporte de passageiros são considerados locais de frequência coletiva para fins de proteção de direitos autorais, o que gera dever de repasse ao ECAD.

Informações do Inteiro Teor

A questão controvertida diz respeito aos direitos autorais decorrentes da utilização de obras musicais por meio de sonorização ambiental em veículos de transportes coletivos terrestres (ônibus municipais, intermunicipais e interestaduais).

A execução de obras musicais e/ou audiovisuais dentro dos ônibus de transporte de passageiros não se enquadra em qualquer das exceções previstas no art. 46 da Lei n. 9.610/1998, verificando-se, sim, a utilização da obra artística mediante captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva e sonorização ambiental.

No caso, aplica-se o disposto no art. 29, inciso VIII, alíneas "e" e "f", da referida lei, segundo o qual: Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como: (...) VIII: a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante: (...) e) captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva; f) sonorização ambiental;

Além disso, o art. 68, §3º, estabelece que: Sem prévia e expressa autorização do autor ou titular, não poderão ser utilizadas obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas, em representações e execuções públicas. (...) § 3º Consideram-se locais de frequência coletiva os teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, hotéis, motéis, clínicas, hospitais, órgãos públicos da administração direta ou indireta, fundacionais e estatais, meios de transporte de passageiros terrestre, marítimo, fluvial ou aéreo, ou onde quer que se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas.

Dessa forma, as sociedades empresárias que exploram o transporte coletivo de pessoas e que executam obras musicais no interior dos veículos devem necessariamente repassar ao ECAD os valores devidos a título de direitos autorais pela transmissão radiofônica nos termos do enunciado 63/STJ.



terça-feira, 30 de março de 2021

SÚMULA N. 647

São imprescritíveis as ações indenizatórias por danos morais e materiais decorrentes de atos de perseguição política com violação de direitos fundamentais ocorridos durante o regime militar. (Primeira Seção, julgado em 10/03/2021, DJe 15/03/2021).



segunda-feira, 29 de março de 2021

Regulamentação do exercício do direito de resposta pela Lei 13.188/2015 - ADI 5415/DF, ADI 5418/DF e ADI 5436/DF

 Magistrado integrante de tribunal pode decidir monocraticamente sobre a concessão de efeito suspensivo a recurso interposto em face de decisão proferida segundo o rito especial do direito de resposta.

 

O Poder Judiciário, tal qual estruturado no art. 92, caput e parágrafos, da Constituição Federal (CF) (1), segue escala hierárquica de jurisdição, em que consta no topo o Supremo Tribunal Federal (STF) e, em seguida, tribunais superiores, tribunais regionais/estaduais e juízes locais. Essa gradação hierárquica tem por pressuposto a ampliação dos poderes dos magistrados à medida que se afastam da base dessa estrutura orgânico-funcional em direção a seu topo. Admitir que um juiz integrante de tribunal não possa ao menos conceder efeito suspensivo a recurso dirigido contra decisão de juiz de primeiro grau é subverter a lógica hierárquica estabelecida pela Constituição, pois é o mesmo que atribuir ao juízo de primeira instância mais poderes que ao magistrado de segundo grau de jurisdição.

Ademais, o poder geral de cautela, assim compreendido como a capacidade conferida ao magistrado de determinar a realização de medidas de caráter provisório, ainda que inominadas no Código de Processo Civil (CPC), é ínsito ao exercício da jurisdição e uma forma de garantir a efetividade do processo judicial (2).

No caso, o poder geral de cautela se faz essencial porque o direito de resposta é, por natureza, satisfativo, de modo que, uma vez exercido, não há como ser revertido. Desse modo, a interpretação literal do art. 10 da Lei 13.188/2015 (3), atribuindo exclusivamente a colegiado de tribunal o poder de deliberar sobre a concessão de efeito suspensivo a recurso em face de decisão que tenha assegurado o direito de resposta, dificultaria sensivelmente a reversão liminar de decisão concessiva do direito de resposta, com risco, inclusive, de tornar ineficaz a apreciação do recurso pelo tribunal.

A retratação ou a retificação espontânea, ainda que a elas sejam conferidos os mesmos destaque, publicidade, periodicidade e dimensão do agravo, não impedem o exercício do direito de resposta pelo ofendido nem prejudicam a ação de reparação por dano moral.

O art. 5º, V, da CF (4) assegura, como direito fundamental, o direito de resposta, o qual não se confunde com a retratação ou a retificação espontânea de informações publicadas de forma equivocada. O ato de responder se dá no contexto de um diálogo, pressupondo situação em que mais de uma pessoa está apta a apresentar a sua versão sobre determinado fato. Responder corresponde, portanto, ao reverso da difusão unilateral de informações.

Quando o exercício da liberdade de comunicação social resulta em um agravo, independentemente da retificação ou retratação espontânea, a Constituição garante a abertura desse diálogo, o qual poderá ser concretizado mediante o procedimento da Lei 13.188/2015. Considerar, a priori, a retratação ou a retificação espontânea como suficientes para obstar o exercício do direito de resposta seria grave afronta à Constituição, no ponto em que prevê esta garantia, bem como no que tange ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Caberá, evidentemente, ao Poder Judiciário, à luz do caso concreto, avaliar se prospera a pretensão do autor do pedido, determinando ou não a veiculação da resposta ou retificação. Remanesce também a oportunidade de se obter a reparação pelo dano moral sofrido em ação própria. Na hipótese de, mesmo após a retificação ou retratação espontânea, ser deferido o exercício do direito de resposta, não há que se falar em bis in idem, visto que não existe equivalência entre uma resposta ou retificação veiculada pelo veículo de comunicação social e o conteúdo veiculado pelo ofendido em nome próprio.

Com base nesse entendimento, o Plenário, por maioria, em análise conjunta de três ações diretas, declarou  a inconstitucionalidade da expressão “em juízo colegiado prévio”, do art. 10 da Lei 13.188/2015, conferindo interpretação conforme ao dispositivo, no sentido de permitir ao magistrado integrante do tribunal respectivo decidir monocraticamente sobre a concessão de efeito suspensivo a recurso interposto em face de decisão proferida segundo o rito especial do direito de resposta, bem como declarou a constitucionalidade dos arts. 2º, § 3º (5); 4º (6); 5º, §§ 1º e 2º (7); 6º, I e II (8); e 7º (9) da Lei 13.188/2015, os quais versam aspectos procedimentais do exercício do direito de resposta.

(1) CF: “Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: I - o Supremo Tribunal Federal; I-A o Conselho Nacional de Justiça; II - o Superior Tribunal de Justiça; II-A - o Tribunal Superior do Trabalho; III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho; V - os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI - os Tribunais e Juízes Militares; VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios. § 1º O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal. § 2º O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo o território nacional.”

(2) CPC: “Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória. Parágrafo único. A efetivação da tutela provisória observará as normas referentes ao cumprimento provisório da sentença, no que couber.”

(3) Lei 13.188/2015: “Art. 10. Das decisões proferidas nos processos submetidos ao rito especial estabelecido nesta Lei, poderá ser concedido efeito suspensivo pelo tribunal competente, desde que constatadas, em juízo colegiado prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida.”

(4) CF: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;”

(5) Lei 13.188/2015: “Art. 2º Ao ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social é assegurado o direito de resposta ou retificação, gratuito e proporcional ao agravo. (...) § 3º A retratação ou retificação espontânea, ainda que a elas sejam conferidos os mesmos destaque, publicidade, periodicidade e dimensão do agravo, não impedem o exercício do direito de resposta pelo ofendido nem prejudicam a ação de reparação por dano moral.”

(6) Lei 13.188/2015: “Art. 4º A resposta ou retificação atenderá, quanto à forma e à duração, ao seguinte: I - praticado o agravo em mídia escrita ou na internet, terá a resposta ou retificação o destaque, a publicidade, a periodicidade e a dimensão da matéria que a ensejou; II - praticado o agravo em mídia televisiva, terá a resposta ou retificação o destaque, a publicidade, a periodicidade e a duração da matéria que a ensejou; III - praticado o agravo em mídia radiofônica, terá a resposta ou retificação o destaque, a publicidade, a periodicidade e a duração da matéria que a ensejou. § 1º Se o agravo tiver sido divulgado, publicado, republicado, transmitido ou retransmitido em mídia escrita ou em cadeia de rádio ou televisão para mais de um Município ou Estado, será conferido proporcional alcance à divulgação da resposta ou retificação. § 2º O ofendido poderá requerer que a resposta ou retificação seja divulgada, publicada ou transmitida nos mesmos espaço, dia da semana e horário do agravo. § 3º A resposta ou retificação cuja divulgação, publicação ou transmissão não obedeça ao disposto nesta Lei é considerada inexistente. § 4º Na delimitação do agravo, deverá ser considerado o contexto da informação ou matéria que gerou a ofensa.”

(7) Lei 13.188/2015: “Art. 5º Se o veículo de comunicação social ou quem por ele responda não divulgar, publicar ou transmitir a resposta ou retificação no prazo de 7 (sete) dias, contado do recebimento do respectivo pedido, na forma do art. 3º, restará caracterizado o interesse jurídico para a propositura de ação judicial. § 1º É competente para conhecer do feito o juízo do domicílio do ofendido ou, se este assim o preferir, aquele do lugar onde o agravo tenha apresentado maior repercussão. § 2º A ação de rito especial de que trata esta Lei será instruída com as provas do agravo e do pedido de resposta ou retificação não atendido, bem como com o texto da resposta ou retificação a ser divulgado, publicado ou transmitido, sob pena de inépcia da inicial, e processada no prazo máximo de 30 (trinta) dias, vedados:”

(8) Lei 13.188/2015: “Art. 6º Recebido o pedido de resposta ou retificação, o juiz, dentro de 24 (vinte e quatro) horas, mandará citar o responsável pelo veículo de comunicação social para que:  - em igual prazo, apresente as razões pelas quais não o divulgou, publicou ou transmitiu; II - no prazo de 3 (três) dias, ofereça contestação.”

(9) Lei 13.188/2015: “Art. 7º O juiz, nas 24 (vinte e quatro) horas seguintes à citação, tenha ou não se manifestado o responsável pelo veículo de comunicação, conhecerá do pedido e, havendo prova capaz de convencer sobre a verossimilhança da alegação ou justificado receio de ineficácia do provimento final, fixará desde logo as condições e a data para a veiculação, em prazo não superior a 10 (dez) dias, da resposta ou retificação.”

ADI 5415/DF, relator Min. Dias Toffoli, julgamento finalizado em 11.3.2021

ADI 5418/DF, relator Min. Dias Toffoli, julgamento finalizado em 11.3.2021

ADI 5436/DF, relator Min. Dias Toffoli, julgamento finalizado em 11.3.2021

 




domingo, 28 de março de 2021

“São constitucionais a cota de tela, consistente na obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais nos cinemas brasileiros, e as sanções administrativas decorrentes de sua inobservância”

 DIREITO CONSTITUCIONAL – ORDEM SOCIAL

 

Ponderação entre liberdades econômicas e efetivação do direito à cultura – RE 627432/RS (Tema 704 RG)  

 

Tese fixada:

 

“São constitucionais a cota de tela, consistente na obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais nos cinemas brasileiros, e as sanções administrativas decorrentes de sua inobservância”.

 

Resumo:

 

A denominada “cota de tela” promove intervenção voltada a viabilizar a efetivação do direito à cultura, sem, por outro lado, atingir o núcleo dos direitos à livre iniciativa, à livre concorrência e à propriedade privada, apenas adequando as liberdades econômicas à sua função social.

 

A Constituição Federal (CF) determina (1) que o Estado tenha forte atuação positiva no intuito de difundir a cultura nacional e que o fará, inclusive, em cooperação com os agentes privados atuantes na área cultural.

É muito vasta a proteção à cultura nacional, pois, mais do que apenas resguardar as manifestações culturais nacionais, o constituinte verdadeiramente preocupou-se em promovê-las e difundi-las, tendo disposto que o Estado garantiria a todos o acesso às fontes da cultura nacional e que a lei estabeleceria incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais.

Tamanha é a relevância da cultura nacional que seu quadro protetivo foi reforçado pela Emenda Constitucional (EC) 71/2012, por meio da qual se instituiu verdadeira política de valorização e difusão das manifestações culturais, as quais pretendeu universais, com reforço, inclusive, da atuação estatal, por meio do Sistema Nacional de Cultura, em um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade.

Por outro lado, a obrigatoriedade de exibição de obras cinematográficas brasileiras de longa-metragem é encargo que não atinge de modo desarrazoado as empresas proprietárias, locatárias ou arrendatárias de salas, espaços ou locais de exibição pública comercial, como demonstram dados coletados pelos órgãos oficiais.

Diante disso, por meio da técnica de ponderação de valores (2), se justifica a intervenção na esfera jurídica das empresas proprietárias, locatárias ou arrendatárias de salas, espaços ou locais de exibição pública comercial para que outros preceitos de estatura constitucional sejam observados: o acesso dos indivíduos às fontes da cultura nacional e a defesa e a valorização do patrimônio cultural brasileiro.

Com base nesse entendimento, o Plenário, preliminarmente, por maioria, indeferiu o pedido de desistência do recurso extraordinário, vencidos os ministros Marco Aurélio e Ricardo Lewandowski. Em seguida, o Plenário, por maioria, apreciando o tema 704 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário. Vencido o ministro Marco Aurélio.

(1) CF: “Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. (...) § 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II produção, promoção e difusão de bens culturais; (...) IV democratização do acesso aos bens de cultura; (...) Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; (...) III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; (...) § 3º A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. (...) Art. 216-A. O Sistema Nacional de Cultura, organizado em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade, tendo por objetivo promover o desenvolvimento humano, social e econômico com pleno exercício dos direitos culturais. § 1º O Sistema Nacional de Cultura fundamenta-se na política nacional de cultura e nas suas diretrizes, estabelecidas no Plano Nacional de Cultura, e rege-se pelos seguintes princípios: (...) II - universalização do acesso aos bens e serviços culturais; III - fomento à produção, difusão e circulação de conhecimento e bens culturais; IV - cooperação entre os entes federados, os agentes públicos e privados atuantes na área cultural; V - integração e interação na execução das políticas, programas, projetos e ações desenvolvidas;”

(2) Precedentes: ADI 4.679/DF, relator Min. Luiz Fux (DJe de 5.4.2018); ADI 1.950/SP, relator Min. Eros Grau (DJ de 2.6.2006); ADI 319 QO/DF, relator Min. Moreira Alves (DJ de 30.4.1993).

RE 627432/RS, relator Min. Dias Toffoli, julgamento em 18.3.2021

 





sábado, 27 de março de 2021

COMPRA E VENDA DE VEÍCULO ESTABELECIMENTO COMERCIAL CONSUMIDOR VÍTIMA DE FRAUDE ERRO ESCUSÁVEL TEORIA DA APARÊNCIA TEORIA DO RISCO DO EMPREENDIMENTO DANO MORAL

 


Apelação Cível. Consumidor. Tutela provisória antecedente c/c ação indenizatória por danos materiais e morais. Compra e venda de veículo. Fraude perpetrada por indivíduo que atuava nas dependências da empresa ré. Sentença que julgou procedente em parte a pretensão deduzida na peça inicial. Teoria da aparência e do risco do empreendimento. A situação de fato, na aparência, apresentou-se como verdadeira, segura, levando os autores, de boa-fé, a incorrer em erro escusável. Cumpria ao réu/apelante providenciar a segurança necessária em seu estabelecimento de modo a evitar que fraudes e golpes como o narrado nos autos ocorressem, não sendo admissível que queira transferir o risco de seu empreendimento ao consumidor, parte mais fraca e vulnerável da relação. Verba indenizatória fixada em R$ 8.000,00 (oito mil reais) adequada e proporcional ao evento. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO


0012372-50.2016.8.19.0087 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MARIA LUIZA DE FREITAS CARVALHO - Julg: 16/12/2020 - Data de Publicação: 18/12/2020


sexta-feira, 26 de março de 2021

ESTÁDIO DE FUTEBOL TUMULTO ENTRE TORCEDORES CINEGRAFISTA LESÃO CORPORAL FALHA NA SEGURANÇA FATO DO SERVIÇO DANO MORAL IN RE IPSA

 


APELAÇÃO. DEMANDA INDENIZATÓRIA. AGRESSÕES FÍSICAS SOFRIDAS PELO LITIGANTE, NO ESTÁDIO QUE PERTENCE À ASSOCIAÇÃO DEMANDADA. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MATERIAL E MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIAS DO AUTOR QUE MERECEM PROSPERAR PARCIALMENTE. 1. Compulsando os autos, constatar a veracidade das questões fáticas narradas na peça inicial (invasão de torcedores à cabine de imprensa que o autor trabalhava), haja vista que, além da notoriedade da ocorrência, foram anexadas diversas matérias jornalísticas narrando, não apenas, o tumulto generalizado nas arquibancadas do Estádio de São Januário, após o encerramento da partida entre o litigado e o Clube de Regatas do Flamengo, como também, as agressões sofridas pelo litigante. 2. Nesse ponto, cumpre advertir que o tumulto generalizado, deflagrado com o término da partida, associado às falhas de segurança interna do citado estádio, permitiram a invasão dos torcedores no local em que o autor exercia o seu labor, situações que, em razão de se adequarem no conceito de "fato do serviço", atraem a responsabilidade objetiva do réu, enquadrando-se aquele na extensão subjetiva da figura do consumidor equiparado ou "bystander" (artigo 17, do CDC). 3. Por fim, ponderando o fato de que as agressões sofridas pelo recorrente acarretaram lesões à sua integridade física, o abalo extrapatrimonial se desponta de maneira presumida. No caso, dispensa-se a comprovação de prejuízo, restando configurado o dano moral in re ipsa. RECURSO A QUE SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO.


0062073-73.2018.8.19.0001 - APELAÇÃO
DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MARCIA FERREIRA ALVARENGA - Julg: 16/12/2020 - Data de Publicação: 21/12/2020

quinta-feira, 25 de março de 2021

SENADOR DA REPÚBLICA MATÉRIA JORNALÍSTICA ABUSO DO DIREITO DE INFORMAR DANO MORAL

 


APELAÇÃO CÍVEL. EDITORA O DIA. RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGAÇÃO DE OFENSA À HONRA DOS APELADOS EM MATÉRIA JORNALÍSTICA VEICULADA PELA EDITORA RÉ, POR INTERMÉDIO DE SEU PREPOSTO. PEDIDO DE COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. RECURSO DA SOCIEDADE RÉ. - A Apelante é parte legítima para figurar no polo passivo, uma vez que as notícias impugnadas foram por ela veiculadas, por intermédio de seu preposto. Quanto à segunda Recorrida, esta possui legitimidade para figurar no polo ativo, diante da alegada ofensa a direito de sua personalidade, sendo este o próprio objeto da ação. - Na demanda em julgamento, encontram-se em confronto direitos de similar dimensão. Assim, eventual conflito de interesses deverá ser resolvido a partir de um juízo de ponderação. - No presente caso, pela leitura do acervo dos autos, de fato, deve-se reconhecer que a conduta praticada pela Apelante violou a honra dos Apelados. - Com efeito, ainda que a notícia jornalística envolvesse diretamente um Senador da República, os fatos ali narrados diziam respeito, somente, a ele e às pessoas ali mencionadas, e não ao público em geral. Na referida nota, verifica-se que constam informações sobre a ação movida pela ex-companheira do primeiro Autor em face do referido Político, indicando, desnecessariamente, seu número e a Vara em que tramitava, fatos estes que, obviamente, não interessam a ninguém além das partes envolvidas, principalmente, por se tratar de demanda relativa a direito de menor e a direito de família. - Ressalte-se que, para mencionar o primeiro Autor na publicação, a Apelante se utilizou de palavra cujo significado é, realmente, ofensivo, tanto a ele, quanto à segunda Autora Apelada, sua mãe. - Portanto, pretendesse a Ré publicar informação a respeito da suposta prática de crimes, não seria necessário relacioná-los às questões íntimas e pessoais dos Autores, por não serem estas de interesse da coletividade. - No caso, extrai-se que a reportagem, realmente, excedeu o direito de informar e a liberdade de imprensa, restando, por isso, configurada a responsabilidade da Apelante. - Dito isso, caracterizada a violação à honra e à imagem dos Recorridos, por não ter a Recorrente atuado no exercício regular de um direito, resta, igualmente, verificado o dano moral passível de compensação. No que tange ao valor da verba indenizatória, este atendeu aos critérios que norteiam o instituto do dano moral, especialmente, as peculiaridades da demanda, o potencial ofensivo e as características das partes. Além disso, atenta para os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade, motivo pelo qual não há de sofrer redução. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.


0349604-82.2019.8.19.0001 - APELAÇÃO
DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MARIA REGINA FONSECA NOVA ALVES - Julg: 09/12/2020 - Data de Publicação: 11/12/2020

quarta-feira, 24 de março de 2021

COMPRA DE IMÓVEL INFESTAÇÃO DE CUPIM VENDEDORA AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE CULPA CONSTRUTORA DO IMÓVEL RESPONSABILIDADE OBJETIVA

 


APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. CUPINS. INFESTAÇÃO. VENDEDORA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. CULPA. NÃO COMPROVAÇÃO. CONSTRUTORA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AUSÊNCIA DE TRATAMENTO DO SOLO ONDE FOI ERGUIDO O EDIFÍCIO. 1. Demonstrado que a autora foi surpreendida com a infestação de cupins no apartamento adquirido da primeira ré. 2. A presença de insetos indesejáveis nas paredes e atrás dos móveis que guarnecem a residência causaram evidente e notório desconforto. 3. A repulsa e a angústia de conviver com insetos repugnantes devorando o seu patrimônio sem nada poder fazer configura, sim, dano de natureza extrapatrimonial que reclama compensação condizente. 4. A responsabilidade civil, no tocante à primeira ré, ostenta natureza subjetiva, razão pela qual se impõe a comprovação do fato, do dano, do nexo causal e também da culpa, esta última decorrente de negligência, imprudência ou imperícia. 5. A autora não logrou demonstrar que a primeira ré tinha ciência da infestação ao vender o apartamento. 6. Conforme afirmado pelo corretor de imóveis que intermediou a venda e ora segundo réu, não houve a oposição de qualquer empecilho à inspeção do imóvel e de todos os seus cômodos e móveis embutidos nele instalados, não se vislumbrando qualquer indício de má-fé por parte da primeira ré. 7. Deixando de comprovar a culpa da primeira demandada, antiga proprietária do apartamento, a apelante não se desincumbiu do ônus imposto pelo art. 373, I do CPC, razão pela qual a pretensão compensatória formulada em face daquela não prospera. 8. A responsabilidade da quarta demandada ostenta natureza objetiva, que dispensa a comprovação da culpa, uma vez que, embora a autora não tenha adquirido o apartamento da própria incorporadora, é vítima do evento, o que a qualifica como consumidora por equiparação, nos termos do art. 17 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. 9. O Laudo acostado aos autos pela autora confirma que são cupins subterrâneos, cuja colônia se localiza no subsolo do edifício, e não os chamados cupins de madeira seca, cuja colônia é instalada em sofás ou camas que porventura guarneçam o imóvel. 10. O prédio foi, de fato, erguido sobre terreno já infestado por tal espécie de praga, o que revela o defeito no serviço da construtora, no que se refere ao tratamento do solo em que se construiu o imóvel. 11. Compensação devida pela quarta ré à autora fixada no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), conforme requerido no apelo, por atender ao princípio da razoabilidade, além de guardar consonância com as circunstâncias do caso concreto. 12. Recurso parcialmente provido.


0008715-98.2015.8.19.0002 - APELAÇÃO
DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). JOSÉ CARLOS PAES - Julg: 11/02/2021 - Data de Publicação: 12/02/2021

terça-feira, 23 de março de 2021

POLICIAL MILITAR MORTE POR ENVENENAMENTO VEÍCULO OFICIAL FALTA DE CONSERVAÇÃO NEXO CAUSAL CONFIGURADO DANO MORAL POR RICOCHETE

 


Ação Indenizatória. Dano moral reflexivo ou por ricochete. Demanda ajuizada em face Estado do Rio de Janeiro. Sargento da Polícia Militar, filho e irmão das autoras, que veio a falecer por intoxicação/envenenamento em função de má conservação de veículo oficial que lhe foi entregue, para execução de sua atividade militar. Sentença de parcial procedência, condenando o Estado ao pagamento de uma indenização no valor de R$ 80.000,00 para a mãe e R$ 40.000,00 para a irmã. Apelo do Estado. Responsabilidade civil objetiva, a teor do disposto no art. 37, §6º da CRFB/1988. Em 05/05/20187, o filho e irmão das autoras se encontrava de serviço de rádio patrulha, em sua unidade (escalado das 18h do dia 04 até às 06h do dia 05), utilizando a viatura ostensiva nº de ordem 54-7164, um VW, modelo Voyage, quando por volta das 7h da manhã do dia 05, foi encontrado junto com outro policial, por transeuntes, no interior da viatura, ambos desacordados, estando o motor ligado. Embora tenham sido de pronto, socorridos e levados ao Hospital, não resistiram e vieram a óbito. Exame de necrópsia, atestando " a morte ocorreu por asfixia tissular devido a inalação de monóxido de carbono". Laudo de Exame de Local concluindo que "o veículo examinado apresentava avarias nos sistemas de calefação da cabine e de exaustão do motor, o que permitiu que os gases gerados pela combustão no interior do motor se acumulassem no interior do veículo, atingindo níveis incompatíveis com a manutenção da vida no interior do mesmo". Prova inconteste a respeito do nexo causal entre a morte por intoxicação e as avarias apresentadas pela viatura da Polícia do Estado do Rio de Janeiro, na qual o filho e irmão das autoras cumpriam o serviço. Verba indenizatória que deve ser arbitrada com moderação e em conformidade com os critérios de proporcionalidade e razoabilidade, mas revestida de especial atenção para a extensão e gravidade do dano infligido às autoras da demanda. Portanto, o valor mais adequado, razoável e condizente com a extensão do dano, é de R$ 160.000,00 para a primeira autora ( mãe ) e R$ 80.000,00 para a segunda autora (irmã). Precedentes desta Corte, estabelecendo o mesmo parâmetro para casos semelhantes. DESPROVIMENTO DO RECURSO 1 ( réu ) e PROVIMENTO DO RECURSO 2 ( autoras).


0117792-06.2019.8.19.0001 - APELAÇÃO
DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
Des(a). SIRLEY ABREU BIONDI - Julg: 16/11/2020 - Data de Publicação: 26/11/2020

segunda-feira, 22 de março de 2021

AGÊNCIA BANCÁRIA PORTA GIRATÓRIA TRAVAMENTO DA PORTA EXCESSO DANO MORAL

 


Apelação Cível. Pretensão do autor de recebimento de indenização por dano moral, sob o fundamento, em síntese, de que o preposto do réu não permitiu que entrasse em uma de suas agências e que ficou preso na porta giratória, mesmo após informar ao vigilante que possuía uma prótese metálica. Sentença de procedência do pedido. Inconformismo do demandado. Relação de Consumo. Responsabilidade Civil Objetiva. Incidência da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça. Na espécie, a análise das provas dos autos indica que o demandante, contando à época com 83 (oitenta e três) anos de idade e já possuindo conta corrente na instituição financeira há 20 (vinte) anos, não obstante informar a respeito de sua prótese metálica e levantar a sua blusa, ficou retido na porta giratória e impedido de adentrar na agência. Com efeito, a Lei n.º 7.102, de 20 de junho de 1983, que dispõe sobre a segurança para estabelecimentos financeiros, legitima a instalação de portas giratórias, a fim de identificar possíveis riscos à segurança dos clientes e funcionários, sendo certo que a simples retenção em tais mecanismos, por si só, não constitui ato ilícito a amparar o pleito reparatório. Precedentes desta Colenda Corte. In casu, não obstante tenha o banco sido instado a exibir as imagens do circuito de segurança, referentes ao dia e horário do ocorrido, deixou ele de fazê-lo. Inércia do réu, sem qualquer justificativa, que atrai a aplicação da sanção prevista no artigo 400 do Código de Processo Civil, consubstanciada na presunção de veracidade do que se pretendia infirmar. Descumprimento do comando do artigo 373, inciso II, do mesmo diploma legal. Falha na prestação do serviço evidenciada. Dano moral configurado. Excesso cometido na abordagem do consumidor, que se deu de forma vexatória, fato esse que, evidentemente, acarretou-lhe angústia, insegurança e abalo. Precedentes deste Egrégio Tribunal. Verba indenizatória, arbitrada em R$ 6.000,00 (seis mil reais), que não comporta a redução pretendida. Manutenção do decisum recorrido. Recurso a que se nega provimento, majorando-se os honorários advocatícios em 5% (cinco por cento) sobre quantum fixado pelo Juízo a quo, na forma do artigo 85, § 11 do Código de Processo Civil.


0032402-81.2018.8.19.0202 - APELAÇÃO
DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
Des(a). GEÓRGIA DE CARVALHO LIMA - Julg: 10/12/2020 - Data de Publicação: 14/12/2020

domingo, 21 de março de 2021

Transexuais e travestis com identificação com gênero feminino poderão optar por cumprir pena em presídio feminino ou masculino, decide Barroso

Ministro do STF se baseou em documentos do governo federal elaborados por meio de interlocução com associações representativas de grupos LGBTI.

19/03/2021 18h30

O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta sexta-feira (19) que presas transexuais e travestis com identidade de gênero feminino possam optar por cumprir penas em estabelecimento prisional feminino ou masculino. Nesse último caso, elas devem ser mantidas em área reservada, como garantia de segurança.

Barroso ajustou os termos de medida cautelar deferida em junho de 2019, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527.

Na cautelar deferida anteriormente, o ministro havia determinado que presas transexuais femininas fossem transferidas para presídios femininos. Quanto às presas travestis, ele registrou, à época, que a falta de informações, naquele momento, não permitia definir com segurança, à luz da Constituição Federal, qual seria o tratamento adequado a ser conferido ao grupo.

Notável evolução

Ao ajustar os termos de sua decisão, o ministro registrou que dois documentos juntados posteriormente aos autos pelo governo federal acrescentam importantes informações à instrução do processo e sinalizam uma “notável evolução” do entendimento do Poder Executivo quanto ao tratamento a ser conferido a transexuais e travestis identificados com o gênero feminino no âmbito do sistema carcerário.

São eles o relatório “LGBT nas prisões do Brasil: diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento”, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), e a Nota Técnica 7/2020, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).

O relatório apresenta uma ampla pesquisa de campo com a população LGBT encarcerada e chega à conclusão de que a decisão mais adequada do ponto de vista da dignidade de tais grupos, extremamente vulneráveis e estigmatizados, não implicaria apenas olhar para questões de identidade de gênero, tais como direito ao nome, à alteração de registro e ao uso de banheiro, mas também para as relações de afeto e múltiplas estratégias de sobrevivência que eles desenvolvem na prisão.

Nesse sentido, aponta que o ideal é que a transferência ocorra mediante consulta individual da travesti ou da pessoa trans. Na mesma linha, a nota técnica também defende que a transferência seja feita após a manifestação de vontade da pessoa presa. Ambos os documentos defendem que a detenção em estabelecimento prisional masculino deve ocorrer em ala especial, que assegure a integridade do indivíduo.

Diálogo institucional

Segundo Barroso, essa evolução de tratamento dado à matéria no âmbito do Poder Executivo decorre do diálogo institucional ensejado pela judicialização da matéria, que permitiu uma “saudável interlocução” com associações representativas de interesses desses grupos vulneráveis, o Executivo e o Judiciário.

Ele acrescentou não haver “dúvida” de que a solução sinalizada por ambos os documentos se harmoniza com o quadro normativo internacional e nacional de proteção das pessoas LGBTI, no sentido de ser dever dos Estados zelar pela não discriminação em razão da identidade de gênero e orientação sexual, bem como de adotar todas as providências necessárias para assegurar a integridade física e psíquica desses grupos quando encarcerados.

No Brasil, disse ele, o direito das transexuais femininas e travestis ao cumprimento de pena em condições compatíveis com a sua identidade de gênero decorre, em especial, dos princípios constitucionais do direito à dignidade humana, à autonomia, à liberdade, à igualdade, à saúde, e da vedação à tortura e ao tratamento degradante e desumano.

Decorre também da jurisprudência consolidada no STF no sentido de reconhecer o direito desses grupos a viver de acordo com a sua identidade de gênero e a obter tratamento social compatível com ela.

O ministro ressaltou ainda que, dentre os Princípios de Yogyakarta, documento aprovado em 2007 pela comunidade internacional com o objetivo de produzir standards específicos para o tratamento da população LGBTI, o de número 9 recomenda que, caso encarceradas, essas pessoas possam participar das decisões relacionadas ao local de detenção adequado à sua orientação sexual e identidade de gênero.

Preceitos fundamentais

A ADPF 527 foi ajuizada pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) e questiona decisões judiciais contraditórias na aplicação da Resolução Conjunta da Presidência da República e do Conselho de Combate à Discriminação 1/2014, que estabeleceu parâmetros de acolhimento do público LGBT submetido à privação de liberdade nos estabelecimentos prisionais brasileiros.

A entidade argumenta que alguns juízos de execução penal estariam interpretando a norma de forma a frustrar a efetivação dos direitos desses grupos a tratamento adequado no âmbito do sistema carcerário, resultando em violação aos preceitos fundamentais da dignidade humana, da proibição de tratamento degradante ou desumano e do direito à saúde.

Leia a íntegra da decisão do ministro.

RR//GRB


 

sábado, 20 de março de 2021

UNIÃO ESTÁVEL COMPANHEIRA SOBREVIVENTE DIREITO REAL DE HABITAÇÃO

 



Apelação Cível. Autora que, na qualidade de herdeira de bem imóvel ocupado pela ré, busca a reintegração de posse. Demandada que mora no bem em questão desde quando vivia com seu falecido companheiro. Direito real de habitação como companheira, nos termos do art. 1.831, do Código Civil. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar os RE 646721 e RE 878.694, fixou o seguinte: "Tema 498 - Alcance do direito sucessório em face de união estável homoafetiva. Tese. É inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros prevista no art. 1.790 do CC/2002, devendo ser aplicado, tanto nas hipóteses de casamento quanto nas de união estável, o regime do art. 1.829 do CC/2002. As Leis nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 foram revogadas pelo art. 1.790, do CC, conforme consta expressamente da ementa do acórdão do RE 646721/RS. Em consonância com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal que igualou, para todos os fins, a situação do companheiro com a do cônjuge para fins sucessórios, que o direito real de habitação é garantido ao convivente em relação ao imóvel utilizado para a residência da família, "desde que seja o único daquela natureza a inventariar." (art. 1.831, parte final). O direito real de habitação pode ser oposto aos herdeiros que não fazem parte do núcleo familiar da ré. Não afasta o direito real de habitação o fato de o cônjuge sobrevivente possuir imóvel próprio, de natureza residencial, que não integre a herança de seu companheiro falecido. O objetivo do direito real de habitação é garantir moradia ao cônjuge ou companheiro supérstite, sendo tal providência fundamental para garantir uma vida digna ao mesmo, o que deve ser considerado a fim de se interpretar a parte final do artigo 1.831: "que seja o único daquela natureza a inventariar." A literalidade do dispositivo deve ser afastada, devendo prevalecer a concretização do direito constitucional à moradia e também a questão humanitária e social, levando-se em conta o vínculo afetivo e psicológico estabelecido pelos cônjuges ou companheiros com o imóvel em que constituíram seu lar, conforme se depreende o voto do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, no Recurso Especial nº 1.582.178 - RJ. Recurso a que se nega provimento. Nos termos do art. 85, § 11, do CPC, majoro em 2% a condenação em honorários advocatícios devida pela parte autora, observada a gratuidade de justiça concedida.


0427375-44.2016.8.19.0001 - APELAÇÃO
DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). CARLOS JOSÉ MARTINS GOMES - Julg: 15/12/2020 - Data de Publicação: 12/01/2021

sexta-feira, 19 de março de 2021

DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL ANIMAL DE ESTIMAÇÃO RATEIO DE DESPESAS CABIMENTO

 


APELAÇÃO E ADESIVO. UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO COM PARTILHA. PLEITO DE RATEIO DE DESPESAS COM ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO DO EX-CASAL. REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL, ELEITO NA ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL. 1- União estável reconhecida pelas partes, através de escritura pública. 2- Lapso temporal, anterior à escritura pública, reconhecido e com amparo no lastro probatório existente nos autos. 3- Escritura válida. Regime de bens estipulado de forma diversa do regime geral. Aplicação ex nunc. Incidência do princípio da segurança das relações jurídicas, que impede a eficácia retroativa de regime de bens. Precedentes. 4- Questões atinentes à partilha de bens comuns devem ser objeto de análise na fase própria. 5- Verba para manutenção dos animais de estimação, adquiridos na constância da união, que tem pertinência. Seres vivos que dependem de alimentação e cuidados veterinários. Obrigação que decorre da analogia com os bens materiais, que demandam gastos para manutenção. 6- Apelo parcialmente provido. Adesivo desprovido.


0000505-50.2017.8.19.0079 - APELAÇÃO
SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Des(a). RICARDO COUTO DE CASTRO - Julg: 18/11/2020 - Data de Publicação: 16/12/2020

quarta-feira, 17 de março de 2021

A autorização judicial não é pressuposto de validade de contratos de gestão de carreira e de agenciamento de atleta profissional celebrados por atleta relativamente incapaz devidamente assistido pelos pais ou responsável legal

 TERCEIRA TURMA

Processo

REsp 1.872.102/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 02/03/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Contrato de gerenciamento de carreira. Atleta profissional menor de dezoito anos. Aplicação da Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé). Descabimento. Emancipação legal. Relação empregatícia. Art. 5º, parágrafo único, V, do CC. Autorização judicial. Art. 1.691 do CC. Desnecessidade.

Destaque

A autorização judicial não é pressuposto de validade de contratos de gestão de carreira e de agenciamento de atleta profissional celebrados por atleta relativamente incapaz devidamente assistido pelos pais ou responsável legal.

Informações do Inteiro Teor

A emancipação legal proveniente de relação empregatícia, prevista no art. 5º, parágrafo único, V, parte final, do CC/2002, pressupõe: I) que o menor possua ao menos dezesseis anos completos; II) a existência de vínculo empregatício; e III) que desse liame lhe sobrevenha economia própria.

Por decorrer diretamente do texto da lei, essa espécie de emancipação prescinde de autorização judicial, bem como dispensa o registro público respectivo para a validade dos atos civis praticados pelo emancipado, bastando apenas que se evidenciem os requisitos legais para a implementação da capacidade civil plena.

O regramento disposto no art. 1.691 do CC, que exige autorização judicial para a contração de obrigações em nome do filho menor, não se aplica ao filho emancipado, porquanto dotado este de capacidade civil plena, podendo realizar os atos da vida civil, por si só.

Se o filho menor for emancipado, seja qual for a espécie de emancipação, a administração do seu patrimônio é retirada dos seus pais e entregue ao próprio infante, segundo o disposto no art. 1.690, caput, parte final, do CC: compete aos pais, e na falta de um deles ao outro, com exclusividade, representar os filhos menores de dezesseis anos, bem como assisti-los até completarem a maioridade ou serem emancipados.

Além disso, convém pontuar que a emancipação constitui hipótese de extinção do poder familiar, nos termos do art. 1.635, II, do CC.

Por derradeiro, enfatiza-se que a simples ocorrência de emancipação legal não tem o condão de afastar a aplicação de regramentos dispostos em leis especiais, ante o critério da especialidade utilizado a fim de dirimir o conflito aparente de normas, a exemplo do que se extrai do Enunciado n. 530 do CJF, aprovado na VI Jornada de Direito Civil: a emancipação, por si só, não elide a incidência do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Com base nessa cognição, poder-se-ia cogitar do exame da validade dos contratos de gestão de carreira e de agenciamento de jogador profissional de futebol à luz do disposto no art. 27-C, VI, da Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé).

No caso, celebrados os contratos antes da entrada em vigor do inciso VI do art. 27-C da Lei n. 9.615/1998 (Lei Pelé), ou seja, após pactuados os contratos tidos como nulos, não se lhes aplicando, desse modo, retroativamente, por se tratar de ato jurídico perfeito (art. 6º, caput e § 1º, da LINDB).

Outrossim, a título de reforço argumentativo, ainda que fosse o caso de análise da higidez dos contratos através da perspectiva do art. 27-C, VI, da Lei n. 9.615/1998, depreende-se da literalidade da norma que a vedação à celebração de contrato de gerenciamento de carreira só se aplica ao atleta em formação menor de 18 (dezoito) anos.



O termo inicial de contagem do prazo para a denúncia vazia, nas hipóteses de que trata o art. 47, V, da Lei n. 8.245/1991, coincide com a formação do vínculo contratual

 QUARTA TURMA

Processo

REsp 1.511.978-BA, Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 02/03/2021

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Denúncia vazia. Art. 47, V, da Lei n. 8.245/1991. Termo inicial. Formação do vínculo contratual.

Destaque

O termo inicial de contagem do prazo para a denúncia vazia, nas hipóteses de que trata o art. 47, V, da Lei n. 8.245/1991, coincide com a formação do vínculo contratual.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia reside na interpretação do art. 47, V, da Lei n. 8.245/1991, que tem a seguinte redação: Art. 47. Quando ajustada verbalmente ou por escrito e como prazo inferior a trinta meses, findo o prazo estabelecido, a locação prorroga - se automaticamente, por prazo indeterminado, somente podendo ser retomado o imóvel: (...) V - se a vigência ininterrupta da locação ultrapassar cinco anos. (...).

Defende-se que a contagem do período indicado no dispositivo somente se inicia com o fim da locação pelo prazo estabelecido contratualmente, quando passa a viger por tempo indeterminado.

Note-se, contudo, que, segundo o comando expresso do dispositivo, o requisito temporal refere-se à "vigência ininterrupta da locação", vínculo cujo prazo deve ser contado desde a sua formação inicial, não sofrendo interrupção pelo fato de haver sido prorrogada por prazo indeterminado após o decurso do lapso temporal originariamente avençado.

É dizer: a locação por prazo indeterminado não traduz uma nova contratação, senão o mero prolongamento da avença originária, vigendo ininterruptamente desde que a posse direta do imóvel é transmitida ao locatário, em regra com a simbólica entrega das chaves.



terça-feira, 16 de março de 2021

É admissível o retorno ao nome de solteiro do cônjuge ainda na constância do vínculo conjugal

 

Processo

REsp 1.873.918-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 02/03/2021, DJe 04/03/2021

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Direito ao nome. Substituição de patronímico familiar pelo do cônjuge. Retomada do nome de solteiro ainda na constância do vínculo conjugal. Possibilidade.

Destaque

É admissível o retorno ao nome de solteiro do cônjuge ainda na constância do vínculo conjugal.

Informações do Inteiro Teor

O direito ao nome é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, pois diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si, como também em ambiente familiar e perante a sociedade.

Conquanto a modificação do nome civil seja qualificada como excepcional e as hipóteses em que se admite a alteração sejam restritivas, esta Corte tem reiteradamente flexibilizado essas regras, interpretando-as de modo histórico-evolutivo para que se amoldem a atual realidade social em que o tema se encontra mais no âmbito da autonomia privada, permitindo-se a modificação se não houver risco à segurança jurídica e a terceiros.

No caso, a parte, que havia substituído um de seus patronímicos pelo de seu cônjuge por ocasião do matrimônio, fundamentou a sua pretensão de retomada do nome de solteira, ainda na constância do vínculo conjugal, em virtude do sobrenome adotado ter se tornado o protagonista de seu nome civil em detrimento do sobrenome familiar, o que lhe causa dificuldades de adaptação, bem como no fato de a modificação ter lhe causado problemas psicológicos e emocionais, pois sempre foi socialmente conhecida pelo sobrenome do pai e porque os únicos familiares que ainda carregam o patronímico familiar se encontram em grave situação de saúde.

Dado que as justificativas apresentadas não são frívolas, mas, ao revés, demonstram a irresignação de quem vê no horizonte a iminente perda dos seus entes próximos sem que lhe sobre uma das mais palpáveis e significativas recordações - o sobrenome -, deve ser preservada a intimidade, a autonomia da vontade, a vida privada, os valores e as crenças das pessoas, bem como a manutenção e perpetuação da herança familiar.