quinta-feira, 30 de setembro de 2021

A cessação da incapacidade civil de um dos cônjuges, que impunha a adoção do regime da separação obrigatória de bens sob a égide do Código Civil de 1916, autoriza a modificação do regime de bens do casamento

 


Processo

REsp 1.947.749-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021, DJe 16/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Casamento celebrado sob a égide do CC/1916. Incapacidade de um dos cônjuges. Cessação. Modificação do regime de bens. Possibilidade.

DESTAQUE

A cessação da incapacidade civil de um dos cônjuges, que impunha a adoção do regime da separação obrigatória de bens sob a égide do Código Civil de 1916, autoriza a modificação do regime de bens do casamento.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A teor do § 2º do art. 1.639 do CC/2002, para a modificação do regime de bens, basta que ambos os cônjuges deduzam pedido motivado, cujas razões devem ter sua procedência apurada em juízo, sem prejuízo dos direitos de terceiros, resguardando-se os efeitos do ato jurídico perfeito do regime originário, expressamente ressalvados pelos arts. 2.035 e 2.039 do Código Civil.

O poder atribuído aos cônjuges pelo § 2º do art. 1.639 do CC/2002 de modificar o regime de bens do casamento subsiste ainda que o matrimônio tenha sido celebrado na vigência do Código Civil de 1916.

A melhor interpretação que se pode conferir ao referido dispositivo é aquela segundo a qual não se deve "exigir dos cônjuges justificativas exageradas ou provas concretas do prejuízo na manutenção do regime de bens originário, sob pena de se esquadrinhar indevidamente a própria intimidade e a vida privada dos consortes" (REsp 1.119.462/MG, Quarta Turma, julgado em 26/02/2013, DJe 12/03/2013).

Em situações em que o exame dos autos não revela aos juízos de primeiro e segundo graus - soberanos na apreciação das provas - qualquer elemento concreto capaz de ensejar o reconhecimento, ainda que de forma indiciária, de eventuais danos a serem suportados por algum dos consortes ou por terceiros, há de ser preservada a vontade dos cônjuges, sob pena de violação de sua intimidade e vida privada.

Assim, ante a previsão legal e a presunção de boa-fé que favorece os autores, desde que resguardado direitos de terceiros, a cessação da incapacidade de um dos cônjuges - que impunha a adoção do regime da separação obrigatória de bens sob a égide do Código Civil de 1916 - autoriza, na vigência do CC/2002, em prestígio ao princípio da autonomia privada, a modificação do regime de bens do casamento.

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Em ação renovatória do contrato de locação de espaço em shopping center a dissonância entre o locativo percentual contratado e o valor de mercado não autoriza, por si só, a alteração do aluguel

 


Processo

REsp 1.947.694-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/09/2021, DJe 16/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Ação renovatória. Locação de espaço em shopping center. Alteração de aluguel. Percentual. Discrepância com o valor de mercado. Inviabilidade. Autonomia da vontade. Pacta sunt servanda.

DESTAQUE

Em ação renovatória do contrato de locação de espaço em shopping center a dissonância entre o locativo percentual contratado e o valor de mercado não autoriza, por si só, a alteração do aluguel.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir se é possível, em ação renovatória de locação de espaço em shopping center, a alteração do percentual ajustado a título de remuneração variável.

O contrato celebrado entre o empreendedor e o lojista é marcado por certas singularidades, as quais o diferenciam dos contratos ordinários de locação. Por essa razão, a doutrina diverge sobre a natureza desse contrato. Apesar dessas singularidades, revela-se mais razoável considerar o contrato pactuado entre o empreendedor do shopping center e o lojista como um típico contrato de locação, com características próprias.

Independente da natureza jurídica que se atribua a essa espécie contratual, a Lei n. 8.245/1991 consagra a possibilidade da propositura, pelo lojista, de ação renovatória de locação. Assim, preenchidos os requisitos legais previstos nos arts. 51 e 71 da referida lei, o lojista fará jus à renovação do contrato de locação da unidade imobiliária localizada em shopping center.

A ação renovatória de locação tem como escopo principal a extensão do período de vigência do contrato. E, considerando que a retribuição inicialmente entabulada guarda relação com a alteração do prazo estipulado, também é possível a alteração do valor do locativo por essa via. Essa espécie de ação judicial é dúplice, daí porque é juridicamente possível ao locador postular, em sede de contestação, a majoração do valor do locativo.

No contrato de locação de espaço em shopping center, para a fixação do locativo, são ponderadas as características especiais do empreendimento e que o diferencia dos demais, como a disponibilidade e facilidade de estacionamento, a segurança do local, a oferta de produtos e serviços, opções de lazer, entre outros. Ou seja, há uma série de fatores que influenciam na fixação da remuneração mensal e que são alheios ao valor de mercado.

Frente às singularidades que diferenciam tais contratos, o art. 54 da Lei n. 8.245/1991 assegura a prevalência dos princípios da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda. Nesse sentido, alteração do aluguel percentual em sede de ação renovatória de locação de espaço em shopping center somente é viável caso demonstrado pela parte postulante - locatário ou locador - o desequilíbrio econômico superveniente resultante de evento imprevisível (arts. 317 e 479 do CC/2002).

terça-feira, 28 de setembro de 2021

O valor existente em plano de previdência complementar privada aberta na modalidade PGBL, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002



TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 1.726.577-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por maioria, julgado em 14/09/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Inventário e partilha. Comoriência entre cônjuges e descendentes. Colação ao inventário de valor em plano de previdência complementar privada aberta. Necessidade. Seguro previdenciário. Bem pertencente à meação da cônjuge igualmente falecida.

DESTAQUE

O valor existente em plano de previdência complementar privada aberta na modalidade PGBL, antes de sua conversão em renda e pensionamento ao titular, possui natureza de aplicação e investimento, devendo ser objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão por não estar abrangido pela regra do art. 1.659, VII, do CC/2002.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente, para saber se o valor existente em previdência complementar privada aberta de titularidade do autor da herança deve ser colacionado, arrecadado e ao final partilhado também com os ascendentes de sua cônjuge igualmente falecida, é imprescindível que se examine previamente se o valor compunha, ou não, a meação da cônjuge por ocasião da dissolução do vínculo conjugal em razão do evento morte.

De início, anote-se que a hipótese em exame versa sobre previdência privada aberta, tratando-se de situação distinta da previdência privada fechada que foi objeto de exame por esta Corte, oportunidade em que se concluiu se tratar de fonte de renda semelhante às pensões, meio-soldos e montepios (art. 1.659, VII, do CC/2002), de natureza personalíssima e equiparável, por analogia, à pensão mensal decorrente de seguro por invalidez, razão pela qual não se comunicava com o cônjuge na constância do vínculo conjugal (REsp 1.477.937/MG, Terceira Turma, DJe 20/06/2017).

Com efeito, a previdência privada aberta, que é operada por seguradoras autorizadas pela SUSEP - Superintendência de Seguros Privados, pode ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com amplíssima liberdade e flexibilidade, deliberar sobre os valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida.

Diante dessas feições muito próprias, a comunicabilidade e a partilha de valor aportado em previdência privada aberta, cuja natureza jurídica ora se assemelha a um seguro previdenciário adicional, ora se assemelha a um investimento ou aplicação financeira, é objeto de profunda divergência.

Como se percebe, os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada e que são óbices à partilha, pois, na previdência privada aberta, há ampla flexibilidade do investidor, que, repise-se, poderá escolher livremente como e quando receber, aumentar ou reduzir contribuições, realizar aportes adicionais, resgates antecipados ou parcelados a partir da data que porventura indicar.

A natureza securitária e previdenciária complementar desses contratos é evidentemente marcante no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter um determinado padrão de vida.

Entretanto, no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, com múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas, a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta é de investimento, semelhantemente ao que ocorreria se os valores das contribuições e dos aportes fossem investidos em fundos de renda fixa ou na aquisição de ações e que seriam objeto de partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão.

Na hipótese, tendo havido a comoriência entre o autor da herança, sua cônjuge e os descendentes, não havendo que se falar, pois, em sucessão entre eles, devem ser chamados à sucessão os seus respectivos herdeiros ascendentes.

Assim, é induvidosa a conclusão de que o valor existente em previdência complementar privada aberta de titularidade do autor da herança compunha a meação da cônjuge igualmente falecida, razão pela qual a sua colação ao inventário é verdadeiramente indispensável, a fim de que se possa, ao final, adequadamente partilhar os bens comuns existentes ao tempo do falecimento simultâneo.

 

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

É inconstitucional a interpretação da legislação federal que possibilita o abate imediato de animais apreendidos em situação de maus-tratos

 


Essa exegese — proposta por órgãos administrativos e adotada por autoridades judiciais — ofende normas materiais da Constituição Federal (CF), em especial o art. 225, § 1º, VII (2), que impõe a proteção à fauna e proíbe qualquer espécie de maus-tratos aos animais. 

Embora sejam relevantes, os problemas estruturais e financeiros, mencionados nas decisões judiciais e nas manifestações administrativas, não autorizam o abate, e sim o uso de instrumentos descritos na legislação infraconstitucional, como a soltura em habitat natural ou em cativeiros, a doação a entidades especializadas ou a pessoas habilitadas e, inclusive, o leilão. A finalidade das normas protetivas não autoriza concluir que os animais devam ser resgatados de situações de maus-tratos para, logo em seguida, serem abatidos.

As decisões judiciais e as interpretações administrativas que justificam o abate preferencial e imediato desses animais violam também o princípio da legalidade (CF, art. 37, caput) (3). Isso, porque inexiste autorização legal expressa que possibilite o abate no caso específico de apreensão em situação de maus-tratos, conforme se observa da literalidade do art. 25, §§ 1º e 2º, combinado com o art. 32 da Lei 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais) (4) (5), bem assim dos arts. 101, 102 e 103 do Decreto 6.514/2008 (6).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente o pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental para declarar a ilegitimidade da interpretação dos arts. 25, §§ 1º e 2º da Lei 9.605/1998, bem como dos artigos 101, 102 e 103 do Decreto 6.514/2008 e demais normas infraconstitucionais, que autorizem o abate de animais apreendidos em situação de maus-tratos.

 

(1) Precedentes: ADI 4.983, ADI 2.514 e ADI 1.856.

(2) CF: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.”

(3) CF: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:”

(4) Lei 9.605/1998: “Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos. § 1º Os animais serão prioritariamente libertados em seu habitat ou, sendo tal medida inviável ou não recomendável por questões sanitárias, entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, para guarda e cuidados sob a responsabilidade de técnicos habilitados. § 2º Até que os animais sejam entregues às instituições mencionadas no § 1º deste artigo, o órgão autuante zelará para que eles sejam mantidos em condições adequadas de acondicionamento e transporte que garantam o seu bem-estar físico.”

(5) Lei 9.605/1998: “Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa. § 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”

(6) Decreto 6.514/2008: “Art. 101. Constatada a infração ambiental, o agente autuante, no uso do seu poder de polícia, poderá adotar as seguintes medidas administrativas: I – apreensão; II – embargo de obra ou atividade e suas respectivas áreas; III – suspensão de venda ou fabricação de produto; IV – suspensão parcial ou total de atividades; V – destruição ou inutilização dos produtos, subprodutos e instrumentos da infração; e VI – demolição. § 1º As medidas de que trata este artigo têm como objetivo prevenir a ocorrência de novas infrações, resguardar a recuperação ambiental e garantir o resultado prático do processo administrativo. (...) Art. 102. Os animais, produtos, subprodutos, instrumentos, petrechos, veículos de qualquer natureza referidos no inciso IV do art. 72 da Lei 9.605, de 1998, serão objeto da apreensão de que trata o inciso I do art. 101, salvo impossibilidade justificada. (...) Art. 103. Os animais domésticos e exóticos serão apreendidos quando: I – forem encontrados no interior de unidade de conservação de proteção integral; ou II – forem encontrados em área de preservação permanente ou quando impedirem a regeneração natural de vegetação em área cujo corte não tenha sido autorizado, desde que, em todos os casos, tenha havido prévio embargo. § 1º Na hipótese prevista no inciso II, os proprietários deverão ser previamente notificados para que promovam a remoção dos animais do local no prazo assinalado pela autoridade competente. § 2º Não será adotado o procedimento previsto no § 1º quando não for possível identificar o proprietário dos animais apreendidos, seu preposto ou representante. § 3º O disposto no caput não será aplicado quando a atividade tenha sido caracterizada como de baixo impacto e previamente autorizada, quando couber, nos termos da legislação em vigor.”

 

ADPF 640 MC-Ref/DF, relator Min. Gilmar Mendes, julgamento virtual finalizado em 17.9.2021 (sexta-feira), às 23:59


domingo, 26 de setembro de 2021

Indicação de livro: "Inadimplemento absoluto e resolução contratual", de Giovanni Ettore Nanni

 


"A obra é de grande relevância, pois se aplica a qualquer relação contratual que é inadimplida. Investiga os requisitos para a caracterização do inadimplemento absoluto e da resolução contratual, assim como os seus efeitos. O Código Civil não prevê quais os requisitos do inadimplemento absoluto, mas tão só os seus efeitos (art. 389), da mesma maneira que na resolução contratual, regrando apenas um deles, que é a obrigação de pagar perdas e danos (art. 475 CC). Mas, em ambos, há muitos outros aspectos que a obra oferece as soluções. Aborda as figuras ligadas ao descumprimento das obrigações: perdas e danos, nexo de causalidade, dano extrapatrimonial, juros, correção monetária, honorários de advogado, resolução do contrato, cláusula resolutiva, adimplemento substancial, efeito retroativo (ex tunc e ex nunc) da resolução. Trata-se de obra em que o leitor encontra todos os temas relativos ao inadimplemento. Não se limita aos exemplos e contratos citados nos manuais, pois descreve situações de contratos atuais, em especial de grande complexidade. Examina por completo doutrina nacional e estrangeira e a jurisprudência."

sábado, 25 de setembro de 2021

CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO GUICHÊ DE ESTAÇÃO DE TREM ROUBO A PASSAGEIRO LESÃO CORPORAL FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO CUMULAÇÃO DE DANOS MORAL E ESTÉTICO

 


APELAÇÃO CIVEL. INDENIZATÓRIA. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE TRANSPORTE FERROVIÁRIO. PASSAGEIRA QUE FOI VÍTIMA DE ROUBO SEGUIDO DE LESÕES CORPORAIS AO ADQUIRIR BILHETE DE TREM EM GUICHÊ VOLTADO PARA A VIA PÚBLICA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO POR AUSÊNCIA DE SEGURANÇA. FORTUITO INTERNO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE. DANO MORAL E ESTÉTICO VERIFICADO. REFORMA DA SENTENÇA. 1. Cuida-se de demanda através da qual a parte autora alega que, quando se encontrava no guichê da estação de trem da empresa ré adquirindo bilhete de passagem, foi vítima de uma meliante que quebrou uma garrafa de vidro na sua cabeça, desferindo-lhe diversos golpes no rosto com cacos de vidro. 2. A sentença julgou improcedentes os pedidos de condenação da ré ao pagamento de indenização por dano estético e moral, sob o fundamento da ocorrência de um fortuito externo. 3. Versa a hipótese dos autos sobre responsabilidade civil objetiva de concessionário de serviço público, fundada na teoria do risco administrativo, bem como nas normas do Código de Defesa do Consumidor, conforme expressamente previsto no art. 22. 4. Como cediço, impõe-se à pessoa jurídica prestadora de serviço público a responsabilização pelos danos causados por ação ou omissão de seus agentes a terceiros, nos termos do artigo 37, § 6º da Constituição da República 5. Incumbia à parte ré adotar todas as cautelas possíveis, para assegurar a segurança de seus clientes, tanto no interior da estação de trem quanto na área externa na qual os guichês estão localizados. 6. Quando o consumidor se dirige a uma estação de trem, tem a legítima expectativa de que o local onde vai sacar seu dinheiro seja seguro. 7. Ré que, por conveniência própria, dispôs os seus guichês próximos à via pública, permitindo de maneira indireta, por ausência de segurança adequada, a abordagem de seus consumidores por qualquer meliante que queira deles se aproveitar, deve assumir o risco pelos incidentes que ali ocorrerem, já que se trata de fatos em conexão direta com a prestação do serviço, qual seja, a remuneração. 8. Nesse contexto, se a ré organizou sua estrutura de modo a deixar a bilheteria exposta na rua, assumiu o risco de deixar mais vulneráveis tanto os seus consumidores quanto os seus funcionários que se encontram localizados dentro dos guichês, gerando, de tal forma, uma legítima expectativa de segurança de quem usufrui do serviço, mormente diante dos rotineiros episódios de violência que assolam as cidades brasileiras. 9. Embora consabido que o dever de assegurar a segurança pública a todos os cidadãos seja afeto ao Estado, a ré tinha o dever de adotar providências mais efetivas, para evitar a prática de crimes como o noticiado nos autos, zelando para que os seus clientes se sintam mais seguros ao adquirirem o bilhete do trem. 10. Conquanto o crime tenha sido praticado por terceiro, a ré deve responder pelo evento danoso sofrido pela autora, haja vista que não ofereceu a segurança esperada para o cliente que adquire a passagem em plena via pública, viabilizando, com a sua omissão, a ação de criminosos. Precedentes. 11. Nesse trilhar de ideias, diante da evidente previsibilidade acerca da possibilidade de assaltos a passageiros que intentem adquirir passagem em guichê voltado para a via pública, não se pode vislumbrar que a ocorrência de tais fatos fuja da esfera de previsibilidade e de responsabilidade da empresa concessionária de serviço público. 12. Na espécie, restou incontroverso o evento danoso sofrido pela autora, cuja ocorrência em momento algum foi negada pela ré, a qual se limita a defender a ausência de responsabilidade hábil a ensejar o dever de reparação. 13. Elementos de prova constantes nos autos que demonstram que a autora sofreu profundos cortes em seu rosto e no couro cabeludo, o que, ademais, restou confirmado no laudo pericial, bem como que a demandante sofreu incapacidade total temporária em razão do incidente pelo período aproximado de 30 (trinta) dias e dano estético em grau mínimo. 14. O nexo de causalidade está presente entre o evento danoso e a prestação de serviço defeituoso acima indicado, caracterizado pela falta de cuidado em proporcionar a adequada segurança aos passageiros, dando ensejo, inequivocamente, a aborrecimentos e desgastes emocionais que extrapolam o mero dissabor inerente ao cotidiano. 15. Dano estético verificado em grau mínimo, conforme apurado no laudo pericial, tratando-se de cicatriz no rosto, situada, portanto, em local visível, fixando-se indenização no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Precedentes. 16. Dano moral que se configura in re ipsa, decorrendo do sofrimento e da angústia experimentados pela autora em razão de ter sido vítima de agressões por terceiros quando se encontrava no guichê da ré, em local em que se esperava que a prestadora do serviço assegurasse o mínimo de segurança, fixando-se a quantia de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), a qual se reputa adequada e em consonância com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para fins de reparação de lesão extrapatrimonial. 17. Sentença que se reforma, para condenar a ré ao pagamento de compensação por dano estético e moral. 17. Provimento do recurso.


0023667-59.2014.8.19.0021 - APELAÇÃO
OITAVA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MÔNICA MARIA COSTA DI PIERO - Julg: 24/08/2021 - Data de Publicação: 30/08/2021

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

PLANO DE SAÚDE CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL NEGATIVA DE COBERTURA CONDUTA ABUSIVA REEMBOLSO DANO MORAL

 


APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COMPENSATÓRIA POR DANO MORAL. TRANSGENITALIZAÇÃO. NEGATIVA DE COBERTURA DOS PROCEDIMENTOS QUE INTEGRAM A CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL. APELANTE QUE SOFRE COM A INCOMPATIBILIDADE ENTRE O SEXO BIOLÓGICO E A IDENTIDADE SEXUAL NA QUAL SE RECONHECE EMOCIONAL E PSICOLOGICAMENTE E PASSA POR TRATAMENTO COM EQUIPE MULTIDISCIPLINAR VISANDO A MELHORA DE SEU ESTADO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO MANIFESTAMENTE ABUSIVA E AFRONTA O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O DIREITO À PRESERVAÇÃO DA SAÚDE E À VIDA. LAUDO MÉDICO QUE ATESTA A IMPRESCINDIBILIDADE DO TRATAMENTO PRESCRITO, NÃO HAVENDO RAZÃO PARA SUA NEGATIVA, QUANTO MAIS QUE OS PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS CONSTAM DO ROL DA ANS. AINDA QUE ASSIM NÃO FOSSE, HÁ PRECEDENTES DO STJ NO SENTIDO DE QUE O ALUDIDO ROL É MERAMENTE EXEMPLIFICATIVO. QUESTÃO QUE AINDA SERÁ DEFINIDA PELA E. 2ª SEÇÃO DAQUELA CORTE. APELANTE QUE, DIANTE DA NEGATIVA DO PLANO, ACABA POR SE COTIZAR COM AMIGOS E PARENTES PARA O PAGAMENTO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO REALIZADO POR CIRURGIÃO HABILITADO. APELADA QUE NÃO COMPROVA A DISPONIBILIZAÇÃO DE MÉDICO OU HOSPITAL PARA A REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO, O QUE SERIA TAMBÉM CONTRADITÓRIO ANTE A SUA NEGATIVA DE COBERTURA. REEMBOLSO QUE, NESSE CASO, NÃO SE LIMITA À TABELA DO PLANO. DANO MORAL INCONTESTE DIANTE DA ABUSIVA RECUSA EM REALIZAR O PROCEDIMENTO. PROVIMENTO DO RECURSO.


0206779-52.2018.8.19.0001 - APELAÇÃO
QUARTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MYRIAM MEDEIROS DA FONSECA COSTA - Julg: 28/07/2021 - Data de Publicação: 04/08/2021

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

PANDEMIA DE COVID-19 EVENTO MUSICAL ADIAMENTO PERDA DE INTERESSE CALAMIDADE PÚBLICA FORTUITO EXTERNO AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR

 


APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. AQUISIÇÃO DE INGRESSOS PARA SHOW SERTANEJO. ADIAMENTO DO EVENTO EM RAZÃO DA PANDEMIA DO COVID-19. PERDA DO INTERESSE DA CONSUMIDORA. ORGANIZADORA DO EVENTO QUE GARANTIU A REMARCAÇÃO DO SHOW OU A OPÇÃO DA CONSUMIDORA EFETUAR A UTILIZAÇÃO DO CRÉDITO NA AQUISIÇÃO DE OUTRO SERVIÇO OU EVENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS CUMULADA COM PEDIDO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. IRRESIGNAÇÃO AUTORAL. TESE AUTORAL DE QUE A ATITUDE DA DEMANDADA É ABUSIVA E DEVE SER RECHAÇADA POR SE TRATAR DE RELAÇÃO DE CONSUMO A ATRAIR A INCIDÊNCIA DAS NORMAS PROTETIVAS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR QUE NÃO MERECE PROSPERAR. ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA E DE EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DE IMPORTÂNCIA INTERNACIONAL DECORRENTE DA PANDEMIA DA COVID-19. PODER PÚBLICO QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO DE EVENTOS CULTURAIS PARA PREVENÇÃO E COMBATE DA DOENÇA. SITUAÇÃO EXTRAORDINÁRIA E IMPREVISÍVEL, DE MODO QUE NÃO SE ENQUADRA COMO RISCO DA ATIVIDADE PROFISSIONAL DO EMPRESÁRIO DO RAMO DE ENTRETENIMENTO, POIS TRATA-SE FORTUITO EXTERNO. APLICÁVEL A HIPÓTESE DOS AUTOS OS TERMOS DO ART. 2º, DA LEI Nº 14.046/2020. PREVALÊNCIA DA LEI ESPECÍFICA SOBRE A LEGISLAÇÃO CONSUMERISTA EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. SENTENÇA QUE NÃO MERECE REPARO PORQUE DEU SOLUÇÃO ADEQUADA A LIDE. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.


0016728-83.2020.8.19.0205 - APELAÇÃO
DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). LUCIA REGINA ESTEVES DE MAGALHAES - Julg: 17/08/2021 - Data de Publicação: 24/08/2021

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

TRANSPORTE COLETIVO CADEIRANTE RECUSA DE MOTORISTAS A PARAR NO PONTO FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DANO MORAL

 


RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO. AUTOR PORTADOR DE NECESSIDADES ESPECIAIS. CADEIRANTE. ALEGAÇÃO DE QUE PREPOSTOS DA RÉ SE RECUSAM A PARAR NO PONTO E LHE DAR ACESSO AO COLETIVO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DA PARTE RÉ REQUERENDO A IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. DESPROVIMENTO. A RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO É OBJETIVA RELATIVAMENTE A TERCEIROS USUÁRIOS E NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO, SEGUNDO DECORRE DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA, PARA QUE HAJA A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR, É IMPRESCINDÍVEL A COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DO DANO E DO NEXO DE CAUSALIDADE, SENDO CERTO QUE A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR SOMENTE RESTARÁ AFASTADA SE PROVADA ALGUMA DAS EXCLUDENTES DE RESPONSABILIDADE, QUAIS SEJAM, FORÇA MAIOR, CASO FORTUITO, CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA OU FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. NO CASO EM ANÁLISE, O NEXO DE CAUSALIDADE RESTOU DEMONSTRADO PELO DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA QUE AFIRMOU TER PRESENCIADO O FATO NARRADO NA INICIAL. INSTA SALIENTAR QUE AS DIFICULDADES ENFRENTADAS PELOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS NO ACESSO AOS MEIOS DE TRANSPORTE PÚBLICO, EM ESPECIAL OS CADEIRANTES, CONSTITUI FATO PÚBLICO E NOTÓRIO. ASSIM, UMA VEZ DEMONSTRADO O NEXO DE CAUSALIDADE É FORÇOSO RECONHECER A RESPONSABILIDADE DA PARTE RÉ PELOS DANOS SOFRIDOS PELO AUTOR EM VIRTUDE DA FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CARACTERIZADO. QUANTUM FIXADO SEM OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE (R$ 6.000,00). MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. ENTENDIMENTO DESTE E. TRIBUNAL ACERCA DO TEMA. DESPROVIMENTO DO APELO.


0014077-65.2017.8.19.0211 - APELAÇÃO
DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). CLEBER GHELFENSTEIN - Julg: 01/09/2021 - Data de Publicação: 02/09/2021

terça-feira, 21 de setembro de 2021

AÇÃO CIVIL PÚBLICA PUBLICIDADE INFANTIL ABUSIVA DANO MORAL COLETIVO

 


APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INFÂNCIA E JUVENTUDE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO MORAL COLETIVO. DIREITO AO RESPEITO, À INTEGRIDADE E À DIGNIDADE. PUBLICIDADE INFANTIL ABUSIVA. INFRINGÊNCIA DAS NORMAS QUE REGEM A PUBLICIDADE E A COMUNICAÇÃO MERCADOLÓGICA, DIRECIONADAS A CRIANÇAS E ADOLESCENTES. PROTEÇÃO INTEGRAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. DEVER DE INDENIZAR, CONFIGURADO. REPARAÇÃO DA LESÃO EXTRAPATRIMONIAL, CAUSADA. ADEQUAÇÃO DO VALOR DA CONDENAÇÃO, QUE SE REVELOU RAZOÁVEL E PROPORCIONAL DIANTE DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS, CONSTATADA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. DESCABIMENTO. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ E DESTA CORTE. PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO TÃO SOMENTE PARA AFASTAR A CONDENAÇÃO DA RÉ AO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS.


0095435-37.2016.8.19.0001 - APELAÇÃO
SEXTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). CLAUDIA PIRES DOS SANTOS FERREIRA - Julg: 23/06/2021 - Data de Publicação: 09/07/2021

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

YOUTUBE VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL ACESSO NEGADO À CONTA DA PLATAFORMA REMOÇÃO DO CONTEÚDO CONDUTA ILÍCITA E DESPROPORCIONAL REMOÇÃO DE CONTEÚDOS VIOLADORES CABIMENTO

 


APELAÇÃO CÍVEL. INTERNET. RETIRADA DE CONTEÚDO. VIOLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS AJUIZADA POR USUÁRIA DA PLATAFORMA YOUTUBE BRASIL EM FACE DA EMPRESA PROPRIETÁRIA DA PLATAFORMA. ACESSO NEGADO A SUA PRÓPRIA CONTA E RETIRADA DE TODOS OS SEUS VÍDEOS DO ACERVO DA PLATAFORMA. 1. Embora sem posição definida acerca da natureza da relação envolvendo os criadores e produtores de conteúdo e as plataformas de tecnologia de compartilhamento de vídeos como o Youtube, tem-se firmado o entendimento no sentido de que essa relação tem natureza civil-contratual. Trata-se de nova modalidade negocial que surge em um cenário de inovações tecnológicas disruptivas cada vez mais abundantes, e que marca esse começo de século. 2. Apesar da falta de regulamentação específica, a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, Marco civil da Internet, deixou de regular esta matéria, - ainda sem se saber se de fato regulamentação específica seria necessária -, e a despeito da novidade da atividade, creio que ordenamento jurídico tal qual existente consegue dar satisfatórias respostas às questões jurídicas que exsurgem dessas novas relações contratuais. 3. Em análise às provas dos autos, verifica-se que a apelada em momento algum conseguiu comprovar que a autora em seus vídeos tenha violado direitos autorais, não trazendo aos autos comprovações das referidas violações. No entanto, a própria autora admitiu, durante o curso do presente feito, que realmente usou trechos de novelas em alguns de seus vídeos. Contudo, a simples confissão de uma possível violação de direitos autorais não seria suficiente por si só para determinar a remoção de todo um conteúdo sem ao menos ser previamente oportunizado a autora o seu direito de defesa. 4. Como é cediço, há muito o c. Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento acerca da aplicabilidade dos direitos fundamentais não às relações jurídicas entre o Estado e os particulares, mas também à esfera das relações privadas (RE 201819/RJ - Rel. Min. ELLENGRACIE). Verifica-se que apesar da inequívoca liberdade contratual vigente entre os agentes, esta deve ser pautada pelos princípios da boa-fé, assim como pelas garantias individuais. A autonomia da vontade, assim, dá lugar à autonomia privada, cuja mudança de nomenclatura traz imbuída a absorção do espectro de direitos e deveres principais e laterais entre os contratantes. 5. Por isso entendo que, mesmo diante de uma possível violação de direitos autorais, deve lhe ser garantida, na condição de parte vulnerável na relação jurídica, a oportunidade de defesa e do contraditório. 6. Todavia, da leitura dos autos, a apelada não consegue demonstrar tê-lo feito durante o processamento da questão. Entendo, por isso, que não se desincumbiu do ônus da prova que lhe cabia. Portanto, em que pese a aplicação de punição a autora se dê por sua culpa, ao ter possivelmente violado os termos e diretrizes da plataforma conforme por ela mesma confessa, entendo que o processo de negação do acesso a conta e retirada de todo o conteúdo já produzido, deu-se de forma ilícita e desproporcional, pois violadora do direito ao contraditório e dos deveres corolários da boa-fé contratual. 7. Entendo também que, no caso dos autos, não há que se falar em danos morais, uma vez que, se por um lado a conduta da proprietária da plataforma digital não se coadune com a boa-fé, por outro lado restou confirmada a conduta possivelmente violadora da autora, ao afirmar que usou trechos de novelas em alguns de seus vídeos, sendo dever da plataforma coibir tais abusos. Porém, a suspensão da veiculação dos conteúdos, não podem violar o contraditório, nem aplicar pena por prazo indeterminado. Assim, a retirada deve ficar restrita ao conteúdo violador dos direitos autorais e não de todo e qualquer conteúdo. 8. Quanto ao pedido de que a Ré retire do acesso a sua conta, hacker russo que a teria invadido, nego provimento, por concordar com a sentença de primeira instância, já que a autora não logrou comprovar falha na prestação do serviço da ré, uma vez que pode ter sido ocasionada por diversas outras situações, tais como a existência de vírus e outros malwares em seu computador. 9. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.


0145869-88.2020.8.19.0001 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
Des(a). TERESA DE ANDRADE CASTRO NEVES - Julg: 10/06/2021 - Data de Publicação: 14/06/2021

domingo, 19 de setembro de 2021

Indicação de livro: "Direito do consumidor e novas tecnologias", coordenado por Marcos Ehrhardt Jr., Marcos Catalan e Pablo Malheiros

 


Estamos vivenciando um intenso período de mudanças provocadas pela utilização de novas tecnologias. O impacto das alterações no modo de interagir com as pessoas, comprar produtos e serviços, aliado ao surgimento de novos bens e formas de compartilhamento, necessita de atenção da doutrina, especialmente pela velocidade com que tais mudanças chegam para apreciação no Poder Judiciário.

Em vários aspectos, as soluções analógicas oferecidas pela legislação vigente necessitam ser repensadas e funcionalizadas, sobretudo num contexto de ausência de regulação estatal (ou regulação insuficiente) sobre temas relativos à inteligência artificial, à engenharia genética, a novas moedas, à privacidade e proteção de dados, a ferramentas digitais de interação social e negócios, dentre tantos outros assuntos que constituem uma parcela crescente de nosso cotidiano.

A proposta deste livro é registrar as mudanças nos institutos do direito privado (e as perspectivas para os próximos anos) a partir do impacto das transformações tecnológicas que vivenciamos. Trata-se de uma iniciativa que busca congregar pesquisadores e profissionais do direito de todo o país, além de convidados estrangeiros, para que se possa apresentar um grande retrato do impacto da tecnologia no cotidiano dos sujeitos de direito, tanto em suas relações existenciais quanto patrimoniais.

https://loja.editoraforum.com.br/direito-do-consumidor-e-novas-tecnologias

sábado, 18 de setembro de 2021

RESPONSABILIDADE CIVIL TABELIÃO RECONHECIMENTO DE FIRMA DOCUMENTO FALSO NEGÓCIO JURÍDICO NÃO CELEBRADO OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR

 


APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NEGÓCIO JURÍDICO NÃO CELEBRADO. INCLUSÃO DO NOME DA AUTORA, INDEVIDAMENTE, COMO SÓCIA DA EMPRESA RÉ. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO TABELIÃO, QUE RECONHECEU A FIRMA DA AUTORA POR MEIO DE DOCUMENTO FALSO. FORTUITO INTERNO QUE NÃO EXCLUI O DEVER DE INDENIZAR. DANOS MORAIS QUE SE FIXA EM R$ 5.000,00, OBSERVADOS OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. TERMO INICIAL DOS JUROS DE MORA A PARTIR DO EVENTO DANOSO, NA FORMA DA SÚMULA Nº 54, DO STJ. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO.


0203843-98.2011.8.19.0001 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Des(a). JACQUELINE LIMA MONTENEGRO - Julg: 05/08/2021 - Data de Publicação: 09/08/2021

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO DEFEITO DE SEMÁFORO ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO VÍTIMA FATAL MENOR DE IDADE PENSIONAMENTO AOS PAIS DANO MORAL IN RE IPSA

 


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E PEDIDO DE PENSÃO. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA ARGUIDA PELO MUNICÍPIO DE NITERÓI QUE MERECE SER, NOVAMENTE, REJEITADA, RATIFICANDO-SE A DECISÃO DE SANEAMENTO DO FEITO. RESPONSABILIDADE CIVIL DE ENTE PÚBLICO POR OMISSÃO. CARÁTER SUBJETIVO. DEFEITO EM "SEMÁFORO DE CRUZAMENTO" QUE ACARRETOU EM ACIDENTE COM VÍTIMA FATAL. PROVA TESTEMUNHAL COERENTE QUE SE MOSTROU DECISIVA PARA O DESLINDE DO FEITO. FALHA INJUSTIFICADA NA FISCALIZAÇÃO, CONSERVAÇÃO E MANUTENÇÃO DE VIA PÚBLICA POR PARTE DA MUNICIPALIDADE QUE RESTOU, SUFICIENTEMENTE, COMPROVADA NO CASO CONCRETO. CULPA (NEGLIGÊNCIA) DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DEMONSTRADA. PERDA IRRECUPERÁVEL DA FILHA DO CASAL. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. CARÁTER IN RE IPSA. CONDENAÇÃO DA MUNICIPALIDADE AO PENSIONAMENTO AOS AUTORES QUE DEVE SER MANTIDA, A DESPEITO DE A VÍTIMA, À ÉPOCA DOS FATOS, SER MENOR DE IDADE. ENUNCIADO DE SÚMULA DE JURISPRUDÊNCIA Nº 215 DO E. TJRJ. ENTEDIMENTO CONSOLIDADO DO E. STJ. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO ARBITRADO PELO JUÍZO A QUO QUE SE IMPÕE. INDENIZAÇÃO QUE DEVE SER FIXADA EM R$ 100.000,00 (CEM MIL REAIS) PARA CADA UM DOS GENITORES DA VÍTIMA. PRECEDENTES DO E. TJRJ. SENTENÇA QUE MERECE REPARO NESSE TOCANTE. IMPROVIMENTO DO RECURSO ADESIVO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELA PARTE AUTORA, E PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DE APELAÇÃO INTERPOSTO PELO MUNICÍPIO DE NITERÓI. 1. Cuida-se, na origem, de ação de responsabilidade civil c/c indenização por dano moral e pedido de pensão. 2. De acordo com a doutrina e jurisprudência majoritárias, inclusive, desta Colenda Câmara, a responsabilidade civil do ente público, nas hipótese de omissão possui caráter subjetivo, dependendo assim para ser configurada - como se deu no caso concreto - da efetiva demonstração de culpa, isto é, da comprovação de falha do Poder Público no dever de agir, consubstanciada na inexistência de medidas eficazes para impedir a ocorrência de determinado evento danoso. 3. Em não sendo promovida, injustificadamente, a devida fiscalização, conservação e manutenção de via pública, como se deu no caso em tela em relação ao "semáforo de cruzamento", resta caracterizada a culpa (negligência) da Administração Pública Municipal pela ocorrência de acidente com vítima fatal no local. 4. A conduta omissiva da Municipalidade, no caso em exame, maculou direitos da personalidade dos autores, configurando danos morais, bastando-se para tanto mencionar a perda irreparável que adveio àqueles, qual seja, o falecimento da filha do casal com então 2 (dois) anos de idade. Tal dano, por sua vez, pode ser conceituado como in re ipsa, uma vez que se revela inconteste o enorme abalo, angústia e sofrimento vivenciados por aqueles que se veem privados do convívio diário com um ente querido próximo como é o caso de um filho morto de forma tão trágica e precoce. 5. O julgador deve proceder com moderação e prudência no processo de arbitramento do quantum indenizatório a título de danos morais, atendo-se aos Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade em sentido estrito, sob pena de contribuir para o enriquecimento sem causa de uma das partes, o que é defeso, nos termos do art. 884 do Código Civil, razão pela qual deve ser reduzida, no caso em exame, a indenização por danos extrapatrimoniais arbitrada pelo juiz de piso. 6. O entendimento consolidado do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na Súmula nº 215 e do próprio E. Superior Tribunal de Justiça é no sentido de ser devida a condenação do réu ao pensionamento aos pais da vítima fatal em acidente de trânsito, a despeito de ser esta, à época dos fatos, menor de idade, bem como que a pensão a que tem direito os pais deve ser fixada em 2/3 do salário percebido pela vítima (ou o salário mínimo caso não exerça trabalho remunerado) até 25 (vinte e cinco) anos e, a partir daí, reduzida para 1/3 do salário até a idade em que a vítima completaria 65 (sessenta e cinco) anos. 7. Sentença que merece reparo, mantidos os seus demais termos, tão somente, no que concerne à indenização, a título de danos morais, fixada pelo juiz de piso em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para cada genitor, reduzindo-se tal quantia para R$ 100.000,00 (cem mil reais) para cada um dos autores. 8. Recurso adesivo de apelação interposto pela parte autora improvido, e recurso de apelação do Município de Niterói parcialmente provido.


0041206-71.2009.8.19.0002 - APELAÇÃO
DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). PLÍNIO PINTO COELHO FILHO - Julg: 02/06/2021 - Data de Publicação: 07/06/2021

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

PANDEMIA DE COVID-19 ENSINO INFANTIL PRÉ-ESCOLAR CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS SUSPENSÃO DAS AULAS PRESENCIAIS DISPONIBILIZAÇÃO DE AULAS POR MEIO DE PLATAFORMAS VIRTUAIS DESCONTO NO VALOR DAS MENSALIDADES

 


APELAÇÃO CÍVEL. Relação de consumo. Contrato de prestação de serviços educacionais. Educação pré-escolar - jardim de infância. Revisão de cláusula contratual. Pandemia de SARS - Covid-19 reconhecida pela OMS em 11/03/2020. Lei Federal 13.979. Decreto Municipal 4.7355/2020 que decretou estado de calamidade pública, sucedido por decretos que determinaram a suspensão de aulas presenciais nas escolas da rede pública e de rede privada, passando estas a ser ministradas com utilização de plataformas virtuais. Crise sanitária de natureza grave. Fato imprevisível que teve como consequência a alteração compulsória de cláusulas do contrato firmado entre as partes, diante da impossibilidade de prestação de serviços de forma presencial. Alteração substancial no modo da prestação dos serviços fato que, considerando à idade dos autores, se mostra relevante, diante da exigência de monitoramento de um adulto para que os autores pudessem acessar e até acompanhar às aulas, havendo, em consequência, efetiva redução de custos operacionais da ré e aumento daqueles suportados pelos autores. Desequilíbrio econômico e financeiro do contrato. Princípios da boa fé objetiva e da função social do contrato. Artigo 6º, V do Código Defesa do consumidor. Dever de solidariedade. Artigo 3, inciso I da Constituição Federal. Desconto em 20% na mensalidade que se mostra adequado e proporcional as circunstâncias dos autos. Comprovado que a escola ré disponibilizou aos autores acesso às aulas contratadas através de plataforma virtual, não há como se reconhecer o inadimplemento do contrato por parte da ré, Configurada a rescisão unilateral e antecipada do contrato a ensejar o pagamento de multa prevista na cláusula 14 do contrato firmado entre partes, com pagamento das mensalidades vencidas até a data da consolidação da rescisão, a ser fixada no prazo de 30 dias após a manifestação unilateral da parte neste sentido, como previsto no contrato. RECURSO DO RÉU AO QUAL SE DÁ PARCIAL PROVIMENTO. RECURSO AUTORAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.


0097772-57.2020.8.19.0001 - APELAÇÃO
DÉCIMA OITAVA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MARGARET DE OLIVAES VALLE DOS SANTOS - Julg: 28/07/2021 - Data de Publicação: 29/07/2021

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

(i) É inconstitucional a interpretação que exclui o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos; (ii) É inconstitucional a submissão genérica de candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas, sem a demonstração da sua necessidade para o exercício da função pública

 


Critérios de aprovação nas provas físicas para pessoas com deficiência e direito à adaptação razoável - ADI 6476/DF 

 

Tese fixada:

“(i) É inconstitucional a interpretação que exclui o direito de candidatos com deficiência à adaptação razoável em provas físicas de concursos públicos; (ii) É inconstitucional a submissão genérica de candidatos com e sem deficiência aos mesmos critérios em provas físicas, sem a demonstração da sua necessidade para o exercício da função pública.”

 

Resumo:

A exclusão da previsão de adaptação das provas físicas para candidatos com deficiência viola o bloco de constitucionalidade composto pela Constituição Federal (CF) e pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – CDPD (Decreto Legislativo 186/2008), incorporada à ordem jurídica brasileira com o “status” de Emenda Constitucional (EC), na forma do art. 5º, § 3º, da CF (1) (2).

Com base nesse entendimento, o Plenário, por unanimidade, julgou procedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade, para fixar interpretação conforme a Constituição, no sentido de que: (i) o art. 3º, VI, do Decreto 9.508/2018 (3) estabelece uma faculdade em favor do candidato com deficiência, que pode fazer uso de suas próprias tecnologias assistivas e de adaptações adicionais, se assim preferir; e (ii) o art. 4º, § 4º, do Decreto 9.508/2018 (4) — que estabelece que os critérios de aprovação nas provas físicas poderão ser os mesmos para candidatos com e sem deficiência — somente é aplicável às hipóteses em que essa exigência for indispensável ao exercício das funções próprias de um cargo público específico.

 

(1) CF: “Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

(2) Precedentes: RE 676.335 e ADI 5.760.

(3) Decreto 9.508/2018: “Art. 3º Para os fins do disposto neste Decreto, os editais dos concursos públicos e dos processos seletivos de que trata a Lei nº 8.745, de 1993, indicarão: (...) IV - a exigência de apresentação pelo candidato com deficiência, no ato da inscrição, de comprovação da condição de deficiência nos termos do disposto no § 1º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015, sem prejuízo da adoção de critérios adicionais previstos em edital;”

(4) Decreto 9.508/2018: “Art. 4º Fica assegurada a adequação de critérios para a realização e a avaliação das provas de que trata o inciso III do art. 3º à deficiência do candidato, a ser efetivada por meio do acesso a tecnologias assistivas e a adaptações razoáveis, observado o disposto no Anexo. (...) § 4º Os critérios de aprovação nas provas físicas para os candidatos com deficiência, inclusive durante o curso de formação, se houver, e no estágio probatório ou no período de experiência, poderão ser os mesmos critérios aplicados aos demais candidatos, conforme previsto no edital.”

ADI 6476/DF, relator Min. Roberto Barroso, julgamento virtual finalizado em 3.9.2021 (sexta-feira), às 23:59

terça-feira, 14 de setembro de 2021

MP 1.068/2021 - Altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, e a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, para dispor sobre o uso de redes sociais

 



Presidência da República
Secretaria-Geral
Subchefia para Assuntos Jurídicos

MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.068, DE 6 DE SETEMBRO DE 2021

Exposição de Motivos

Altera a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, e a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, para dispor sobre o uso de redes sociais.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

 Art. 1º  A Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 1º  ....................................................................................................

Parágrafo único.  O disposto nesta Lei aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou, no mínimo, uma pessoa jurídica integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento situado no País.” (NR)

“Art. 5º  ....................................................................................................

..................................................................................................................

VII - aplicações de internet - o conjunto de funcionalidades que podem ser acessadas por meio de um terminal conectado à internet;

VIII - registros de acesso a aplicações de internet - o conjunto de informações referentes à data e à hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um determinado endereço IP;

IX - rede social - aplicação de internet cuja principal finalidade seja o compartilhamento e a disseminação, pelos usuários, de opiniões e informações, veiculados por textos ou arquivos de imagens, sonoros ou audiovisuais, em uma única plataforma, por meio de contas conectadas ou acessíveis de forma articulada, permitida a conexão entre usuários, e que seja provida por pessoa jurídica que exerça atividade com fins econômicos e de forma organizada, mediante a oferta de serviços ao público brasileiro com, no mínimo, dez milhões de usuários registrados no País; e

X - moderação em redes sociais - ações dos provedores de redes sociais de exclusão, suspensão ou bloqueio da divulgação de conteúdo gerado por usuário e ações de cancelamento ou suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades de conta ou perfil de usuário de redes sociais.

Parágrafo único.  Não se incluem na definição de que trata o inciso IX do caput as aplicações de internet que se destinam à troca de mensagens instantâneas e às chamadas de voz, assim como aquelas que tenham como principal finalidade a viabilização do comércio de bens ou serviços.” (NR)

Seção I

Disposições gerais

Art. 7º  .............................................................................................

...............................................................................................” (NR)

“Seção II

Dos direitos e das garantias dos usuários de redes sociais

Art. 8º-A  Aos usuários, nas relações com os provedores de redes sociais, são assegurados os seguintes direitos, sem prejuízo do disposto na Seção I deste Capítulo:

I - acesso a informações claras, públicas e objetivas sobre quaisquer políticas, procedimentos, medidas e instrumentos utilizados para fins de eventual moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo gerado pelo usuário, incluídos os critérios e os procedimentos utilizados para a decisão humana ou automatizada, ressalvados os segredos comercial e industrial;

II - contraditório, ampla defesa e recurso, a serem obrigatoriamente observados nas hipóteses de moderação de conteúdo, devendo o provedor de redes sociais oferecer, no mínimo, um canal eletrônico de comunicação dedicado ao exercício desses direitos;

III - restituição do conteúdo disponibilizado pelo usuário, em particular de dados pessoais, textos, imagens, dentre outros, quando houver requerimento;

IV - restabelecimento da conta, do perfil ou do conteúdo no mesmo estado em que se encontrava, na hipótese de moderação indevida pelo provedor de redes sociais;

V - não exclusão, cancelamento ou suspensão, total ou parcial, de serviços e funcionalidades da conta ou do perfil, exceto por justa causa, observado o disposto no art. 8º-B;

VI - não exclusão, suspensão ou bloqueio da divulgação de conteúdo gerado pelo usuário, exceto por justa causa, observado o disposto no art. 8º-C; e

VII - acesso a resumo dos termos de uso da rede social, com destaque às regras de maior significância para o usuário.

Parágrafo único.  É vedada aos provedores de redes sociais a adoção de critérios de moderação ou limitação do alcance da divulgação de conteúdo que impliquem censura de ordem política, ideológica, científica, artística ou religiosa, observado o disposto nos art. 8º-B e art. 8º-C.” (NR)

“Art. 8º-B  Em observância à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, a exclusão, o cancelamento ou a suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil de usuário de redes sociais somente poderá ser realizado com justa causa e motivação.

§ 1º  Considera-se caracterizada a justa causa nas seguintes hipóteses:

I - inadimplemento do usuário;

II - contas criadas com o propósito de assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público, ressalvados o direito ao uso de nome social e à pseudonímia e o explícito ânimo humorístico ou paródico;

III - contas preponderantemente geridas por qualquer programa de computador ou tecnologia para simular ou substituir atividades humanas na distribuição de conteúdo em provedores;

IV - prática reiterada das condutas previstas no art. 8º-C;

V - contas que ofertem produtos ou serviços que violem patente, marca registrada, direito autoral ou outros direitos de propriedade intelectual; ou

VI - cumprimento de determinação judicial.

§ 2º  O usuário deverá ser notificado da exclusão, do cancelamento ou da suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil.

§ 3º  A notificação de que trata o § 2º:

I - poderá ocorrer por meio eletrônico, de acordo com as regras de uso da rede social;

II - ocorrerá de forma prévia ou concomitante à exclusão, ao cancelamento ou à suspensão, total ou parcial, dos serviços e das funcionalidades da conta ou do perfil; e

III - conterá a identificação da medida adotada, a motivação da decisão e as informações sobre prazos, canais eletrônicos de comunicação e procedimentos para a contestação e a eventual revisão pelo provedor de redes sociais.

§ 4º  As medidas de que trata o caput também poderão ser adotadas a requerimento do próprio usuário, de seu representante legal ou de seus herdeiros, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas na legislação.” (NR)

“Art. 8º-C  Em observância à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, a exclusão, a suspensão ou o bloqueio da divulgação de conteúdo gerado por usuário somente poderá ser realizado com justa causa e motivação.

§ 1º  Considera-se caracterizada a justa causa nas seguintes hipóteses:

I - quando o conteúdo publicado pelo usuário estiver em desacordo com o disposto na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990;

II - quando a divulgação ou a reprodução configurar:

a) nudez ou representações explícitas ou implícitas de atos sexuais;

b) prática, apoio, promoção ou incitação de crimes contra a vida, pedofilia, terrorismo, tráfico ou quaisquer outras infrações penais sujeitas à ação penal pública incondicionada;

c) apoio, recrutamento, promoção ou ajuda a organizações criminosas ou terroristas ou a seus atos;

d) prática, apoio, promoção ou incitação de atos de ameaça ou violência, inclusive por razões de discriminação ou preconceito de raça, cor, sexo, etnia, religião ou orientação sexual;

e) promoção, ensino, incentivo ou apologia à fabricação ou ao consumo, explícito ou implícito, de drogas ilícitas;

f) prática, apoio, promoção ou incitação de atos de violência contra animais;

g) utilização ou ensino do uso de computadores ou tecnologia da informação com o objetivo de roubar credenciais, invadir sistemas, comprometer dados pessoais ou causar danos a terceiros;

h) prática, apoio, promoção ou incitação de atos contra a segurança pública, defesa nacional ou segurança do Estado;

i) utilização ou ensino do uso de aplicações de internet, sítios eletrônicos ou tecnologia da informação com o objetivo de violar patente, marca registrada, direito autoral ou outros direitos de propriedade intelectual;

j) infração às normas editadas pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária referentes a conteúdo ou material publicitário ou propagandístico;

k) disseminação de vírus de software ou qualquer outro código de computador, arquivo ou programa projetado para interromper, destruir ou limitar a funcionalidade de qualquer recurso de computador; ou

l) comercialização de produtos impróprios ao consumo, nos termos do disposto no § 6º do art. 18 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990;

III - requerimento do ofendido, de seu representante legal ou de seus herdeiros, na hipótese de violação à intimidade, à privacidade, à imagem, à honra, à proteção de seus dados pessoais ou à propriedade intelectual; ou

IV - cumprimento de determinação judicial.

§ 2º  O usuário deverá ser notificado da exclusão, da suspensão ou do bloqueio da divulgação de conteúdo por ele gerado.

§ 3º  A notificação de que trata o § 2º:

I - poderá ocorrer por meio eletrônico, de acordo com as regras de uso da rede social;

II - ocorrerá de forma prévia ou concomitante à exclusão, à suspensão ou ao bloqueio da divulgação de conteúdo; e

III - conterá a identificação da medida adotada, a motivação da decisão e as informações sobre prazos, canais eletrônicos de comunicação e procedimentos para a contestação e a eventual revisão pelo provedor de redes sociais.

§ 4º  As medidas de que trata o caput também poderão ser adotadas a requerimento do próprio usuário, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas na legislação.” (NR)

“Art. 8º-D  Para aplicação do disposto nos art. 8º-B e art. 8º-C, será considerada motivada a decisão que:

I - indicar a parte específica do contrato de prestação de serviços ou do termo de uso relativo aos serviços fornecidos pelo provedor de aplicações de internet que foi violada;

II - especificar a postagem ou a conduta considerada afrontosa ao contrato de prestação de serviços ou ao termo de uso; e

III - informar o fundamento jurídico da decisão.” (NR)

 “CAPÍTULO IV-A

DAS SANÇÕES

Art. 28-A.  Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos art. 8º-A, art. 8º-B, art. 8º-C, art. 10 e art. 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções:

I - advertência, com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas;

II - multa de até dez por cento do faturamento do grupo econômico no País em seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;

III - multa diária, observado o limite total a que se refere o inciso II;

IV - suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11; ou

V - proibição de exercício das atividades que envolvam os atos previstos no art. 11.

§ 1º  Na hipótese de empresa estrangeira, responde solidariamente pelo pagamento da multa de que trata o caput a filial, a sucursal, o escritório ou o estabelecimento situado no País.

§ 2º  As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de suas competências, isolada ou cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.

§ 3º  As sanções previstas neste artigo serão aplicadas de forma proporcional, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, e dependerão de procedimento administrativo, assegurados a ampla defesa e o contraditório.” (NR)

Art. 2º  A Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 109-B.  O titular de conteúdo protegido por direitos autorais tornado indisponível em redes sociais sem que esteja caracterizada a justa causa prevista nos art. 8º-B e art. 8º-C da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, poderá requerer ao órgão responsável, a ser definido em regulamento, a aplicação de penalidade prevista no art. 28-A da referida Lei, e o restabelecimento do conteúdo, sem prejuízo da indenização cabível.” (NR)

Art. 3º  Os provedores de redes sociais terão o prazo de trinta dias, contado da data de publicação desta Medida Provisória, para a adequação de suas políticas e de seus termos de uso ao disposto nesta Medida Provisória.

Art. 4º  Ficam revogados os seguintes dispositivos da Lei nº 12.965, de 2014:

I - o § 2º do art. 11; e

II - o art. 12.

Art. 5º  Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 6 de setembro de 2021; 200º da Independência e 133º da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO

Anderson Gustavo Torres

Gilson Machado Guimarães Neto

Sergio Freitas de Almeida

Este texto não substitui o publicado no DOU de 6.9.2021 - Edição extra