sexta-feira, 3 de maio de 2024

"O reconhecimento de obrigação de natureza contratual de pagar verba de natureza alimentar a ministro de confissão religiosa inativo não caracteriza interferência indevida do poder público na organização e funcionamento das organizações religiosas"

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 2.129.680-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024, DJe 10/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Côngrua/prebenda vitalícia por jubilamento de pastor evangélico. Natureza contratual da verba. Possibilidade de controle judicial em caso de inadimplemento. Ausência de interferência indevida do poder público no funcionamento de organização religiosa.

DESTAQUE

O reconhecimento de obrigação de natureza contratual de pagar verba de natureza alimentar a ministro de confissão religiosa inativo não caracteriza interferência indevida do poder público na organização e funcionamento das organizações religiosas.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A côngrua (católica) ou prebenda (evangélica) é uma verba de caráter alimentar que uma organização religiosa (cristã) paga a seus ministros de confissão religiosa (padre ou pastor) com finalidade de prover seu sustento.

A obrigatoriedade do pagamento da côngrua que justifica o controle judicial pode ser compreendida pela evolução histórica de seu caráter tributário/fiscal para moral/natural e, em determinadas situações, contratual/civil.

O caráter contratual da côngrua passa a existir quando a entidade prevê seu pagamento (i) de forma obrigatória, (ii) fundamentado em regulamento interno e (iii) registrado em ato formal.

A regra do art. 44, § 2°, do CC confere às organizações religiosas liberdade de funcionamento, que não é absoluta, pois está sujeita a reexame pelo judiciário da compatibilidade de seus atos com seus regulamentos internos e com a lei.

Quando a côngrua assume caráter contratual, seu eventual inadimplemento pode ser apreciado pelo Poder judiciário sem que implique em interferência indevida do poder público no funcionamento da organização religiosa.

Caso em que a organização religiosa havia reconhecido a obrigatoriedade do pagamento vitalício de "côngrua de jubilação" em decorrência da entrada em inatividade de seu pastor, com previsão estatutária e registro formal do ato deliberativo interno, e implementação do pagamento por quase vinte anos, deixando de pagar diferenças devidas nos últimos anos de vida do jubilado.

O Tribunal de origem considerou que o inadimplemento não era razoável pelo comportamento contraditório da devedora em reconhecer a obrigação, pagar por longo tempo, e negar o dever de pagamento por entender que o adimplemento era mera liberalidade, razão pela qual entendeu violados os princípios da boa-fé e da proteção da confiança nas relações contratuais.

Em outras palavras, o Tribunal de origem considerou que a côngrua teve seu pagamento (i) previsto de forma obrigatória (ii) em regulamento interno e (iii) registrado em ato formal. Estão preenchidos, portanto, os elementos que permitem o controle judicial do inadimplemento de uma obrigação de caráter contratual.

Portanto, o reconhecimento pelo poder judiciário de obrigação (de natureza contratual), assumida por pessoa jurídica de direito privado (igreja evangélica) de pagar verba de natureza alimentar (côngrua) a preposto (pastor) após ato de inativação (jubilamento) previsto em normativo interno (estatuto) e formalizada em ato interno (ata) - com base em regramentos internos e com princípios de direito contratual - não caracteriza interferência indevida do poder público na organização e funcionamento das organizações religiosas, afigurando-se ausente a violação ao art. 44, § 2º, do CC.

quinta-feira, 2 de maio de 2024

"“(i) O Estado é responsável, na esfera cível, por morte ou ferimento decorrente de operações de segurança pública, nos termos da Teoria do Risco Administrativo; (ii) É ônus probatório do ente federativo demonstrar eventuais excludentes de responsabilidade civil; (iii) A perícia inconclusiva sobre a origem de disparo fatal durante operações policiais e militares não é suficiente, por si só, para afastar a responsabilidade civil do Estado, por constituir elemento indiciário.”"

 


DIREITO ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO; TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO; OPERAÇÕES DE SEGURANÇA PÚBLICAMORTE OU FERIMENTO; INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL; ÔNUS DA PROVA

 

Responsabilidade estatal por morte de vítima de disparo de arma de fogo durante operações policiais ou militares em comunidades - ARE 1.385.315/RJ (Tema 1.237 RG) 

 

ODS: 16

 

Tese fixada:

“(i) O Estado é responsável, na esfera cível, por morte ou ferimento decorrente de operações de segurança pública, nos termos da Teoria do Risco Administrativo; (ii) É ônus probatório do ente federativo demonstrar eventuais excludentes de responsabilidade civil; (iii) A perícia inconclusiva sobre a origem de disparo fatal durante operações policiais e militares não é suficiente, por si só, para afastar a responsabilidade civil do Estado, por constituir elemento indiciário.”

 

Resumo:

Em operações de segurança pública, à luz da teoria do risco administrativo, será objetiva a responsabilidade civil do Estado quando não for possível afastá-la pelo conjunto probatório, recaindo sobre ele o ônus de comprovar possíveis causas de exclusão.

Nesse contexto, o Estado apenas será responsabilizado se o dano for consequência de ação ou omissão do Poder Público, visto que o texto constitucional não adota a teoria do risco integral (1). Essa relação de causalidade é imprescindível, de modo que, para que a responsabilização seja afastada, o Poder Público deve demonstrar, nos casos concretos, que os seus agentes não deram causa à morte ou ao ferimento.

Conforme jurisprudência desta Corte, a exclusão da responsabilidade estatal depende da comprovação de alguma causa interruptiva do nexo de causalidade: força maior, caso fortuito, fato exclusivo da vítima ou de terceiro (2).

Na espécie, a vítima foi atingida durante uma operação da Força de Pacificação do Exército. Ao realizarem operação em zona habitada e, a partir dela, desencadearem intensa troca de tiros com os confrontados, os militares descumpriram o dever de diligência, circunstância que evidencia a presença do nexo de causalidade, sendo irrelevante, na hipótese, o fato de a perícia ter sido inconclusiva em relação à origem do disparo do projétil que atingiu a vítima. Por outro lado, como a polícia militar do Estado do Rio de Janeiro não participou da intervenção, a condenação, no caso concreto, é cabível somente à União.

Com base nesses entendimentos, o Plenário, por maioria, ao apreciar o Tema 1.237 da repercussão geraldeu parcial provimento ao recurso extraordinário, para condenar somente a União à indenização postulada, e fixou a tese anteriormente citada.

 

(1) CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

(2) Precedentes citados: ARE 1.382.159 AgRRE 841.526 (Tema 592 RG) e ADPF 635 MC-ED.

 

ARE 1.385.315/RJ, relator Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado em 11.04.2024 (quinta-feira)

quarta-feira, 1 de maio de 2024

“É constitucional a utilização de vestimentas ou acessórios relacionados a crença ou religião nas fotos de documentos oficiais, desde que não impeçam a adequada identificação individual, com rosto visível.”

 


DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; LIBERDADE DE CRENÇA E RELIGIÃO; SEGURANÇA PÚBLICA; PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE

DIREITO CIVIL – DIREITOS DE PERSONALIDADE; IDENTIFICAÇÃO CIVIL; DOCUMENTOS OFICIAIS

 

Uso de trajes religiosos em fotos de documentos oficiais RE 859.376/PR (Tema 953 RG)


 

ODS16

 

Tese fixada:

            “É constitucional a utilização de vestimentas ou acessórios relacionados a crença ou religião nas fotos de documentos oficiais, desde que não impeçam a adequada identificação individual, com rosto visível.”

 

Resumo:

            Desde que viável a adequada identificação individual, é assegurada, nas fotografias de documentos oficiais, a utilização de vestimentas ou acessórios que representem manifestação da fé, à luz do direito à liberdade de crença e religião (CF/1988, art. 5º, VI) e com amparo no princípio da proporcionalidade, de modo a excepcionar uma obrigação a todos imposta mediante adaptações razoáveis.

            A restrição ao uso dessas vestimentas ou acessórios sacrifica excessivamente a liberdade religiosa, com elevado custo para esse direito individual e com benefício de relevância pouco significativa em matéria de segurança pública, de modo que não há razoabilidade na medida, por ausência de proporcionalidade em sentido estrito.

Nesse contexto, é necessário alcançar uma ponderação de valores entre o interesse estatal de garantir a segurança para a coletividade e o direito individual de exercer a sua liberdade religiosa. Portanto, se o acessório religioso não cobrir o rosto nem impedir a plena identificação da pessoa, inexiste razão para vedar o seu uso em fotografias de documentos oficiais, pois possível a adequada visualização das características pessoais.

            Na espécie, o acórdão impugnado confirmou decisão do juízo de primeiro grau que reconheceu o direito de uma freira em utilizar o seu hábito religioso na fotografia para a renovação de sua carteira nacional de habilitação, afastando norma administrativa do Departamento de Trânsito local que proibia, para esse fim, o uso de qualquer tipo de adereço que cobrisse parte do rosto ou da cabeça.

            Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 953 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e fixou a tese anteriormente citada.

 

RE 859.376/PR, relator Ministro Luís Roberto Barroso, julgamento finalizado em 17.04.2024 (quarta-feira)



terça-feira, 30 de abril de 2024

"Em contrato estimatório, se as mercadorias forem vendidas a terceiros após o processamento da recuperação judicial, os créditos das consignantes possuem natureza concursal, submentendo-se aos efeitos do plano de recuperação judicial"

 


Processo

REsp 1.934.930-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 2/4/2024, Dje 10/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO FALIMENTAR

Tema

Recuperação judicial. Contrato estimatório. Momento de constituição do crédito. Fato gerador. Vínculo jurídico que se estabelece com a entrega da coisa móvel ao consignatário. Contrato firmado antes do deferimento do pedido de recuperação judicial. Venda das mercadorias em data posterior. Natureza concursal do crédito. Art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005.

DESTAQUE

Em contrato estimatório, se as mercadorias forem vendidas a terceiros após o processamento da recuperação judicial, os créditos das consignantes possuem natureza concursal, submentendo-se aos efeitos do plano de recuperação judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir qual é o momento de constituição do crédito oriundo de contrato estimatório, a fim de analisar a sua sujeição ou não ao plano de recuperação judicial.

Nos termos do art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

A noção de crédito envolve basicamente a troca de uma prestação atual por uma prestação futura. A partir de um vínculo jurídico existente entre as partes, um dos sujeitos cumpre com a sua prestação (a atual), com o que passa a assumir a condição de credor, conferindo à outra parte (o devedor) um prazo para a efetivação da contraprestação. Nesses termos, o crédito se encontra constituído, independente do transcurso de prazo que o devedor tem para cumprir com a sua contraprestação, ou seja, ainda que inexigível.

A Segunda Seção desta Corte Superior, por ocasião do julgamento do REsp 1.843.332-RS, sob o rito dos repetitivos, fixou a seguinte tese (Tema 1051): "Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador".

Nos termos do que dispõem os arts. 534 e 535 do Código Civil, pelo contrato estimatório, também chamado de "venda em consignação", o consignante entrega bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a vendê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir, no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada. Nessa modalidade contratual, o consignatário não se exonera da obrigação de pagar o preço, se a restituição da coisa, em sua integridade, se tornar impossível, ainda que por fato a ele não imputável.

Conforme assentado pela doutrina, o contrato estimatório apenas se aperfeiçoa com a efetiva entrega do bem móvel com o preço estimado ao consignatário, tratando-se, portanto, de contrato real. O consignante, ao entregar o bem móvel, cumpre com a sua prestação, com o que passa a assumir a condição de credor, ocasião em que é conferido à outra parte (consignatário/devedor) um prazo para cumprir com a sua contraprestação, qual seja, a de pagar o preço ajustado ou restituir a coisa consignada.

Na hipótese, as recorrentes, integrantes do chamado "Grupo Abril", receberam em consignação diversas revistas das recorridas/interessadas (editoras) antes do ajuizamento do pedido de recuperação judicial, porém a venda a terceiros dessas mercadorias se efetivou em data posterior.

O fato gerador do crédito em discussão ocorreu no momento em que as mercadorias foram entregues às recorrentes (consignatárias), isto é, antes do ajuizamento do pedido de recuperação judicial, quando se perfectibilizou o vínculo jurídico entre as partes, decorrente do contrato estimatório firmado, independente do transcurso do prazo que elas teriam para cumprir com a sua contraprestação (pagar o preço ou restituir a coisa), ou seja, ainda que o crédito fosse inexigível e ilíquido.

Dessa forma, se após o processamento da recuperação judicial, as mercadorias foram vendidas a terceiros, o crédito das consignantes, evidentemente, possui natureza concursal, devendo se submeter aos efeitos do plano de soerguimento das recuperandas, nos termos do que determina o art. 49, caput, da Lei n. 11.101/2005.

segunda-feira, 29 de abril de 2024

"Não incide o Código de Defesa do Consumidor no caso de concessionária de serviços públicos pertencente a grande grupo econômico, que pressupõe elevado nível de organização e planejamento para participação de processos licitatórios e sujeição a agências de regulação setorial"

 


Processo

REsp 1.802.569-MT, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 12/3/2024, DJe 11/4/2024.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Concessionária de energia elétrica controlada. Aplicações financeiras resgatadas para liquidação de débitos da holding. Cédulas de crédito bancário representativas de mútuos. Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Teoria finalista mitigada. Não comprovação da vulnerabilidade técnica, econômica ou jurídica.

DESTAQUE

Não incide o Código de Defesa do Consumidor no caso de concessionária de serviços públicos pertencente a grande grupo econômico, que pressupõe elevado nível de organização e planejamento para participação de processos licitatórios e sujeição a agências de regulação setorial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

No caso, a concessionária de energia elétrica, que era controlada por uma sociedade anônima, pleiteou a condenação da instituição financeira a abster-se de fazer novas movimentações na conta corrente ou conta de investimento, bem como à devolução dos valores retidos e utilizados para amortização das dívidas da controladora. A concessionária defende que sua relação com a instituição financeira é disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor.

Quanto ao ponto, em julgados mais recentes, a partir de uma interpretação teleológica do CDC, esta Corte tem admitido temperamentos à teoria finalista, de forma a reconhecer sua aplicabilidade a situações em que, malgrado o produto ou serviço seja adquirido no fluxo da atividade empresarial, seja comprovada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica do contratante perante o fornecedor.

Com a adoção, por conseguinte, da teoria finalista mitigada, a jurisprudência autoriza a expansão da concepção de relação de consumo, de forma a abranger em seu espectro relações que, à vista da adoção da teoria finalista pura, seriam excluídas do âmbito de regulação do CDC.

No caso, as características dos negócios jurídicos realizados entre a concessionária e a instituição financeira não permitem reconhecer qualquer tipo de vulnerabilidade que possibilite a incidência da norma consumerista a uma relação que, em princípio, estaria excluída, por configurar aquisição de serviços destinados à implementação da atividade econômica, isto é, inserida no fluxo da atividade empresarial da sociedade.

Destarte, considerando o vulto das obrigações garantidas, a recorrência das pactuações e das autorizações fornecidas ao banco - como reconhecido pelas instâncias ordinárias para identificar o comportamento contraditório (venire contra factum proprium) -, a característica da concessionária ao pertencer a grande grupo econômico ordenado tendente à prestação de serviços públicos concedidos - que pressupõe elevado nível de organização e planejamento para participação de processos licitatórios e sujeição a agências de regulação setorial -, não se pode reconhecer, por nenhum viés, que exista algum tipo de vulnerabilidade que autorize a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

domingo, 28 de abril de 2024

Indicação de livro: "Ensaios sobre Direito Constitucional, Processo Civil e Direito Civil. Uma homenagem ao Professor José Manoel de Arruda Alvim", coordenada por Gilmar Mendes, Paulo Dias de Moura Ribeiro, Ingo Wolfgang Sarlet e Otávio Luiz Rodrigues Jr.



José Manoel de Arruda Alvim conseguiu, em sua longa existência, conciliar qualidades muitas vezes inconciliáveis. Um visionário no uso das ferramentas da Tecnologia da Informação como instrumento ancilar das atividades jurídicas, sejam elas da advocacia, da magistratura ou da docência, Arruda Alvim era também um colecionador de canetas-tinteiro. Antes de todos de sua geração, ou de pessoas muito mais jovens, ele trabalhava com editores de texto na época das máquinas de escrever ou, mais recentemente, com a escrita por áudio. Nada disso, contudo, impedia-o de cultivar o clássico e o atemporal.

Aqui se exterioriza outra das “contradições coerentes” de Arruda Alvim: o especialista em áreas do saber jurídico tão distintas, como o Direito Privado e o Direito Público. Não que ele fosse adepto da mixagem dos dois grandes setores do Direito. Tratava-se apenas de reunir em sua pessoa um universo de saberes invulgar e extraordinário, que lhe permitia transitar por entre as províncias do Direito Privado e do Direito Público com a tranquilidade dos juristas clássicos.

Agradecer a Arruda Alvim é o objetivo deste liber amicorum. Gratidão por sua existência, por sua amizade, por seus livros, por seus ensinamentos, por seus estímulos, enfim, agradecer por ele haver tocado a vida de cada um(uma) dos(as) autores(as) desta obra coletiva.

Muitos obrigados, Arruda Alvim.”

*Texto retirado da Apresentação da obra, escrita por Gilmar Mendes, Paulo Dias de Moura Ribeiro, Ingo Wolfgang Sarlet e Otavio Luiz Rodrigues Jr. 

https://editora.institutodc.com.br/produto/coletanea-arruda-alvim/

sábado, 27 de abril de 2024

"À luz do Decreto-lei n. 7.661/1945, a anulação de negócio jurídico realizado pela empresa falida após a decretação da quebra prescinde do ajuizamento de ação revocatória, podendo ser pronunciada, de ofício, pelo juízo falimentar"

 


QUARTA TURMA
Processo

REsp 1.958.096-PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024, DJe 14/3/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO FALIMENTAR

Tema

Falência. Venda de imóvel após a decretação da quebra. Nulidade do negócio jurídico declarada de ofício pelo juízo falimentar. Possibilidade. Ação Revocatória. Desnecessidade. Violação ao art. 40, § 1º, do Decreto-lei n. 7.665/1945.

DESTAQUE

À luz do Decreto-lei n. 7.661/1945, a anulação de negócio jurídico realizado pela empresa falida após a decretação da quebra prescinde do ajuizamento de ação revocatória, podendo ser pronunciada, de ofício, pelo juízo falimentar.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia em verificar se o juiz responsável pelo processo de falência pode declarar, nos autos do processo falimentar, a nulidade de negócio jurídico de compra e venda de imóvel realizado pela empresa falida após a decretação da quebra, independentemente da propositura de ação revocatória.

A exigência da propositura de ação revocatória para a anulação de negócio jurídico realizado por empresa falida, após a decretação da quebra, não encontra respaldo no Decreto-lei n. 7.661/1945, sob pena de violação ao seu art. 40, § 1º, que não faz menção à necessidade do ajuizamento da referida demanda nesse tipo de situação.

Independentemente da boa-fé de terceiros, o negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo, nos termos do art. 169 do Código Civil. Ou seja, a boa-fé de terceiro adquirente não tem o condão de afastar a nulidade do negócio jurídico feito em desacordo com a lei.

Assim, se a boa-fé não pode transformar um ato nulo em ato válido, a exigência de propositura de ação específica para que se declare a referida nulidade não é razoável. Ao contrário, não há sentido em se exigir o ajuizamento de ação que será julgada procedente, especialmente se há para o terceiro prejudicado a possibilidade de opor os embargos de terceiro previstos no art. 674 do CPC.

Ademais, cabe ressaltar que não só o art. 40, § 1º, do Decreto-lei n. 7.661/45, mas também o art. 168, parágrafo único, do Código Civil indicam que a nulidade absoluta não só pode como deve ser pronunciada de ofício pelo juiz, independentemente de ação específica.

sexta-feira, 26 de abril de 2024

"Não é possível que se aplique à licitação entre os pretendentes à adjudicação de bem penhorado as regras relativas ao concurso de credores na hipótese de múltiplos credores com créditos de valores distintos"

 


Processo

REsp 2.098.109-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 5/3/2024, DJe 7/3/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Bem imóvel penhorado. Adjudicação. Licitação entre os pretendentes. Art. 876, § 6º, do CPC. Regras relativas ao concurso de credores. Arts. 908 do CPC e 962 do CC. Impossibilidade de aplicação. Necessidade de requerimento do credor ou de terceiro para concorrer à adjudicação.

DESTAQUE

Não é possível que se aplique à licitação entre os pretendentes à adjudicação de bem penhorado as regras relativas ao concurso de credores na hipótese de múltiplos credores com créditos de valores distintos.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O instituto da adjudicação está previsto nos artigos 876 e 877 do CPC, destacando-se como pressupostos para o exercício da faculdade de adjudicar: a) o oferecimento de preço não inferior ao da avaliação; e b) a capacidade para adjudicar.

É possível que haja diversos legitimados na promoção da adjudicação, conforme dispõe o art. 876, §6º, do CPC, hipótese em que se procederá à licitação entre os legitimados pretendentes. Para tanto, é indispensável que haja requerimento do credor ou de terceiro para concorrer à adjudicação.

A licitação entre pretendentes (art. 876 e 877 do CPC) não se confunde com o concurso de preferências (art. 908 e 909 do CC).

O concurso de credores, disciplinado pelos arts. 908 e 909 do CPC, instaura-se na hipótese de disputa sobre o dinheiro arrecadado pela adjudicação do bem a terceiro, ou seja, em relação ao produto da adjudicação, enquanto a licitação entre os pretendentes à adjudicação diz respeito ao bem penhorado.

Não é possível autorizar que o credor que não requereu a adjudicação se aproveite do procedimento adjudicatório com fundamento no concurso de credores e na possibilidade de rateio dos valores, sob pena de antecipação do concurso de credores, o qual se restringe à distribuição do produto da adjudicação.

Na espécie, verifica-se que o recorrente sequer requereu à adjudicação, não havendo razões para anular o feito e aplicar o instituto do concurso de credores sobre o bem propriamente dito. Prevalência do princípio da isonomia entre credores e observância ao procedimento da adjudicação.

quinta-feira, 25 de abril de 2024

"É inválido o instrumento de confissão de dívida cuja origem decorre de valores cedidos em contrato de fomento mercantil (factoring), ainda que o referido instrumento de confissão, assinado pelo devedor e duas testemunhas, tenha força executiva"

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 2.106.765-CE, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 12/3/2024, DJe 15/3/2024.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL

Tema

Contrato de fomento mercantil. Factoring. Instrumento particular de confissão de dívida. Invalidade. Ausência de direito de regresso. Risco da atividade mercantil.

DESTAQUE

É inválido o instrumento de confissão de dívida cuja origem decorre de valores cedidos em contrato de fomento mercantil (factoring), ainda que o referido instrumento de confissão, assinado pelo devedor e duas testemunhas, tenha força executiva.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

factoring (faturização ou fomento mercantil) pode ser definido, em linhas gerais, como a operação mercantil por meio da qual determinada empresa (faturizadora) compra os direitos creditórios de outra (faturizada), mediante pagamento antecipado de valor inferior ao montante adquirido. Nessa operação, há assunção de riscos para a empresa faturizadora, isto é, com a transferência do crédito pela faturizada - geralmente manifestado por meio de títulos de crédito -, há o risco de que o montante transferido não seja pago na data do vencimento.

A solvabilidade dos títulos, destarte, consubstancia álea inerente à atividade mercantil desenvolvida. Na hipótese de posterior inadimplência do título transferido, a doutrina leciona que a faturizadora não poderá cobrar a faturizada, porquanto a transferência do crédito, no factoring, realiza-se em caráter pro soluto, sem corresponsabilidade da faturizada, a qual, por sua vez, apenas responde pela existência do crédito no momento da cessão.

Segundo a doutrina, no caso de factoring, não há responsabilidade do endossante ou do cedente, porquanto haveria uma compra do crédito e dos riscos. Ora, havendo a compra dos riscos do faturizado não se pode exigir dele o pagamento do título.

O Superior Tribunal de Justiça compartilha desse entendimento e reforça, em diversos julgados, que a faturizadora não tem direito de regresso contra a faturizada em razão de inadimplemento dos títulos transferidos, visto que tal risco é da essência do contrato de factoring. Como consequência, nos contratos de faturização, são nulas eventuais cláusulas de recompra dos créditos vencidos e de responsabilização da faturizada pela solvência dos valores transferidos (AgInt no REsp n. 2.051.414/SP, Terceira Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023 e AgInt no AREsp n. 2.368.404/ES, Quarta Turma, julgado em 18/9/2023, DJe de 22/9/2023).

Do mesmo modo, a Terceira Turma decidiu pela invalidade das notas promissórias emitidas com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, bem como pela insubsistência de eventual fiança ou aval aposto na cártula garantidora, in verbis: "[...] A natureza do contrato de factoring, diversamente do que se dá no contrato de cessão de crédito puro, não dá margem para que os contratantes, ainda que sob o signo da autonomia de vontades que regem os contratos em geral, estipulem a responsabilidade da cedente (faturizada) pela solvência do devedor/sacado. [...] afigurando-se nulos a disposição contratual nesse sentido e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring, cujo risco é integral e exclusivo da faturizadora" (REsp n. 1.711.412/MG, Terceira Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 10/5/2021).

Nessa linha de raciocínio, deve ser considerado inválido o instrumento de confissão de dívida cuja origem decorre de valores cedidos em contrato de faturização (factoring). Em que pese o instrumento de confissão assinado pelo devedor e duas testemunhas tenha força executiva (art. 784, III, CPC), a origem desse débito corresponde à dívida não sujeita a direito de regresso. Logo, admitir a validade e autorizar a exigibilidade do referido título subverteria a própria lógica do fomento mercantil.

Desse modo, não há que se falar em livre autonomia da vontade das partes para instrumentalizar título executivo a fim de, sob nova roupagem (contrato de confissão de dívida), burlar o entendimento consolidado por esta Corte de Justiça acerca do tema.

terça-feira, 23 de abril de 2024

"Prestação de serviços - Monitoramento de imóvel - Ação de rescisão contratual e indenização por danos materiais por suposta falha no monitoramento e alarme contratados junto à ré"

 


"CONTRATO - Prestação de serviços - Monitoramento de imóvel - Ação de rescisão contratual e indenização por danos materiais por suposta falha no monitoramento e alarme contratados junto à ré - Sentença de parcial procedência - Apelo da ré - Ônus probatório - Aplicação da legislação consumerista à espécie - Não obstante, necessidade de se colacionar elementos mínimos para comprovar a falha de serviços imputada à requerida - Acervo fático-probatório que comprova a invasão do estabelecimento da autora em área abrangida por fotodetectores contratados da ré - Mídia juntada pela requerente que demonstra que o invasor transitou por diversas áreas da loja, permanecendo no estabelecimento por grande período de tempo sem que houvesse o acionamento dos alarmes ou a emissão de sinalização para permitir o início do plano de ação em caso de invasão - Ré que não se desincumbiu do ônus processual em demonstrar o funcionamento adequado dos aparelhos - Falha na prestação dos serviços configurada - Responsabilidade da ré pela rescisão contratual - Restituição das parcelas devida, condicionada à devolução dos equipamentos de segurança, conforme determinado pela sentença - Danos materiais emergentes - Nexo de causalidade direto entre a falha na prestação dos serviços e os danos descritos pela autora - Relação de valores apresentada que se mostra condizente com os prejuízos atestados, ao passo em que a ré não trouxe elementos concretos hábeis a derrogar o valor da indenização material - Danos materiais emergentes mantidos - Sentença mantida - Recurso improvido". (Apelação Cível n. 1006083-56.2022.8.26.0224 - Guarulhos - 32ª Câmara de Direito Privado - Relator: Mary Grün - 14/09/2023 - 31542 - Unânime)

segunda-feira, 22 de abril de 2024

"Responsabilidade civil - Óbito da companheira e genitora dos autores, que realizava frequentemente faxina na residência do réu, a título gratuito - Contato com cerca elétrica de alta tensão instalada no galinheiro"

 


"DANO MORAL - Responsabilidade civil - Óbito da companheira e genitora dos autores, que realizava frequentemente faxina na residência do réu, a título gratuito - Contato com cerca elétrica de alta tensão instalada no galinheiro - Parcial procedência, com condenação do demandado a indenizar os autores em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), montante a ser dividido entre os três - Irresignação do réu - Alegada excludente de responsabilidade por culpa exclusiva da vítima - Não configuração - Dispositivo instalado sem a devida advertência sobre seus riscos, em lugar acessível e com excesso de carga - Requerido que, na própria defesa, confessou ter esquecido de desligar o ofendículo ao sair para trabalhar - Comprovação da conduta negligente, do dano e do nexo causal (artigo 186 e 927 do Código Civil) aptos a ensejarem a responsabilidade civil - Quantum indenizatório que atende aos ditames da razoabilidade e proporcionalidade, não ensejando o locupletamento ilícito dos requerentes - Perda de ente querido que se encontra entre os bens jurídicos de maior envergadura, não comportando indenização aviltante - Sentença mantida - Recurso improvido". (Apelação Cível n. 1000457-40.2016.8.26.0459 - Pitangueiras - 6ª Câmara de Direito Privado - Relator: Rodolfo Pellizari - 04/09/2023 - 13478 - Unânime)

domingo, 21 de abril de 2024

Indicação de livro: "M&A: regime societário e contratual", de Nelson Eizirik (ed. Quartier Latin)


 "A presente obra apresenta uma análise teórica e prática do regime societário e contratual das operações de M&A. Em sua primeira parte trata das operações de reestruturação societária, disciplinadas na Lei das S.A., no Código Civil, e na regulamentação da C.V.M., quando envolvidas companhias abertas. Assim, expõe, com alguns exemplos hauridos da experiência prática do autor como advogado, parecerista e árbitro, o tratamento jurídico das fusões, cisões, incorporação de sociedade e incorporação de ações, bem como da oferta pública de aquisição de ações, seja a obrigatória, seja a voluntária. Na segunda parte são analisadas as operações de aquisição de participações societárias e de ativos das empresas, com foco no estudo das principais cláusulas utilizadas nos contratos, descrevendo como, quando procedentes do exterior, podem ser adaptadas ao nosso sistema de direito obrigacional. Na terceira parte são apresentados comentários – de natureza mais pessoal – sobre como devem ser interpretadas as operações de reestruturação societária e os contratos de aquisição de ações ou quotas"

https://www.amazon.com.br/Regime-Societ%C3%A1rio-Contratual-Nelson-Eizirik/dp/6555752629


sábado, 20 de abril de 2024

"Danos morais, materiais e estéticos - ... - Queimadura causada por depilação a laser na região das pernas - ... - Autora, ademais, que se dirigiu a parque aquático no dia seguinte ao procedimento, conduta contraindicada em razão da possível exposição ao sol"

 


"RESPONSABILIDADE CIVIL - Danos morais, materiais e estéticos - Prestação de serviços - Queimadura causada por depilação a laser na região das pernas - Recurso interposto pela autora em face de sentença de improcedência - Não acolhimento - Perita que foi categórica ao afirmar que o procedimento foi realizado conforme as práticas usuais e que a autora apresentou complicação inerente ao procedimento, sem sequelas - Autora, ademais, que se dirigiu a parque aquático no dia seguinte ao procedimento, conduta contraindicada em razão da possível exposição ao sol - Falha na prestação de serviços não configurada - Indenização indevida - Precedentes deste Tribunal - Sentença preservada - Recurso improvido. (Apelação Cível n. 1001312-50.2021.8.26.0004 - São Paulo - 3ª Câmara de Direito Privado - Relator: Viviani Nicolau - 06/09/2023 - 42902 - Unânime)