sexta-feira, 30 de agosto de 2019

MORTE DE DETENTO USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE CONDUTA ATIVA OU OMISSIVA DE AGENTE PÚBLICO INOCORRÊNCIA INEXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE RESPONSABILIDADE DO ESTADO AUSÊNCIA

Apelação cível. Ação de reparação de danos. Morte de detento no interior de estabelecimento carcerário por ingestão de entorpecentes. Tese fixada no corpo do paradigma RE 841.526/RS, que resultou no Tema 592 do STF, no sentido de que a responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva de sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso. Ausência de responsabilidade do Estado pelo evento morte no caso dos autos. Sentença reformada. Recurso provido.

0003574-90.2010.8.19.0029 - APELAÇÃO
DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Des(a). WAGNER CINELLI DE PAULA FREITAS - Julg: 05/06/2019 - Data de Publicação: 06/06/2019

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

INSTITUIÇÃO DE ENSINO SAÍDA DE ALUNO DESACOMPANHADO DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA INOBSERVÂNCIA DANO MORAL IN RE IPSA

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÃO DE ENSINO. ALUNO DE SEIS ANOS DE IDADE QUE SAI DO ESTABELECIMENTO DE ENSINO DESACOMPANHADO DE RESPONSÁVEL. DANO MORAL CONFIGURADO. REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1 - Aluno menor de idade que, sem qualquer vigilância/cuidado dos prepostos da escola ré, sai sozinho, em horário escolar. 2 - O valor fixado na sentença para a indenização por danos morais, qual seja, R$ 60.000,00 não é razoável e proporcional ao dano experimentado, ainda que inegável a angústia e aflição do aluno e de seus pais, devendo ser reduzido para R$ 20.000,00. 3 - Sucumbência integral da ré, na forma da sumula nº 326, do STJ. 4 -Provimento parcial a ambos os recursos.

0006329-04.2013.8.19.0055 - APELAÇÃO
DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). JACQUELINE LIMA MONTENEGRO - Julg: 21/05/2019 - Data de Publicação: 22/05/2019

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA TESTAMENTO PARTICULAR ASSINATURA DE TESTEMUNHAS AUSÊNCIA VONTADE DO TESTADOR PREVALÊNCIA

PROCEDIMENTO ESPECIAL DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA. REQUERIMENTO DE CUMPRIMENTO DE TESTAMENTO PARTICULAR. AUSÊNCIA DE ASSINATURA DE TESTEMUNHAS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. 1. O STJ vem mitigando a exigência da observância estrita dos requisitos legais do testamento, sob o fundamento de que a formalidade do ato não pode se sobrepor ao seu conteúdo, devendo, portanto, prevalecer a vontade do testador, quando, em hipóteses excepcionais, as circunstâncias específicas levem à conclusão de inexistirem dúvidas sobre o que foi por ele desejado. 2. No presente caso, ainda que se leve em consideração que o testador era advogado militante, provável conhecedor da matéria, não se pode desprezar o contexto em que os fatos se deram, ressaltando-se, nesse sentido, a sua enfermidade, que, muito provavelmente, preponderou, significativamente, na decisão de tirar a própria vida. 3. Conjunto probatório indicativo de que um dos filhos reconheceu a intenção do pai e cumpriu a disposição de vontade por ele expressada, no que lhe cabia, doando à autora 1/3 do apartamento da Rua Travessa Faria, além de quantia em dinheiro. Os demais filhos, nada obstante não tenham cumprido, assumiram, em uma cláusula específica de escritura pública declaratória de partilha de bens, o compromisso de doar à ora requerente, o imóvel mencionado. 4. Cumprimento por todos os herdeiros das demais disposições de vontade manifestadas pelo finado no instrumento, como abertura de conta-corrente para pagamento de despesas de imóvel habitado pelas suas irmãs. 5.Reconhecimento pelos herdeiros da higidez da manifestação de vontade do pai. Alegações que se limitaram à ausência dos requisitos legais do ato. 6. Princípio da conservação do negócio jurídico. 7. ¿Ao se examinar o ato de disposição de última vontade, deve-se sempre privilegiar a busca pela real intenção do testador a respeito de seus bens, feita de forma livre, consciente e espontânea, atestada sua capacidade mental para o ato¿. (AgRg no REsp 1401087/MT, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe 13/08/2015) 8.Sentença recorrida que privilegiou a interpretação literal dos dispositivos legais, em detrimento da ratio essendi da declaração de vontade, indo assim em direção contrária à jurisprudência e à solução razoável do caso. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

0042062-25.2015.8.19.0002 - APELAÇÃO
DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Des(a). FERNANDO CERQUEIRA CHAGAS - Julg: 08/05/2019 - Data de Publicação: 09/05/2019

terça-feira, 27 de agosto de 2019

INTERDIÇÃO ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA LIMITES DA CURATELA

Ementa: Apelação Cível. Ação declaratória. Interdição. A Lei nº 13.146/15, Estatuto da Pessoa com Deficiência, alterou o Código Civil, dando nova disciplina ao tema. O art. 85, do Estatuto, prevê que a curatela atingirá somente os atos de natureza patrimonial e negocial. Apelo que diz respeito aos limites dos efeitos da curatela. Com a nova orientação legislativa, a sentença de interdição estabelecerá os limites da curatela, como se deu no caso em tela e prevê o art. 755, I, do CPC. Sentença que corretamente estabeleceu os limites da curatela, fazendo constar no dispositivo do julgado que os curatelados não podem praticar atos de natureza patrimonial e negocial e, em seguida, lista esses atos da seguinte forma: "emprestar, transigir, dar, quitação, alienar, hipotecar, demandar e ser demandado e praticar, em geral, atos que não sejam de mera administração, mantendo incólumes os seus demais direitos políticos e civis." No entendimento da permissão para que o interditando pratique atos de mera administração, colhe-se a lição de Carvalho Santos, no sentido de que tal atividade não pode autorizar o interditado a movimentar contas, contrair empréstimo, adquirir bens de vulto. Deste modo, não merece reforma o decisório, eis que atos de pequena monta na esfera patrimonial dos interditados, estão em consonância com a legislação civil, particularmente com a utilização da regra outrora expressamente aplicável, do artigo 1782 do Código Civil. Sentença devidamente baseada na prova pericial, a apontar as doenças mentais dos interditados, que deu a solução correta ao quadro fático articulado nos autos. Afastamento dos honorários advocatícios, ante à natureza do procedimento de jurisdição voluntária, com fortes tintas de atendimento ao interesse da Justiça. Sentença mantida, sem a condenação em honorários advocatícios.

0008141-31.2013.8.19.0007 - APELAÇÃO
DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). CARLOS JOSÉ MARTINS GOMES - Julg: 04/06/2019 - Data de Publicação: 07/06/2019

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Danos causados por agente público: ação de indenização e legitimidade passiva


A teor do disposto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal (CF) (1), a ação por danos causados por agente público deve ser ajuizada contra o Estado ou a pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, sendo parte ilegítima para a ação o autor do ato, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Com fundamento nessa tese de repercussão geral (Tema 940), o Plenário deu provimento a recurso extraordinário para assentar a ilegitimidade passiva da recorrente.

Na espécie, tratava-se de recurso extraordinário interposto por agente público em face de acórdão no qual o tribunal de origem consignou caber à vítima do dano escolher contra quem propor ação indenizatória.

O colegiado asseverou que o aludido dispositivo constitucional não encerra legitimação concorrente. Assim, a pessoa jurídica de direito público e a de direito privado prestadora de serviços públicos respondem pelos danos causados a terceiros, considerado ato omissivo ou comissivo de seus agentes.

(1) CF/1988: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

RE 1027633/SP, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 14.8.2019. (RE-1027633)

Vídeo

Audio 

sábado, 24 de agosto de 2019

GRUPO DA REDE SOCIAL WHATSAPP DIVULGAÇÃO DE FOTOS ÍNTIMAS EX-NAMORADA OFENSA À HONRA ATO ILÍCITO DANO MORAL IPSO FACTO

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DIVULGAÇÃO DE FOTOS ÍNTIMAS DE EX NAMORADA EM GRUPOS DE WHATSAPP. OFENSA A HONRA E DIGNIDADE. DIREITOS DA PERSONALIDADE QUE SÃO QUALIFICADOS PELO SEU CARÁTER PERSONALÍSSIMO. COMPROVAÇÃO DE CONVERSAS ANTERIORES COM CONTEÚDO INTIMIDATÓRIO. VISUALIZAÇÃO E COMENTÁRIOS DAS FOTOGRAFIAS EM GRUPOS DE INTERNET. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DANO MORAL IPSO FACTO, DISPENSANDO QUE A VÍTIMA DEMONSTRE O ABALO SOFRIDO. QUANTUM INDENIZATÓRIO CORRETAMENTE FIXADO. RESPALDO NOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. NEGA-SE PROVIMENTO AO RECURSO.

0005455-77.2015.8.19.0207 - APELAÇÃO
TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
Des(a). HELDA LIMA MEIRELES - Julg: 17/04/2019 - Data de Publicação: 24/04/2019

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

BANHEIRO PÚBLICO FORNECIMENTO GRATUITO CONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DISPONIBILIZAÇÃO GRATUITA DE BANHEIRO PÚBLICO. MATÉRIA DE INTERESSE LOCAL. COMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE. 1. Trata-se de ação civil pública ajuizada com o fim de obrigar os réus a disponibilizarem banheiro público e absterem-se de cobrar pela respectiva utilização. 2. A demanda foi julgada procedente em relação ao primeiro réu e improcedente em relação aos segundo e terceiros réus. 3. Em que pese o julgador ter reconhecido, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6.551/2008, que torna obrigatória a disponibilização gratuita de banheiros públicos em shoppings, galerias, centros comerciais, etc., o fato é que a Suprema Corte entende que a matéria é de interesse local e, por isso, não há falar em inconstitucionalidade. 4. Havendo, portanto, compatibilidade entre a ordem local de interesse público e a Constituição Federal não há fundamento para o descumprimento da lei. 5. Dado provimento ao primeiro recurso para reformar a sentença e julgar a demanda procedente em relação aos demais réus; e negado provimento ao segundo recurso de autoria do primeiro réu.

0021411-46.2015.8.19.0042 - APELAÇÃO
QUARTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). ANTÔNIO ILOÍZIO BARROS BASTOS - Julg: 10/04/2019 - Data de Publicação: 17/04/2019

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

ASSEMBLÉIA GERAL DE CONDOMÍNIO VOTO COLHIDO POR TELEFONE POSSIBILIDADE VÍCIO NA VOTAÇÃO INEXISTÊNCIA

Direito Civil e Direito Processual Civil. Anulação de votação em Assembleia Geral de Condomínio destinada à alteração das frações ideais e aos percentuais relativos à cota condominial. Ausência de periculum in mora para a concessão da tutela provisória. Voto de uma proprietária colhido mediante telefone, diante de doença que a acometia. O termo (condômino) "presente" comporta acepção de participação, mesmo sem comparecimento material, de modo que o voto colhido por telefone (ou por outra modalidade telepresencial, como videochamada/videoconferência) não apresenta qualquer vício capaz de ensejar a anulação da assembleia condominial, afastando-se o fumus boni iuris. Recurso a que se dá provimento.

0004275-26.2019.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
Des(a). ALEXANDRE ANTÔNIO FRANCO FREITAS CÂMARA - Julg: 05/06/2019 - Data de Publicação: 07/06/2019

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

STF julga recolhimento compulsório de crianças e direito de ir e vir

O Plenário julgou improcedente pedido formulado em ação direta de inconstitucionalidade em que se impugnavam os arts. 16, I (1); 105 (2); 122, II e III (3); 136, I (4); 138 (5); e 230 (6) da Lei 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O Tribunal afirmou que as normas impugnadas devem ser analisadas à luz do que preveem os arts. 5º, caput e incisos XXXV, LIV, LXI (7), e 227 (8) da CF.

As referidas normas possuem íntima ligação com regras da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), da Convenção sobre os Direitos da Criança, das Regras de Pequim para a Administração da Justiça de Menores e da Convenção Americana de Direitos Humanos.

A Corte sublinhou que o art. 16, I, do ECA consagra a liberdade de locomoção da criança e do adolescente, “ressalvadas as restrições legais”, e está de acordo com a doutrina da proteção integral positivada no art. 227 da CF, que assegura o direito à dignidade, ao respeito e à liberdade das pessoas em desenvolvimento, proibindo toda e qualquer forma de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão. Dessa forma, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade no direito de liberdade – de ir e vir – previsto no art. 16, I, da Lei 8.069/1990.

Ressaltou que o direito em questão constitui cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, IV, da CF, e não pode sequer ser suprimido ou indevidamente restringido mediante proposta de emenda constitucional.

Ademais, a cláusula de abertura do art. 5º, § 2º, da CF leva à conclusão de que a norma do art. 16, I, do ECA está em consonância não só com os dispositivos constitucionais mencionados, mas também com o direito à liberdade e a proibição à discriminação, previstos nos arts. 1º e 2º da DUDH; com a proibição contra interferências ilegítimas e arbitrárias na vida particular das crianças, prevista no art. 16 da Convenção sobre Menores da ONU; com a norma de proteção integral estabelecida no art. 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos; e com as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores.

Ao contrário do que defendido pelos autores da ação, a exclusão da referida norma é que poderia ensejar interpretações que levassem a violações aos direitos humanos e fundamentais acima transcritos, agravando a situação de extrema privação de direitos aos quais são submetidos crianças e adolescentes no país, em especial para aqueles que vivem em condição de rua.

As privações sofridas e a condição de rua desses menores não podem ser corrigidas com novas restrições a direitos e o restabelecimento da doutrina menorista que encarava essas pessoas enquanto meros objetos da intervenção estatal.

É certo que a liberdade das crianças e adolescentes não é absoluta, admitindo restrições legalmente estabelecidas e compatíveis com suas condições de pessoas em desenvolvimento, conforme a parte final do art. 16, I, do ECA. Nesse sentido, a capacidade de exercício de direitos pode ser limitada, em razão da imaturidade.

Reputou que o pedido formulado nesta ação busca eliminar completamente o direito de liberdade dos menores, o núcleo essencial, indo além dos limites imanentes ou “limites dos limites” desse direito fundamental, restabelecendo a já extinta “prisão para averiguações”, que viola a norma do art. 5º, LXI, da CF.

Também não se vislumbrou a alegada inconstitucionalidade à luz do mandado de criminalização constante do art. 227, § 4º, da CF, que impõe ao legislador o dever de punir severamente atos de violência praticados contra crianças e adolescentes.

A declaração de inconstitucionalidade do referido tipo penal representaria verdadeiro cheque em branco para que detenções arbitrárias, restrições indevidas à liberdade dos menores e violências de todo tipo pudessem ser livremente praticadas, o que não pode ser admitido.

Aliás, o crime em questão é sancionado com pena de detenção de seis meses a dois anos, tratando-se, dessa forma, de infração penal de menor potencial ofensivo. Portanto, o tipo penal se aproxima mais da proibição de proteção deficiente que da inconstitucionalidade por excesso de criminalização.

Ademais, a existência da referida norma não impede a apreensão em flagrante de menores pela prática de atos análogos a crimes.

A Corte afastou, de igual modo, a alegada violação à inafastabilidade da jurisdição pelos arts. 105, 136 e 138 do ECA.

Esclareceu que o tratamento adequado para a criança infratora é um desafio para a sociedade. A decisão do legislador de não aplicar medidas mais severas está em harmonia com a percepção de que a criança é um ser em desenvolvimento que precisa, acima de tudo, de proteção e educação, ou seja, trata-se de uma distinção compatível com a condição de maior vulnerabilidade e de pessoa em desenvolvimento, quando comparada a adolescentes e pessoas adultas.

O legislador dispõe de considerável margem de discricionariedade para definir o tratamento adequado à criança em situação de risco criada por seu próprio comportamento. A opção pela exclusividade das medidas protetivas não é desproporcional; ao contrário, alinha-se com as normas constitucionais e internacionais.

A atuação do conselho tutelar nesses casos de atos infracionais praticados por crianças não representa qualquer ofensa à Constituição nem viola a garantia da inafastabilidade da jurisdição. Nesse sentido, cumpre ressaltar que o conselho tutelar é um colegiado de leigos, assim como o tribunal do júri, previsto no inciso XXXVIII do art. 5º da CF.

Trata-se de órgão que permite a participação direta da sociedade na implementação das políticas públicas definidas no art. 227 da CF, voltadas para a promoção e proteção da infância, em consonância com as mais atuais teorias de justiça, democracia e participação popular direta.

A atuação do conselho tutelar não exclui a apreciação de eventuais demandas ou lides pelo Poder Judiciário, inexistindo, portanto, a alegada ofensa ao art. 5º, XXXV, da CF.

Por fim, o colegiado repeliu a apontada inconstitucionalidade do art. 122, II e III, do ECA por violação à proporcionalidade.

Novamente, o espaço de conformação é amplo. Deve ser reconhecida uma margem larga de discricionariedade ao legislador para estabelecer as medidas aplicáveis ao adolescente infrator.

As infrações violentas podem, desde logo, corresponder à internação (inciso I). O objetivo de prevenção é especialmente resguardado nos casos em que a integridade física das vítimas é posta em risco. Fora isso, a lei evita ao máximo conferir ao magistrado o poder de aplicar a internação.

Tem-se aí uma opção perfeitamente proporcional do legislador, em razão do caráter estigmatizante e traumatizante da internação de uma pessoa em desenvolvimento. Isso sem falar da precária situação das entidades de acolhida.

A referida opção legislativa encontra-se de acordo com as normas constitucionais e internacionais que impõem a utilização das medidas de internação como último recurso, privilegiando os princípios da excepcionalidade, brevidade e proporcionalidade das medidas restritivas da liberdade.

(1) ECA: “Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;”
(2) ECA: “Art. 105. Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101.”
(3) ECA: “Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: (...) II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.”
(4) ECA: “Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: I – atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;”
(5) ECA: “Art. 138. Aplica-se ao Conselho Tutelar a regra de competência constante do art. 147.”
(6) ECA: “Art. 230. Privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente: Pena - detenção de seis meses a dois anos. Parágrafo único. Incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais.”
(7) CF/1988: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; (...) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (...) LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;”
(8) CF/1988: “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

ADI 3446/DF, rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 7 e 8.8.2019. (ADI-3446)

1ª Parte: Vídeo
2ª Parte: Vídeo
3ª Parte: Vídeo

terça-feira, 20 de agosto de 2019

SEGURO DE VIDA PAGAMENTO À FILHA DO SEGURADO RECONHECIMENTO JUDICIAL DE PATERNIDADE POST MORTEM DE OUTRA FILHA BOA-FÉ DA SEGURADORA OMISSÃO DA REPRESENTANTE LEGAL DA BENEFICIÁRIA DANO MORAL CONFIGURADO

DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE SEGURO DE VIDA. INDENIZAÇÃO PAGA À FILHA DO SEGURADO, NA QUALIDADE DE ÚNICA HERDEIRA DECLARADA. RECONHECIMENTO JUDICIAL DE PATERNIDADE POST MORTEM. AÇÃO AJUIZADA PELA HERDEIRA SUPERVENIENTE CONTRA A SEGURADORA E A REPRESENTANTE LEGAL DA BENEFICIÁRIA. PRETENSÃO CONDENATÓRIA EM OBRIGAÇÃO DE FAZER, CUMULADA COM COMPENSATÓRIA DE DANOS MORAIS. SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO EM FACE DA SEGURADORA E PROCEDENTE EM FACE DA 2ª RÉ. APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTA PELA AUTORA, VISANDO À CONDENAÇÃO DA SEGURADORA, BEM COMO A MAJORAÇÃO DA VERBA COMPENSATÓRIA. APELAÇÃO CÍVEL INTERPOSTA PELA 2ª RÉ, ARGUINDO, PRELIMINARMENTE, A SUA ILEGITIMIDADE PASSIVA E, NO MÉRITO, PUGNANDO PELA IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. 1) A questão referente à ilegitimidade passiva da 2ª Ré resta preclusa, na medida em que a preliminar por ela suscitada, em sua contestação, foi rejeitada pela r. decisão saneadora, de fls. 160/161, irrecorrida. 2) No caso concreto, a Autora pretende o pagamento da cota parte da indenização a que faz jus, referente a seguro de vida de seu pai, cuja liquidação do sinistro ocorreu antes do reconhecimento judicial de paternidade, além de indenização por danos morais. Alega que seu falecido pai possuía um seguro de vida, contratado com a 1ª Ré, cujo prêmio foi pago integralmente à outra filha do segurado, K. R. W., na qualidade de única herdeira, conforme declaração prestada por sua representante legal, 2ª Ré. 3) O acervo probatório constante dos autos demonstra que a declaração prestada pela 2ª Ré à Seguradora, para fins de regulação do sinistro, indicava como única herdeira do falecido, sua filha K.. Da mesma forma, verifica-se que na certidão de óbito do segurado, cuja declarante também foi a 2ª Ré, consta, genericamente, a informação de que deixou herdeiro(s). 4) Diante do princípio da boa-fé, não é razoável que se exija dos beneficiários que se habilitem a receber a indenização securitária, prova da inexistência de outros herdeiros, por se tratar de prova negativa ou diabólica. Ademais disso, não há nos autos qualquer indício de que a Seguradora tenha agido de forma negligente, no trâmite do processo administrativo de regulação do sinistro, motivo pelo qual se conclui ter ela agido de boa-fé ao efetuar o pagamento do prêmio do seguro à única beneficiária indicada. 5) Por outro lado, se extraí dos autos que, ao prestar a declaração perante à Seguradora, em 04/06/2008, a 2ª Ré já tinha ciência da ação de investigação de paternidade, na medida em que fora intimada em 17/08/2007, na qualidade de representante legal de sua filha menor K. (Ré naquela ação), a comparecer na Policlínica Piquet Carneiro para fins de coleta de material para exame de DNA. 6) O fato de ter omitido a informação quanto à existência daquela demanda e, portanto, quanto à possibilidade da existência de outra filha do falecido, demonstra que a Sra. S. faltou com a boa-fé, sendo ela, portanto, a única responsável pelos danos reclamados pela Autora. 7) Dano moral devidamente configurado. Verba compensatória arbitrada (R$ 5.000,00) considerada módica, diante das peculiaridades do caso concreto, da gravidade do comportamento antijurídico da parte Ré, além da função punitivo-pedagógica de que deve se revestir condenação, razão pela qual é majorada para R$ 10.000,00 (dez mil reais). 8) RECURSO DA AUTORA PROVIDO PARCIALMENTE. RECURSO DA 2ª RÉ AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. Verba honorária majorada nos termos do artigo 85, § 11, do CPC.

0011457-15.2010.8.19.0021 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). WERSON FRANCO PEREIRA RÊGO - Julg: 22/05/2019 - Data de Publicação: 23/05/2019

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

SEGURO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE CARGA CONTRATO ORIGINÁRIO PREVISÃO DE COMPROMISSO ARBITRAL SUB-ROGAÇÃO DA SEGURADORA NÃO PROJEÇÃO DOS EFEITOS DA CLÁUSULA DE ARBITRAGEM AUSÊNCIA DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE POR PARTE DA SEGURADORA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO INDENIZATÓRIA DE REGRESSO INTERPOSTA PELA SEGURADORA EM FACE DA SUPOSTA CAUSADORA DO DANO, EMPRESA DE TRANSPORTE ESTRANGEIRA, REPRESENTADA NO BRASIL PELA RÉ. SEGURO DE TRANSPORTE MARÍTIMO DE CARGA FIRMADO ENTRE O SEGURADO (CENIBRA - CELULOSE NIPO-BRASILEIRA S.A.) E A EMPRESA DEMANDADA NESTES AUTOS, COM ORIGEM EM BARRA DO RIACHO, ES/BRASIL, ATÉ O PORTO DE DESTINO DE VLISSINGEN, NOS PAÍSES BAIXOS. SUB-ROGAÇÃO DA SEGURADORA NOS DIREITOS DA EMPRESA SEGURADA. CONTRATO ORIGINÁRIO DE TRANSPORTE QUE PREVIU COMPROMISSO ARBITRAL. A SENTENÇA JULGOU EXTINTO O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, SOB O FUNDAMENTO DE QUE A CLÁUSULA ARBITRAL CONSTANTE DO CONTRATO ORIGINÁRIO ALCANÇA A SEGURADORA, QUE O ASSUMIU POR SUB-ROGAÇÃO. RECURSO EXCLUSIVO DA SEGURADORA AUTORA, PUGNANDO PELA CASSAÇÃO DA SENTENÇA, COM O PROSSEGUIMENTO DO FEITO, OU PELA APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA, COM A PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS INICIAIS. CLÁUSULA DE ARBITRAGEM NÃO PROJETA EFEITOS PARA QUEM DELA NÃO TOMOU PARTE VOLUNTARIAMENTE. O DIREITO DE REGRESSO SE ORIGINA NA SUB-ROGAÇÃO LEGAL E DO CONTRATO DE SEGURO, E NÃO DO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO ORIGINALMENTE FIRMADO PELO SEGURADO, SENDO QUE A ESTE, COMO SE EXTRAI DA NORMA DO ART. 786, §2º, DO CÓDIGO CIVIL, É VEDADO DIMINUIR OU EXTINGUIR OS DIREITOS DA SUB-ROGAÇÃO EM PREJUÍZO DO SEGURADOR. A ESTIPULAÇÃO DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA DEPENDE DA MANIFESTAÇÃO DE VONTADE DA PARTE ACERCA DA OPÇÃO PELA VIA ARBITRAL PARA A SOLUÇÃO DE CONFLITOS, RAZÃO PELA QUAL NÃO PODERIA A SEGURADORA APELANTE SER PREJUDICADA OU BENEFICIADA PELOS TERMOS DE UM CONTRATO DO QUAL NÃO FEZ PARTE. A CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO ARBITRAL CELEBRADA ENTRE A TRANSPORTADORA E A DONA DA CARGA NÃO VINCULA TERCEIROS, ESPECIALMENTE A SEGURADORA QUE FICA SUB-ROGADA NOS DIREITOS DO CREDOR ORIGINÁRIO. NOUTRO GIRO, IMPÕE-SE DESTACAR QUE A APÓLICE DO SEGURO ACOSTADA ÀS FLS. 50 E SEGUINTES (INDEX. 50) PREVIU VIGÊNCIA DO CONTRATO PELO PERÍODO DE UM ANO, SENDO CERTO QUE SE FIXOU UMA IMPORTÂNCIA SEGURADA, E ESTIPULOU-SE QUE O OBJETO DO SEGURO SERIA: PRODUTOS QUÍMICOS E CELULOSE FIBRA CURTA BRANQUEADA, SEM QUALQUER REFERÊNCIA ESPECÍFICA A DETERMINADO CONTRATO DE TRANSPORTE. TAL CONSTATAÇÃO AFASTA A ALEGAÇÃO DE QUE A SEGURADORA TINHA, OU DEVERIA TER, CONHECIMENTO DOS TERMOS DO CONTRATO DE TRANSPORTE FIRMADO COM A SEGURADA, E, POR CONSEGUINTE, ADERIDO ESPECIFICAMENTE ÀS CLÁUSULAS NELE CONTIDAS. SENTENÇA EXTINTIVA QUE MERECE REFORMA. DEMAIS PRELIMINARES DEDUZIDAS EM CONTRARRAZÕES QUE DEVEM SER RECHAÇADAS. 1) A COMPROVAÇÃO DO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA ATRAVÉS DE MEIO ELETRÔNICO SE MOSTRA APTA A DEMONSTRAR A SUB-ROGAÇÃO DA SEGURADORA NOS DIREITOS DO SEGURADO E, POR CONSEGUINTE, SUA LEGITIMIDADE PARA INTEGRAR O POLO ATIVO DA PRESENTE AÇÃO. 2) A APELADA SUSTENTA QUE O ÚNICO LEGITIMADO PARA PLEITEAR RESSARCIMENTO POR PREJUÍZOS A CARGA É O IMPORTADOR, E NÃO O EXPORTADOR QUE, NO CASO, SERIA O SEGURADO. A CONDIÇÃO CIF DO NEGÓCIO NÃO INTERFERE NA LEGITIMIDADE DAS PARTES, POIS O PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO E DO PRÊMIO DIZ RESPEITO APENAS AO SEGURADO E À SEGURADORA. PRECEDENTES. 3. DISPENSABILIDADE DE APRESENTAÇÃO DO CONHECIMENTO DE TRANSPORTE NO ORIGINAL. TRATANDO-SE DE PROCESSO DE CONHECIMENTO, NO QUAL A RÉ NÃO NEGA TER EFETUADO O TRANSPORTE DA MERCADORIA, NEM CONTESTA A VERACIDADE DO DOCUMENTO APRESENTADO, DISPENSÁVEL É A EXIBIÇÃO DO CONHECIMENTO DE TRANSPORTE EM SEU ORIGINAL. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 589 DO CÓDIGO COMERCIAL. PROVIMENTO DO RECURSO. SENTENÇA REFORMADA, AFASTANDO-SE TODAS AS PRELIMINARES DE DEFESA. RETORNO DOS AUTOS AO PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO PARA REGULAR PROSSEGUIMENTO DO FEITO.

0288717-06.2017.8.19.0001 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). SANDRA SANTARÉM CARDINALI - Julg: 28/03/2019 - Data de Publicação: 29/03/2019

sábado, 17 de agosto de 2019

CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO NEOCOLPOVULVOPLASTIA LAUDOS MULTIDISCIPLINARES IMPRESCINDIBILIDADE DO TRATAMENTO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA DIREITO AO REEMBOLSO DAS DESPESAS EFETUADAS

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. NEGATIVA DE COBERTURA. CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO, OU REDESIGNAÇÃO SEXUAL, POR NEOCOLPOVULVOPLASTIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA CONSUMIDORA QUE MERECE ACOLHIDA. Consumidora transexual, portadora de desvio psicológico permanente de identidade sexual (CID10 - F64.0). Sentença de improcedência, ao fundamento de que a cirurgia em questão não foi incorporada ao rol de procedimentos obrigatórios da ANS. Error in judicando. Documento, no qual se escorou o juízo a quo, que se limita a afirmar a não obrigatoriedade de cobertura para histerectomia total abdominal com anexectomia bilateral para beneficiária do sexo feminino. Correspondência da ANS, em consulta formulada pela apelante, que vai de encontro ao referido documento, porquanto afirma a obrigatoriedade de cobertura de todos os procedimentos prescritos pelo médico que a acompanha (fls. 89/90 e 458/459). Preponderância do documento que atesta a cobertura obrigatória em relação ao que supostamente deixaria transparecer a não cobertura, até porque específico para o caso da apelante. Alegação da apelada de que a reunião dos procedimentos seria um sofisma para forçar a existência de cobertura que não procede. Em verdade, sofisma emprega a operadora ao tentar desnaturar as características do tratamento e afastar sua obrigação de cobertura. Transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia que consiste na conversão da genitália masculina em feminina, através de um procedimento complexo, que envolve a realização de diversas operações. Ainda que não conste, do rol da ANS, um código único referente à reunião de todas elas, estando cada uma elencada em dito rol - tal como ocorre na espécie -, é dever da operadora prestar a cobertura para suas realizações. E ainda que não houvesse cobertura obrigatória expressa, é entendimento majoritário, neste Tribunal, que o aludido elenco é meramente exemplificativo, e não taxativo. Laudos multidisciplinares (médicos, sociais e psicológicos) de fls. 89/99 que atestam a imprescindibilidade do tratamento prescrito à apelante, único capaz de promover sua cura, não havendo razão para sua negativa. Entendimento do médico que acompanha a paciente que deve prevalecer, à luz do Verbete Sumular nº 211. Ademais, o arcabouço constitucional e legal de nosso sistema jurídico é uníssono em amparar a pretensão autoral. É inconteste que a apelante é uma mulher aprisionada em um corpo masculino, com o qual não possui identificação anímica. Há farta comprovação atestando seu quadro clínico de disforia de gênero e a tendência à automutilação e/ou autoextermínio. Negativa de cobertura que viola frontalmente os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III) e da preservação da saúde (art. 6º, caput). Intervenção cirúrgica que não é meramente estética e eletiva. Laudo médico atestando que as cirurgias conhecidas como neocolpovulvoplastia são o único tratamento para pacientes transexuais portadores de desvio psicológico permanente de identidade sexual, cuja inadequação psíquica ao sexo somático gera profundo sofrimento, tendente à mutilação corporal e até mesmo ao suicídio. Apelante que já conseguiu alterar seu nome junto ao registro civil. Argumentação da apelada de que não estaria obrigada a prestar cobertura para procedimento realizados por médicos não cooperados e em prestadores não credenciados que não merece guarida. Tese que é contraditória com a de que não tem obrigação regulamentar ou contratual de cobrir os procedimentos em cotejo. Não se ignora que, havendo profissional da especialidade, na rede credenciada, a opção por alguém de fora afasta, da operadora de plano de saúde, a obrigação de custear e/ou reembolsar as despesas do procedimento realizado. Entretanto, no caso concreto, limitou-se a apelada a afirmar que a apelante não buscou a rede credenciada, sem, no entanto, informar quais profissionais a ela vinculados que estariam aptos a realizar os procedimentos de neocolpovulvoplastia. Indelével, pois, tanto a necessidade dos procedimentos cirúrgicos em análise, quanto a obrigatoriedade de cobertura por parte da apelada. Tampouco cabe acolher a tese da operadora de limitação dos valores de cobertura. É certo ser válida a existência de limite de reembolsos para procedimentos efetuados fora da rede credenciada da operadora (art. 12, inc. VI, da Lei nº 9.656/98, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44/2001). Não é, entretanto, a hipótese presente. Limitação em escopo que valeria para hipóteses em que a rede credenciada não está apta, momentaneamente, para pronto atendimento, em caso de emergência ou urgência, ou para quando o beneficiário abre mão, sponte própria, de ser atendido por profissional credenciado. Não se cuidou de mera liberalidade da apelante na escolha de profissional não credenciado, mas sim, de recusa peremptória de cobertura por parte da apelada. Impossibilidade de limitação, no caso concreto, do montante a ser reembolsado à beneficiária, porquanto alternativa não lhe fora dada que não se socorrer a médico não cooperado. Reembolso que deve se dar na integralidade das despesas comprovadamente efetuadas pela consumidora. Dano moral. Atual orientação do e. STJ no sentido de que a negativa da operadora do plano de saúde de cobertura de procedimento médico, ou de reembolso de valores decorrentes de tratamento a que o beneficiário fora submetido, é situação hábil a causar distúrbios de ordem extrapatrimonial, cabendo compensação. Valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), que se mostra em sintonia com o princípio da razoabilidade, sendo adequado e proporcional às circunstâncias do caso concreto e harmônico com precedentes de minha própria relatoria em situações análogas. Inversão da sucumbência. PROVIMENTO DO RECURSO.

0047742-88.2015.8.19.0002 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL
Des(a). NILZA BITAR - Julg: 10/04/2019 - Data de Publicação: 11/04/2019

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

REPORTAGEM JORNALÍSTICA CUNHO SENSACIONALISTA EXPOSIÇÃO DE IMAGEM DA AUTORA DIREITO DA PERSONALIDADE VIOLAÇÃO DANO MORAL IN RE IPSA

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM PEDIDO INDENIZATÓRIO POR DANOS MORAIS. MATÉRIA JORNALÍSTICA VEICULADA NA TV PELA RÉ NOTICIANDO PROBLEMAS NA REDE PÚBLICA MUNICIPAL DE SAÚDE COM EXIBIÇÃO DE CUNHO SENSACIONALISTA DE GRAVAÇÃO DA IMAGEM DA AUTORA QUE É ENFERMEIRA NO NOSOCOMIO MUNICIPAL, REALIZADA POR FAMILIARES DE UMA PACIENTE. EXPOSIÇÃO INDEVIDA COM ACUSAÇÕES DISTORCIDAS DA REALIDADE. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DO RÉU PELA IMPROCEDÊNCIA POR SE TRATAR DE FATO JORNALISTICO. RECURSO DO AUTOR REQUERENDO MAJORAÇAO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PROCESSO QUE VERSA SOBRE O EMBATE DE DOIS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: A INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, HONRA E IMAGEM E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO, PREVISTOS RESPECTIVAMENTE NO ARTIGO 5º, X E XIV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. IMPASSE QUE DEVE SER RESOLVIDO COM BASE NO EQUILÍBRIO ENTRE OS VALORES EM QUESTÃO, DE MODO QUE A PREVALÊNCIA DE UM PRINCÍPIO, CONSIDERANDO AS CIRCUNSTÂNCIAS E PECULIARIDADES DA HIPÓTESE, NÃO IMPORTE NA INVALIDADE OU EXCLUSÃO DO OUTRO PRINCÍPIO. EM NOME DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, DEVE-SE CONFERIR À IMPRENSA O DIREITO DE DIVULGAR NOTÍCIAS ATENDENDO AO INTERESSE PÚBLICO, NO ENTANTO, DEVE-SE TER EM MENTE QUE O DIREITO À INFORMAÇÃO, CONSTITUCIONALMENTE CONSAGRADO, NÃO É ABSOLUTO, MOTIVO PELO QUAL AS PESSOAS ENCARREGADAS DE VEICULAREM NOTÍCIAS E FOTOS DEVEM RETRATAR A REALIDADE PERANTE O POVO, MAS DEVEM, POR OUTRO LADO, DEIXAR DE DIVULGAR NOTÍCIAS QUE EXPONHAM DANOS À HONRA E À IMAGEM DE PESSOAS, QUANDO NÃO HÁ CERTIFICAÇÃO DE SUA VERACIDADE, SOB PENA DE OFENSA AO FUNDAMENTO INSCULPIDO NO ARTIGO 1º, III DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, ISTO É, AO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NO CASO EM TELA, PARA QUE A INFORMAÇÃO CHEGASSE AO SEU RECEPTOR, OS TELESPECTADORES NÃO ERA NECESSÁRIA A EXPOSIÇÃO DA IMAGEM DA AUTORA, ASSOCIADO À PRÁTICA DE SUPOSTO CRIME DE OMISSÃO NO ATENDIMENTO MÉDICO. CONTEÚDO SENSACIONALISTA QUE EXTRAPOLOU A FUNÇÃO INFORMATIVA E IMPORTOU EM VIOLAÇÃO A DIREITO DA PERSONALIDADE DA DEMANDANTE, ABALANDO A REPUTAÇÃO DA MESMA, INCLUSIVE FUNCIONAL. DANO MORAL IN RE IPSA. DEVER DE INDENIZAR. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO EM R$8.000,00, QUE NÃO ATENDENDO AOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE E, PORTANTO, DEVE SER MAJORADO PARA R$ 15.000,00, EIS QUE SE AFIGURA RAZOÁVEL AOS PRECEDENTES DESTA CORTE. RECURSO DO RÉU QUE SE NEGA PROVIMENTO E RECURSO DA AUTORA QUE SE DÁ PROVIMENTO.

0022635-08.2017.8.19.0023 - APELAÇÃO
DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL
Des(a). GUARACI DE CAMPOS VIANNA - Julg: 04/06/2019 - Data de Publicação: 06/06/2019

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

MATERNIDADE TROCA DE BEBÊS NEGLIGÊNCIA DO HOSPITAL COMPROVAÇÃO DEVER DE INDENIZAR

Apelação Cível. Ação Indenizatória. Direito do Consumidor. Direito Civil. Responsabilidade Civil. Troca de bebês na maternidade. Negligência do Hospital comprovada. Dever de indenizar. Sentença que julgou procedente o pedido e fixou o quantum indenizatório em R$ 10.000,00 (dez mil reais). Comprovada a negligência do Hospital, que deixou de realizar as conferências necessárias para a adequada identificação da mãe e de seu filho recém-nascido, a fim de garantir segurança ao serviço prestado, cabível a responsabilização do nosocômio pela troca de bebês ocorrida em suas dependências. Restaram incontroversos os constrangimentos e o abalo psicológico que a troca de bebês causou à Autora, e a responsabilidade pela identificação dos bebês no momento do nascimento, que cabia aos prepostos da maternidade, evidenciando a obrigação de indenizar os danos morais, à luz dos artigos 5º V e X da CF/88, 953 do Código Civil e 14 § 1º do Código de Defesa do Consumidor. Ao mensurar o valor e a extensão do dano, o juízo deve considerar as características de cada caso concreto, ou seja, o constrangimento das vítimas, as peculiaridades da demanda, a capacidade econômica das partes e os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, para evitar enriquecimento ilícito e, ao mesmo tempo, assegurar ao lesado justa reparação. Quantum indenizatório fixado com a observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Valor que não representa enriquecimento ilícito da vítima e tampouco se mostra excessivo ao nosocômio Réu. Sentença que se mantém. Recurso desprovido.

0016970-67.2012.8.19.0061 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL
Des(a). CARLOS EDUARDO MOREIRA DA SILVA - Julg: 02/04/2019 - Data de Publicação: 03/04/2019

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

PLANO DE SAÚDE FERTILIZAÇÃO IN VITRO NEGATIVA DE CUSTEIO PROCEDIMENTO QUE NÃO POSSUI COBERTURA OBRIGATÓRIA AUSÊNCIA DE ABUSIVIDADE DA OPERADORA DE SAÚDE


APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PLANO DE SAÚDE. FERTILIZAÇÃO IN VITRO COMO FORMA DE ALCANÇAR A GRAVIDEZ. AUTORA PORTADORA DE ADENOMIOSE PROFUNDA CAUSADORA DE INFERTILIDADE. NEGATIVA DE COBERTURA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA AUTORA. Pretende a autora a reforma da sentença que julgou improcedente a pretensão de custeio do tratamento de fertilização in vitro, o qual foi indicado pelo médico assistente por ser portadora de Adenomiose Uterina Profunda, causadora de infertilidade. Não se discute que o pleito autoral está diretamente relacionado à preservação do direito à maternidade, o qual está expressamente assegurado, no art. 6º, da CR/88, tampouco que a jurisprudência muitas vezes enquadra tal pretensão no conceito de Planejamento Familiar, o qual tem cobertura obrigatória nos termos do art. 35 -C, inciso III, da Lei nº. 9.656/98. Nada obstante, o referido diploma legal exclui, expressamente, das exigências mínimas de cobertura assistencial a ser oferecida pelas operadoras do plano de saúde, a inseminação artificial, que constitui uma técnica de reprodução assistida mais simples que a requerida pela autora. Há que se ressaltar, também, que o STJ, que é a corte responsável pela uniformização da interpretação da lei federal, já se manifestou, por diversas vezes, no sentido de que a fertilização in vitro não possui cobertura obrigatória, ressalvando, apenas a hipótese de previsão contratual. Precedentes. In casu, a apelada comprova a existência de cláusula de exclusão da cobertura para o tratamento postulado, o que constitui fato impeditivo do direito autoral. Ausência de abusividade da operadora de saúde. Manutenção da sentença de improcedência. Hipótese que comporta honorários recursais. Art. 85, §11, do CPC/2015. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

0289835-17.2017.8.19.0001 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL
Des(a). ANDRE EMILIO RIBEIRO VON MELENTOVYTCH - Julg: 28/05/2019 - Data de Publicação: 30/05/2019

terça-feira, 13 de agosto de 2019

É ilícita a disposição condominial que proíbe a utilização de áreas comuns do edifício por condômino inadimplente e seus familiares como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.699.022-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 28/05/2019, DJe 01/07/2019
RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL
TEMA
Condomínio. Regulamento interno. Proibição de uso de área comum destinada ao lazer. Condômino inadimplente e seus familiares. Impossibilidade. Sanções pecuniárias taxativamente previstas no Código Civil.
DESTAQUE
É ilícita a disposição condominial que proíbe a utilização de áreas comuns do edifício por condômino inadimplente e seus familiares como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
É certo que, dentre todos os deveres dos condôminos, o que diz respeito ao rateio das despesas condominiais é, sem dúvida, o de maior relevo, por se relacionar diretamente com a viabilidade da existência do próprio condomínio. No entanto, é ilícita a prática de privar o condômino inadimplente do uso de áreas comuns do edifício, incorrendo em abuso de direito a disposição condominial que determina a proibição da utilização como medida coercitiva para obrigar o adimplemento das taxas condominiais. O Código Civil estabeleceu meios legais específicos e rígidos para se alcançar tal desiderato, sem qualquer forma de constrangimento à dignidade do condômino inadimplente: a) ficará automaticamente sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, ao de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito (§ 1°, art. 1.336); b) o direito de participação e voto nas decisões referentes aos interesses condominiais poderá ser restringido (art. 1.335, III); c) é possível incidir a sanção do art. 1.337, caput, do CC, sendo obrigado a pagar multa em até o quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade da falta e a sua reiteração; d) poderá haver a perda do imóvel, por ser exceção expressa à impenhorabilidade do bem de família (Lei n. 8.009/1990, art. 3º, IV). E como é sabido, por uma questão de hermenêutica jurídica, as normas que restringem direitos devem ser interpretadas restritivamente, não comportando exegese ampliativa.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação

QUARTA TURMA
PROCESSO
REsp 1.567.479-PR, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 11/06/2019, DJe 18/06/2019
RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL
TEMA
Dação em pagamento de imóvel. Direitos decorrentes de implantação de reflorestamento. Ausência de disposição contratual relativa às árvores. Transferência da plantação com a terra nua.
DESTAQUE
Na dação em pagamento de imóvel sem cláusula que disponha sobre a propriedade das árvores de reflorestamento, a transferência do imóvel inclui a plantação.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Conforme artigos 79 e 92 do Código Civil, salvo expressa disposição em contrário, as árvores incorporadas ao solo mantêm a característica de bem imóvel, pois acessórios do principal, motivo pelo qual, em regra, a acessão artificial recebe a mesma classificação/natureza jurídica do terreno sobre o qual é plantada. No entanto, essa classificação legal pode ser interpretada de acordo com a destinação econômica conferida ao bem, sendo viável transmudar a sua natureza jurídica para bem móvel por antecipação, cuja peculiaridade reside na vontade humana de mobilizar a coisa em função da finalidade econômica. Do mesmo modo, consoante estabelecido no artigo 287 do Código Civil, "salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios". Desta forma, em que pese seja viável conceber a natureza jurídica da cobertura vegetal lenhosa destinada ao corte, a depender da vontade das partes, também como bem móvel por antecipação, no caso, em virtude da ausência de anotação/observação quando da dação em pagamento acerca das árvores plantadas sobre o terreno, diante da presunção legal de que o acessório segue o principal, há que se concluir que essas foram transferidas juntamente com a terra nua.

sábado, 10 de agosto de 2019

A "estação rádio base" (ERB) instalada em imóvel locado caracteriza fundo de comércio de empresa de telefonia móvel celular, a conferir-lhe o interesse processual no manejo de ação renovatória fundada no art. 51 da Lei n. 8.245/1991.

TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.790.074-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 25/06/2019, DJe 28/06/2019
RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL, DIREITO EMPRESARIAL
TEMA
Concessionária de serviço de telefonia celular. Imóvel locado para instalação de estação de rádio base. Estrutura essencial ao exercício da atividade. Fundo de comércio. Caracterização. Ação renovatória. Possibilidade.
DESTAQUE

A "estação rádio base" (ERB) instalada em imóvel locado caracteriza fundo de comércio de empresa de telefonia móvel celular, a conferir-lhe o interesse processual no manejo de ação renovatória fundada no art. 51 da Lei n. 8.245/1991.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Anatel, ao editar a Resolução n. 477, de 07 de agosto de 2007, no art. 3º, XVI, de seu anexo, define a Estação Rádio Base (ERB) como sendo a "estação de radiocomunicações de base do SMP (serviço móvel pessoal), usada para radiocomunicação com Estações Móveis". As ERBs, popularmente conhecidas como antenas, se apresentam como verdadeiros centros de comunicação espalhados por todo o território nacional, cuja estrutura, além de servir à própria operadora, responsável por sua instalação, pode ser compartilhada com outras concessionárias do setor de telecomunicações, segundo prevê o art. 73 da Lei n. 9.472/1997, o que, dentre outras vantagens, evita a instalação de diversas estruturas semelhantes no mesmo local e propicia a redução dos custos do serviço. As ERBs são, portanto, estruturas essenciais ao exercício da atividade de prestação de serviço de telefonia celular, que demandam investimento da operadora, e, como tal, integram o fundo de comércio e se incorporam ao seu patrimônio. Por sua relevância econômica e social para o desenvolvimento da atividade empresarial, e, em consequência, para a expansão do mercado interno, o fundo de comércio mereceu especial proteção do legislador, ao instituir, para os contratos de locação não residencial por prazo determinado, a ação renovatória, como medida tendente a preservar a empresa da retomada injustificada pelo locador do imóvel onde está instalada (art. 51 da Lei n. 8.245/1991). No que tange à ação renovatória, seu cabimento não está adstrito ao imóvel para onde converge a clientela, mas se irradia para todos os imóveis locados com o fim de promover o pleno desenvolvimento da atividade empresarial, porque, ao fim e ao cabo, contribuem para a manutenção ou crescimento da clientela. Nessa toada, conclui-se que a locação de imóvel por empresa prestadora de serviço de telefonia celular para a instalação das ERBs está sujeita à ação renovatória.

sexta-feira, 9 de agosto de 2019

É possível a convenção de prazo decadencial para a utilização de diárias adquiridas em clube de turismo

TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.778.574-DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/06/2019, DJe 28/06/2019
RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR
TEMA
Clube de turismo. Contrato de aquisição de título. Diárias de hotéis. Utilização. Prazo decadencial anual. Não abusividade.
DESTAQUE
É possível a convenção de prazo decadencial para a utilização de diárias adquiridas em clube de turismo.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
No caso, o clube de turismo funciona mediante a oferta de títulos aos consumidores, que, após o pagamento de taxas de adesão e de manutenção mensal, bem como a observância de prazo de carência, adquirem o direito não cumulativo de utilizar 7 (sete) diárias, no período de um ano, em qualquer dos hotéis previamente selecionados (rede conveniada), de modo que a não utilização das diárias disponibilizadas resulta na extinção do direito. Ao estabelecer as normas destinadas à proteção contratual do consumidor, o legislador não revogou a liberdade contratual, impondo-se apenas uma maior atenção ao equilíbrio entre as partes, numa relação naturalmente desequilibrada. A proteção contratual não é, portanto, sinônimo de impossibilidade absoluta de cláusulas restritivas de direito, mas de imposição de razoabilidade e proporcionalidade, sempre se tomando em consideração a natureza do serviço ou produto contratado. Além disso, embora o Código de Defesa do Consumidor regule as relações jurídicas entre as partes, uma vez que não se trata de fato ou defeito do serviço, não há regramento especial que discipline os prazos decadenciais relativos às prestações voluntariamente contratadas, devendo-se observar as regras gerais do Código Civil para o deslinde da controvérsia. Assim, é possível a convenção de prazos decadenciais, desde que respeitados os deveres anexos à contratação: informação clara e redação expressa, ostensiva e legível.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida.

TERCEIRA TURMA
PROCESSO
REsp 1.617.650-RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 11/06/2019, DJe 01/07/2019
RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL
TEMA
Sucessão. Inventário. União estável. Filhos comuns e exclusivos do autor da herança. Concorrência híbrida. Reserva da quarta parte da herança. Inaplicabilidade. Art. 1.832, parte final, do CC. Interpretação restritiva. Quinhão hereditário do companheiro igual ao dos descendentes.
DESTAQUE
A reserva da quarta parte da herança, prevista no art. 1.832 do Código Civil, não se aplica à hipótese de concorrência sucessória híbrida.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
Cinge-se a controvérsia em torno da fixação do quinhão hereditário a que faz jus a companheira, quando concorre com um filho comum e, ainda, outros seis filhos exclusivos do autor da herança. O artigo 1.790 do Código Civil, ao tratar da sucessão entre os companheiros, estabeleceu que este participará da sucessão do outro somente quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável e, concorrendo com filhos comuns, terá direito à quota equivalente ao filho, e, concorrendo com filhos do falecido, tocar-lhe-á metade do que cada um receber. O Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC tendo em vista a marcante e inconstitucional diferenciação entre os regimes sucessórios do casamento e da união estável. Sendo determinada a aplicação ao regime sucessório na união estável o quanto disposto no art. 1.829 do CC acerca do regime sucessório no casamento. Esta Corte Superior, interpretando o inciso I desse artigo, reconheceu, através da sua Segunda Seção, que a concorrência do cônjuge e, agora, do companheiro, no regime da comunhão parcial, com os descendentes somente ocorrerá quando o falecido tenha deixado bens particulares e, ainda, sobre os referidos bens. Por sua vez, o art. 1.832 do CC, ao disciplinar o quinhão do cônjuge (e agora do companheiro), estabelece caber à convivente supérstite quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, e que não poderá, a sua quota, ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. A norma não deixa dúvidas acerca de sua interpretação quando há apenas descendentes exclusivos ou apenas descendentes comuns, aplicando-se a reserva apenas quando o cônjuge ou companheiro for ascendente dos herdeiros com que concorrer. No entanto, quando a concorrência do cônjuge ou companheiro se estabelece entre herdeiros comuns e exclusivos, é bastante controvertida na doutrina a aplicação da parte final do art. 1.832 do CC. A interpretação mais razoável do enunciado normativo é a de que a reserva de 1/4 da herança restringe-se à hipótese em que o cônjuge ou companheiro concorrem com os descendentes comuns, conforme Enunciado 527 da V Jornada de Direito Civil. A interpretação restritiva dessa disposição legal assegura a igualdade entre os filhos, que dimana do Código Civil (art. 1.834 do CC) e da própria Constituição Federal (art. 227, § 6º, da CF), bem como o direito dos descendentes exclusivos não verem seu patrimônio injustificadamente reduzido mediante interpretação extensiva de norma. Assim, não haverá falar em reserva quando a concorrência se estabelece entre o cônjuge/companheiro e os descendentes apenas do autor da herança ou, ainda, na hipótese de concorrência híbrida, ou seja, quando concorrem descendentes comuns e exclusivos do falecido.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

A ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados de telefonia fixa tem prazo prescricional de 10 (dez) anos.

CORTE ESPECIAL
PROCESSO
EAREsp 738.991-RS, Rel. Min. Og Fernandes, Corte Especial, por maioria, julgado em 20/02/2019, DJe 11/06/2019
RAMO DO DIREITODIREITO CIVIL
TEMA
Empresa de telefonia fixa. Serviços não contratados. Cobrança indevida de valores. Repetição de indébito. Prazo prescricional decenal. Art. 205 do Código Civil. Súmula 412/STJ. Inexistência de enriquecimento ilícito.
DESTAQUE
A ação de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados de telefonia fixa tem prazo prescricional de 10 (dez) anos.
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR
O acórdão embargado da Quarta Turma firmou, com base em outros arestos da Terceira e Quarta Turmas, bem como da Segunda Seção, que se deve aplicar o prazo trienal constante do art. 206, § 3º, V, do Código Civil. Já os acórdãos apontados como paradigmas, oriundos da Segunda Turma, assentaram que se deve aplicar o prazo decenal. Discute-se o lapso prescricional cabível aos casos de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados, promovida por empresa de telefonia. A tese de que a pretensão de repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados, promovida por empresa de telefonia, configuraria enriquecimento sem causa e, portanto, estaria abrangida pelo prazo fixado no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, não parece ser a mais adequada. A pretensão de enriquecimento sem causa (ação in rem verso) possui como requisitos: enriquecimento de alguém; empobrecimento correspondente de outrem; relação de causalidade entre ambos; ausência de causa jurídica; inexistência de ação específica. Trata-se, portanto, de ação subsidiária que depende da inexistência de causa jurídica. A discussão acerca da cobrança indevida de valores constantes de relação contratual e eventual repetição de indébito não se enquadra na hipótese do art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, seja porque a causa jurídica, em princípio, existe (relação contratual prévia em que se debate a legitimidade da cobrança), seja porque a ação de repetição de indébito é ação específica. Conclui-se que a repetição de indébito por cobrança indevida de valores referentes a serviços não contratados, promovida por empresa de telefonia, deveria seguir a norma geral do lapso prescricional (art. 205 do Código Civil), a exemplo do que decidido e sumulado (Súmula 412/STJ) no que diz respeito ao lapso prescricional para repetição de indébito de tarifas de água e esgoto.