segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

"É lícita a divulgação de paródia sem a indicação do autor da obra originária"

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 1.967.264-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO AUTORAL


Tema

Direitos autorais. Paródia. Previsão legal expressa. Requisitos. Art. 47 da Lei n. 9.610/1998. Divulgação do nome do autor da obra originária. Ausência de obrigatoriedade. Ofensa a direito moral do autor. Inocorrência.

DESTAQUE

É lícita a divulgação de paródia sem a indicação do autor da obra originária.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Com fundamento assentado na liberdade de expressão (art. 5º, IV e IX, da CF), a Lei n. 9.610/1998, em seu art. 47 - inserto no capítulo que trata das limitações aos direitos autorais - estabelece que "São livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito".

A liberdade a que se refere o dispositivo precitado significa que a criação e a comunicação ao público de paródias não dependem de autorização do titular da obra que lhe deu origem, não se lhes aplicando, portanto, a disciplina do art. 29 da Lei de Direitos Autorais - LDA (em cujos incisos estão elencadas modalidades de utilização que exigem autorização prévia e expressa do respectivo autor).

Segundo compreensão do STJ, "A paródia é forma de expressão do pensamento, é imitação cômica de composição literária, filme, música, obra qualquer, dotada de comicidade, que se utiliza do deboche e da ironia para entreter. É interpretação nova, adaptação de obra já existente a um novo contexto, com versão diferente, debochada, satírica" (REsp 1.548.849/SP, Quarta Turma, DJe 4/9/2017).

Todavia, ainda que se trate de obra derivada, a paródia, nos termos do precitado art. 5º, VIII, 'g', da Lei n. 9.610/1998, constitui "criação intelectual nova", isto é, consiste em uma obra nova, autônoma e independente daquela da qual se originou.

Outro aspecto que interessa sublinhar é que, sendo livre a paródia (art. 47 da LDA), sua divulgação ao público - desde que respeitados os contornos estabelecidos pelo dispositivo precitado - não tem o condão de caracterizar ofensa aos direitos do criador da obra originária.

Dado, contudo, o exíguo tratamento dispensado à paródia pela Lei n. 9.610/1998 - que trata dela apenas em seu art. 47, sem sequer definir seus termos exatos -, é razoável concluir, a partir de uma interpretação sistêmica das normas que regem a matéria, pela necessidade de se respeitar outros requisitos para que o uso da paródia seja considerado lícito.

Nesse norte, a doutrina elenca outros três pressupostos a serem considerados, além daqueles expressos no dispositivo retro citado (proibição da "verdadeira reprodução" e proibição de a paródia implicar descrédito à obra originária). São eles: (i) respeito à honra, à intimidade, à imagem e à privacidade de terceiros (art. 5º, X, da CF); (ii) respeito ao direito moral do ineditismo do autor da obra parodiada (art. 24, III, da LDA); e (iii) vedação ao intuito de lucro direto para fins publicitários (por se tratar de exercício disfuncional do direito de parodiar, em prejuízo dos interesses do criador da obra originária).

Portanto, em se tratando de paródia, a ausência de divulgação do nome do autor da obra originária não figura como circunstância apta a ensejar a ilicitude de seu uso (nem mesmo quando os requisitos exigidos pelo art. 47 são interpretados ampliativamente).

Não há, de fato, na Lei de Direitos Autorais, qualquer dispositivo que imponha, quando do uso da paródia, o anúncio ou a indicação do nome do autor da obra originária.

O direito moral elencado no art. 24, II, da LDA diz respeito, exclusivamente, à indicação do nome do autor quando do uso de sua obra. Ademais, quando o legislador entendeu por necessária, na hipótese de utilização de obra alheia, a menção do nome do autor ou a citação da fonte originária, ele procedeu à sua positivação de modo expresso, a exemplo do que se verifica das exceções constantes no art. 46, I, 'a', e III, da LDA.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Indicação de livro: "A cláusula de declarações e garantias em alienação de participação societária" de Giacomo Grezzana



"Finaliza a primeira parte do estudo com uma abordagem das diferentes classificações das declarações e garantias em alienações de participações societárias, sendo fácil perceber o rigor da pesquisa acadêmica realizada, demonstrando intimidade com a literatura estrangeira, sobretudo alemã e italiana. Concretiza-se, na segunda parte da obra, a relevância técnica e prática da construção dogmática das declarações e garantias em alienações de participações societárias. Revela-se, então, o seu exemplar domínio de conceitos jurídicos de direito civil e de direito societário, que entrelaça para analisar as diversas vicissitudes práticas do instituto. De modo preciso, identifica ser a função assecuratória das declarações e garantias dotada de tipicidade social, sobretudo em operações envolvendo sociedades de grande e de médio porte, delimitando, com rigor, o regime jurídico aplicável ao tormentoso problema da falsidade das declarações e garantias, conforme a função concreta exercida pela a cláusula de declarações e garantias. E prossegue com as qualificações de obrigação de garantia e obrigação de dar, bem como o exame entrecruzado entre as qualificações procedidas e os institutos aptos, em nosso sistema, a recepcionar, funcionalmente, a cláusula de declarações e garantias.

https://www.amazon.com.br/Declara%C3%A7%C3%B5es-Garantias-Aliena%C3%A7%C3%A3o-Participa%C3%A7%C3%A3o-Societ%C3%A1ria/dp/8574538310

sábado, 26 de fevereiro de 2022

A inexistência de responsabilidade solidária por fato do produto entre os fornecedores da cadeia de consumo impede a extensão do acordo feito por um réu em benefício do outro

 


Processo

REsp 1.968.143-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL


Tema

Ação de indenização por danos morais e materiais. Ingestão de produto contendo corpo estranho. Fato do produto. Responsabilidade solidária. Inexistência. Acordo celebrado com o comerciante. Extensão às fabricantes. Impossibilidade. Art. 844, § 3º, do Código Civil. Inaplicabilidade.

DESTAQUE

A inexistência de responsabilidade solidária por fato do produto entre os fornecedores da cadeia de consumo impede a extensão do acordo feito por um réu em benefício do outro.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se o acordo firmado por um dos réus, em ação indenizatória ajuizada com base no Código de Defesa do Consumidor, deve aproveitar aos demais corréus, a teor do que dispõe o § 3º do art. 844 do Código Civil, ao fundamento de se tratar de responsabilidade solidária.

O caso trata de ingestão parcial de produto contaminado, tendo em vista que a parte consumiu parte de um suco contendo um corpo estranho em seu interior.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que "a presença de corpo estranho em alimento industrializado excede aos riscos comumente esperados pelo consumidor em relação a esse tipo de produto, caracterizando-se, portanto, como um defeito, a permitir a responsabilização do fornecedor. De fato, no atual estágio de desenvolvimento da tecnologia - e do próprio sistema de defesa e proteção do consumidor -, é razoável esperar que um alimento, após ter sido processado e transformado industrialmente, apresente, ao menos, adequação sanitária, não contendo em si substâncias, partículas ou patógenos agregados durante o processo produtivo e de comercialização, com potencialidade lesiva à saúde do consumidor" (REsp n. 1.899.304/SP, Segunda Seção, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, DJe de 4/10/2021).

Em outras palavras, a Segunda Seção da Corte Superior decidiu que a existência de corpo estranho em produtos alimentícios, como no caso, configura hipótese de fato do produto (defeito), previsto nos arts. 12 e 13 do Código de Defesa do Consumidor, não se tratando de vício do produto (CDC, art. 18 e seguintes).

Essa diferenciação é importante para analisar a existência ou não de solidariedade entre as rés.

É que, em relação à responsabilidade por vício do produto ou serviço, o art. 18 do Código de Defesa do Consumidor não faz qualquer diferenciação entre os fornecedores, estabelecendo a responsabilidade solidária de todos eles.

Percebe-se que a regra geral acerca da responsabilidade pelo fato do produto é objetiva e solidária entre o fabricante, o produtor, o construtor e o importador, a teor do art. 12 do CDC. Ou seja, todos os fornecedores que integram a cadeia de consumo irão responder conjuntamente independentemente de culpa.

Ocorre que, ao tratar da responsabilidade do comerciante pelo fato do produto, o Código de Defesa do Consumidor disciplinou de forma diversa, estabelecendo a responsabilidade subsidiária, conforme se verifica do disposto no art. 13, incisos I a III, do CDC.

Isto é, o comerciante somente será responsabilizado pelo fato do produto ou serviço quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados (incisos I e II) ou quando não conservar adequadamente os produtos perecíveis (inciso III).

Em conclusão, inexistindo responsabilidade solidária não há que se falar em extensão do acordo feito por um réu em benefício do outro, tendo em vista a inaplicabilidade da regra do art. 844, § 3º, do Código Civil.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Incabível o arbitramento de aluguel em desfavor da coproprietária vítima de violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade do agressor.

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 1.966.556-SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

     
Tema

Imóvel em condomínio. Posse direta e exclusiva exercida por um dos condôminos. Privação de uso e gozo do bem por coproprietário em virtude de medida protetiva contra ele decretada. Arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo da coisa pela vítima de violência doméstica e familiar. Descabimento.

DESTAQUE

Incabível o arbitramento de aluguel em desfavor da coproprietária vítima de violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade do agressor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir a possibilidade de arbitramento de aluguel, pelo uso exclusivo e gratuito de imóvel comum indiviso por um dos condôminos, em favor de coproprietário que foi privado do uso e gozo do bem devido à decretação judicial de medida protetiva em ação penal proveniente de suposta prática de crime de violência doméstica e familiar contra a mulher.

A jurisprudência desta Corte Superior, alicerçada no art. 1.319 do Código Civil de 2002 (equivalente ao art. 627 do revogado Código Civil de 1916), assenta que a utilização ou a fruição da coisa comum indivisa com exclusividade por um dos coproprietários, impedindo o exercício de quaisquer dos atributos da propriedade pelos demais consortes, enseja o pagamento de indenização àqueles que foram privados do regular domínio sobre o bem, tal como o percebimento de aluguéis.

Contudo, impor à vítima de violência doméstica e familiar obrigação pecuniária consistente em locativo pelo uso exclusivo e integral do bem comum, na dicção do art. 1.319 do CC/2002, constituiria proteção insuficiente aos direitos constitucionais da dignidade humana e da igualdade, além de ir contra um dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro de promoção do bem de todos sem preconceito de sexo, sobretudo porque serviria de desestímulo a que a mulher buscasse o amparo do Estado para rechaçar a violência contra ela praticada, como assegura a Constituição Federal em seu art. 226, § 8º, a revelar a desproporcionalidade da pretensão indenizatória em tais casos.

Ao ensejo, registre-se que a interpretação conforme a constituição de lei ou ato normativo, atribuindo ou excluindo determinado sentido entre as interpretações possíveis em alguns casos, não viola a cláusula de reserva de plenário, consoante já assentado pelo Supremo Tribunal Federal no RE 572.497 AgR/RS, Rel. Min. Eros Grau, DJ 11/11/2008, e no RE 460.971, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 30/3/2007 (ambos reproduzindo o entendimento delineado no RE 184.093/SP, Rel. Moreira Alves, publicado em 29/4/1997).

Outrossim, a imposição judicial de uma medida protetiva de urgência - que procure cessar a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher e implique o afastamento do agressor do seu lar - constitui motivo legítimo a que se limite o domínio deste sobre o imóvel utilizado como moradia conjuntamente com a vítima, não se evidenciando, assim, eventual enriquecimento sem causa, que legitime o arbitramento de aluguel como forma de indenização pela privação do direito de propriedade do agressor.

Portanto, afigura-se descabido o arbitramento de aluguel, com base no disposto no art. 1.319 do CC/2002, em desfavor da coproprietária vítima de violência doméstica, que, em razão de medida protetiva de urgência decretada judicialmente, detém o uso e gozo exclusivo do imóvel de cotitularidade do agressor, seja pela desproporcionalidade constatada em cotejo com o art. 226, § 8º, da CF/1988, seja pela ausência de enriquecimento sem causa (art. 884 do CC/2002).

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

A discrepância entre a assinatura artística e o nome registral não consubstancia situação excepcional e motivo justificado à alteração da grafia do apelido de família

 


Processo

REsp 1.729.402-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/12/2021, DJe 01/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO REGISTRAL

Tema

Ação de retificação de nome. Duplicação de consoante inserta no apelido de família. Pretendida conciliação entre assinatura artística e nome registral. Princípio da imutabilidade relativa. Caráter excepcional e fundamentado em justo motivo. Não ocorrência. Prejuízo ao apelido familiar.

DESTAQUE

A discrepância entre a assinatura artística e o nome registral não consubstancia situação excepcional e motivo justificado à alteração da grafia do apelido de família.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia sobre a possibilidade de alteração de patronímico de família, com a duplicação de uma consoante, a fim de adequar o nome registral àquele utilizado como assinatura artística.

Atualmente, ante o feixe de proteção que irradia do texto constitucional, inferido a partir da tutela à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inc. III, da CRFB/1988), o direito ao nome traduz-se como uma de suas hipóteses de materialização/exteriorização e abrange a garantia ao livre desenvolvimento da personalidade, devendo refletir o modo como o indivíduo se apresenta e é visto no âmbito social. Todavia, embora calcado essencialmente na tutela do indivíduo, há uma inegável dimensão pública a indicar que, associado ao direito ao nome, encontra-se o interesse social na determinação da referida identidade e procedência familiar, especificamente sob a perspectiva daqueles que possam vir a ter relações jurídicas com o seu titular.

O princípio da imutabilidade do nome não é absoluto no sistema jurídico brasileiro, de modo que o nome civil, conforme as regras insertas nos artigos 56 e 57 da Lei de Registros Públicos, pode ser alterado: a) no primeiro ano após o alcance da maioridade, desde que não prejudique os apelidos de família; ou b) ultrapassado esse prazo, excepcionalmente, por justo motivo, mediante oitiva do representante do Ministério Público e apreciação judicial.

O sobrenome, apelido de família ou patronímico, enquanto elemento do nome, transcende o indivíduo, dirigindo-se, precipuamente, ao grupo familiar, de modo que a admissão de alterações/modificações deve estar pautada pelas hipóteses legais, via de regra, decorrente da alteração de estado (adoção, casamento, divórcio), ou, excepcionalmente, em havendo justo motivo, preceituado no artigo 57 da Lei n. 6.015/1973. Tratando-se, portanto, de característica exterior de qualificação familiar, afasta-se a possibilidade de livre disposição, por um de seus integrantes, a fim de satisfazer interesse exclusivamente estético e pessoal de modificação do patronímico.

Nada obstante os contornos subjetivos do nome como atributo da personalidade e elemento fundamental de identificação do sujeito - seja no âmbito de sua autopercepção ou no meio social em que se encontra inserido -, o apelido de família, ao desempenhar a precípua função de identificação de estirpe, não é passível de alteração pela vontade individual de um dos integrantes do grupo familiar.

No caso, a modificação pretendida altera a própria grafia do apelido de família e, assim, consubstancia violação à regra registral concernente à preservação do sobrenome, calcada em sua função indicativa da estirpe familiar, questão que alcança os lindes do interesse público. Ademais, tão-somente a discrepância entre a assinatura artística e o nome registral não consubstancia situação excepcional e motivo justificado à alteração pretendida.

O nome do autor de obra de arte, lançado por ele nos trabalhos que executa, pode ser neles grafado nos moldes que bem desejar, sem que tal prática importe em consequência alguma ao autor ou a terceiros, pois se trata de uma opção de cunho absolutamente subjetivo, sem impedimento de qualquer ordem. Todavia, a utilização de nome de família, de modo geral, que extrapole o objeto criado pelo artista, com acréscimo de letras que não constam do registro original, não para sanar equívoco, mas para atender a desejo pessoal, não está elencado pela lei a render ensejo à modificação do assento de nascimento.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Os valores depositados em planos abertos de previdência privada durante a vida em comum do casal, integram o patrimônio comum e devem ser partilhados

 


Processo

REsp 1.545.217-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por maioria, julgado em 07/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PREVIDENCIÁRIO


Tema

Plano de benefício administrado por entidade aberta de previdência complementar. Contribuições vertidas na constância do casamento. Regime da comunhão universal de bens. Proveito do casal. Comunicabilidade. Partilha. Possibilidade.

DESTAQUE

Os valores depositados em planos abertos de previdência privada durante a vida em comum do casal, integram o patrimônio comum e devem ser partilhados.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Inicialmente cumpre salientar que, entre as alterações no regime de previdência privada procedidas pela LC n. 109/2001, destaca-se o intuito de lucro das entidades abertas, as quais devem ser constituídas exclusivamente na forma de sociedades anônimas.

Essa modificação revela que a finalidade de obtenção de lucro expressa o claro critério adotado pelo legislador para distinguir o segmento aberto de previdência complementar. Nessa linha, a propósito, ressaltou o Ministro Luis Felipe Salomão no voto que proferiu perante a Segunda Seção no RESP 1.536.786/MG, leading case da Súmula 563/STJ ("O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas").

Nesse contexto, os valores depositados em planos de previdência complementar aberta equiparam-se a investimentos financeiros.

No caso de planos mantidos em entidades abertas, o titular escolhe a quantia a ser destinada ao fundo de previdência privada, a periodicidade de sua contribuição, e tem assegurado, pelo art. 27 da Lei Complementar n. 109/2001 (inserido em Seção intitulada "Dos Planos de Benefícios de Entidades Abertas"), o direito a resgate total ou parcial dos recursos.

Portanto, as reservas financeiras aportadas durante a sociedade conjugal, em entidades abertas de previdência privada, constituem patrimônio que pode ser resgatado, vencida a carência contratual, e, portanto, deve ser partilhado de acordo com as regras do regime de bens, assim como o seriam tais valores se depositadas em outro tipo de aplicação financeira, como contas bancárias e cadernetas de poupança.

O intuito com que feita a aplicação - criação de uma reserva de valor em prol da segurança e amparo futuro da família - está presente na previdência privada aberta, assim como também existe quando o investimento é feito em imóveis, ações ou aplicações financeiras, independentemente do nome do cônjuge em que formalizado.

Durante o casamento, que, no caso presente, adotou a regra da comunhão universal de bens, os rendimentos do trabalho de cada cônjuge a ele pertencem individualmente e não se desvinculam da destinação própria dos salários de suprir as despesas com moradia, alimentação, vestuário, entre outras de seu beneficiário, observados, naturalmente, os deveres de ambos os cônjuges de mútua assistência, sustento e educação dos filhos e responsabilidade pelos encargos da família (arts. 1566, III, 1568 e 1565, caput, do CC/2002).

Atendidas as necessidades individuais do cônjuge que auferiu os rendimentos do trabalho e cumpridas as obrigações de sustento e manutenção do lar conjugal, os recursos financeiros eventualmente excedentes e os bens com eles adquiridos passam a integrar o patrimônio comum do casal, sejam eles móveis, imóveis, direitos ou quaisquer espécies de reservas monetárias de que ambos os cônjuges disponham, tais como depósitos bancários, aplicações financeiras, moeda nacional ou estrangeira acumuladas em residência, entre outros.

Assim, a importância em dinheiro, depositada em instituição bancária, ou investida nas diversas espécies de aplicações financeiras disponíveis no mercado, oriunda dos proventos do trabalho - única fonte de renda na maioria dos casais brasileiros - sobejante do custeio das despesas cotidianas da família, integra o patrimônio do casal, do mesmo modo como ocorre quando esse numerário é convertido em bens móveis, imóveis ou direitos.

O mesmo entendimento haverá de ser aplicado aos valores depositados em planos abertos de previdência privada durante a vida em comum do casal.

Deste modo, rompida a sociedade conjugal, tais valores devem ser partilhados conforme o regime de bens. O intuito previdenciário poderá subsistir com o aporte dos recursos, metade em nome de cada ex-convivente, caso assim o desejem. Entendimento contrário, data maxima vênia, tornaria possível que, durante a sociedade conjugal, a margem do regime de bens aplicável, fosse permitida uma reserva de capital aberta e alimentada, em prol de apenas um dos consortes.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

"A operadora de plano de saúde tem o dever de cobrir parto de urgência, por complicações no processo gestacional, ainda que o plano tenha sido contratado na segmentação hospitalar sem obstetrícia"

 


Processo

REsp 1.947.757-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/03/2022, DJe 11/03/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Plano de saúde. Segmentação hospitalar sem obstetrícia. Atendimento de urgência. Complicações no processo gestacional. Negativa de cobertura indevida. Dano moral. Cabimento.

DESTAQUE

A operadora de plano de saúde tem o dever de cobrir parto de urgência, por complicações no processo gestacional, ainda que o plano tenha sido contratado na segmentação hospitalar sem obstetrícia.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A Lei n. 9.656/1998 autoriza a contratação de planos de saúde nas segmentações ambulatorial, hospitalar (com ou sem obstetrícia) e odontológica, estabelecendo as exigências mínimas para cada cobertura assistencial disponibilizada aos beneficiários.

Em relação ao plano de saúde hospitalar sem obstetrícia, a cobertura mínima está vinculada a prestação de serviços em regime de internação hospitalar, sem limitação de prazo e excluídos os procedimentos obstétricos.

A hipótese em análise, entretanto, apresenta a peculiaridade de se tratar de um atendimento de urgência decorrente de complicações no processo gestacional.

Nessa situação, a Lei n. 9.656/1998 (art. 35-C) e a Resolução CONSU n. 13/1998, estabelecem, observada a abrangência do plano hospitalar contratado e as disposições legais e regulamentares pertinentes, a obrigatoriedade de cobertura, razão pela qual a negativa de cobertura por parte da operadora de plano de saúde se mostra indevida.

Ademais, o art. 4º da Resolução CONSU n. 13/1998 garante, ainda, os atendimentos de urgência e emergência quando se referirem ao processo gestacional e estabelece que, caso haja necessidade de assistência médica hospitalar decorrente da condição gestacional de pacientes com plano hospitalar sem cobertura obstétrica ou com cobertura obstétrica que ainda esteja cumprindo período de carência, deverá a operadora de plano de saúde, obrigatoriamente, cobrir o atendimento prestado nas mesmas condições previstas para o plano ambulatorial.

Além disso, a Resolução Normativa da ANS n. 465/2021 que, ao atualizar o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde, o qual estabelece a cobertura assistencial obrigatória a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde, assenta que o plano hospitalar compreende os atendimentos realizados em todas as modalidades de internação hospitalar e os atendimentos de urgência e emergência, garantindo a cobertura da internação hospitalar por período ilimitado de dias.

Diante desse arcabouço normativo, e considerando a abrangência do plano hospitalar contratado e as disposições legais e regulamentares pertinentes, conclui-se que não há que falar em exclusão de cobertura do atendimento de parto de urgência, incluindo o direito à internação sem limite de dias ou a cobertura de remoção, o que, conforme consta dos autos, não se verifica na hipótese.

Sobre tema, a orientação adotada pela jurisprudência desta Corte é a de que "a recusa indevida de cobertura, pela operadora de plano de saúde, nos casos de urgência ou emergência, enseja reparação a título de dano moral, em razão do agravamento ou aflição psicológica ao beneficiário, ante a situação vulnerável em que se encontra" (AgInt no AgInt no REsp 1.804.520-SP, Quarta Turma, DJe de 02/04/2020).

O CDC estabelece a responsabilidade solidária daqueles que participam da introdução do serviço no mercado por eventuais prejuízos causados ao consumidor (art. 7º, parágrafo único e art. 14).

Desse modo, no caso, existe responsabilidade solidária entre a operadora de plano de saúde e o hospital conveniado, pela reparação dos prejuízos sofridos em decorrência da má prestação dos serviços, configurada, na espécie, pela negativa indevida de cobertura e não realização do atendimento médico-hospitalar de urgência de que necessitava a beneficiária.

Responde civilmente por danos morais o provedor de aplicação de internet que, após formalmente comunicado de publicação ofensiva a imagem de menor, se omite na sua exclusão, independentemente de ordem judicial

 


Processo

REsp 1.783.269-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, DIREITO DIGITAL


Tema

Rede social. Provedor de aplicação. Menor. Proteção integral. Dever de toda a sociedade. Publicação ofensiva. Retirada. Ordem judicial. Desnecessidade. Danos morais e à imagem. Omissão relevante. Responsabilidade civil configurada.

DESTAQUE

Responde civilmente por danos morais o provedor de aplicação de internet que, após formalmente comunicado de publicação ofensiva a imagem de menor, se omite na sua exclusão, independentemente de ordem judicial.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 18) e a Constituição Federal (art. 227) impõem, como dever de toda a sociedade, zelar pela dignidade da criança e do adolescente, colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, com a finalidade, inclusive, de evitar qualquer tipo de tratamento vexatório ou constrangedor.

As leis protetivas do direito da infância e da adolescência possuem natureza especialíssima, pertencendo à categoria de diploma legal que se propaga por todas as demais normas, com a função de proteger sujeitos específicos, ainda que também estejam sob a tutela de outras leis especiais.

Para atender ao princípio da proteção integral consagrado no direito infantojuvenil, é dever do provedor de aplicação na rede mundial de computadores (Internet) proceder à retirada de conteúdo envolvendo menor de idade - relacionado à acusação de que seu genitor havia praticado crimes de natureza sexual - logo após ser formalmente comunicado da publicação ofensiva, independentemente de ordem judicial.

O provedor de aplicação que, após notificado, nega-se a excluir publicação ofensiva envolvendo menor de idade, deve ser responsabilizado civilmente, cabendo impor-lhe o pagamento de indenização pelos danos morais causados à vítima da ofensa.

A responsabilidade civil, em tal circunstância, deve ser analisada sob o enfoque da relevante omissão de sua conduta, pois deixou de adotar providências que, indubitavelmente sob seu alcance, minimizariam os efeitos do ato danoso praticado por terceiro, o que era seu dever.

Assim, apesar do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) dispor que o provedor somente será responsável civilmente, em razão de publicação gerada por terceiro, se descumprir ordem judicial determinando as providências necessárias para cessar a exibição do conteúdo ofensivo, afigura-se insuficiente a sua aplicação isolada.

Referida norma, interpretada à luz do art. 5º, X, da Constituição Federal, não impede a responsabilização do provedor de serviços por outras formas de atos ilícitos, que não se limitam ao descumprimento da ordem judicial a que se refere o dispositivo da lei especial.

Registra-se, por fim, que a constitucionalidade do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 será ainda decidida pelo Supremo Tribunal Federal (Tema n. 987/STF), que reconheceu repercussão geral da questão constitucional suscitada, sem determinar a suspensão dos processos em curso.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

A Cooperativa de Trabalho Médico pode limitar, justificada e objetivamente, o ingresso de médicos em seus quadros.

 


Processo

REsp 1.396.255-SE, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021, DJe 14/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

     
Tema

Cooperativa de trabalho médico. Limitação de ingresso justificada. Possibilidade. Princípios da livre adesão voluntária e "portas abertas". Ausência de violação. Impossibilidade técnica de prestação de serviços. Preservação de equilíbrio econômico-financeiro. Art. 4°, I, e art. 29, ambos da Lei n. 5.764/1971.

DESTAQUE

A Cooperativa de Trabalho Médico pode limitar, justificada e objetivamente, o ingresso de médicos em seus quadros.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Discute-se a legalidade de a Cooperativa de Trabalho Médico limitar, justificada e objetivamente, nos termos de seu estatuto, o ingresso de médicos em seus quadros sob o argumento de necessidade de preservação de equilíbrio econômico-financeiro, nos termos dos artigos 4°, I, e 29 da Lei n. 5.764/1971, ou se a exceção legal ao princípio da adesão livre é referente tão somente à qualificação técnica do aspirante.

Conforme disposição contida no artigo 4°, caput, da Lei n. 5.764/1971, que define a Política Nacional de Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, essas são conceituadas como "sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados", os quais, recíproca e pessoalmente, obrigam-se a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.

Nesse contexto, diante da marcante função social de proporcionar acesso a todos ao mercado de trabalho, as sociedades cooperativas são regidas pelo princípio da livre adesão voluntária, que possui como consectário o princípio da "porta aberta", previsto nos artigos 4°, I, e 29, caput e § 1°, da Lei em comento, por meio da qual se estabelece que o ingresso é franqueado a todos que preencherem os requisitos estatutários, ilimitadamente, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços.

Assim sendo, conjugando-se ambos os artigos, as restrições ao ingresso na cooperativa são de duas ordens: a primeira, contida no artigo 4°, I, referente à própria logística de prestação de serviços previstos pela sociedade, que pode encontrar limites operacionais de ordem técnica; e a segunda, relacionada aos propósitos sociais da cooperativa e ao preenchimento, pelo aspirante, das condições estabelecidos no estatuto, as quais podem versar, inclusive, sobre restrições a categorias de atividade ou profissão.

Noutros termos, conforme se verifica da previsão contida no caput do artigo 4° da Lei n. 5.764/1971, que elenca as características distintivas da cooperativa, a "impossibilidade técnica de prestação de serviços" é alusiva à própria organização da sociedade, enquanto o regramento disposto no artigo 29 é pertinente à qualificação do associado.

Nos termos do artigo 4°, I, da Lei n. 5.764/1971, "atingida a capacidade máxima de prestação de serviços pela cooperativa, aferível por critérios objetivos e verossímeis, impedindo-a de cumprir sua finalidade, é admissível a recusa de novos associados" (REsp 1.901.911/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/8/2021, DJe 31/8/2021)".

Diante do híbrido regime jurídico ao qual as Cooperativas de Trabalho Médico estão sujeitas (Lei n. 5.764/1971 e Lei n. 9.656/1998), jurídica é a limitação, de forma impessoal e objetiva, do número de médicos cooperados, tendo em vista o mercado para a especialidade e o necessário equilíbrio financeiro da cooperativa. A interpretação harmônica das duas leis de regência consolida o interesse público que permeia a atuação das cooperativas médicas e viabiliza a continuidade das suas atividades, mormente ao se considerar a responsabilidade solidária existente entre médicos cooperados e cooperativa e o possível desamparo dos beneficiários que necessitam do plano de saúde.

Assim, "atingida a capacidade máxima de prestação de serviços pela cooperativa, aferível por critérios objetivos e verossímeis, impedindo-a de cumprir sua finalidade, é admissível a recusa de novos associados. (...) O princípio da porta aberta (livre adesão) não é absoluto, devendo a cooperativa de trabalho médico, que também é uma operadora de plano de saúde, velar por sua qualidade de atendimento e situação financeira estrutural, até porque pode ser condenada solidariamente por atos danosos de cooperados a usuários do sistema (a exemplo de erros médicos), o que impossibilitaria a sua viabilidade de prestação de serviços. (REsp 1.901.911/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 24/8/2021, DJe 31/8/2021)".

sábado, 19 de fevereiro de 2022

Para o bem de família instituído nos moldes da Lei n. 8.009/1990, a proteção conferida pelo instituto alcançará todas as obrigações do devedor, indistintamente, ainda que o imóvel tenha sido adquirido no curso de uma demanda executiva

 


Processo

REsp 1.792.265-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 14/12/2021.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Bem de família. Lei n. 8.009/1990. Imóvel adquirido no curso da execução. Obrigações preexistentes à aquisição do bem. Impenhorabilidade.

DESTAQUE

Para o bem de família instituído nos moldes da Lei n. 8.009/1990, a proteção conferida pelo instituto alcançará todas as obrigações do devedor, indistintamente, ainda que o imóvel tenha sido adquirido no curso de uma demanda executiva.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia consiste em definir se o imóvel adquirido no curso da demanda executiva pode ser considerado bem de família, para os fins de impenhorabilidade.

O bem de família legal (Lei n. 8.009/1990) e o convencional (Código Civil) coexistem no ordenamento jurídico, harmoniosamente. A disciplina legal tem como instituidor o próprio Estado e volta-se para o sujeito de direito - entidade familiar -, pretendendo resguardar-lhe a dignidade, por meio da proteção do imóvel que lhe sirva de residência. O bem de família convencional, decorrente da vontade do instituidor, objetiva, primordialmente, a proteção do patrimônio contra eventual execução forçada de dívidas do proprietário do bem.

O bem de família legal dispensa a realização de ato jurídico, bastando para sua formalização que o imóvel se destine à residência familiar. Por sua vez, para o voluntário, o Código Civil condiciona a validade da escolha do imóvel à formalização por escritura pública e à circunstância de que seu valor não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente no momento da afetação.

Nos termos da Lei n. 8.009/1990, para que a impenhorabilidade tenha validade, além de ser utilizado como residência pela entidade familiar, o imóvel será sempre o de menor valor, caso o beneficiário possua outros. Já na hipótese convencional esse requisito é dispensável e o valor do imóvel é considerado apenas em relação ao patrimônio total em que inserido o bem.

Nas situações em que o sujeito possua mais de um bem imóvel em que resida, a impenhorabilidade poderá incidir sobre imóvel de maior valor, caso tenha sido instituído, formalmente, como bem de família, no Registro de Imóveis (art. 1711, CC/2002) ou, caso não haja instituição voluntária formal, automaticamente, a impenhorabilidade recairá sobre o imóvel de menor valor (art. 5°, parágrafo único, da Lei n. 8.009/1990).

Com efeito, diz-se que o destaque da instituição voluntária será percebida na realidade de múltiplas propriedades, pela simples razão de que, sendo o executado proprietário de apenas um imóvel, utilizado para residência, a condição de bem de família já recaía sobre ele, antes mesmo de registrada a opção. Ou seja, mesmo que exista apenas um bem sob o domínio do instituidor, este poderá, sim, oficializar sua vontade de que, verdadeiramente, recaia sobre ele a característica de bem família, situação em que serão coincidentes as vontades Estatal e privada.

No que se refere às dívidas sobre as quais o escudo protetivo incidirá, para o bem de família instituído nos moldes da Lei n. 8.009/1990, a proteção conferida pelo instituto alcançará todas as obrigações do devedor, indistintamente, ainda que o imóvel tenha sido adquirido no curso de uma demanda executiva. Por sua vez, a impenhorabilidade convencional é relativa, uma vez que o imóvel apenas estará protegido da execução por dívidas subsequentes à sua constituição, não servindo às obrigações existentes no momento de seu gravame.

Ressalte-se que a indistinta proteção, no que respeita ao momento em que a obrigação fora contraída, legitima-se tão somente num cenário em que se evidenciado o uso regular do direito. É que, independentemente do regime legal a que está submetido o instituto, não se admitirá a proteção irrestrita se isso significar o alijamento da garantia, contrariando a ética e a boa-fé, indispensáveis em todas as relações negociais. Exatamente esse o comando do art. 4° da Lei n. 8.009/1990.

Nessa linha, mister reconhecer que só o fato de ser o imóvel residencial bem único do executado, sobre ele, necessariamente, incidirão as normas da Lei n. 8.009/1990, mormente a impenhorabilidade questionada.

De fato, ainda que se tratasse de imóvel voluntariamente instituído como bem de família (regime do Código Civil), conforme demonstrado alhures, tendo em vista tratar-se de único bem imóvel do executado, a proteção conferida pela Lei n. 8.009/1990 subsistiria, de maneira coincidente e simultânea, e, nessa extensão, seria capaz de preservar o bem da penhora de dívidas constituídas anteriormente à instituição voluntária. É que a proteção viria do regime legal e não do regime convencional.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos

 


Processo

REsp 1.922.347-PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 07/12/2021, Dje 01/02/2022.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

União estável. Separação obrigatória de bens. Companheiro maior de 70 anos. Pacto antenupcial afastando a incidência da súmula n. 377 do STF, impedindo comunhão de aquestos adquiridos onerosamente na constância da convivência. Possibilidade. Meação de bens da companheira. Inocorrência. Sucessão de bens. Companheira na condição de herdeira. Impossibilidade.

DESTAQUE

No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O pacto antenupcial e o contrato de convivência definem as regras econômicas que irão reger o patrimônio daquela unidade familiar, formando o estatuto patrimonial - regime de bens - do casamento ou da união estável, cuja regência se iniciará, sucessivamente, na data da celebração do matrimônio ou no momento da demonstração empírica do preenchimento dos requisitos da união estável (CC, art. 1.723).

O Código Civil, em exceção à autonomia privada, também restringe a liberdade de escolha do regime patrimonial aos nubentes em certas circunstâncias, reputadas pelo legislador como essenciais à proteção de determinadas pessoas ou situações e que foram dispostas no art. 1.641 do Código Civil, como sói ser o regime da separação obrigatória da pessoa maior de setenta anos (inciso II).

"A ratio legis foi a de proteger o idoso e seus herdeiros necessários dos casamentos realizados por interesse estritamente econômico, evitando que este seja o principal fator a mover o consorte para o enlace" (REsp 1689152/SC, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 22/11/2017).

Sobre o tema, firmou o STJ o entendimento de que, "por força do art. 258, § único, inciso II, do Código Civil de 1916 (equivalente, em parte, ao art. 1.641, inciso II, do Código Civil de 2002), ao casamento de sexagenário, se homem, ou cinquentenária, se mulher, é imposto o regime de separação obrigatória de bens. Por esse motivo, às uniões estáveis é aplicável a mesma regra, impondo-se seja observado o regime de separação obrigatória, sendo o homem maior de sessenta anos ou mulher maior de cinquenta" (REsp 646.259/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 24/08/2010).

A Segunda Seção do STJ, em releitura da antiga Súmula n. 377/STF, decidiu que, "no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento, desde que comprovado o esforço comum para sua aquisição" EREsp 1.623.858/MG, Rel. Ministro Lázaro Guimarães (Desembargador convocado do TRF 5ª região), Segunda Seção, DJe 30/05/2018), ratificando anterior entendimento da Seção com relação à união estável (EREsp 1171820/PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, DJe 21/09/2015).

No casamento ou na união estável regidos pelo regime da separação obrigatória de bens, é possível que os nubentes/companheiros, em exercício da autonomia privada, estipulando o que melhor lhes aprouver em relação aos bens futuros, pactuem cláusula mais protetiva ao regime legal, com o afastamento da Súmula n. 377 do STF, impedindo a comunhão dos aquestos.

A mens legis do art. 1.641, II, do Código Civil é justamente conferir proteção ao patrimônio do idoso que está casando-se e aos interesses de sua prole, impedindo a comunicação dos aquestos. Por uma interpretação teleológica da norma, é possível que o pacto antenupcial venha a estabelecer cláusula ainda mais protetiva aos bens do nubente septuagenário, preservando o espírito do Código Civil de impedir a comunhão dos bens do ancião. O que não se mostra possível é a vulneração dos ditames do regime restritivo e protetivo, seja afastando a incidência do regime da separação obrigatória, seja adotando pacto que o torne regime mais ampliativo e comunitário em relação aos bens.

Na hipótese, o de cujus e a sua companheira celebraram escritura pública de união estável quando o primeiro contava com 77 anos de idade - com observância, portanto, do regime da separação obrigatória de bens -, oportunidade em que as partes, de livre e espontânea vontade, realizaram pacto antenupcial estipulando termos ainda mais protetivos ao enlace, demonstrando o claro intento de não terem os seus bens comunicados, com o afastamento da incidência da Súmula n. 377 do STF. Portanto, não há falar em meação de bens nem em sucessão da companheira (CC, art. 1.829, I)