sexta-feira, 31 de março de 2023

"Na hipótese excepcional em que ficar evidenciada a condição de investimento de plano de previdência privada complementar aberta, operado por seguradora autorizada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), os valores devem ser trazidos à colação no inventário, como herança, devendo ainda ser objeto da partilha, desde que antes da conversão em renda e pensionamento do titular."

 


Processo

REsp 2.004.210-SP, Relator Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO BANCÁRIO


Tema

Plano de previdência privada complementar aberta. Natureza de investimento. Possibilidade. Configuração. Excepcionalidade. Não conversão em renda e pensionamento do titular. Morte do titular. Partilha. Possibilidade.

DESTAQUE

Na hipótese excepcional em que ficar evidenciada a condição de investimento de plano de previdência privada complementar aberta, operado por seguradora autorizada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), os valores devem ser trazidos à colação no inventário, como herança, devendo ainda ser objeto da partilha, desde que antes da conversão em renda e pensionamento do titular.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Cinge-se a controvérsia a definir se valores depositados em plano de previdência privada aberta - no caso, o VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) - devem, em alguma medida, compor ou não o acervo hereditário.

Conforme informado no site da Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão público supervisor das entidades abertas de previdência complementar, e indicado em vários dos pareceres das entidades que aqui se manifestaram, o VGBL e o PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) são planos por sobrevivência (de seguro de pessoas e de previdência complementar aberta, respectivamente) que, após um período de acumulação de recursos (período de diferimento), proporcionam aos investidores (segurados e participantes) uma renda mensal, que poderá ser vitalícia ou por período determinado, ou um pagamento único.

Esses planos de previdência privada aberta, operados por seguradoras autorizadas pela Susep, podem ser objeto de contratação por qualquer pessoa física ou jurídica, tratando-se de regime de capitalização no qual cabe ao investidor, com ampla liberdade e flexibilidade, deliberar acerca dos valores de contribuição, depósitos adicionais, resgates antecipados ou parceladamente até o fim da vida. Dessa forma, sua natureza jurídica ora se assemelha a seguro previdenciário adicional, ora a investimento ou aplicação financeira.

Não se pode descurar que, para o mercado, muitos desses fundos constituem mais uma aplicação financeira que propriamente uma previdência privada. Isso devido à natureza jurídica desses contratos antes que se concretize sua condição previdenciária, ou seja, antes que o investidor passe a receber as prestações periódicas.

Como regra, o VGBL tem natureza preponderantemente de seguro. Não há, por assim dizer, a lógica de que todo e qualquer aporte em plano VGBL configuraria, sempre e sempre, mera aplicação financeira.

A matéria já foi analisada pela Terceira Turma no REsp n. 1.726.577/SP, e a decisão, concluindo-se que os planos de previdência privada aberta, de que são exemplos o VGBL e o PGBL, não apresentam os mesmos entraves de natureza financeira e atuarial que são verificados nos planos de previdência fechada. Assim, a eles não se aplicam os óbices à partilha por ocasião da dissolução do vínculo conjugal ou da sucessão (REsp n. 1.726.577/SP, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/9/2021, DJe 1º/10/2021).

Nesse julgado se decidiu que os planos de previdência privada aberta têm natureza multifacetária e, assim, natureza securitária (e de previdência complementar), o que se evidencia no momento em que o investidor passa a receber, a partir de determinada data futura e em prestações periódicas, os valores que acumulou ao longo da vida, como forma de complementação do valor recebido da previdência pública e com o propósito de manter determinado padrão de vida. No entanto, não se pode excluir a natureza de investimento no período que antecede a percepção dos valores, ou seja, durante as contribuições e formação do patrimônio, uma vez que, nesse tipo de plano, estão asseguradas múltiplas possibilidades de depósitos, de aportes diferenciados e de retiradas, inclusive antecipadas.

No caso em análise, a morte da titular, que é o evento de risco no seguro e que gera o pagamento do prêmio contratado, ocorreu durante o período que antecedeu a percepção dos valores a título de previdência complementar, antes, portanto, de sua conversão em renda e pensionamento.

Contudo, o que leva à compreensão de que a natureza preponderante do contrato de previdência complementar aberta ora objeto de análise é de aplicação e investimento não é apenas o momento em que se deu a morte mas também as circunstâncias que envolveram a própria contratação do seguro, ou seja, a titular utilizou valores decorrentes da venda do único imóvel do casal quando já tinha idade avançada (78 anos) e com quase nenhuma viabilidade de conversão em pensão por sobrevivência, pois, na data provável do resgate, a titular teria 100 anos de idade.

Por fim, deve-se considerar que o valor do contrato implicou significativo aporte de capital e potencialmente feriria o limite disponível para que a titular pudesse livremente dele dispor.

quinta-feira, 30 de março de 2023

"A fluência da prescrição da pretensão indenizatória fundada na imputação de crimes dos quais se venha a ser posteriormente absolvido tem início com o trânsito em julgado da sentença na ação penal"

 


Processo

AREsp 1.192.906-SP, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Pretensão indenizatória. Imputação de crimes indevida. Posterior absolvição. Prescrição. Fluência do prazo. Trânsito em julgado da sentença na ação penal.

DESTAQUE

A fluência da prescrição da pretensão indenizatória fundada na imputação de crimes dos quais se venha a ser posteriormente absolvido tem início com o trânsito em julgado da sentença na ação penal.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Em regra, segundo a teoria da actio nata, considera-se nascida a pretensão no momento da violação (ou inobservância) do direito, de sorte que o prazo prescricional é contado a partir desse momento. Contudo, a regra geral cede nas hipóteses em que a própria legislação vigente estabeleça que o cômputo do lapso prescricional se dê a partir de termo inicial distinto, como ocorre, por exemplo, nas ações que se originam de fato que deva ser apurado no juízo criminal.

Nessa hipótese, ao tratar das causas que impedem ou suspendem a prescrição, dispõe o Código Civil em seu artigo 200 que "Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva".

A previsão do referido dispositivo legal visa a beneficiar, via de regra, as vítimas de crimes que buscam indenização de natureza civil pelos prejuízos causados pelo ato criminoso por meio do ajuizamento de ação civil ex delicto, hipóteses nas quais, muitas vezes, é necessário apurar o fato na esfera penal, principalmente no que tange à certeza e autoria do crime, anteriormente à veiculação da pretensão indenizatória.

Todavia, a jurisprudência desta Corte entende que, verificada a relação de estrita dependência entre a pretensão de indenização por danos morais com o fato apurado no juízo criminal, aplicam-se analogicamente as regras do art. 200 do CC, ainda que não se trate de ação civil ex delicto - inclusive quanto ao prazo prescricional -, devendo ser afastada a inação da parte autora que aguardou o desfecho da ação na esfera penal para propor ação de reparação de danos na esfera civil, diante da possibilidade de que o trâmite simultâneo dos processos em ambas as esferas resultasse em indesejável contradição.

Tendo em vista que a parte autora fundamentou sua pretensão indenizatória na ocorrência de alegados prejuízos de ordem moral em razão da imputação da prática de crimes dos quais foi posteriormente absolvida, a apuração dos supostos fatos criminosos na esfera criminal era, portanto, questão prejudicial ao ingresso do pedido indenizatório na esfera cível, fazendo incidir, por analogia, o disposto no art. 200 do CC, no que tange ao termo inicial da prescrição.

quarta-feira, 29 de março de 2023

"É trienal o prazo prescricional aplicável à pretensão de indenização fundada em atos ofensivos praticados após a rescisão do contrato de trabalho"

 


Processo

AREsp 1.192.906-SP, Relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, por maioria, julgado em 14/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Dano moral. Atos praticados após rescisão de contrato de trabalho. Pretensão indenizatória. Prescrição. Prazo trienal. Responsabilidade extracontratual.

DESTAQUE

É trienal o prazo prescricional aplicável à pretensão de indenização fundada em atos ofensivos praticados após a rescisão do contrato de trabalho.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A pretensão de indenização por danos morais fundada em atos ofensivos praticados após a rescisão do contrato de trabalho, ante a imputação da prática de crimes de apropriação indébita e de desvio de recursos, submete-se a prazo prescricional trienal.

Isso, porque constata-se que a causa de pedir da ação de indenização está fundada na falsa imputação de condutas criminosas, o que teria causado danos à honra pessoal e profissional. Assim sendo, não há, de fato, que se falar em responsabilidade civil contratual, uma vez que, em que pese a relação das partes seja marcada pela prévia existência de contrato de trabalho extinto, na hipótese, busca-se indenização decorrente de suposto ato ilícito extracontratual.

Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, reafirmado no julgamento do Tema IAC 2, incide o prazo prescricional trienal, nos moldes do art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, nas ações de indenização oriundas de responsabilidade civil extracontratual.

terça-feira, 28 de março de 2023

"O shopping center e o estacionamento vinculado a ele podem ser responsabilizados por roubo à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estabelecimento comercial, em via pública"

 


Processo

REsp 2.031.816-RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 14/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR


Tema

Responsabilidade civil. Shopping center e unidade gestora do estacionamento. Roubo à mão armada na cancela. Abrangência da proteção consumerista. Área de prestação do serviço. Barreira física imposta para benefício do estabelecimento empresarial. Dever de fiscalização. Possibilidade de responsabilização. Nexo de imputação verificado. Fortuito interno. Legítima expectativa de segurança ao cliente. Acréscimo de conforto (estacionamento) aos consumidores em troca de benefícios financeiros indiretos.

DESTAQUE

shopping center e o estacionamento vinculado a ele podem ser responsabilizados por roubo à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estabelecimento comercial, em via pública.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Pragmaticamente, incide o regramento consumerista no percurso relacionado com a prestação do serviço e, notadamente, quando o fornecedor dele se vale no interesse de atrair o consumidor. Assim, na hipótese de se exigir do consumidor determinada conduta para que usufrua do serviço prestado pela fornecedora, colocando-o em vulnerabilidade não só jurídica, mas sobretudo fática, ainda que momentaneamente, se houver falha na prestação do serviço, será o fornecedor obrigado a indenizá-lo.

Nessa linha de raciocínio, quando o consumidor, com a finalidade de ingressar no estacionamento de shopping center, tem de reduzir a velocidade ou até mesmo parar seu veículo e se submeter à cancela - barreira física imposta pelo fornecedor e em seu benefício - incide a proteção consumerista, ainda que o consumidor não tenha ultrapassado referido obstáculo e mesmo que este esteja localizado na via pública.

Nessa hipótese, o consumidor se encontra, de fato, na área de prestação do serviço oferecido pelo estabelecimento comercial. Por conseguinte, também nessa área incidem os deveres inerentes às relações consumeristas e ao fornecimento de segurança indispensável que se espera dos estacionamentos de shoppings centers.

Esta Corte analisou situação parecida, na qual o consumidor que se encontrava dentro de estacionamento de shopping center, ao parar na cancela para sair do referido estabelecimento, foi surpreendido pela abordagem de indivíduos com arma de fogo que tentaram subtrair seus pertences (REsp 1.269.691/PB, Quarta Turma, DJe 5/3/2014).

Da mesma maneira como sucede com a saída, o consumidor também está sujeito a tal vulnerabilidade ao ingressar no estabelecimento. É necessário que aquele, a fim de utilizar o serviço oferecido pela recorrente, permaneça - ainda que por pouco tempo - desprotegido ao esperar a emissão do ticket e o levantamento da cancela.

Inclusive, a única razão para que o consumidor permaneça desprotegido, aguardando a abertura da cancela, é, justamente, para ingressar no estabelecimento do fornecedor. Logo, não pode o shopping center buscar afastar sua responsabilidade por aquilo que criou para se beneficiar e que também lhe incumbe proteger, sob pena de violar até mesmo o comando da boa-fé objetiva e o princípio da proteção contratual do consumidor.

Em síntese, o shopping center e o estacionamento vinculado podem ser responsabilizados por defeitos na prestação do serviço não só quando o consumidor se encontra efetivamente dentro da área assegurada, mas também quando se submete à cancela para ingressar no estabelecimento comercial.

No que tange especificamente à responsabilidade de shoppings centers, este Superior Tribunal de Justiça, "conferindo interpretação extensiva à Súmula n. 130/STJ, entende que estabelecimentos comerciais, tais como grandes shoppings centers e hipermercados, ao oferecerem estacionamento, ainda que gratuito, respondem pelos assaltos à mão armada praticados contra os clientes quando, apesar de o estacionamento não ser inerente à natureza do serviço prestado, gera legítima expectativa de segurança ao cliente em troca dos benefícios financeiros indiretos decorrentes desse acréscimo de conforto aos consumidores" (EREsp 1.431.606/SP, Segunda Seção, DJe 2/5/2019) - com exceção da hipótese em que o estacionamento representa "mera comodidade, sendo área aberta, gratuita e de livre acesso por todos".

Com efeito, não cabe dúvida de que a empresa que agrega ao seu negócio um serviço visando à comodidade e à segurança do cliente deve responder por eventuais defeitos ou deficiências na sua prestação. Afinal, serviços dessa natureza não têm outro objetivo senão atrair um número maior de consumidores ao estabelecimento, incrementando o movimento e, por via de consequência, o lucro, devendo o fornecedor, portanto, suportar os ônus respectivos.

Nos termos expostos, pode-se concluir que o shopping center que oferece estacionamento responde por roubo perpetrado por terceiro à mão armada ocorrido na cancela para ingresso no estabelecimento, uma vez que gerou no consumidor expectativa legítima de segurança em troca dos benefícios financeiros que percebera indiretamente.

segunda-feira, 27 de março de 2023

"Em contrato de compra e venda de imóvel na planta, a diferença ínfima a menor na metragem, que não inviabiliza ou prejudica a utilização do imóvel para o fim esperado, não autoriza a resolução contratual, ainda que a relação se submeta às disposições do Código de Defesa do Consumidor"

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 2.021.711-RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. para acórdão Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por maioria, julgado em 14/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

 
Tema

Compra e venda de imóvel na planta. Sala comercial. Natureza de investimento. Código de Defesa do Consumidor. Aplicação. Teoria finalista mitigada. Pequena diferença na área real. Descumprimento contratual. Rescisão de contrato. Não cabimento. Compra e venda "ad mensuram". Não configuração. Diferença de metragem aquém da margem fixada pelo art. 500, § 1º do Código Civil. Compra e venda "ad corpus".

DESTAQUE

Em contrato de compra e venda de imóvel na planta, a diferença ínfima a menor na metragem, que não inviabiliza ou prejudica a utilização do imóvel para o fim esperado, não autoriza a resolução contratual, ainda que a relação se submeta às disposições do Código de Defesa do Consumidor.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia está em saber se a diferença de metragem entre aquela que foi definida no contrato de compra e venda, quando o imóvel ainda estava na planta, e a que consta no registro da matrícula do imóvel e na promessa de compra e venda conceitua-se como venda ad mensuram de forma a incidir o disposto no art. 500, § 1º, do Código Civil.

Inicialmente, anota-se que, se admite, na hipótese, a utilização do Código de Defesa do Consumidor para amparar, concretamente, o investidor ocasional (figura do consumidor investidor), pois ele não desenvolve a atividade de investimento de maneira reiterada e profissional.

No entanto, a aplicação do referido diploma legal não tem o condão de enquadrar a compra e venda sub judice na qualificação "ad mensuram".

É de se concluir, pelos demonstrativos e provas, relacionados aos fatos que o negócio envolveu coisa delimitada (sala comercial), sem apego as suas exatas medidas, o que caracteriza, inequivocadamente, uma compra e venda "ad corpus".

Em se tratando de imóvel urbano, obviamente o comprador adquiriu o bem como um todo, ou como coisa certa e determinada. Logo, é possível concluir que as medidas do imóvel foram meramente enunciativas, e não decisivas como fator da aquisição.

Outrossim, o simples fato de ter sido uma compra na planta não altera a situação, porquanto as medidas constantes no instrumento particular de promessa de compra e venda eram somente enunciativas, ou seja, o que sobreleva é o bem em si (sala comercial), e não propriamente a metragem, até porque não restou demonstrado que o preço foi calculado com base na área de construção.

Doutrinariamente, a venda "ad mensuram" é a hipótese em que as partes estipulam "o preço por medida de extensão, situação em que a medida passa a ser condição essencial ao contrato efetivado (...) Como exemplo de venda ad mensuram, pode ser citado o caso de compra e venda de um imóvel por metro quadrado (m²)".

Em que pese a segunda parte do § 1º do art. 500 do Código Civil ressalvar, ao comprador, o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio, no caso, não há evidências de que o negócio não teria sido realizado pela ínfima diferença a menor na metragem que, aliás, de modo algum inviabiliza ou prejudica a utilização do imóvel para o fim esperado.

Cumpre salientar que o fato de incidir o direito consumerista na relação sub judice não significa a procedência da pretensão de resolver do negócio jurídico, com a devolução dos valores pagos e com a aplicação da multa contratual, pois não se está diante de efetivo vício, ou defeito de qualidade, ou quantidade do produto capaz de abalar o equilíbrio do contrato e prejudicar o consumidor.

Com efeito , é até possível dizer que a mínima diferença em discussão nem sequer reúne condições para caracterizar efetivo "vício de quantidade" do produto, uma vez que está aquém da margem fixada pela lei.

Não é demasiado anotar que o contrato firmado entre as partes prevê, no seu parágrafo segundo da cláusula décima sétima, que serão toleradas pequenas diferenças nas dimensões do projeto, consoante, expressamente, asseverado na sentença.

Assim, perfeitamente aceitável a diferença, no caso, irrisória da área do imóvel, não havendo que se falar em qualquer descumprimento contratual capaz de ensejar o pagamento da multa pelo seu rompimento.

domingo, 26 de março de 2023

"Serasa limpa nome Dívida prescrita Redução do escore Descabimento Reforma da sentença"

 


Apelação cível. Consumidor. Serasa limpa nome. Redução do escore do autor em razão de dívida prescrita. Reforma parcial da sentença. Versa a lide sobre típica relação de consumo sujeita às disposições da Lei nº. 8.078, de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). Pretensão de declaração de inexigibilidade de dívida prescrita, desacolhida, a par da possibilidade de cobrança extrajudicial do crédito, desde que não submeta o consumidor a situação vexatória. Cadastro positivo, cuja constituição tem amparo na Lei nº 12.4124, de 2011, assim não havendo falar em ilicitude, quando não demonstrada a efetiva violação dos preceitos estabelecidos na legislação aplicável à espécie, havendo entendimento consolidado pelo e. STJ, no sentido de que "a utilização de escore de crédito, método estatístico de avaliação de risco que não constitui banco de dados, dispensa o consentimento do consumidor, que terá o direito de solicitar esclarecimentos sobre as informações pessoais valoradas e as fontes dos dados considerados no respectivo cálculo." (Súmula 550, Segunda Seção, julgado em 14/10/2015, DJe 19/10/2015) Código de Defesa do Consumidor, que nos parágrafos 1º e 5º, do seu artigo 43, estabelece que "os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos", bem assim que "consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores". Plataforma Serasa Limpa Nome, cuja informação textualmente constante no próprio sítio eletrônico é a de que "dívidas com atraso superior a 5 anos são automaticamente excluídas do cadastro de inadimplentes da Serasa e não são consideradas no cálculo de nenhuma versão do Serasa Score". Caso concreto, todavia, em cujos autos logrou o autor demonstrar a influência das dívidas prescritas, constantes no SERASA LIMPA NOME, sobre o seu escore, o que contraria as informações, a legislação e a jurisprudência supracitadas. Não se ignora a distinção, em abstrato, da aludida plataforma com relação aos cadastros restritivos de crédito propriamente ditos, o que, no entanto, deve produzir efeitos concretos na praça. Precedentes desta Corte estadual. Reforma da sentença, que se impõe, com a procedência parcial do pedido inicial e a condenação da ré a promover a exclusão das dívidas prescritas de qualquer cadastro capaz de influir no escore do autor. Redistribuição dos ônus próprios da sucumbência. Recurso a que se dá parcial provimento.

0009332-04.2020.8.19.0028 – Apelação - Vigésima Primeira Câmara Cível - Des(a). Denise Levy Tredler - Julg: 01/12/2022 - Data de Publicação: 11/01/2023


sábado, 25 de março de 2023

"Aquisição de veículo automotor usado Incêndio Fato do produto Decadência do direito autoral Inocorrência"

 


Agravo de instrumento. Ação de rescisão contratual c/c indenizatória. Aquisição de veículo automotor usado, que se incendiou cerca de 03 (três) meses após a compra. Decisão agravada que proclamou a decadência do direito autoral no tocante à reparação pelos vícios alegados. Irresignação dos demandantes. A jurisprudência do superior tribunal de justiça tem firmado entendimento de que o conceito de fato do produto merece uma análise mais abrangente, de forma a incluir, também, as hipóteses de vícios que sejam graves a ponto de provocarem danos materiais ou morais. O veículo adquirido pelos autores se incendiou, enquanto trafegava, cerca de 03 (três) meses após ter sido adquirido, o que não se mostra razoável nem mesmo para um veículo usado. Hipótese dos autos que, mais que sobre vício do produto, versa sobre fato do produto, na esteira da previsão do stj, afastando a aplicação do prazo decadencial do artigo 26, ii do cdc e atraindo a previsão do artigo 27 do mesmo diploma, que assinala o prazo prescricional de 05 (cinco) anos. Hipótese de decadência que se afasta. Recurso conhecido e provido.

0037458-80.2022.8.19.0000 - agravo de instrumento - Décima segunda câmara cível - Des(a). Jaime dias pinheiro filho - julg: 01/12/2022 - data de publicação: 07/12/2022


sexta-feira, 24 de março de 2023

"Agência bancária Assalto Fato do serviço Fortuito interno Danos morais e materiais"

 


Apelação Cível. Ação Indenizatória. Relação de Consumo. Verbete nº 297 da Súmula do Colendo Tribunal da Cidadania. Alegação autoral de assalto em agência bancária do Réu. Sentença de improcedência. Irresignação do Demandante. Hipótese em apreço que configura fato do serviço, a atrair a incidência do art. 14 do CDC. Inversão do ônus da prova ope legis (art. 14, §3º, do CDC) e ope judicis. Determinação judicial de juntada da filmagem de segurança do dia do evento. Réu que se limitou a informar que não poderia cumprir a determinação, pois a gravação teria sido descartada. Ônus da instituição financeira de comprovar a dinâmica dos eventos por qualquer meio de prova e do qual não se desincumbiu. Inteligência do art. 373, II, do CPC e do art. 14 do CDC. Fortuito interno. Falha do serviço configurada. Valor subtraído que deve ser restituído acrescido de juros de mora e correção monetária desde a data do evento danoso. Art. 397 do CC e Verbete Sumular nº 43 do Colendo Superior Tribunal de Justiça. Danos morais configurados. Lesão ao tempo. Subtração de R$ 2.000,00 (dois mil reais) que foi apta a comprometer a dignidade do Postulante. Critério bifásico para a quantificação do dano moral. Verba compensatória que deve ser fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), em harmonia com os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade e com os Precedentes deste Nobre Sodalício. Juros legais a incidirem da citação, nos moldes do art. 405 do CC, e correção monetária a fluir da data da publicação do julgado, na esteira dos Verbetes Sumulares nº 362 e nº 97 da Ínclita Corte da Cidadania e desta Egrégia Corte de Justiça, respectivamente. Reforma do decisum que se impõe, em virtude do acolhimento da pretensão autoral de devolução da verba subtraída e reconhecimento de danos imateriais. Redistribuição dos ônus sucumbenciais, com a atribuição integral de tais encargos somente ao Apelado. Conhecimento e provimento do recurso.

0003552-66.2018.8.19.0024 – Apelação - Décima Primeira Câmara Cível - Des(a). Sérgio Nogueira de Azeredo - Julg: 09/02/2023 - Data de Publicação: 16/02/2023


quinta-feira, 23 de março de 2023

Indicação de evento e livro: "Vulnerabilidade e suas dimensões jurídicas", coordenador por Fabiana Barletta e Vitor Almeida

 



“Por meio da identificação dos sujeitos vulneráveis e dos mecanismos de tutela, por força do comando da isonomia substancial acalentado no desenho solidarista constitucional que marca o atual estágio democrático do Estado brasileiro, vivencia-se um período sem precedentes de humanização do Direito e da concreta percepção de suas novas funções. Um ordenamento jurídico que não tem por fim o reforço e manutenção do sistema de dominação social, racial e de gênero e preservação do status quo do poder estabelecido, mas atento à realidade de desigualdades e voltado ao efetivo enfrentamento das relações assimétricas que permitem a subordinação e a subjugação dos grupos vulneráveis.


Se, por um lado, os ventos são alvissareiros e permitem vislumbrar rupturas importantes orientadas na proteção da dignidade das pessoas mais sujeitas à uma vida precária e sob múltiplos vieses de discriminação que impedem o acesso em igualdade de oportunidade com as demais pessoas no tecido social; por outro, o recurso desmedido, decorativo e banalizado do termo “vulnerabilidade” tende a enfraquecer seu potencial de redefinir o tratamento jurídico de inúmeros temas candentes e carentes de uma visão conectada aos reais anseios de uma sociedade plural, igualitária e sem discriminação. A polissemia da expressão, natural do seu vasto campo de incidência, aliada ao uso pouco técnico e baseado no senso comum, promete (se não já é) ser um dos grandes desafios contemporâneos da doutrina e dos tribunais, de modo a evitar um esvaziamento e, por conseguinte, a inutilidade do termo. De raízes bioéticas, com especial aplicação no contexto específico da saúde, com posterior absorção pelo Direito, é inegável que a vulnerabilidade é um termo que suscita diferentes reflexões e conceitos. Daí a necessidade de pensar nos contornos do termo em si, enquanto categoria jurídica, mas igualmente abordar suas aplicações em algumas situações, contextos e condições em que o ser humano é exposto a ponto de exigir uma resposta jurídica concreta e específica.


A rigor, a dificuldade de unidade conceitual não impede uma compreensão sistemática e harmônica em torno da construção do tratamento das vulnerabilidades no cenário jurídico brasileiro. A base constitucional da tutela das vulnerabilidades é patente e se justifica em diversos princípios da Lei Maior. Em suma, a tutela das vulnerabilidades é marca indelével da identidade constitucional, eis que promover a dignidade da pessoa humana em sua dimensão social, de modo a combater todas as formas de discriminação, garantir a igualdade substancial e a busca da construção de uma sociedade justa, igualitária e plural são objetivos da República Federativa do Brasil”.

Trecho de apresentação dos coordenadores

https://www.editorafoco.com.br/produto/vulnerabilidades-dimensoes-juridicas-2023

quarta-feira, 22 de março de 2023

"É possível a cumulação da multa fixada em cláusula penal compensatória, em montante único, com a taxa de ocupação na hipótese de extinção de contrato de compra e venda de imóvel por culpa do comprador."

 


TERCEIRA TURMA
Processo

REsp 2.024.829-SC, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Contrato de compra e venda de imóvel. Rescisão contratual. Cláusula penal compensatória. Pagamento em montante único. Taxa de ocupação do imóvel. Cumulação. Possibilidade.

DESTAQUE

É possível a cumulação da multa fixada em cláusula penal compensatória, em montante único, com a taxa de ocupação na hipótese de extinção de contrato de compra e venda de imóvel por culpa do comprador.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

O art. 389 do Código Civil impõe o dever de indenizar as perdas e danos decorrentes do inadimplemento absoluto ou da mora. Assim, é facultado às partes convencionar em contrato uma multa por eventual descumprimento contratual, seja em razão de mora, denominada cláusula penal moratória, seja em razão de inadimplemento absoluto, chamada cláusula penal compensatória.

Preceitua o art. 394 do Código Civil que se considera em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer.

Nesses termos, a cláusula penal moratória prefixa a indenização por inadimplemento relativo quando o cumprimento do dever ainda se mostrar útil ao credor, visando a reparar o dano causado a uma das partes por violação de obrigação e a estimular o devedor a cumprir sua prestação.

No Tema 970/STJ, definiu-se que a cláusula penal moratória, por ter a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio da obrigação, é, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afastando-se sua cumulação com lucros cessantes.

Na fundamentação do julgamento desse repetitivo, contudo, assentou-se que se a multa for estabelecida em montante único e, por isso, for insuficiente à reparação integral do dano sofrido, pode haver indenização suplementar.

Não obstante, é imperioso repisar que o entendimento firmado no Tema 970/STJ se refere à cláusula penal moratória, estabelecida em valor mensal.

Situação distinta é a da cláusula penal compensatória, na qual as perdas e danos são prefixadas para as hipóteses de inadimplemento absoluto, como a rescisão contratual.

Tal como ocorre na cláusula penal moratória, somente na hipótese de prejuízos extraordinários, a indenização devida ao credor poderá ultrapassar o montante determinado na cláusula penal.

Em que pese o texto da tese jurídica firmada na Segunda Seção afirme que não há diferença para o percentual de retenção o fato de o bem ter sido utilizado, essa afirmação não significa que a ocupação do imóvel não deva ser remunerada, mas que, independentemente de ter sido ocupado o bem, mantém-se os 25% de retenção dos valores pagos pelos adquirentes, e a taxa de ocupação, se cabível, será cobrada separadamente.

Nesses termos, a fundamentação do REsp 1.723.519/SP, ao analisar o cabimento da cumulação da cláusula penal compensatória por rescisão contratual com a taxa de ocupação do imóvel.

Portanto, a indenização pelo tempo de fruição do imóvel, configura-se como um dano extraordinário por ir além do que naturalmente se espera quando se trata de rescisão contratual causada por uma das partes.

A taxa de ocupação não guarda relação direta com a rescisão contratual. Ela decorre dos benefícios que auferiu o ocupante pela fruição do bem, razão pela qual não foi incluída no cálculo prévio.

Outrossim, nas hipóteses em que a cláusula penal equivaler à multa em montante único, fica ainda mais evidente o cabimento da cumulação. O pagamento de taxa de ocupação é devido pelo promissário comprador por consubstanciar uma retribuição pela utilização de bem alheio durante determinado período temporal, evitando que ele se favoreça da situação do rompimento contratual em prejuízo do vendedor.

A indenização pelo tempo de utilização do imóvel tem natureza jurídica de aluguéis e se justifica pela vedação ao enriquecimento sem causa. Por isso, a indenização pelo tempo de fruição do bem deve basear-se no valor de aluguel do imóvel em questão e o promissário vendedor deve receber pelo tempo de permanência do comprador desistente.

Assim, diante da extinção do contrato de compra e venda por culpa do comprador, se foi estabelecido montante fixo a título de cláusula penal compensatória, o promitente vendedor faz jus à retenção de parcela dos valores pagos pelo comprador e também à indenização pelo tempo que o bem foi ocupado.

terça-feira, 21 de março de 2023

"O vazamento de dados pessoais não gera dano moral presumido"

 


SEGUNDA TURMA
Processo

AREsp 2.130.619-SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, por unanimidade, julgado em 7/3/2023, DJe 10/3/2023.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL


Tema

Vazamento de dados pessoais. Dados comuns e sensíveis. Dano moral presumido. Impossibilidade.

DESTAQUE

O vazamento de dados pessoais não gera dano moral presumido.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

Trata-se, na origem, de ação de indenização ajuizada por pessoa idosa contra concessionária de energia elétrica pleiteando indenização por danos morais decorrentes do vazamento e acesso, por terceiros, de dados pessoais.

O art. 5º, II, da Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD dispõe de forma expressa quais dados podem ser considerados sensíveis e, devido a essa condição, exigir tratamento diferenciado, previsto em artigos específicos. Os dados de natureza comum, pessoais mas não íntimos, passíveis apenas de identificação da pessoa natural não podem ser classificados como sensíveis.

Os dados objeto da lide são aqueles que se fornece em qualquer cadastro, inclusive nos sites consultados no dia a dia, não sendo, portanto, acobertados por sigilo, e o conhecimento por terceiro em nada violaria o direito de personalidade da recorrida.

O vazamento de dados pessoais, a despeito de se tratar de falha indesejável no tratamento de dados de pessoa natural por pessoa jurídica, não tem o condão, por si só, de gerar dano moral indenizável. Ou seja, o dano moral não é presumido, sendo necessário que o titular dos dados comprove eventual dano decorrente da exposição dessas informações.

Diferente seria se, de fato, estivéssemos diante de vazamento de dados sensíveis, que dizem respeito à intimidade da pessoa natural.

segunda-feira, 20 de março de 2023

"(I) Na modalidade de contrato de seguro de vida coletivo, cabe exclusivamente ao estipulante, mandatário legal e único sujeito que tem vínculo anterior com os membros do grupo segurável (estipulação própria), a obrigação de prestar informações prévias aos potenciais segurados acerca das condições contratuais quando da formalização da adesão, incluídas as cláusulas limitativas e restritivas de direito previstas na apólice mestre, e (II) não se incluem, no âmbito da matéria afetada, as causas originadas de estipulação imprópria e de falsos estipulantes, visto que as apólices coletivas nessas figuras devem ser consideradas apólices individuais, no que tange ao relacionamento dos segurados com a sociedade seguradora."

 


RECURSOS REPETITIVOS
Processo

REsp 1.874.788-SC, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Segunda Seção, por maioria, julgado em 2/3/2023. (Tema 1112)

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

 
ema

Seguro de vida em grupo e acidentes pessoais. Cláusulas restritivas. Dever de informação prévia. Exclusividade do estipulante. Tema 1112.

DESTAQUE

(I) Na modalidade de contrato de seguro de vida coletivo, cabe exclusivamente ao estipulante, mandatário legal e único sujeito que tem vínculo anterior com os membros do grupo segurável (estipulação própria), a obrigação de prestar informações prévias aos potenciais segurados acerca das condições contratuais quando da formalização da adesão, incluídas as cláusulas limitativas e restritivas de direito previstas na apólice mestre, e (II) não se incluem, no âmbito da matéria afetada, as causas originadas de estipulação imprópria e de falsos estipulantes, visto que as apólices coletivas nessas figuras devem ser consideradas apólices individuais, no que tange ao relacionamento dos segurados com a sociedade seguradora.

INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR

A controvérsia reside em definir se cabe à seguradora e/ou ao estipulante o dever de prestar informação prévia ao proponente (segurado) a respeito das cláusulas limitativas e restritivas dos contratos de seguro de vida em grupo.

O seguro pode se dar em duas grandes modalidades: o seguro individual e o seguro em grupo (ou coletivo).

No contrato securitário individual, a pessoa física ou jurídica é quem contrata diretamente com a seguradora o interesse segurável mediante o pagamento de um prêmio. Pode atuar, como intermediário, um corretor autorizado, o qual presta serviços, integrando a cadeia de fornecimento. Desse modo, tanto o ente segurador quanto o corretor de seguros devem prestar informações adequadas ao proponente quando da contratação (CDC e arts. 2º, VIII, "b", e 3º, caput, e § 1º, V, VI e VIII, da Resolução CNSP n. 382/2020).

Nos seguros de vida em grupo, há a figura do estipulante, que é a pessoa natural ou jurídica que estipula o seguro de pessoas em proveito do grupo que a ela se vincula (arts. 2º e 3º da Res. CNSP n. 434/2021), ou seja, nesses seguros facultativos o estipulante é mandatário dos segurados (art. 21, § 2º, do Decreto-Lei n. 73/1966).

Assim, o estipulante assume perante o segurador a responsabilidade pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais, a exemplo da movimentação cadastral e do pagamento do prêmio recolhido dos segurados. Todavia, a teor do art. 801, § 1º, do CC, o estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, exercendo papel independente das demais partes que participam do contrato.

De início, o estipulante, possuidor de poderes de representação legal, contrata o seguro coletivo com a seguradora com vistas a facultar a adesão de um grupo de pessoas, geralmente a ele vinculadas previamente por relação empregatícia ou associativa.

Situação diversa é aquela da estipulação imprópria, em que o estipulante possui tão só vínculo securitário com o grupo segurado, de modo que as apólices coletivas, nesses casos, deverão ser consideradas apólices individuais no que concerne ao relacionamento dos segurados com a sociedade seguradora.

Concluída a etapa da formação da apólice mestre, o estipulante deve formalizar as adesões, conferindo a qualidade de segurado às pessoas a ele vinculadas.

Desse modo, é essencial, na fase de adesões, o correto esclarecimento ao segurado em potencial do produto coletivo contratado, competindo ao estipulante bem exercer o dever de informação, inclusive quanto às cláusulas restritivas e limitativas de direitos.

No contrato de seguro individual, a seguradora conhece o proponente na fase de aceitação da proposta, antes de emitir a apólice. Já no seguro em grupo, a seguradora não conhece o aderente, pois sua inclusão no grupo segurado é feita pelo estipulante.

É dizer: antes das adesões das pessoas vinculadas ao estipulante, a sociedade seguradora nem sequer pode identificar com precisão os indivíduos que efetivamente irão compor o grupo segurado, o que evidencia ser incompatível com a estrutura do contrato coletivo atribuir à seguradora o dever de informação prévia ao segurado, a não ser quando provocada especificamente e individualmente para tanto.

Dessa forma, no seguro de vida em grupo, quando o segurado adere à apólice coletiva, não há nenhuma interlocução da seguradora, ficando a formalização da adesão restrita ao estipulante e ao proponente. Daí o dever de informação que recai sobre o estipulante e não sobre a seguradora.

Ressalte-se que tal entendimento não afasta a obrigatoriedade de a seguradora prestar informações acerca das relações contratuais sempre que solicitada pelo estipulante ou por cada componente do grupo segurado, conforme o art. 10, III, da Res. CNSP n. 434/2021.

Ainda, é possível, excepcionalmente, atribuir ao estipulante a responsabilidade pelo pagamento da indenização securitária em hipóteses relacionadas com o mau cumprimento de suas obrigações contratuais (como o recolhimento indevido de prêmios após a extinção do contrato de seguro) ou de criação nos segurados de legítima expectativa de ser ele o responsável por esse pagamento.

Convém asseverar também que, na estipulação imprópria, ou seja, naquela em que o vínculo entre os membros do grupo segurável e o estipulante é estritamente securitário, não havendo, portanto, prévia relação associativa ou trabalhista entre eles, o contrato coletivo deverá ser descaracterizado como se individual fosse a cada segurado, sobretudo quando a atuação do estipulante for desvirtuada (falso estipulante), deixando de representar os interesses do grupo segurado em prol da seguradora (art. 8º da Circular-SUSEP n. 667/2022).