Apelação cível. Direito do consumidor. Contrato de proteção veicular. Cláusula de depreciação. Abusividade. Deterioração não comprovada. Prêmio cobrado consoante o valor da apólice. Direito à indenização securitária integral. Dano moral. Ocorrência. Recurso parcialmente provido. 1. De plano, primaz superar a questão prejudicial de prescrição arguida pela ré-apelada, porquanto não ultimado o prazo prescricional incidente na espécie. Sob a égide do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, está-se diante de um suposto defeito no serviço prestado pela apelada. Dessa forma, o prazo prescricional aplicável é o quinquenal, consoante art. 27 do Estatuto Consumerista. 2. Em adição, o Superior Tribunal de Justiça cimentou entendimento acerca da aplicação do prazo prescricional de 05 (cinco) anos em relação a pretensão veiculada por associado em face de associação, especificamente no que tange aos famigerados programas de proteção veicular. Precedentes do STJ e do TJRJ. 3. Neste caminhar, verifica-se que o autor teve conhecimento de que sua indenização securitária seria descontada por cláusula de depreciação em 16/10/2019, ao passo que a presente ação foi distribuída em 27/04/2021, descabendo falar-se em prescrição, pois a pretensão só restaria fulminada em outubro de 2024. 4. Ultimada a questão prejudicial, passa-se à análise do mérito. Cinge-se a controvérsia à aferição da legalidade de pagamento a menor de indenização securitária em função de cláusula de depreciação constante em contrato de proteção veicular, originadora de desconto de 20% (vinte por cento) do numerário disponibilizado ao autor após a superveniência do sinistro. 5. As associações de proteção veicular são reuniões de pessoas com o objetivo de dividir o custo mensal de sinistros com seus veículos, com respaldo na liberdade de associação, prevista no art. 5.º, incisos XVII e XVIII, da CF. A relação de consumo caracteriza-se pelo objeto contratado, sendo irrelevante a natureza jurídica da entidade que presta os serviços, ainda que seja sem finalidade lucrativa. 6. No caso em exame, a recorrida é associação que oferece programa de benefícios automotivos aos seus associados, cujo produto é disponibilizado no mercado de consumo, o que conduz à incidência do Código de Defesa do Consumidor. Destaque-se que o contrato celebrado entre as partes se assemelha ao de seguro, uma vez que a associação cobra mensalidades em forma de rateios que são vertidas a um fundo comum para custeio de indenização de veículos dos associados. 7. Nesta toada, diante da ausência de regulamentação específica e da equivalência do objeto da contratação, sujeitar-se-á ao regramento do contrato de seguro que, por sua vez, é aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante o pagamento de valor determinado (prêmio), a proceder à indenização pelos prejuízos resultantes de riscos futuros e predeterminados na respectiva apólice. Precedente do STJ. 8. Em prosseguimento, tem-se que, do detido compulsar do caderno processual, dessume-se que não há controvérsia acerca da filiação do autor à associação-ré para programa de benefícios automotivos, tendo como objeto seu veículo. De igual forma, restou incontroverso que o veículo do autor foi roubado em 21/08/2019, o que rendeu ensejo à lavratura do Registro de Ocorrência adunado ao álbum processual. 9. Neste jaez, a própria ré anexou relatório de sindicância, no qual apresenta parecer que afirma que não foram identificadas inconsistências, caracterizando-se o aviso de sinistro como regular. 10. O demandante aportou ainda termo de descrição de pagamentos, recebimento e quitação, o qual demonstra o valor do veículo, bem como a cifra que foi descontada da indenização securitária efetivamente paga, na quantia de R$ 13.314,80 (treze mil trezentos e catorze reais e oitenta centavos), ao argumento de depreciação do bem por uso comercial, o que corresponde ao ponto pivotal de irresignação autoral. 11. A ré-apelada reitera a tese de defesa de que na proposta de adesão subscrita pelo autor há previsão expressa de cláusula de depreciação do bem em 20% (vinte por cento), em caso de indenização integral por perda total, furto ou roubo, ressalva que seria de inteira ciência do recorrente. A recorrida arguiu também que o próprio apelante revelou que o bem era utilizado para fins comerciais, o que atrairia inequivocamente a aplicação da cláusula controvertida, nos estritos termos pactuados no instrumento contratual. 12. Os argumentos de defesa ventilados não merecem prosperar. Esclarece-se, a priori, que o recibo de quitação subscrito pelo segurado não obsta a propositura de ação visando à cobrança de eventuais diferenças a que o consumidor faria jus, ante o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, plasmado no art. 5º, inciso XXXV, da Carta de 1988, e aos princípios de ordem pública regentes do Direito do Consumidor. 13. Deveras, o recibo é prova de pagamento, não do valor expresso no contrato, mas sim do importe efetivamente pago pelo recorrente, liberando-o até o montante desembolsado. Todavia, referido recibo não obsta que o segurado pleiteie em juízo a respectiva complementação, auferindo o valor da apólice. Precedente do STJ. 14. De mais a mais, mister negritar que a associação, ao aceitar a contratação, efetuou vistoria no bem no afã de avaliar o automóvel e adequar o valor de possível indenização, calculando o prêmio com base nessas premissas. Ora, no caso sub examen, caracterizado o roubo do veículo objeto do contrato, há de ser fixado o valor da indenização em assonância à cifra estampada na apólice, por ser a quantia inicialmente cotada para o bem no momento da contratação. 15. A associação adequou a cobrança do prêmio ao valor do bem segurado, razão pela qual não pode pretender, no momento do pagamento da indenização, efetuar ressarcimento a menor em função de depreciação não comprovada. Sob esta linha de intelecção, emerge ilícito o desconto de percentual atinente à presumida depreciação do bem, por se tratar de cláusula abusiva que coloca o segurado em situação de ingente desvantagem, ante a sua incompatibilidade com o prêmio adimplido. Precedentes do TJRJ. 16. A fortiori, não parece crível que um bem, objeto de vistoria em 30/11/2018, teria se depreciado em 20% (vinte por cento) do valor em menos de 01 (um) ano, ainda que utilizado para fins comerciais, considerando que o sinistro ocorreu em 21/08/2019. Competia à ré comprovar a depreciação do bem e sua extensão, de forma a proceder à adequação do valor do prêmio e indenização, ônus do qual não se desincumbiu, havendo resumido sua resistiva e contrarrazões à defesa, em tese, da cláusula de depreciação, o que foi erroneamente acolhido na sentença objurgada. Precedente do STJ. 17. Nesta toada, merece reforma o édito primevo para declarar ilícita a cláusula de depreciação e condenar a ré-apelada a pagar ao autor-apelante o valor indevidamente descontado da indenização securitária. A importância deve ser atualizada monetariamente a partir do efetivo prejuízo (Súmula n.º 43 do STJ), ou seja, da data do pagamento a menor da indenização, acrescida de juros de mora de 1% ao mês, os quais haverão de fluir a partir da data da citação, uma vez que se trata de responsabilidade contratual (art. 405 do CC). Precedente. 18. No que concerne ao dano moral indenizável, imperioso o reconhecimento de sua ocorrência. Do arcabouço fático probatório erigido nos autos ressai evidenciado, sem nenhuma dúvida, que o evento causou transtornos que extrapolaram a esfera do mero dissabor cotidiano, vivenciando o autor momentos de angústia e aflição diante da contumácia da ré em dirimir a pendenga, frustrando as legítimas expectativas do consumidor e maculando o laço de fidúcia enredado entre as partes. Precedentes do TJRJ. 19. Sob o cânone da natureza diáfana do instituto reparatório da lesão imaterial, o melhor critério para aquilatar o quantum tem sido o da proporcionalidade entre punição e benefício, de maneira a não ensejar a bancarrota do transgressor, nem incutir sensação de lucro imerecido no ofendido, tendo-se em mira a justa recomposição pelo padecimento anímico impingido, associado ao caráter punitivo e desestimulante da reincidência do ofensor. Neste diapasão, estabelece-se o quantum indenizatório em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), numerário consentâneo aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e às peculiaridades do caso concreto. Precedente. 20. Sobre o valor da reparação por dano extrapatrimonial incidem juros e correção monetária. Os juros de 1% (um por cento) ao mês devem incidir a partir da citação, com fincas no art. 405 do Código Civil, ante a relação contratual entabulada entre as partes, e a correção monetária haverá de fluir do arbitramento, com fulcro no verbete sumular n.º 362 do Superior Tribunal de Justiça 21. Resultado inelutável do presente julgamento é a inversão dos ônus sucumbenciais, havendo a ré de suportá-los in totum. Com o parcial provimento do presente recurso, o autor sagrar-se-á vencedor em seus pleitos, ainda que não tenha alcançado a cifra alvitrada a título de reparação extrapatrimonial. Neste ponto, traz-se à baila o teor do verbete sumular n.º 326 do Superior Tribunal de Justiça: "Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca." 22. Arbitra-se a título de verba honorária o percentual de 10% (dez por cento), a incidir sobre o valor da condenação, observados os critérios previstos nos incisos I a IV do art. 85, §2º, do CPC. 23. À derradeira, aborda-se a questão atinente aos honorários recursais. O art. 85, §11, do Código de Processo Civil, dispõe que o Tribunal, ao julgar o recurso interposto, majorará os honorários fixados anteriormente. Contudo, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a majoração da verba honorária sucumbencial pressupõe que o recurso interposto seja integralmente não provido, hipótese díspar da presente, em que o apelo autoral foi objeto de parcial provimento. Precedente. 24. Recurso parcialmente provido.
0002660-60.2021.8.19.0087 - Apelação - Décima Quarta Câmara Cível - des(a). José Carlos Paes - Julg: 07/12/2022 - Data de Publicação: 12/12/2022
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