domingo, 31 de agosto de 2025

Indicação de livro: "Herança Digital : Controvérsias e Alternativas - Edição Consolidada" (3ª edição), coordenada por Ana Carolina Brochado Teixeira e Livia Teixeira Leal (Ed. Foco)

 


"Há algum tempo, temos nos deparado com inúmeros desafios que os Bens Digitais vêm apresentando. Entender esse novo universo que representa parte da vida de quase todos os brasileiros, as projeções das identidades na Internet, o trato adequado do patrimônio digital, fazem despertar a consciência da necessidade de tutela jurídica a esses novos tipos de bens e direitos... afinal, a pandemia fez com que se tornasse tênue a separação da vida online da offline - se é que ela ainda existe.

Ante a ausência de legislação específica que trate do tema, a tarefa do intérprete é um juízo de adequação aos instrumentos normativos existentes, a fim de se investigar a necessidade de termos leis talhadas para esses bens que, embora possam facilitar a aplicação do arcabouço normativo, podem não ser construídas com a argúcia necessária que os novos ativos requerem.

Se as repercussões desses novos bens durante a vida dos seus titulares ainda carecem de estudos, o que dirá seus efeitos post mortem. O ponto de partida dessa reflexão é a tarefa de delimitar o acervo transmissível pelas regras do Direito Sucessório: todos os dados se transmitem ou apenas aqueles com natureza patrimonial ou dúplice? É dado aos herdeiros conhecer todas as situações jurídicas digitais nas quais o titular da herança está inserido ou faz-se necessário redimensionar a ideia de privacidade, projetando-a para uma tutela post mortem? É preciso avançar para além dessas perguntas — mesmo elas sendo essenciais para que haja uma base sólida desse instituto jurídico, comumente chamado de Herança Digital — a fim de se pensar em efeitos mais específicos que ele gera, formas de avaliação, como deve ser feita sua tributação, se serviços de streaming estão no âmbito do patrimônio transmissível, como qualificar o direito de acesso nessa seara e enfrentar muitos outros problemas em que essa situação jurídica repercute. Foi em razão dessas inquietações que a obra “Herança digital: controvérsias e alternativas” nasceu. Entre outras afinidades, a busca pelas respostas para essas controvérsias uniu as coordenadoras. Por isso, esse projeto foi pensado a partir de problemas que pudessem ser estudados com a maior seriedade por esse time de autores comprometidos com o desenvolvimento de uma dogmática civilista séria, útil e coerente.

            Após quase 5 anos da primeira edição do Tomo I e depois da publicação do Tomo II, verificou-se que a continuidade do projeto deveria ocorrer de forma consolidada, em razão da demanda pela atualização dos estudos e da inclusão de novos temas. Desse modo, embora ainda longe de esgotar a complexidade dessa temática tão fascinante, a presente edição se propõe a suscitar reflexões integradas e ampliadas, considerando as diversas facetas que permeiam a herança digital, com a finalidade de se amadurecer as pesquisas e de se desenvolver novas proposições para os dilemas que envolvem a matéria."

https://www.editorafoco.com.br/produto/heranca-digital-controversias-alternativas-consolidada-2025

sexta-feira, 29 de agosto de 2025

"Não se aplica o benefício da meia-entrada previsto na Lei n. 12.933/2013 e no Decreto n. 8.537/2015 ao ingresso em parque aquático, por não se enquadrar no conceito legal de "evento de lazer e entretenimento", dada a natureza contínua e permanente de sua atividade comercial" (REsp 2.060.760-CE)

 


Processo

REsp 2.060.760-CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 17/6/2025, DJEN 25/6/2025.

Ramo do Direito

DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema

Benefício da meia-entrada. Parque aquático. Atividade que não pode ser enquadrada como evento. Inaplicabilidade do benefício.

Destaque

Não se aplica o benefício da meia-entrada previsto na Lei n. 12.933/2013 e no Decreto n. 8.537/2015 ao ingresso em parque aquático, por não se enquadrar no conceito legal de "evento de lazer e entretenimento", dada a natureza contínua e permanente de sua atividade comercial.

Informações do Inteiro Teor

Discute-se a aplicabilidade da Lei n. 12.933/2013 e do Decreto n. 8.537/2015, que concedem direito à meia-entrada aos estudantes regularmente matriculados em instituições de ensino, público ou privado, nos níveis e modalidades previstos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 9.394/1996) para ingresso em parque aquático, independentemente do local de domicílio do estudante.

A lei indicou taxativamente os locais nos quais o benefício é aplicável, não estando relacionados os parques de diversões. É incontroverso que a atividade prestada pelo parque aquático é de lazer e entretenimento; contudo, não pode ser enquadrada como evento.

A palavra evento transmite a ideia de acontecimento esporádico e transitório. Assim, não é possível considerar o parque aquático como evento de lazer e entretenimento, pois não possui tais características, visto que a atividade comercial é explorada de forma contínua e permanente, ou seja, não traz a ideia de transitoriedade que acompanha o conceito de eventualidade explorado na lei.

quarta-feira, 27 de agosto de 2025

"A recusa indevida de internação de paciente em situação de emergência, sob alegação de carência contratual, configura dano moral" (REsp 2.198.561-SE)

 


Processo

REsp 2.198.561-SE, Rel. Ministra Daniela Teixeira, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 23/6/2025, DJEN 26/6/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DO CONSUMIDOR

Tema
 

Plano de saúde. Período de carência. Recusa de internação em UTI. Situação de emergência. Dano moral configurado.

    Destaque

    A recusa indevida de internação de paciente em situação de emergência, sob alegação de carência contratual, configura dano moral.

    Informações do Inteiro Teor

    A controvérsia consiste em definir a existência de dano moral decorrente da recusa de hospital em internar recém-nascida em UTI pediátrica, em situação de emergência, durante o período de carência contratual.

    Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça reconhece que a recusa indevida de cobertura por plano de saúde em situações de urgência ou emergência enseja danos morais, em virtude do agravamento do sofrimento físico e emocional do paciente e de seus familiares.

    Além disso, a jurisprudência do STJ é pacífica ao reconhecer que a existência de cláusula de carência contratual não justifica a negativa de atendimento em casos de urgência.

    Assim, a negativa de cobertura da internação de recém-nascida em UTI pediátrica, em estado grave de saúde, caracterizou conduta abusiva, por contrariar os deveres contratuais de boa-fé objetiva, cooperação e proteção da vida e da saúde.

    domingo, 24 de agosto de 2025

    Indicação de livro: "Direito das sucessões e autonomia privada", coordenado por Vitor Almeida (Ed. Processo)

     


    "A crescente importância do estudo do sistema brasileiro de sucessões, analisado para além do direito civil e de forma independente do direito de família, revela uma preocupação central no debate: assegurar uma adequada transmissão do patrimônio, tanto sob o ponto de vista subjetivo (quem será contemplado, ainda que haja restrições sobre a escolha), quanto sob o aspecto objetivo (como e quais bens serão transferidos).

    O resultado deste fenômeno é a atenção dispensada para o que a doutrina brasileira denominou de planejamento sucessório, que busca materializar certa estratégia para a organização da transferência patrimonial em vida ou post mortem, minimizando, eventualmente, conflitos e custos, bem como conferindo possível segurança jurídica aos envolvidos.

    Neste contexto, o Professor Vitor Almeida provocou a reflexão dos autores da presente obra, que nos brindam com excelentes e instigantes textos sobre planejamento sucessório, acompanhado de uma análise aprofundada das nuances que envolvem o sistema sucessório brasileiro na contemporaneidade.

    O esforço coletivo produziu um livro que brinda o leitor com uma análise crítica e profunda sobre temas complexos como, por exemplo, legítima, doação inoficiosa, trust, herança digital, proteção de vulneráveis e pactos sucessórios, à luz dos problemas e questionamentos contemporâneos que envolvem o sistema sucessório brasileiro.

    O exame da matéria abrange aspectos legais, sociais e tecnológicos, que, com linguagem clara, estrutura organizada, produz um belo trabalho que conduz o leitor, seja ele profissional do direito, estudante ou interessado nos desafios do tema, a um aprendizado marcante e enriquecedor."

    https://www.editoraprocesso.com.br/obras/direito-das-sucessoes-e-autonomia-privada/341

    sexta-feira, 22 de agosto de 2025

    "A superveniência da descoberta de novos bens partilháveis, que ensejem sobrepartilha, não dá nova oportunidade ao herdeiro que renunciou à herança de optar pela aceitação ou renúncia desse patrimônio" (REsp 1.855.689-DF)

     


    Processo

    REsp 1.855.689-DF, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/5/2025, DJEN 19/5/2025.

    Ramo do Direito

    DIREITO CIVIL

    Tema

    Herança. Superveniência de novos bens partilháveis. Sobrepartilha. Ausência de anulação da renúncia à herança. Impossibilidade de optar pela aceitação ou renúncia desse patrimônio.

    Destaque

    A superveniência da descoberta de novos bens partilháveis, que ensejem sobrepartilha, não dá nova oportunidade ao herdeiro que renunciou à herança de optar pela aceitação ou renúncia desse patrimônio.

    Informações do Inteiro Teor

    A controvérsia resume-se em definir se a superveniência da descoberta de novos bens partilháveis, que ensejem a sobrepartilha, dá nova oportunidade ao herdeiro que renunciou à herança de optar pela aceitação ou renúncia desse patrimônio, tornando-o, assim, parte legítima para requerer a habilitação do crédito na falência da pessoa jurídica devedora.

    Por força da saisine, os herdeiros tornam-se titulares imediatos da herança com a abertura da sucessão, podendo aceitá-la, na forma do art. 1.804 do Código Civil, ou renunciá-la, nos termos do art. 1.806 do referido texto legislativo.

    A aceitação da herança, na lição da doutrina, constitui "mera confirmação, por parte do herdeiro, da transferência que lhe havia sido feita", pois a aceitação é a ratificação dos efeitos da saisine, com efeitos retroativos à data da abertura da sucessão.

    Na vigência do Código Civil anterior, a aceitação era retratável, conforme dispunha o art. 1.590 do diploma revogado, se não resultasse prejuízo aos credores. Na disciplina do atual Código, todavia, tanto a aceitação quanto a renúncia são irrevogáveis, segundo prevê o art. 1.812 da legislação vigente.

    A renúncia à herança, por outro lado, representa o ato por meio do qual o herdeiro manifesta a sua vontade de não permanecer com o direito hereditário que recebe por ocasião da abertura da sucessão, com a morte do de cujus.

    Com efeito, renunciada a herança, o herdeiro deixa, retroativamente, desde o início da sucessão, de ser continuador da totalidade das relações patrimoniais transmissíveis do de cujus, razão pela qual ou as repudia de forma global, ou não as repudia, integralmente, aceitando, a herança.

    Nesse sentido, segundo a doutrina, "o direito de acolher ou de rejeitar a herança é indivisível, de tal sorte que se exerce por completo em relação a toda a herança", ou seja, abrange a universalidade de direitos que ela constitui.

    A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, adota esse mesmo entendimento, registrando que a renúncia e a aceitação à herança são atos jurídicos puros não sujeitos a elementos acidentais, razão pela qual não se pode aceitar ou renunciar a herança em partes, sob condição (evento futuro incerto) ou termo (evento futuro e certo), e de modo que, perfeita a renúncia, extingue-se o direito hereditário do renunciante, o qual considera-se como se nunca tivesse existido, não lhe remanescendo nenhuma prerrogativa sobre qualquer bem do patrimônio.

    Portanto, uma vez manifestada pelo herdeiro a vontade de renunciar, indivisível e irrevogavelmente, à herança, a produção dos regulares efeitos desse ato só pode ser obstada pela sua anulação.

    No que toca ao propósito da partilha é, assim, caso necessária, o de encerrar o inventário, atribuindo a cada herdeiro a sua cota na herança.

    É possível, todavia, que algumas espécies de bens, como os (a) sonegados, (b) descobertos depois da partilha; (c) submetidos a litígio ou a liquidação difícil ou morosa; ou (d) localizados em lugar remoto da sede do juízo em que se processa o inventário, não tenham participado da partilha inicial.

    Esses bens ficam sujeitos a sobrepartilha, que corresponde à repartição, posterior à partilha, de bens que deveriam ter sido originalmente alvo de arrecadação sucessória, mas não o foram. Consiste em uma nova fase ou complementação da ação de inventário e que é processada no mesmo juízo, a despeito do trânsito em julgado da primitiva partilha.

    Em outras palavras, a sobrepartilha consiste em procedimento de partilha adicional cujo escopo é o de repartir e dar o adequado destino desses bens dos arts. 2.022 do Código Civil de 2022 e 669 do Código de Processo Civil aos herdeiros, observando o procedimento do inventário e da partilha, na forma do art. 670 do Código de Processo Civil, mas sem rescindir ou anular a partilha já realizada, tampouco os atos nela praticados.

    Nesse contexto, na forma da jurisprudência do STJ, "na hipótese de existirem bens sujeitos à sobrepartilha por serem litigiosos ou por estarem situados em lugar remoto da sede do juízo onde se processa o inventário, o espólio permanece existindo, ainda que transitada em julgado a sentença que homologou a partilha dos demais bens do espólio." (REsp n. 284.669/SP, rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 10/4/2001, DJ de 13/8/2001).

    Dessa forma, a renúncia à herança é indivisível, acarretando o desposamento do renunciante da integralidade dos seus direitos hereditários de forma retroativa e com efeitos de definitividade, sendo que a sobrepartilha não anula ou rescinde a partilha já realizada, nem os atos nela praticados.

    Portanto, a superveniência da descoberta de novos bens partilháveis não dá nova oportunidade ao herdeiro que renunciou à herança de optar pela aceitação ou renúncia desse patrimônio.

    quarta-feira, 20 de agosto de 2025

    "A teoria do adimplemento substancial é inaplicável à adjudicação compulsória, a qual, no compromisso de compra e venda de bem imóvel, exige a quitação integral do preço, ainda que tenha ocorrido a prescrição das parcelas que perfazem o saldo devedor" (REsp 2.207.433-SP)

     


    Processo

    REsp 2.207.433-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 3/6/2025, DJEN 9/6/2025.

    Ramo do Direito

    DIREITO CIVIL

    Tema

    Promessa de compra e venda de imóvel. Prescrição do saldo devedor. Adjudicação compulsória. Teoria do adimplemento substancial. Inaplicabilidade. Necessidade de quitação integral do preço.

    Destaque

    A teoria do adimplemento substancial é inaplicável à adjudicação compulsória, a qual, no compromisso de compra e venda de bem imóvel, exige a quitação integral do preço, ainda que tenha ocorrido a prescrição das parcelas que perfazem o saldo devedor.

    Informações do Inteiro Teor

    Trata-se, na origem, de ação declaratória de prescrição cumulada com pedido de adjudicação compulsória, em que os demandantes narram terem celebrado com a demandada promessa de compra e venda do lote urbano, pelo qual convencionou-se o pagamento do valor total de R$ 56.969,00, a ser adimplido de forma parcelada.

    Por força do contrato, os demandantes passaram a residir no imóvel. Houve o pagamento do valor correspondente a R$ 45.770,64, que perfazia 81,77% do total. A última parcela do contrato venceu em dezembro de 2011, sem que, nos anos seguintes, a demandada tenha efetuado qualquer cobrança. Diante disso, requereram os autores a declaração de prescrição do saldo devedor, bem como a expedição de mandado de adjudicação compulsória.

    Assim, cinge-se a controvérsia em determinar se, na hipótese, é viável a adjudicação compulsória de bem imóvel, considerando, por um lado, a existência de saldo devedor já prescrito e, por outro, a aplicação da teoria do adimplemento substancial.

    O direito à adjudicação compulsória encontra previsão nos artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil. Se, após a celebração de compromisso de compra e venda de bem imóvel, o promitente vendedor não cumprir a obrigação de outorgar a escritura definitiva, o promitente comprador tem o direito de pleitear, em juízo, a adjudicação compulsória.

    O exercício do referido direito pelo promitente comprador, seja ele titular de direito real ou de direito obrigacional, condiciona-se à quitação do preço. Nesse sentido: AgInt no AREsp n. 2.499.259/SE, Terceira Turma, DJe 17/04/2024; REsp n. 1.602.245/RJ, Quarta Turma, DJe 23/09/2016; REsp n. 1.601.575/PR, Terceira Turma, DJe 23/08/2016.

    É possível que, em compromisso de compra e venda de bem imóvel no qual se convencionou o pagamento em prestações sucessivas, ocorra, por inadimplemento do promitente comprador e por inércia do promitente vendedor, a prescrição das parcelas que compõem o saldo devedor. É igualmente possível que uma parte considerável do débito tenha sido devidamente adimplida. Nenhuma dessas situações, contudo, implica a quitação do preço, tampouco se mostra suficiente para a adjudicação compulsória pelo promitente comprador.

    Acerca da prescrição, preceitua o artigo 189 do Código Civil: "Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206". Denota-se, em breves linhas, que a prescrição pode ser definida como a perda, pelo titular do direito violado, da pretensão à sua reparação.

    O artigo 206, § 5º, I, do Código Civil, aplicado na hipótese, prevê que prescreve em cinco anos a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular. Mostra-se inviável admitir, todavia, o reconhecimento de inexistência da dívida e quitação do saldo devedor, uma vez que a prescrição não atinge o direito subjetivo em si mesmo.

    Na hipótese específica da adjudicação compulsória, a prescrição das parcelas inadimplidas, por atingir apenas a pretensão e não o direito subjetivo como tal, não tem o condão de ensejar o reconhecimento da inexistência da dívida e a quitação do saldo devedor. Nesse sentido: REsp n. 1.694.322/SP, Terceira Turma, DJe 13/11/2017; AgInt no REsp n. 2.090.429/SP, Quarta Turma, DJe 3/11/2023.

    No que tange à teoria do adimplemento substancial, deve-se pontuar que essa construção teórica "tem por objetivo precípuo impedir que o credor resolva a relação contratual em razão de inadimplemento de ínfima parcela da obrigação. A via judicial para esse fim é a ação de resolução contratual." (REsp n. 1.622.555/MG, Segunda Seção, DJe 16/03/2017).

    Embora não disponha de previsão legal expressa, a teoria do adimplemento substancial é uma decorrência da boa-fé objetiva que deve nortear as relações negociais; nesse sentido, busca assegurar a preservação do contrato quando a parcela do inadimplemento mostrar-se desprezível quando cotejada com o que já foi adimplido.

    Havendo o inadimplemento de um número relativamente reduzido de parcelas decorrentes do compromisso de compra e venda de bem imóvel, pode-se, ao menos por hipótese, cogitar a aplicação da teoria do adimplemento substancial, de modo que o promitente vendedor seja compelido a ingressar em juízo para a resolução do contrato. Isso, todavia, não elide o fato, objetivamente considerado, de que não houve a quitação integral do preço pelo promitente comprador.

    Dessa forma, a teoria do adimplemento substancial é inaplicável à adjudicação compulsória, que exige a quitação integral do preço, ainda que tenha ocorrido a prescrição das parcelas que perfazem o saldo devedor.

    segunda-feira, 18 de agosto de 2025

    "A Taxa Referencial (TR) não pode ser aplicada como índice de correção monetária às letras hipotecárias emitidas antes da edição da MP n. 294/1991 (convertida na Lei n. 8.177/1991), mesmo que haja determinação judicial anterior em sentido diverso" (REsp 2.138.261-RJ)

     


    Processo

    REsp 2.138.261-RJ, Rel. Ministra Daniela Teixeira, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 26/5/2025, DJEN 6/6/2025.

    Ramo do Direito

    DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

    Tema

    Letras hipotecárias. Emissão anterior à Lei n. 8.177/1991. Índice de correção monetária. Inconstitucionalidade da Taxa Referencial (TR). Adoção de índice oficial de inflação. Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

      Destaque

      A Taxa Referencial (TR) não pode ser aplicada como índice de correção monetária às letras hipotecárias emitidas antes da edição da MP n. 294/1991 (convertida na Lei n. 8.177/1991), mesmo que haja determinação judicial anterior em sentido diverso.

      Informações do Inteiro Teor

      Trata-se na origem, de cumprimento de sentença, em que a decisão impugnada manteve a adoção da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária para letras hipotecárias emitidas em 1990, sob o fundamento de que tal critério foi fixado no título executivo judicial, devendo prevalecer a coisa julgada.

      Há duas questões em discussão: (i) definir se a Taxa Referencial (TR) pode ser aplicada como índice de correção monetária às letras hipotecárias emitidas antes da edição da MP n. 294/1991 (convertida na Lei n. 8.177/1991), mesmo que haja determinação judicial anterior em sentido diverso; e (ii) estabelecer se, diante da declaração de inconstitucionalidade do art. 18, § 4º, da Lei n. 8.177/91 na ADI 4930, devem ser aplicados índices oficiais de inflação (INPC) como critério de atualização do crédito judicial.

      A jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça é firme ao reconhecer que, para correção monetária de débitos judiciais, inclusive decorrentes de contratos antigos, o índice INPC é o que melhor reflete a desvalorização da moeda, afastando-se a aplicação da TR.

      A TR não representa índice real de correção monetária, pois não reflete a inflação, mas sim a média dos rendimentos de certos ativos financeiros, o que acarreta prejuízo ao credor pela corrosão do valor nominal da obrigação.

      A ADI 4930 do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 18, § 4º, da Lei n. 8.177/1991, afastando a validade da TR como índice de correção monetária para contratos anteriores à sua edição, caso das letras hipotecárias emitidas em março de 1990 nos autos.

      A Súmula n. 295 do STJ confirma a invalidade da TR como índice de correção para contratos anteriores à Lei n. 8.177/1991, restringindo sua admissibilidade apenas a hipóteses posteriores e mediante expressa pactuação.

      Assim, a determinação contida no título executivo judicial não pode prevalecer quando contrariar norma de ordem pública ou decisão vinculante proferida pelo Supremo Tribunal Federal, sendo legítima a substituição da TR por índice oficial de inflação.

      Ressalte-se que os valores já pagos pela executada devem ser abatidos do montante atualizado, preservando-se o equilíbrio da condenação.

      domingo, 17 de agosto de 2025

      Indicação de livro: "Interpretação da Convenção de Arbitragem", de José Antonio Fichtner, Augusto Tolentino e Rodrigo Salton (Ed. Forense)

       


      "Interpretar a convenção de arbitragem é uma das atividades mais relevantes desempenhadas pelas partes e pelo Tribunal Arbitral. Em um momento posterior, essa mesma tarefa pode ser cometida a órgãos do Poder Judiciário. A partir de tal exercício hermenêutico, o intérprete avalia o efetivo consentimento das partes ao negócio contratado e a sua aderência à autonomia privada. O mesmo método leva a jurisdição privada a estabelecer os seus fundamentos e os limites à sua atuação. Os autores, a partir da presente obra, discutem critérios gerais de interpretação e propõem uma metodologia de análise, partindo de regras cânones e princípios clássicos de interpretação contratual, aplicando-os às especifi cidades da convenção de arbitragem. Além disso, analisam a estrutura e a redação da convenção de arbitragem, avaliando quais os elementos essenciais e acidentais facultativos que podem ser inseridos. Por fi m, estudam situações em que a interpretação da convenção de arbitragem apresenta peculiaridades: a cláusula escalonada (MED-ARB e suas modalidades), a combinação da cláusula compromissória com a cláusula de eleição de foro, a cláusula assimétrica e a cláusula por adesão."

      https://www.grupogen.com.br/livro-interpretacao-da-convencao-de-arbitragem-1-edicao-2025-jose-antonio-fichtner-augusto-tolentino-e-rodrigo-salton-editora-forense-9788530997823

      sexta-feira, 15 de agosto de 2025

      "O direito real de habitação do cônjuge ou companheiro sobrevivente, enquanto perdurar, impede a extinção do condomínio e a respectiva alienação judicial do imóvel de copropriedade dos herdeiros do falecido"

       


      Processo

      REsp 2.189.529-SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 10/6/2025, DJEN 16/6/2025.

      Ramo do Direito

      DIREITO CIVIL

      Tema

      Direito real de habitação. Cônjuge ou companheiro sobrevivente. Extinção de condomínio e alienação judicial de imóvel comum. Impossibilidade. Prevalência da proteção ao grupo familiar.

      Destaque

      O direito real de habitação do cônjuge ou companheiro sobrevivente, enquanto perdurar, impede a extinção do condomínio e a respectiva alienação judicial do imóvel de copropriedade dos herdeiros do falecido.

      Informações do Inteiro Teor

      A questão em discussão consiste em decidir se o direito real de habitação assegurado ao cônjuge ou companheiro sobrevivente constitui empecilho à extinção do condomínio do qual participa com os herdeiros do falecido.

      O caso concreto envolve um conflito entre o direito de propriedade do condômino, na espécie, a herdeira recorrida, e a proteção ao grupo familiar manifestada no direito real de habitação da viúva, que reside no imóvel com os demais filhos do falecido.

      O direito real de habitação é ex lege (arts. 1.831 do Código Civil e 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/1996), vitalício e personalíssimo, o que significa que o cônjuge ou companheiro sobrevivente pode permanecer no imóvel até o momento do falecimento. Esse direito tem, ainda, caráter gratuito (art. 1.414 do CC), razão pela qual os herdeiros não podem exigir remuneração (aluguéis) pelo uso do imóvel comum.

      O objetivo da lei é permitir que o cônjuge ou companheiro sobrevivente permaneça no mesmo imóvel familiar que residia ao tempo da abertura da sucessão como forma, não apenas de concretizar o direito constitucional à moradia, mas também por razões de ordem humanitária e social, já que não se pode negar a existência de vínculo afetivo e psicológico estabelecido pelos cônjuges/companheiros com o imóvel em que, no transcurso de sua convivência, constituíram não somente residência, mas um lar.

      Nesse sentido, a restrição estatal na livre capacidade das pessoas disporem dos respectivos patrimônios justifica-se pela igualmente relevante proteção legal e constitucional outorgada à família, que permite, em exercício de ponderação de valores, a mitigação de um deles, na espécie, dos direitos inerentes à propriedade, para assegurar a máxima efetividade do interesse prevalente, qual seja, a proteção ao grupo familiar.

      Dessa forma, o direito real de habitação do cônjuge ou companheiro sobrevivente, enquanto perdurar, impede a extinção do condomínio e a respectiva alienação judicial do imóvel de copropriedade dos herdeiros do falecido.

      quarta-feira, 13 de agosto de 2025

      "Em execução por dívida condominial movida pelo condomínio edilício em que situado o imóvel alienado fiduciariamente, é possível a penhora do próprio imóvel que dá origem ao crédito condominial, tendo em vista a natureza propter rem da dívida, desde que ocorra a prévia citação do credor fiduciário."

       


      Processo

      REsp 2.100.103-PR, Rel. Ministro Raul Araújo, Segunda Seção, por maioria, julgado em 12/3/2025, DJEN 27/5/2025.

      Ramo do Direito

      DIREITO CIVIL

      Tema

      Ação de cobrança. Taxas condominiais. Imóvel com alienação fiduciária. Penhora do imóvel. Atos expropriatórios. Possibilidade. Natureza propter rem do crédito. Credor fiduciário. Prévia citação. Necessidade.

      Destaque

      Em execução por dívida condominial movida pelo condomínio edilício em que situado o imóvel alienado fiduciariamente, é possível a penhora do próprio imóvel que dá origem ao crédito condominial, tendo em vista a natureza propter rem da dívida, desde que ocorra a prévia citação do credor fiduciário.

      Informações do Inteiro Teor

      Trata-se de controvérsia na qual se discute a possibilidade de penhora de imóvel alienado fiduciariamente a fim de se garantir obrigação de natureza propter rem relativa a débitos de taxa de condomínio.

      De fato, no caso, busca-se definir se, diante da inadimplência do devedor fiduciante para com as despesas condominiais relativas ao imóvel financiado integrante de condomínio edilício, poderá o condomínio credor daquelas obrigações ditas propter rem, ao executar judicialmente o crédito, penhorar o próprio imóvel, levando-o posteriormente a praceamento para satisfação do crédito condominial, ou estaria o exequente impossibilitado de adotar tal constrição, por ser o imóvel impenhorável em razão de se encontrar alienado fiduciariamente ao credor fiduciário, integrando o patrimônio deste, e não o do fiduciante executado.

      Na origem, o Tribunal recorrido determinou que a penhora recaia apenas sobre os direitos que os executados (devedores fiduciantes) possuem sobre o imóvel, sustentando, em síntese, que, "uma vez que o credor fiduciário, mesmo cedendo a posse do bem ao devedor fiduciante, mantém a condição de proprietário durante o contrato, não é admissível a penhora do imóvel de terceiro que sequer participou do processo, mas somente dos direitos de aquisição derivados do adimplemento parcial do contrato, com base no disposto no artigo 835, XII, do CPC".

      Contudo, em execução por dívida condominial movida pelo condomínio edilício em que situado o imóvel alienado fiduciariamente, é possível a penhora do próprio imóvel que dá origem ao crédito condominial, tendo em vista a natureza propter rem da dívida, nos termos do art. 1.345 do Código Civil de 2002.

      Com efeito, a natureza propter rem vincula-se diretamente ao direito de propriedade sobre a coisa. Por isso, sobreleva-se ao direito de qualquer proprietário, inclusive do credor fiduciário, pois este, na condição de proprietário sujeito a uma condição resolutiva, não pode ser detentor de mais direitos que um proprietário pleno.

      Assim, ao firmar o contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel integrante de condomínio edilício, o credor fiduciário (instituição financeira) torna-se titular da propriedade resolúvel do bem e, portanto, condômino naquele condomínio. E, para acautelar seus interesses de proprietária fiduciária na relação condominial, dispõe de todos os meios para exigir do devedor fiduciante contratante que cumpra com seus deveres e obrigações relacionados à posse direta do imóvel condominial, sob pena de rescisão contratual.

      Não há surpresa no fato de que qualquer proprietário de imóvel integrante de condomínio edilício se submete à obrigação, inerente à condição de condômino, de participar do rateio das despesas condominiais. Se essas despesas não forem pagas pelo devedor fiduciante nem pelo credor fiduciário, elas serão suportadas pelos outros condôminos, o que, sabe-se, não é lógico, nem justo, nem correto, nem devido.

      Portanto, cabe ao credor fiduciário, para seu melhor resguardo, estabelecer, no respectivo contrato de financiamento imobiliário mediante alienação fiduciária de coisa imóvel, não só a obrigação de o devedor fiduciante pagar as prestações inerentes ao financiamento, como também destacar a obrigação legal de o possuidor direto apresentar mensalmente a comprovação da quitação das dívidas relativas às despesas de condomínio edilício.

      Por sua vez, ao executar judicialmente o crédito condominial, deve o condomínio exequente promover a citação não só do devedor fiduciante, mas também do condômino credor fiduciário, a fim de que venha integrar a execução, facultando-lhe a oportunidade de quitar o débito condominial e, assim, creditar-se para, em ação regressiva, buscar o ressarcimento daquele valor junto ao devedor fiduciante ou mesmo dar por rescindido o respectivo contrato de alienação fiduciária de coisa imóvel, por descumprimento de obrigação pelo devedor.

      O que não tem cabimento é simplesmente pretender colocar, na prática, sobre os ombros dos demais condôminos os ônus de arcarem com a dívida que é, afinal de contas, obrigação propter rem tocante ao imediato interesse de qualquer proprietário de unidade em condomínio vertical.

      segunda-feira, 11 de agosto de 2025

      "É possível o deferimento da medida excepcional de quebra de sigilo fiscal e bancário em ação de alimentos quando não houver outro meio idôneo para apurar a real capacidade econômico-financeira do alimentante"

       


      Processo

      Processo em segredo de justiça, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 18/3/2025, DJEN 21/3/2025.

      Ramo do Direito

      DIREITO CIVIL, DIREITO CONSTITUCIONAL

      Tema

      Ação de oferta de alimentos. Quebra do sigilo bancário e fiscal. Apuração da real capacidade econômico-financeira do alimentante. Situação excepcional. Possibilidade.

      Destaque

      É possível o deferimento da medida excepcional de quebra de sigilo fiscal e bancário em ação de alimentos quando não houver outro meio idôneo para apurar a real capacidade econômico-financeira do alimentante.

      Informações do Inteiro Teor

      A questão em discussão consiste em saber se é possível deferir a quebra do sigilo fiscal e bancário do alimentante em ação de oferta alimentos, para aferir sua real capacidade de prestar alimentos ao filho menor.

      No caso, o Tribunal de Justiça manteve decisão de primeiro grau, deferindo a quebra de sigilo fiscal e bancário do alimentante em ação de oferta de alimentos, para apurar a sua real capacidade financeira.

      O alimentante, diretor e sócio de empresa de locação de automóveis, contestou a decisão alegando que a medida seria excepcional e que sua capacidade financeira já estaria comprovada nos autos, não havendo necessidade da quebra do seu sigilo.

      Conforme leciona a doutrina, os processos em que se discute a fixação de pensão alimentícia e o adimplemento de dívida alimentar demandam o trabalho percuciente das partes, do juiz e do Ministério Público, para a elucidação das questões que dependam da clareza da prova do montante real do patrimônio do alimentante, parâmetro para auferir-lhe a capacidade de pagamento.

      Nessa linha, o Enunciado n. 573 da VI Jornada de Direito Civil dispõe que: "Na apuração da possibilidade do alimentante, observar-se-ão os sinais exteriores de riqueza".

      Por sua vez, o direito ao sigilo fiscal e bancário não é absoluto e pode ser relativizado quando houver outro interesse relevante, como o direito à alimentação do filho menor.

      Nesse sentido, a medida excepcional de quebra de sigilo fiscal e bancário em ação de oferta de alimentos é justificada quando, diante dos elementos do caso concreto, não houver outro meio idôneo de se obter mais informações a respeito da real condição financeira.

      Assim, havendo embate entre os princípios da inviolabilidade fiscal e bancária e o direito alimentar, como corolário da proteção à vida e à sobrevivência digna dos alimentados incapazes, impõe-se, em juízo de ponderação, a prevalência da norma fundamental aos relevantes interesses dos menores.

      Dessa forma, no caso em questão, a medida adotada para apurar a real capacidade financeira do alimentante, visando dimensionar com maior precisão o binômio necessidade/possibilidade, considerando o seu contexto socioeconômico, diretor de empresa de locação de veículos, parece adequada e proporcional, justificando, assim, a medida excepcional de quebra do seu sigilo fiscal e bancário

      domingo, 10 de agosto de 2025

      "É parcialmente inconstitucional — por não assegurar proteção suficiente aos usuários, seus direitos fundamentais e à democracia, em especial devido à revolução no modelo de utilização da internet, com massiva utilização de redes sociais e plataformas digitais — o art. 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet - MCI), que condiciona a responsabilização civil de provedores de aplicações de internet ao descumprimento de ordem judicial específica para a remoção de conteúdo ilícito gerado por terceiros" (RE 1037396 e 1057258)

       


      DIREITO CONSTITUCIONAL – MARCO CIVIL DA INTERNET; PLATAFORMAS DIGITAIS; DEVER DE FISCALIZAÇÃO; DANOS DECORRENTES DE CONTEÚDO GERADO POR TERCEIROS; DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; LIBERDADE DE EXPRESSÃO E MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO; VEDAÇÃO À CENSURA; PRINCÍPIO DA RESERVA DE JURISDIÇÃO

      DIREITO CIVIL – RESPONSABILIDADE CIVIL; DIREITOS DA PERSONALIDADE; OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR

       

      Responsabilidade de plataformas digitais por conteúdo de terceiros RE 1.037.396/SP (Tema 987 RG) e RE 1.057.258/MG (Tema 533 RG

       

      ODS: 16

       

      Audiência Pública: Parte 1             Parte 2          Parte 3          Transcrições

       

      Teses fixadas:

      Reconhecimento da inconstitucionalidade parcial e progressiva do art. 19 do MCI: 1. O art. 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que exige ordem judicial específica para a responsabilização civil de provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, é parcialmente inconstitucional. Há um estado de omissão parcial que decorre do fato de que a regra geral do art. 19 não confere proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância (proteção de direitos fundamentais e da democracia). Interpretação do art. 19 do MCI: 2. Enquanto não sobrevier nova legislação, o art. 19 do MCI deve ser interpretado de forma que os provedores de aplicação de internet estão sujeitos à responsabilização civil, ressalvada a aplicação das disposições específicas da legislação eleitoral e os atos normativos expedidos pelo TSE. 3. O provedor de aplicações de internet será responsabilizado civilmente, nos termos do art. 21 do MCI, pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos de crime ou atos ilícitos, sem prejuízo do dever de remoção do conteúdo. Aplica-se a mesma regra nos casos de contas denunciadas como inautênticas. 3.1. Nas hipóteses de crime contra a honra aplica-se o art. 19 do MCI, sem prejuízo da possibilidade de remoção por notificação extrajudicial. 3.2. Em se tratando de sucessivas replicações do fato ofensivo já reconhecido por decisão judicial, todos os provedores de redes sociais deverão remover as publicações com idênticos conteúdos, independentemente de novas decisões judiciais, a partir de notificação judicial ou extrajudicial. Presunção de responsabilidade: 4. Fica estabelecida a presunção de responsabilidade dos provedores em caso de conteúdos ilícitos quando se tratar de (a) anúncios e impulsionamentos pagos; ou (b) rede artificial de distribuição (chatbot ou robôs). Nestas hipóteses, a responsabilização poderá se dar independentemente de notificação. Os provedores ficarão excluídos de responsabilidade se comprovarem que atuaram diligentemente e em tempo razoável para tornar indisponível o conteúdo. Dever de cuidado em caso de circulação massiva de conteúdos ilícitos graves: 5. O provedor de aplicações de internet é responsável quando não promover a indisponibilização imediata de conteúdos que configurem as práticas de crimes graves previstas no seguinte rol taxativo: (a) condutas e atos antidemocráticos que se amoldem aos tipos previstos nos artigos 286, parágrafo único, 359-L, 359-M, 359-N, 359-P e 359-R do Código Penal; (b) crimes de terrorismo ou preparatórios de terrorismo, tipificados pela Lei nº 13.260/2016; (c) crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação, nos termos do art. 122 do Código Penal; (d) incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero (condutas homofóbicas e transfóbicas), passível de enquadramento nos arts. 20, 20-A, 20-B e 20-C da Lei nº 7.716, de 1989; (e) crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que propagam ódio às mulheres (Lei nº 11.340/06; Lei nº 10.446/02; Lei nº 14.192/21; CP, art. 141, § 3º; art. 146-A; art. 147, § 1º; art. 147-A; e art. 147-B do CP); (f) crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes, nos termos dos arts. 217-A, 218, 218-A, 218-B, 218-C, do Código Penal e dos arts. 240, 241-A, 241-C, 241-D do Estatuto da Criança e do Adolescente; g) tráfico de pessoas (CP, art. 149-A).  5.1 A responsabilidade dos provedores de aplicações de internet prevista neste item diz respeito à configuração de falha sistêmica. 5.2 Considera-se falha sistêmica, imputável ao provedor de aplicações de internet, deixar de adotar adequadas medidas de prevenção ou remoção dos conteúdos ilícitos anteriormente listados, configurando violação ao dever de atuar de forma responsável, transparente e cautelosa. 5.3. Consideram-se adequadas as medidas que, conforme o estado da técnica, forneçam os níveis mais elevados de segurança para o tipo de atividade desempenhada pelo provedor. 5.4. A existência de conteúdo ilícito de forma isolada, atomizada, não é, por si só, suficiente para ensejar a aplicação da responsabilidade civil do presente item. Contudo, nesta hipótese, incidirá o regime de responsabilidade previsto no art. 21 do MCI. 5.5. Nas hipóteses previstas neste item, o responsável pela publicação do conteúdo removido pelo provedor de aplicações de internet poderá requerer judicialmente o seu restabelecimento, mediante demonstração da ausência de ilicitude. Ainda que o conteúdo seja restaurado por ordem judicial, não haverá imposição de indenização ao provedor. Incidência do art. 19: 6. Aplica-se o art. 19 do MCI ao (a) provedor de serviços de e-mail; (b) provedor de aplicações cuja finalidade primordial seja a realização de reuniões fechadas por vídeo ou voz; (c) provedor de serviços de mensageria instantânea (também chamadas de provedores de serviços de mensageria privada), exclusivamente no que diz respeito às comunicações interpessoais, resguardadas pelo sigilo das comunicações (art. 5º, inciso XII, da CF/88). Marketplaces: 7. Os provedores de aplicações de internet que funcionarem como marketplaces respondem civilmente de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).

      Deveres adicionais: 8. Os provedores de aplicações de internet deverão editar autorregulação que abranja, necessariamente, sistema de notificações, devido processo e relatórios anuais de transparência em relação a notificações extrajudiciais, anúncios e impulsionamentos. 9. Deverão, igualmente, disponibilizar a usuários e a não usuários canais específicos de atendimento, preferencialmente eletrônicos, que sejam acessíveis e amplamente divulgados nas respectivas plataformas de maneira permanente. 10. Tais regras deverão ser publicadas e revisadas periodicamente, de forma transparente e acessível ao público. 11. Os provedores de aplicações de internet com atuação no Brasil devem constituir e manter sede e representante no país, cuja identificação e informações para contato deverão ser disponibilizadas e estar facilmente acessíveis nos respectivos sítios. Essa representação deve conferir ao representante, necessariamente pessoa jurídica com sede no país, plenos poderes para (a) responder perante as esferas administrativa e judicial; (b) prestar às autoridades competentes informações relativas ao funcionamento do provedor, às regras e aos procedimentos utilizados para moderação de conteúdo e para gestão das reclamações pelos sistemas internos; aos relatórios de transparência, monitoramento e gestão dos riscos sistêmicos; às regras para o perfilamento de usuários (quando for o caso), a veiculação de publicidade e o impulsionamento remunerado de conteúdos; (c) cumprir as determinações judiciais; e (d) responder e cumprir eventuais penalizações, multas e afetações financeiras em que o representado incorrer, especialmente por descumprimento de obrigações legais e judiciais. Natureza da responsabilidade: 12. Não haverá responsabilidade objetiva na aplicação da tese aqui enunciada. Apelo ao legislador: 13. Apela-se ao Congresso Nacional para que seja elaborada legislação capaz de sanar as deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais. Modulação dos efeitos temporais: 14. Para preservar a segurança jurídica, ficam modulados os efeitos da presente decisão, que somente se aplicará prospectivamente, ressalvadas decisões transitadas em julgado.”

       

      Resumo:

      É parcialmente inconstitucional — por não assegurar proteção suficiente aos usuários, seus direitos fundamentais e à democracia, em especial devido à revolução no modelo de utilização da internet, com massiva utilização de redes sociais e plataformas digitais — o art. 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet - MCI), que condiciona a responsabilização civil de provedores de aplicações de internet ao descumprimento de ordem judicial específica para a remoção de conteúdo ilícito gerado por terceiros.

      Isso porque, a regra geral prevista no referido dispositivo configura omissão parcial do legislador, ao não contemplar hipóteses em que a atuação diligente das plataformas é imprescindível para a tutela de bens jurídicos de alta relevância constitucional.

      Nesse contexto, enquanto não sobrevier nova legislação, os provedores poderão ser responsabilizados civilmente por danos decorrentes da veiculação de conteúdos ilícitos, inclusive sem ordem judicial, quando deixarem de adotar providências para cessar a violação mesmo após notificados de forma idônea. A responsabilização também se aplica aos casos de contas inautênticas ou falsas, bem como à replicação sucessiva de conteúdo ofensivo já declarado ilícito por decisão judicial, hipótese em que a remoção poderá ser exigida por simples notificação.

      Com exceção dos provedores de aplicação classificados como “marketplaces” — que respondem civilmente de acordo com o regime previsto no Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) —, a responsabilidade civil das plataformas digitais será de natureza subjetiva, exigindo-se a demonstração de culpa ou dolo na conduta do provedor para que reste configurada.

      Já nos casos de conteúdos impulsionados mediante pagamento ou disseminados por redes artificiais de distribuição (como “chatbots” ou robôs), presume-se a responsabilidade dos provedores pelo conhecimento da ilicitude, de modo que a exclusão de responsabilidade dependerá da comprovação de que o provedor atuou com diligência e em tempo razoável para tornar o conteúdo indisponível.

      Ademais, as plataformas possuem o dever de cuidado diante da circulação de conteúdos que configurem crimes graves como: (i) terrorismo (Lei nº 13.260/2016); (ii) induzimento, incitação ou auxílio ao suicídio (CP/1940, art. 122); (iii) crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes (CP/1940, arts. 217-A, 218, 218-A, 218-B, 218-C e ECA/1990, arts. 240, 241-A, 241-C e 241-D); (iv) tráfico de pessoas (CP/1940, art. 149-A); (v) discriminação ou preconceito (Lei nº 7.716/1989, arts. 20, 20-A, 20-B e 20-C); (vi) violência de gênero (Lei nº 11.340/06; Lei nº 10.446/02; Lei nº 14.192/21; e CP/1940, arts. 141, § 3º; art. 146-A; art. 147, § 1º; art. 147-A; e art. 147-B); e (vii) atos antidemocráticos (CP/1940, arts. 286, parágrafo único, 359-L, 359- M, 359-N, 359-P e 359-R).

      Nesses casos, a responsabilização exige a demonstração de falha sistêmica, caracterizada pela omissão em adotar medidas adequadas de prevenção ou remoção, conforme os padrões técnicos disponíveis.

      O art. 19 do MCI permanece aplicável, em sua integralidade, com relação aos serviços de e-mail, plataformas de reuniões fechadas e aplicativos de mensagens instantâneas, exclusivamente no que se refere às comunicações interpessoais, cujo sigilo é protegido por determinação constitucional (CF/1988, art. 5º, XII).

      Além disso, os provedores de aplicações de internet devem manter sede e representação legal no Brasil, editar normas internas de autorregulação e disponibilizar canais acessíveis para denúncias e revisão de decisões de moderação.

      Na espécie, no bojo do RE 1.037.396/SP, o Facebook foi responsabilizado por não remover, após notificação por sua própria ferramenta, um perfil falso criado em nome de uma pessoa que sequer possuía conta na rede social. A Corte reconheceu a negligência da plataforma, tanto por não adotar mecanismos minimamente seguros para aferir a autenticidade da identidade no momento da criação do perfil, quanto por não tomar providências adequadas diante da reclamação recebida, ao deixar de apurar sua plausibilidade e de remover o conteúdo inautêntico. Já no RE 1.057.258/MG, o Google foi acionado judicialmente após se recusar a remover uma comunidade ofensiva criada no “Orkut” contra uma professora, mesmo após solicitação da vítima. Nesse caso, a Corte afastou a responsabilidade da plataforma, por entender que, à época dos fatos — anteriores à edição do MCI — não havia imposição constitucional ou legal de dever de fiscalização prévia dos conteúdos publicados por terceiros, tampouco de remoção por iniciativa própria, especialmente quando relacionados à manifestação de opinião. Assim, caberia à parte ofendida buscar a responsabilização dos autores diretos da ofensa por meio da via judicial adequada.

      Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, em julgamento conjunto e por maioria: (i) ao apreciar o Tema 987 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário para manter acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que determinou a exclusão de um perfil falso da rede social Facebook e o pagamento de indenização por danos morais; (ii) ao apreciar o Tema 533 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para reformar a decisão da Primeira Turma Recursal de Belo Horizonte/MG e afastar a condenação da empresa Google do Brasil ao pagamento de danos morais; (iii) declarou a inconstitucionalidade parcial e progressiva do art. 19 do MCI (1); (iv) formulou apelo ao legislador para que seja elaborada legislação capaz de sanar as deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais; (v) modulou os efeitos da decisão, conferindo-lhe eficácia prospectiva, com ressalva das decisões já transitadas em julgado; e, por fim, (iv) fixou as teses anteriormente citadas.

       

      (1) Lei nº 12.965/2014: “Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.”

       

      RE 1.037.396/SP, relator Ministro Dias Toffoli, julgamento finalizado em 26.06.2025 (quinta-feira)

      RE 1.057.258/MG, relator Ministro Luiz Fux, julgamento finalizado em 26.06.2025 (quinta-feira)