terça-feira, 21 de agosto de 2018

DOAÇÃO DE OBRA DE ARTE DESAPARECIMENTO DIREITO MORAL DO AUTOR OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO

Apelação Cível. Ação de obrigação de fazer c/c indenizatória. Direito moral do autor. Aplicação do viés subjetivo da Teoria da Actio Nata. Prescrição afastada. Obra de arte doada à Academia Brasileira de Letras que desapareceu. Violação ao direito moral do autor de ter acesso ao exemplar de sua obra. Dano moral. Dever de informar a localização da tela. Reforma da sentença. 1. Em um primeiro momento, a jurisprudência do Eg. STJ aplicava o prazo prescricional trienal com base no disposto no art. 206, § 3º, V, do Código Civil às pretensões de ressarcimento por violação a direito do autor fundadas em ilícitos extracontratuais, reservando o prazo prescricional decenal àquelas fundadas em ilícitos contratuais. Nos acórdãos mais recentes, contudo, aquela Corte Superior tem aplicado o prazo prescricional trienal a qualquer pretensão de reparação civil fundada em violação a direito autoral, pouco importando se se trata de ilícito contratual ou extracontratual. 2. Assim, assiste razão ao sentenciante quando afirma que deve ser aplicado ao caso o prazo prescricional trienal. Não obstante, equivocou-se o d. magistrado quanto ao termo inicial da prescrição. 3. Isso porque apesar do disposto no art. 189, do Código Civil, o ordenamento jurídico vigente reconhece a aplicabilidade do viés subjetivo da teoria da Actio Nata, especialmente com a valorização da informação decorrente do princípio da boa-fé. 4. A teoria da Actio Nata subjetiva preconiza que o termo inicial do prazo prescricional ocorre tão somente a partir do conhecimento da violação ou lesão ao direito subjetivo pelo respectivo titular. 5. No caso, o Juízo de Primeiro Grau considerou o e-mail datado de 27/10/2011 (fls. 20) como o termo inicial de fluência do prazo prescricional. Note-se, porém, que tal documento não demostra a ciência inequívoca do demandante quanto ao desaparecimento da obra, pois no aludido documento consta apenas o questionamento do autor quanto à informação do Sr. Ancelmo Maciel, Chefe de Museologia da ABL, no sentido de que nunca teria visto a obra e que ela não se encontrava na reserva técnica da ABL. Com efeito, o demandante apenas tomou conhecimento inequívoco do sumiço da tela por ocasião da resposta ao Ofício enviado pela Defensoria Pública, fls. 29/30, em que a ré reconheceu o recebimento do quadro por meio de doação e a não localização da obra, sendo certo que como o documento de fls. 29/30 possui data de envio em 24.04.2012, a pretensão não está atingida pela prescrição, pois a demanda foi ajuizada em 26.03.2015. Desse modo, rejeitando-se a prejudicial de prescrição, deve ser reformada a sentença, e nos termos do art. 1013, § 4º, do CPC, passo a julgar o mérito. 6. No mérito, a recorrida sustenta que não pode ser responsabilizada pelo desaparecimento da obra de autoria do recorrente, em razão da doação pura por ele realizada em 1983, fato incontroverso. 7. Ocorre, porém, que como se trata de uma obra de arte, não se pode confundir o aspecto patrimonial do bem doado - que pode ser disponível - com o direito moral do autor - o qual é caracterizado pela sua indisponibilidade, nos termos do disposto no art. 27, da Lei n. 9.610/98, já que se trata de direito afeto à sua personalidade. 8. Sendo assim, ao efetuar a doação do quadro, o recorrente não se desvinculou da sua criação, e nem poderia fazê-lo, pois, repita-se, cuida-se de direito indisponível. A doação, por certo, compreendeu apenas o direito de exposição ao público (previsto no art. 77, da Lei n. 9.610/98), bem como os direitos patrimoniais da tela. 9. Ademais, nos termos do art. 24, inciso VII, da Lei de Direitos Autorais, constitui direito moral do autor ter acesso a exemplar da obra, a fim de preservar a sua memória e identidade, valores superiores aos interesses patrimoniais do detentor do bem. 10. Desse modo, uma vez violado o aludido direito moral do autor, e tendo em vista que a recorrida não se desincumbiu do ônus de demostrar qualquer excludente de responsabilidade, pois ela sequer fez o Registro de Ocorrência policial para noticiar eventual furto da tela - fato que elidiria o nexo causal -, forçoso reconhecer o dever de reparar o dano causado ao recorrente. Ora, parece inegável que tal fato provocou sofrimento e angústia, atentando contra a dignidade da pessoa humana, ou caso se prefira, a um direito fundamental da personalidade, gerando, assim, o dever de indenizar. Quantum indenizatório arbitrado em R$10.000,00. 11. Condenação da recorrida na obrigação de informar, no prazo de 30 dias, a localização da obra "Vitória de Dom Quixote em Papiro", sob pena de multa diária de R$500,00, limitada ao valor de R$30.000,00. 12. Provimento do recurso.

0094090-70.2015.8.19.0001 - APELAÇÃO
VIGÉSIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL
Des(a). MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES - Julg: 09/05/2018

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