DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS; DIREITO À INTIMIDADE, À HONRA E À IMAGEM; PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
DIREITO PENAL – EXECUÇÃO PENAL; DIREITOS DO PRESO; VISITA; REVISTA ÍNTIMA
DIREITO PROCESSUAL PENAL – PROVAS; ILICITUDE DA PROVA; NULIDADE
Revista íntima de visitante para ingresso em estabelecimento prisional - ARE 959.620/RS (Tema 998 RG)
Tese fixada:
“1. Em visitas sociais nos presídios ou estabelecimentos de segregação é inadmissível a revista íntima vexatória com o desnudamento de visitantes ou exames invasivos com finalidade de causar humilhação. A prova obtida por esse tipo de revista é ilícita, salvo decisões judiciais em cada caso concreto. A presente decisão tem efeitos prospectivos a partir da publicação da ata do julgamento. 2. A autoridade administrativa, de forma fundamentada e por escrito, tem o poder de não permitir a visita diante da presença de indício robusto de ser a pessoa visitante portadora de qualquer item corporal oculto ou sonegado, especialmente de material proibido, como produtos ilegais, drogas ou objetos perigosos. São considerados robustos indícios embasados em elementos tangíveis e verificáveis, como informações prévias de inteligência, denúncias, e comportamentos suspeitos. 3. Confere-se o prazo de 24 meses, a contar da data deste julgamento, para aquisição e instalação de equipamentos como scanners corporais, esteiras de raio X e portais detectores de metais em todos os estabelecimentos penais. 4. Fica determinado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública e aos Estados que, por meio dos recursos do Fundo Penitenciário Nacional e do Fundo Nacional de Segurança Pública, promovam a aquisição ou locação, e distribuição de scanners corporais para as unidades prisionais, em conformidade com sua atribuição de coordenação nacional da política penitenciária, assegurando a proteção dos servidores, a integridade dos detentos e a dignidade dos visitantes, prevenindo práticas abusivas e ilícitas, sem interferir na autonomia dos entes federativos, e garantindo a aplicação uniforme das diretrizes de segurança penitenciária no país. 5. Devem os entes federados, no âmbito de suas atribuições, garantir que a aquisição ou locação de scanners corporais para as unidades prisionais esteja contemplada no respectivo planejamento administrativo e orçamento, com total prioridade na aplicação dos recursos. 6. Excepcionalmente, na impossibilidade ou inefetividade de utilização do scanner corporal, esteira de raio-x, portais detectores de metais, a revista íntima para ingresso em estabelecimentos prisionais, diante de indícios robustos de suspeitas, tangíveis e verificáveis, deverá ser motivada para cada caso específico e dependerá da plena concordância do visitante, vedada, em qualquer circunstância, a execução da revista como forma de humilhação e de exposição vexatória; deve ser realizada em local adequado, exclusivo para tal verificação, e apenas em pessoas maiores e que possam emitir consentimento válido por si ou por meio de seu representante legal, de acordo com protocolos gerais e nacionais preestabelecidos e por pessoas do mesmo gênero do visitante, preferencialmente por profissionais de saúde, nas hipóteses de desnudamento e exames invasivos. (i) O excesso ou o abuso da realização da revista íntima acarretarão responsabilidade do agente público ou do profissional de saúde habilitado e ilicitude de eventual prova obtida. (ii) Caso não haja concordância do visitante, a autoridade administrativa poderá, de forma fundamentada e por escrito, impedir a realização da visita. (iii) O procedimento de revista em criança, adolescente ou pessoa com deficiência intelectual que não possa emitir consentimento válido será substituído pela revista invertida, direcionada à pessoa a ser visitada.”
Resumo:
É inadmissível — e viola o princípio da dignidade da pessoa humana, os direitos à intimidade, à honra e à imagem, bem como o direito a não ser submetido a tortura ou a tratamento desumano ou degradante (CF/1988, arts. 1º, III; 5º, caput, III e X) — a realização de revista íntima vexatória com atos de desnudamento ou com exames invasivos, com fins de humilhação, de forma generalizada e sistemática, para o ingresso de visitantes em estabelecimentos prisionais.
Esta Corte já decidiu, ao afastar a alegação de lesão à ordem e à segurança públicas, que a prática de revista íntima em presídios com a realização de técnicas vexatórias desrespeita o princípio da dignidade da pessoa humana (1).
Tal prática, além de ofender direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, também vai de encontro a normas convencionais de proteção dos direitos humanos internalizadas no ordenamento jurídico brasileiro, como a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (Decreto nº 40/1991, art. 16) (2), a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (Decreto nº 98.386/1989, arts. 6º e 7º) (3) e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos - CADH/1992 (Decreto nº 678/1992, art. 5º, itens 1, 2 e 3) (4).
Admite-se, excepcionalmente, a revista íntima, se impossível ou ineficaz a utilização de dispositivos tecnológicos de segurança, desde que ela seja realizada de forma respeitosa e conforme os critérios previamente estabelecidos, bem como embasada em elementos concretos indicativos da tentativa de ingresso com material proibido ou cujo porte seja ilícito.
Tendo em conta que a revista do visitante pode ser feita com o uso de equipamentos tecnológicos menos invasivos — como scanner corporal, esteira de raio-x, portal detector de metais —, a revista íntima deve ser adotada de forma excepcional. Nessa situação, a revista íntima há de observar ao menos as seguintes condicionantes: (i) ser devidamente motivada; (ii) ter a concordância da pessoa a ser revistada, que deverá ser maior de idade; e (iii) ser realizada em local reservado, preferencialmente por profissional de saúde do mesmo gênero do revistado, que cuidará de preservar a integridade física, psicológica e moral do visitante.
Desse modo, é insuficiente para tornar a prova ilícita o fato de ela ter sido produzida mediante revista íntima, dada a existência de hipóteses em que esta pode ser legitimamente realizada. A observância dos parâmetros de adequação deve ser analisada pelo juiz, de acordo com as especificidades de cada caso concreto (CF/1988, art. 5º, LVI c/c o CPP/1941, art. 157, caput) (5) (6).
Por fim, cabe ao Estado implementar as medidas necessárias para a alteração da sistemática de segurança para ingresso em presídios (7), de forma a conferir efetividade ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF/1988, art. 1º, III e art. 5º, caput). Assim, deverá ser providenciado o aparelhamento das penitenciárias com dispositivos de segurança e a adequação de todas as unidades prisionais a protocolos gerais e nacionalmente preestabelecidos de revista íntima.
Na espécie, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul absolveu a recorrida do crime de tráfico de drogas, cuja denúncia se fundou em prova obtida a partir da revista íntima vexatória realizada no momento do ingresso dela em estabelecimento prisional para visita social e na qual foi encontrada maconha em parte íntima do seu corpo.
Com base nesses e em outros entendimentos, o Plenário, por unanimidade, ao apreciar o Tema 998 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário com agravo e fixou a tese anteriormente citada.
(1) Precedente citado: SL 1.153 AgR.
(2) Decreto nº 40/1991: “Art. 16. 1. Cada Estado Parte se comprometerá a proibir em qualquer território sob sua jurisdição outros atos que constituam tratamento ou penas cruéis, desumanos ou degradantes que não constituam tortura tal como definida no Artigo 1, quando tais atos forem cometidos por funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Aplicar-se-ão, em particular, as obrigações mencionadas nos Artigos 10, 11, 12 e 13, com a substituição das referências a tortura por referências a outras formas de tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes. 2. Os dispositivos da presente Convenção não serão interpretados de maneira a restringir os dispositivos de qualquer outro instrumento internacional ou lei nacional que proíba os tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes ou que se refira à extradição ou expulsão.”
(3) Decreto nº 98.386/1989: “Art. 6º. Em conformidade com o disposto no artigo 1, os Estados Partes tomarão medidas efetivas a fim de prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição. Os Estados Partes segurar-se-ão de que todos os atos de tortura e as tentativas de praticar atos dessa natureza sejam considerados delitos em seu direito penal, estabelecendo penas severas para sua punição, que levem em conta sua gravidade. Os Estados Partes obrigam-se também a tomar medidas efetivas para prevenir e punir outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, no âmbito de sua jurisdição. Art. 7º. Os Estados Partes tomarão medidas para que, no treinamento de agentes de polícia e de outros funcionários públicos responsáveis pela custódia de pessoas privadas de liberdade, provisória ou definitivamente, e nos interrogatórios, detenção ou prisões, se ressalte de maneira especial a proibição do emprego da tortura. Os Estados Partes tomarão medidas semelhantes para evitar outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes.”
(4) CADH/1992: “Art. 5º. Direito à Integridade Pessoal 1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. 3. A pena não pode passar da pessoa do delinqüente.”
(5) CF/1988: “Art. 5º (...) LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.”
(6) CPP/1941: “Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)”
(7) Precedente citado: RE 592.581 (Tema 220 RG).
ARE 959.620/RS, relator Ministro Edson Fachin, julgamento finalizado em 02.04.2025 (quarta-feira)
Nenhum comentário:
Postar um comentário