sexta-feira, 30 de maio de 2025

"Configura indenização por danos morais a abordagem excessiva de agente de segurança privada de supermercado à menor de idade, por suspeita de prática de ato infracional análogo ao furto, causando situação vexaminosa em frente aos outros clientes do estabelecimento comercial."

 


Processo

REsp 2.185.387-PR, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/5/2025, DJEN 19/5/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Tema

Ação indenizatória. Estabelecimento comercial. Suspeita de ato infracional análogo ao furto. Agente de segurança privada. Abordagem excessiva. Revista vexatória. Abuso de direito. Indenização por danos morais configurada.

Destaque

Configura indenização por danos morais a abordagem excessiva de agente de segurança privada de supermercado à menor de idade, por suspeita de prática de ato infracional análogo ao furto, causando situação vexaminosa em frente aos outros clientes do estabelecimento comercial.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia em decidir se a abordagem de agente de segurança privada a menor de idade, por suspeita da prática de ato infracional análogo ao furto, constitui exercício regular de direito.

No caso, uma adolescente e uma amiga foram a um supermercado para realizar compras. Na saída do estabelecimento, após realizado o pagamento da mercadoria escolhida, foi abordada por um dos seguranças, que a acusou de ter furtado algum produto, não identificado. A menor foi revistada em público, ao lado do guarda-volumes do estabelecimento. Quando se esclareceu que nenhum produto havia sido furtado, retirou-se do local chorando.

As situações de abordagens a clientes por suspeita de furto caracterizam relações de consumo e, por isso, a responsabilidade civil do estabelecimento comercial deve ser perquirida à luz da legislação consumerista.

Já decidiu o Superior Trinbunal de Justiça que "em regra, o simples disparo de alarme sonoro, seguido de revista pessoal, não é suficiente para ensejar o dano moral indenizável, devendo, para tanto, ficar comprovado que tal circunstância foi acompanhada de tratamento abusivo ou vexatório por parte dos prepostos do estabelecimento comercial" (AgInt no AREsp 175.512/SP, Quarta Turma, DJe 25/10/2018).

A segurança privada de estabelecimentos comerciais deve ser limitada pela prudência e pelo respeito, garantindo ao consumidor a prestação de um serviço de qualidade. Quando a abordagem for realizada fora desses limites, de modo a ocasionar exposição, constrangimento ou agressão ao consumidor, será considerada excessiva.

A revista (lícita aos agentes de segurança privada) difere da busca pessoal (procedimento previsto no art. 240 do Código de Processo Penal). De acordo com a Jurisprudência desta Corte, o procedimento de busca pessoal apenas pode ser realizado por autoridades judiciais, policiais ou seus agentes (HC n. 470.937/SP, Quinta Turma, DJe 17/6/2019).

A caracterização do excesso nas revistas e abordagens em adolescentes deverá considerar o direito ao respeito com que os jovens merecem ser tratados (art. 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) e o dever de velar por sua dignidade (art. 18, ECA).

Nas hipóteses em que o consumidor alega excessos em abordagens por suspeita de furto, os estabelecimentos comerciais terão o ônus de comprovar a licitude do procedimento, demonstrando a ausência de qualquer exposição, constrangimento ou agressão ao consumidor.

No caso, a abordagem foi excessiva e causou situação vexaminosa à consumidora adolescente, que foi constrangida em frente aos outros clientes do supermercado e foi acusada de ter cometido ato infracional análogo ao furto, infundadamente, resultando em dever de indenização por dano moral.


quarta-feira, 28 de maio de 2025

"A contratação entre pessoas jurídicas de prestação de serviços por prazo certo subordina-se às normas do Código Civil, de modo que a extinção prematura do contrato, sem justa causa, é suficiente para fazer incidir a penalidade prevista no art. 603 do Código Civil, independentemente de previsão contratual expressa nesse sentido"

 


Processo

REsp 2.206.604-SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 13/5/2025, DJEN 19/5/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Ação indenizatória. Contrato de prestação de serviços entre pessoas jurídicas. Rescisão unilateral e imotivada. Indenização devida. Art. 603 do CC/2002.

Destaque

A contratação entre pessoas jurídicas de prestação de serviços por prazo certo subordina-se às normas do Código Civil, de modo que a extinção prematura do contrato, sem justa causa, é suficiente para fazer incidir a penalidade prevista no art. 603 do Código Civil, independentemente de previsão contratual expressa nesse sentido.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia em definir se a indenização prevista no art. 603 do Código Civil é aplicável aos contratos de prestação de serviços entre pessoas jurídicas, independentemente de previsão contratual expressa, nos casos de rescisão unilateral, imotivada e antecipada do contrato.

Nos termos do art. 603 do CC/2002: "se o prestador de serviço for despedido sem justa causa, a outra parte será obrigada a pagar-lhe por inteiro a retribuição vencida, e por metade a que lhe tocaria de então ao termo legal do contrato".

A interpretação sistemática do Código Civil atual não restringe a aplicação do art. 603 aos contratos entre pessoas naturais, permitindo sua incidência em contratos de prestação de serviços celebrados entre pessoas jurídicas.

Por sua vez, no que se refere especificamente ao critério indenizatório previsto no art. 603 do Código Civil, tampouco parece existir fundamento legal que o afaste conforme seja o contrato firmado com pessoa natural ou jurídica.

Nesse aspecto, importa assentar que não há exigência na lei de que a referida penalidade esteja prevista em contrato. Ao contrário, a pactuação diversa da legalmente prevista é que deverá ser objeto de previsão expressa em contrato paritário, evidenciando-se a capacidade isonômica de livre contratação entre elas.

A natureza penal da disposição legal é evidente e tem como finalidade desincentivar o uso abusivo do direito potestativo da resilição unilateral do contrato. Não se trata, pois, de mero dirigismo contratual destinado a corrigir desequilíbrios entre contratantes, mas fórmula objetiva que reduz a complexidade e assegura previsibilidade acerca das consequências da extinção anormal, prematura e imotivada dessa espécie contratual.

Conclui-se que a indenização prevista no art. 603 do Código Civil visa proteger a legítima expectativa dos contratantes e assegurar previsibilidade nas consequências da extinção anormal do contrato de prestação de serviços por tempo determinado, não se exigindo para tanto previsão expressa em contrato.

segunda-feira, 26 de maio de 2025

"A transmissão hereditária, por si, não tem a capacidade de desconfigurar ou afastar a natureza de bem de família, se mantidas as características de imóvel residencial próprio da entidade familiar"

 


Processo

REsp 2.111.839-RS, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 6/5/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL

Tema

Ação de indenização. Dívida. Autor da herança. Imóvel residencial. Moradia de herdeiros. Impenhorabilidade. Proteção legal.

Destaque

A transmissão hereditária, por si, não tem a capacidade de desconfigurar ou afastar a natureza de bem de família, se mantidas as características de imóvel residencial próprio da entidade familiar.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia em definir se o imóvel residencial pertencente ao espólio, no qual residem herdeiros do falecido, pode ser objeto de constrição judicial para garantir dívida contraída pelo autor da herança, ou se o bem está protegido pela impenhorabilidade do bem de família.

A impenhorabilidade do bem de família representa instituto jurídico de extrema relevância no ordenamento brasileiro, funcionando como instrumento de salvaguarda de valores constitucionais essenciais. Esta proteção legal transcende a mera garantia patrimonial para materializar princípios fundamentais da ordem constitucional.

Segundo dispõem os arts. 1º, 3º e 5º da Lei n. 8.009/1990, a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, desde que seja o único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que o benefício conferido pela Lei n. 8.009/1990 constitui norma cogente, que contém princípio de ordem pública, e sua incidência somente é afastada nas hipóteses taxativamente descritas no art. 3º da mesma lei. Isso porque as exceções à impenhorabilidade devem ser interpretadas restritivamente, em consonância com a proteção constitucional ao direito de moradia.

Quanto à responsabilidade dos herdeiros pelas dívidas do falecido, conforme previsto no art. 1.997 do Código Civil, "a herança responde pelo pagamento das dívidas do falecido; mas, feita a partilha, só respondem os herdeiros, cada qual em proporção da parte que na herança lhe coube".

Entretanto, essa regra não tem o efeito de afastar a proteção conferida pela Lei n. 8.009/1990 ao bem de família. Assim como o bem de família estaria protegido se o falecido estivesse vivo, também está protegido se transmitido aos herdeiros, desde que mantidos os requisitos estabelecidos nos arts. 1º, 3º e 5º da referida lei.

Imprescindível destacar que, por força do princípio da saisine, previsto no art. 1.784 do Código Civil, "aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". Este princípio estabelece uma ficção jurídica, segundo a qual os herdeiros substituem o de cujus na titularidade do patrimônio hereditário, assumindo-o na mesma condição jurídica que o autor da herança detinha.

Dessa forma, se os herdeiros se sub-rogam na posição jurídica do falecido, naturalmente também recebem as proteções legais que amparavam o autor da herança, entre elas a impenhorabilidade do bem de família.

Desse modo, não subsiste o principal fundamento da Corte de origem para negar a proteção do bem de família, consistente na alegação de que a ausência de partilha formal e a permanência do registro do imóvel em nome do de cujus impediria invocar a proteção do bem de família aos sucessores. Isso porque a transmissão hereditária, por si, não tem a capacidade de desconfigurar ou afastar a natureza de bem de família, se mantidas as características de imóvel residencial próprio da entidade familiar.

A caracterização do bem de família decorre das circunstâncias fáticas de sua utilização como residência familiar, e não de aspectos formais registrais ou da realização de partilha. Logo, a mera ausência de averbação da partilha na matrícula imobiliária não tem o efeito de desnaturar a proteção conferida ao bem.

domingo, 25 de maio de 2025

Indicação de livro: "Lei de Seguros Interpretada - Lei 15.040/2024 - Artigo por Artigo", coordenado por Angélica Carlini e Glauce Carvalhal (ed. Foco)

 


"Após duas décadas de debates, o Brasil finalmente possui uma lei específica para os contratos de seguro: a Lei 15.040, de 2024. Publicada em 10 de dezembro de 2024, esta legislação revoga dispositivos do Código Civil e do Decreto-Lei 73/1966, entrando em vigor em 11 de dezembro de 2025.

O livro em questão é resultado de um estudo aprofundado por um Grupo de Estudos Jurídicos, que analisou artigo por artigo para fornecer uma interpretação sistemática da nova lei.

Lei 15.040/2024 é composta por 134 artigos, distribuídos em seis capítulos, abordando temas essenciais como interesse, risco, prêmio, interpretação do contrato, sinistro, regulação e liquidação de sinistro. Ela estabelece um microssistema jurídico para contratos de seguro, alinhando o Brasil com países como Itália, França e Argentina, que também possuem leis específicas para o setor.

A nova lei não afetará contratos firmados antes de sua vigência, mas será aplicada imediatamente aos novos contratos. Ela promove transparência e clareza nas relações jurídicas, facilitando a compreensão dos aspectos técnicos do seguro. A previdência complementar, já regulada pela Lei Complementar nº 109/2001, não será abrangida pela nova legislação.

O livro visa facilitar o entendimento da nova lei, esclarecer dúvidas e disseminar conhecimento jurídico sobre contratos de seguro. Seu objetivo é contribuir para a aplicação eficaz da legislação, ampliando o acesso ao seguro no Brasil e consolidando a solvência e sustentabilidade do setor."

https://www.editorafoco.com.br/produto/lei-seguros-interpretada-artigo-2025

sexta-feira, 23 de maio de 2025

"Deve ser reconhecido o direito ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa transgênera não-binária de autodeterminar-se, possibilitando-se a retificação do registro civil para que conste gênero neutro"

 


Processo

Processo em segredo de justiça, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 6/5/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO NOTARIAL E REGISTRAL, DIREITO DOS GRUPOS VULNERÁVEIS

Tema
 

Retificação de registro civil. Gênero neutro. Princípio da dignidade da pessoa humana. Direitos da personalidade. Art. 12 do CC/2002. Direito à autodeterminação de gênero. Livre desenvolvimento da personalidade.

Destaque

Deve ser reconhecido o direito ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa transgênera não-binária de autodeterminar-se, possibilitando-se a retificação do registro civil para que conste gênero neutro.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia em verificar se é possível a retificação de registro civil para redesignação de gênero neutro.

A tábua axiológica da Constituição Federal funda-se especialmente na tutela da pessoa e na proteção e promoção da sua dignidade. Nesse sentido, quando se tutela a pessoa não se pode retirar do âmbito de proteção a sua personalidade.

O princípio do livre desenvolvimento da personalidade garante a autonomia para a determinação de uma personalidade livre, sem interferência do Estado ou de particulares.

O direito à autodeterminação de gênero e à identidade sexual, tutelado através da cláusula geral de proteção à personalidade presente no art. 12 do CC, está intimamente relacionado ao livre desenvolvimento da personalidade e da possibilidade de todo ser humano autodeterminar-se e escolher livremente as circunstâncias que dão sentido a sua existência.

A evolução jurisprudencial que culminou nas alterações legislativas até então vigentes no ordenamento jurídico brasileiro resultou na possibilidade jurídica de pessoas transgêneras requererem extrajudicialmente a alteraçãode prenome e gênero de acordo com sua autoidentificação. No entanto, observa-se que tais alterações, até agora, levaram em conta a lógica binária de gênero masculino/feminino, uma vez que representam a normatividade padrão esperada pela sociedade, mesmo tratando-se de pessoas transgêneras.

Embora não se verifique norma específica no ordenamento jurídico brasileiro que regule a alteração do assento de nascimento para inclusão de gênero neutro, não há razão jurídica para distinguir entre transgêneros binários e transgêneros não-binários.

Seria incongruente admitir-se posicionamento diverso para a hipótese de transgeneridade binária e não-binária, uma vez que em ambas as experiências há dissonância com o gênero que foi atribuído ao nascimento, devendo prevalecer sua identidade autopercebida, como reflexo da autonomia privada e expressão máxima da dignidade humana.

Todos que têm gêneros não-binários e que querem decidir sobre sua identidade de gênero devem receber respeito e dignidade, para que não sejam estigmatizados e que não fiquem à margem da lei.

A lacuna legislativa não tem o condão de fazer com que o fato social da transgeneridade não-binária fique sem solução jurídica, sendo aplicável em tais casos o disposto nos arts. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) e 140 do CPC, pois a falta de específica norma regulamentar de um direito não deve ser confundida com a ausência do próprio direito.

Assim, é de ser reconhecido o direito ao livre desenvolvimento da personalidade da pessoa transgênera não-binária de autodeterminar-se, possibilitando-se a retificação do registro civil para que conste gênero neutro.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

"Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), não é possível a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual, ainda que expressamente pactuada"

 


Processo

REsp 2.086.650-MG, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 4/2/2025, DJEN 7/2/2025.

Ramo do Direito

DIREITO BANCÁRIO

Tema

Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI). Capitalização de juros. Periodicidade inferior à anual. Impossibilidade. Ausência de autorização legal específica. Vedação do art. 4º da Lei da Usura. Aplicação.

Destaque

Nos contratos celebrados no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), não é possível a capitalização de juros em periodicidade inferior à anual, ainda que expressamente pactuada.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia tem o propósito de decidir se é possível a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), regido pela Lei n. 9.514/1997.

No ponto, cabe inicialmente distinguir a questão posta com relação às teses fixadas nos Temas 246 e 247/STJ e à Súmula 539/STJ.

No âmbito dos contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN), a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 973.827/RS, sob o rito dos repetitivos, fixou teses nos Temas 246/STJ ["é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano em contratos celebrados após 31.3.2000, data da publicação da Medida Provisória n. 1.963-17/2000 (em vigor como MP 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada"] e 247/STJ ["A capitalização dos juros em periodicidade inferior à anual deve vir pactuada de forma expressa e clara. A previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada"].

Posteriormente, foi firmada a Súmula 539/STJ (DJe 15/6/2015) no mesmo sentido: "é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de 31/3/2000 (MP n. 1.963-17/2000, reeditada como MP n. 2.170-36/2001), desde que expressamente pactuada".

Contudo, não é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à anual em contratos celebrados no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), ainda que expressamente pactuada.

Com efeito, o Sistema Financeiro Nacional (SFN) não se confunde com o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), sendo o primeiro regulamentado pela Lei n. 4.595/1964 e MP n. 2.170-36/2001, além de outras normas, inclusive com previsão constitucional (art. 192), enquanto o segundo foi criado e regulamentado pela Lei n. 9.514/1997. Portanto, é necessário analisar a questão referente à capitalização de juros no âmbito do SFI a partir das normas a ele aplicáveis.

A Lei n. 9.514/1997, além de ter instituído a alienação fiduciária de coisa imóvel, dispôs sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), o qual "tem por finalidade promover o financiamento imobiliário em geral, segundo condições compatíveis com as da formação dos fundos respectivos" (art. 1º).

As instituições autorizadas a operar no SFI estão listadas no art. 2º da referida lei, quais sejam, "as caixas econômicas, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos com carteira de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as companhias hipotecárias e, a critério do Conselho Monetário Nacional - CMN, outras entidades".

O art. 4º da Lei n. 9.514/1997 autoriza que as operações de financiamento imobiliário em geral sejam livremente efetuadas pelas entidades autorizadas a operar no SFI, segundo as condições do mercado, mas determina a necessidade de que sejam "observadas as prescrições legais".

Por sua vez, o inciso III do art. 5º da Lei n. 9.514/1997 conduz ao entendimento de que houve autorização legal para a "capitalização dos juros" nas operações de financiamento imobiliário em geral no âmbito do SFI, cuja pactuação expressa foi elencada como uma de suas condições essenciais.

No entanto, é fundamental observar que a referida lei não dispôs sobre a periodicidade da capitalização de juros no âmbito do SFI, diferentemente de como foi feito no Sistema Financeiro Nacional (SFN), em que se autorizou expressamente "a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano" (art. 5º da MP 1.963-17/2000, atual MP 2.170/2001).

A Súmula 93/STJ só admitia a capitalização de juros quando houvesse previsão legal, a exemplo das cédulas rural, comercial e industrial. Todavia, o tema foi objeto de nova discussão nesta Corte, com maior enfoque à ressalva da parte final do art. 4º da Lei da Usura: "é proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano".

Pacificou-se, então, o entendimento de que essa "ressalva permite a capitalização anual como regra aplicável aos contratos de mútuo em geral. Assim, não é proibido contar juros de juros em intervalo anual; os juros vencidos e não pagos podem ser incorporados ao capital uma vez por ano para sobre eles incidirem novos juros" (REsp 973.827/RS, Segunda Seção, DJe 24/9/2012; REsp 1.095.852/PR, Segunda Seção, DJe 19/3/2012; EREsp 917.570/RS, Segunda Seção, DJe 4/8/2008).

No mesmo sentido, o art. 591 do Código Civil (CC), em sua redação original, passou a prever em seu parágrafo único: "destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual".

Registra-se que a Lei n. 14.905/2024 suprimiu essa parte final e previu novas exceções à Lei da Usura. Entretanto, essa inovação legal não abrange os fatos discutidos neste recurso, não sendo, portanto, objeto do presente julgamento.

A regra, então, consiste na possibilidade de capitalização de juros, mas, tão somente, em periodicidade anual, com base, sobretudo, no art. 4º da Lei da Usura (Decreto n. 22.626/1933).

A capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano é excepcionalmente admitida mediante autorização legal específica, como na hipótese dos contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, observada, ainda, a necessidade de pactuação expressa e clara, conforme a jurisprudência desta Corte (REsp 973.827/RS, Segunda Seção, DJe 24/9/2012, Temas 246 e 247).

Sendo a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano a exceção, deve ser objeto de interpretação estrita. Sob esse enfoque, é necessário que a lei seja expressa quanto à periodicidade da capitalização, pois, do contrário, aplica-se a regra de que somente se admite a capitalização de juros em intervalo anual.

Portanto, considerando que a Lei n. 9.514/1997 (art. 5º, III) autoriza apenas a capitalização de juros nos contratos celebrados no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), sem menção à periodicidade, incide o art. 4º da Lei da Usura, que veda a capitalização em periodicidade inferior à anual.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

"Uma vez interrompida a prescrição mediante protesto judicial, o termo inicial do recomeço do respectivo prazo é a data do último ato praticado no processo e não a do seu ajuizamento"

 


Processo

AgInt no REsp 2.036.964-RJ, Rel. Ministra Regina Helena Costa, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 20/3/2025, DJEN 14/4/2025.

Ramo do Direito

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Interrupção da prescrição. Ação cautelar de protesto. Art. 9º do Decreto n. 20.910/1932. Reinício do prazo. Último ato do processo judicial.

Destaque

Uma vez interrompida a prescrição mediante protesto judicial, o termo inicial do recomeço do respectivo prazo é a data do último ato praticado no processo e não a do seu ajuizamento.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia ao debate a respeito das ações em face da Fazenda Pública, no tocante ao marco do reinício do prazo prescricional após interrompida a precrição pelo ajuizamento de ação cautelar de protesto.

Acerca da matéria, o art. 9º do Decreto n. 20.910/1932, que regula a interrupção do prazo prescricional aplicável à Fazenda Pública, dispõe que a "prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo".

Interpretando tal dispositivo, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou o entendimento segundo o qual, nas ações relacionadas com a Fazenda Pública, a propositura de cautelar judicial de protesto interrompe a prescrição, cujo prazo reinicia pela metade a partir do respectivo ajuizamento.

Por sua vez, adotando orientação distinta, as Turmas integrantes da Segunda Seção, com amparo no art. 202, parágrafo único, do Código Civil (CC), adotam a compreensão de que o prazo prescricional somente recomeça após o último ato praticado na ação judicial de protesto.

Conquanto fundada a divergência na exegese de preceitos legais distintos, diante de sua similaridade, a Corte Especial do STJ apreciou e solucionou o dissenso mediante Embargos de Divergência, passando a adotar a orientação de que, "[...] a respeito do reinício da contagem do prazo prescricional no ajuizamento de protesto, o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento majoritário e atual no sentido de que, interrompida a prescrição, o marco inicial para reinício do prazo prescricional é a data do último ato processual" (AgInt nos EREsp n. 1.827.137/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, julgado em 10/9/2024, DJe 13/9/2024).

Destarte, aplica-se à espécie o precedente da Corte Especial o qual uniformizou o entendimento entre as Primeira e Segunda Seções.

domingo, 18 de maio de 2025

Indicação de livro: "Lei da Liberdade Econômica e as modificações nos contratos do Código Civil - aspectos controvertidos sobre as modificações impostas pela Lei da Liberdade Econômica", de Ronaldo Guaranha Merighi (ed. Juruá)

 


Prefácio do Prof. Dr. Gilberto Bercovici

"Lei da Liberdade Econômica e as Modificações nos Contratos do Código Civil oferece uma análise crítica das mudanças trazidas pela Lei 13.874/2019 ao Código Civil brasileiro, com foco nos contratos. Fruto da tese de doutorado do autor, Professor e Juiz de Direito, a obra parte da premissa de que a Lei da Liberdade Econômica deve ser vista como um instrumento do Direito Econômico e explora as intersecções entre este ramo e o Direito Contratual. O livro examina o impacto dessas alterações sob a ótica de um Direito Civil Constitucional, abordando a necessidade de harmonização com os princípios da Constituição Federal de 1988, especialmente o art. 170, que estabelece a conciliação entre livre-iniciativa e a redução das desigualdades sociais. A obra percorre a evolução do conceito de contrato, conectando valores como a dignidade humana, a função social do contrato e a necessidade de revisão contratual em contratos assimétricos. Com tabelas comparativas, exemplos práticos e uma análise detalhada da jurisprudência recente, a obra questiona a tentativa da Lei de reforçar uma visão voluntarista e reduzir o papel do Judiciário, propondo uma reflexão sobre os limites da intervenção mínima e a função social nos contratos civis e empresariais. É uma ferramenta indispensável para juristas, advogados e estudiosos de Direito Civil, Direito Econômico e Constitucional".


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quarta-feira, 14 de maio de 2025

"A remoção de conteúdo por provedores de busca deve ser condicionada à indicação das URLs específicas"

 


Processo

REsp 1.969.219-SP, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 24/3/2025, DJEN 28/3/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO DIGITAL

Tema

Provedor de busca. Remoção de conteúdo. Ausência de indicação de URL. Ordem genérica. Obrigação impossível.

Destaque

A remoção de conteúdo por provedores de busca deve ser condicionada à indicação das URLs específicas.

Informações do Inteiro Teor

A controvérsia cinge-se em definir se o provedor de busca está obrigado a remover páginas que façam referência ao nome do demandante sem a indicação específica de URLs. No caso, o provedor de busca recorreu da decisão que determinou a retirada de todo e qualquer direcionamento do nome do autor aos fatos relatados na petição inicial.

No que se refere ao provedor de busca, no caso trata-se do Google Brasil, considerando que tem como funcionalidade apenas facilitar o acesso às publicações efetuadas por outrem na internet, é incontroversa a inviabilidade de que realize a filtragem prévia de referidos conteúdos. Por isso que, indicado o URL da página em que inserida por outrem a publicação supostamente ofensiva, tem a obrigação de excluí-la.

O tema em debate foi objeto de apreciação pela Segunda Seção do STJ na Rcl n. 5.072/AC, em que ficou determinado que a demanda em que se busca obter ordem de remoção de páginas da internet ou o reconhecimento de suposta responsabilização pelos danos morais sofridos pela vítima só pode ser direcionada àquele que promoveu a postagem, não tendo a parte autora interesse de agir em demanda proposta em desfavor do provedor de busca (Rcl n. 5.072/AC, Rel. Ministro Marco Buzzi, Rel. para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 11/12/2013, DJe de 4/6/2014).

Por outro lado, também ficou assentado que referido interesse estará presente quando cópia do material ofensivo estiver gravada no cache do provedor de pesquisa, hipótese em que, a partir da ciência do fato, deve promover sua exclusão da memória, desde que fornecido o URL da página original, ficando afastada sua responsabilização se comprovado que já foi removida da internet.

Por oportuno, registre-se que diferente é a responsabilidade do provedor de conteúdo como a rede social, por exemplo, quanto ao dever de exclusão de perfil ou de publicação que promova a violação de direitos da personalidade. A propósito, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral nos Temas n. 533, 987 e 1.141.

Assim, conclui-se que os provedores de busca e os de hospedagem são responsáveis pela retirada de site de conteúdo ilegal desde que indicado o URL respectivo. A ordem genérica de retirada de todo e qualquer conteúdo relacionado à postagem ofensiva é obrigação impossível de ser cumprida.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

"A vedação à solidariedade contida no art. 17-C, §2º, da Lei n. 8.429/1992 é aplicável quando individualizáveis os desígnios dos agentes ativos do ato ilícito, mas não quando tenham, todos eles, participado em unidade de vontades no cometimento da improbidade, oportunidade em que se poderá atribuir a todos o dever de ressarcir integralmente os danos causados, na forma do art. 942 do CC"

 


Processo

AgInt no AREsp 1.485.464-SP, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, por unanimidade, julgado em 8/4/2025, DJEN 10/4/2025.

Ramo do Direito

DIREITO ADMINISTRATIVO, DIREITO CIVIL

Tema

Improbidade administrativa. Ressarcimento do dano. Solidariedade. Existência de unidade de vontades. Art. 17-C, §2º, da Lei n. 8.429/1992. Possibilidade.

Destaque

A vedação à solidariedade contida no art. 17-C, §2º, da Lei n. 8.429/1992 é aplicável quando individualizáveis os desígnios dos agentes ativos do ato ilícito, mas não quando tenham, todos eles, participado em unidade de vontades no cometimento da improbidade, oportunidade em que se poderá atribuir a todos o dever de ressarcir integralmente os danos causados, na forma do art. 942 do CC.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia quanto à possibilidade de condenação solidária dos réus ao ressarcimento dos danos pela prática de ato de improbidade administrativa.

O art. 17-C, §2º, da Lei n. 8.429/1992, incluído pela Lei n. 14.230/2021, estabeleceu que "Na hipótese de litisconsórcio passivo, a condenação ocorrerá no limite da participação e dos benefícios diretos, vedada qualquer solidariedade".

Quando do exame do Tema n. 1.199, o Supremo Tribunal Federal concluiu pela irretroatividade da Lei n. 14.230/2021, ocasião em que se limitou, a Corte Suprema, a reconhecer a aplicação das novas normas às hipóteses em que evidenciada uma abolição da tipicidade da conduta, sem que tenha, ainda, ocorrido o trânsito em julgado da decisão condenatória.

Ao disciplinar o ressarcimento dos danos, quando da edição da Lei n. 14.230/2021, o legislador andara, claramente, ao largo do sistema de responsabilização por danos patrimoniais decorrentes de ato ilícito estabelecido desde o Código Civil de 1916.

A disparidade se evidencia, ainda, em relação a variadas outras normas a disciplinar o controle interno dos entes públicos, a responsabilidade administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração, o sistema de licitações para celebração de contratos administrativos, a preverem a existência de solidariedade entre coautores/partícipes de atos ilícitos, conforme art. 74, §1º, da CF; art. 4º, §2º, da Lei n. 12.846/2013; e artigos 8º, §2º, 15, V, 41, IV, 73 e 121, §2º da Lei n. 14.133/2021.

O Código de Bevilácqua já dispunha, no início do século passado, no art. 1.518 que: "Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outros ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se tiver mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação. Parágrafo único. São solidariamente responsáveis como autores os cúmplices e as pessoas designadas do artigo 1.521".

O Código Civil de 2002 também assim disciplinou a responsabilidade pelo ressarcimento dos danos decorrentes de atos ilícitos, na forma do art. 942.

Nesse sentido, a exegese que mais bem harmoniza o art. 17-C, §2º da LIA com o sistema de ressarcimento de danos causados por atos ilícitos é a de que, considerada as participações dos réus e as provas produzidas, em sendo possível ao julgador, deverá ele delimitar a responsabilidade de cada um dos demandados sobre os danos a serem ressarcidos de acordo com os seus comprovados desígnios.

Em havendo, no entanto, a atribuição de participações de mesma intensidade entre todos os demandados na realização do ato ímprobo e, assim, na causação dos danos, não sendo viável individualizar em relação àqueles que contribuíram igualmente no cometimento do ato ilícito a vontade de participar de determinada porção desse ato à qual se pudesse compartimentalizar o dano correlato, possível será o reconhecimento da solidariedade.

Sobre essa questão, conforme doutrina "[...] a única interpretação razoável do art. 17-C, §2º, da nova redação da LIA, é de que não há solidariedade entre os litisconsortes passivos quanto às sanções derivadas da condenação por ato de improbidade administrativa, como a multa civil e a perda do proveito próprio obtido por cada agente, ressalvado quanto à reparação do dano derivado daquele ato, que, em consonância com toda a secular construção legal e doutrinária sobre a responsabilidade por atos ilícitos, preconiza a solidariedade da obrigação passiva de reparação entre os agentes causadores".

Com efeito, diferem, relevantemente, o ressarcimento dos danos e a aplicação das penas por força da condenação pela prática de atos ímprobos.

Na expectativa de garantir a observância do princípio da intranscendência da pena, previsto artigo 5º, inciso XLV, da Constituição Federal, o legislador de 2021 confundiu ressarcimento com sanção.

A natureza das sanções é personalíssima, incidindo o princípio constitucional da individualização das penas, razão por que a sua imputação considera a efetiva participação de cada um dos condenados no empreendimento ilícito.

O ressarcimento dos danos causados ao erário, por outro lado, decorre logicamente do reconhecimento do ato ilícito, da presença do dano efetivo e do nexo causal, e é informado pelo princípio da reparação integral, cabendo aos causadores do dano ao patrimônio da coletividade, a mais completa indenização.

Logo, são efetivamente diversas as naturezas ressarcitória e sancionatória, razão por que é possível a conclusão no sentido de que o art. 17-C, §2º, da Lei n. 8.429/1992, dentro de uma interpretação sistemática com as demais normas do sistema jurídico brasileiro, é aplicável quando individualizáveis os desígnios dos agentes ativos do ato ilícito, mas não quando tenham, todos eles, participado em unidade de vontades no cometimento da improbidade, oportunidade em que se poderá atribuir a todos o dever de ressarcir integralmente os danos causados, na forma do art. 942 do CC.

domingo, 11 de maio de 2025

Indicação de livro: "Direito fundamental à moradia: a necessária proteção do morador nas situações jurídicas privadas", de Rachel Delmás Leoni (Ed. Lumen Juris)

 




"Dentre as inúmeras mazelas suportadas por uma civilização capitalista em torno do espaço urbano, como dificuldade de mobilidade urbana, saneamento ou problemas em torno do exercício profissional, a questão da moradia desponta como questão central e de certa forma preliminar a todas as demais. As condições de moradia influenciarão as relações familiares da pessoa, sua existência como tal, suas relações de trabalho, bem como a formação do tecido social. A moradia é requisito básico e fundamental do pleno desenvolvimento humano.

Em uma realidade constitucional em que se pretende implementar os preceitos da igualdade e solidariedade como formas de realização de justiça social, há a necessidade de harmonização de interesses patrimoniais e existenciais. Em verdade, a concretização da justiça social depende da incidência plena dos princípios da igualdade e solidariedade, que têm por pressuposto a remoção de todos os obstáculos sociais e econômicos para a verdadeira igualdade substancial."

https://www.travessa.com.br/direito-fundamental-a-moradia-a-necessaria-protecao-do-morador-nas-situacoes-juridicas-privadas/artigo/0e7749e4-6033-4ae1-aea1-03deb3b52160?srsltid=AfmBOorjn9UJ0HZFUyXyolj0ffrqK85Za7IvVdALr25Blu9x5miJ8v8T

sexta-feira, 9 de maio de 2025

"O instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 50 do CC/2002, não se presta para atribuir responsabilidade patrimonial a terceiros que não têm qualquer espécie de vínculo jurídico com as sociedades atingidas, ainda que se cogite da ocorrência de confusão ou desvio patrimonial, a ensejar suposta fraude contra credores."

 


Processo

REsp 1.792.271-SP, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, por maioria, julgado em 1º/4/2025.

Ramo do Direito

DIREITO CIVIL, DIREITO PROCESSUAL CIVIL

Tema

Desconsideração da personalidade jurídica. Art. 50 do CC/2002. Responsabilidade patrimonial. Terceiros sem vínculo jurídico com as sociedades atingidas. Impossibilidade. Confusão ou desvio patrimonial. Irrelevância.

Destaque

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 50 do CC/2002, não se presta para atribuir responsabilidade patrimonial a terceiros que não têm qualquer espécie de vínculo jurídico com as sociedades atingidas, ainda que se cogite da ocorrência de confusão ou desvio patrimonial, a ensejar suposta fraude contra credores.

Informações do Inteiro Teor

Cinge-se a controvérsia à possibilidade de interpretação ampliativa do instituto da desconsideração da personalidade jurídica a fim de se atingir o patrimônio de terceiros - filhos dos sócios da devedora - beneficiados por atos de confusão e desvio patrimonial.

No caso, o Tribunal de origem admitiu que os irmãos recorrentes fossem atingidos pela desconsideração tão somente pelo fato de que seus pais, sócios nas empresas do grupo econômico e também atingidos pela desconsideração clássica da personalidade jurídica, realizaram doações de imóveis e em dinheiro aos referidos filhos. Limitou a responsabilidade dos recorrentes aos bens recebidos em doação ou adquiridos com dinheiro doado por seus pais em data posterior ao "saque do título exequendo".

A norma do art. 50 do CC/2002, na antiga e na atual redação, evidencia que a desconsideração da personalidade jurídica, destinada a relativizar a separação entre o sócio e a respectiva pessoa jurídica com o propósito de combater fraudes, desvios de patrimônio e confusão patrimonial, permite a responsabilização (i) de sócios por obrigações das respectivas empresas, (ii) de empresas por obrigações de sócios e (iii) de empresas por obrigações de outras pessoas jurídicas do mesmo grupo econômico.

Nesse sentido, inexiste previsão legal ou viabilidade de interpretação ampliativa com o propósito de aplicar a desconsideração para responsabilizar os filhos pelas obrigações dos pais, mesmo que estes tenham sido atingidos por desconsideração para adimplir obrigações de sociedades das quais fazem parte.

Por outro lado, o reconhecimento da fraude contra credores pressupõe o ajuizamento de ação pauliana (CC/2002, art. 161), afigurando-se descabido declará-la em caráter incidental, no bojo de feito executivo e com amparo em normas jurídicas que disciplinam instituto diverso, somente concebido para afastar, de modo excepcional e em circunstâncias específicas, a proteção legal e a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios. Os requisitos e o procedimento para avaliar o cabimento da desconsideração da personalidade jurídica não se confundem com as questões que são objeto da demanda na qual se decide sobre a fraude contra credores.

De fato, "a desconsideração da personalidade jurídica não se assemelha à ação revocatória falencial ou à ação pauliana, seja em suas causas justificadoras, seja em suas consequências. A primeira (revocatória) visa ao reconhecimento de ineficácia de determinado negócio jurídico tido como suspeito, e a segunda (pauliana) à invalidação de ato praticado em fraude a credores, servindo ambos os instrumentos como espécies de interditos restitutórios, no desiderato de devolver à massa, falida ou insolvente, os bens necessários ao adimplemento dos credores, agora em igualdade de condições (arts. 129 e 130 da Lei n. 11.101/05 e art. 165 do Código Civil de 2002)". "A desconsideração da personalidade jurídica, a sua vez, é técnica consistente não na ineficácia ou invalidade de negócios jurídicos celebrados pela empresa, mas na ineficácia relativa da própria pessoa jurídica - 'rectius', ineficácia do contrato ou estatuto social da empresa -, frente a credores cujos direitos não são satisfeitos, mercê da autonomia patrimonial criada pelos atos constitutivos da sociedade" (REsp n. 1.180.191/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 5/4/2011, DJe de 9/6/2011).

Ademais, no âmbito da ação pauliana, ajuizada com suporte em causa de pedir específica e pedido expresso para se reconhecer a ineficácia da alienação, o credor deve demonstrar o preenchimento dos requisitos legais para configurar a fraude, quais sejam o eventus damni, o consilium fraudis (ou scientia fraudis), e, além disso, a anterioridade da dívida, na medida em que o art. 158, § 2º, do CC/2002 dispõe que "[s]ó os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles".

No caso, os recorrentes - que não eram sócios das empresas devedoras e tampouco das outras sociedades que com aquelas formavam grupo econômico - receberam bens de seus pais em data anterior ao ajuizamento da demanda e, parte deles, antes mesmo do momento em que constituída a obrigação. Tanto por isso que o Tribunal de origem, no julgamento da apelação, afastou sua responsabilidade pelo débito propriamente dito e, além disso, determinou fossem levantadas as constrições incidentes sobre bens adquiridos por doação ou com dinheiro doado pelos pais em data anterior ao saque do título executivo. Ressalta-se ainda que a Corte local não afirmou confusão patrimonial entre as empresas devedoras e os recorrentes, senão apenas entre aquelas.

A responsabilidade dos recorrentes deu-se em caráter puramente patrimonial, eis que somente foi declarada a ineficácia das alienações posteriores ao momento em que constituída a dívida. É dizer: embora tenha afirmado que estava desconsiderando a personalidade jurídica das empresas envolvidas, no que se refere aos recorrentes, o Tribunal local em verdade reconheceu a ocorrência de fraude contra credores, todavia sem que observado o procedimento previsto em lei.

Nesse contexto, viola o devido processo legal declarar a ineficácia da alienação de bens, incidentalmente, a partir de um simples requerimento do credor, que afirma a prática de atos supostamente fraudulentos, todos eles ocorridos em data anterior ao ajuizamento da ação. Não pode fazê-lo o Judiciário, por sua vez, invocando instituto jurídico impertinente, que não serve ao reconhecimento da fraude contra credores.

Dessa forma, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, previsto no art. 50 do CC/2002, não se presta para atribuir responsabilidade patrimonial a terceiros que não têm qualquer espécie de vínculo jurídico com as sociedades atingidas, ainda que se cogite da ocorrência de confusão ou desvio patrimonial, a ensejar suposta fraude contra credores.